MARCOS VINÍCIUS BENITEZ[1]
(coautor)
Resumo: Este artigo pretende pontuar questões acerca da livre manifestação de pensamento, passando pelo tratamento dado pelo constituinte para a comunicação social, além do acesso à informação regulamentado pela lei n°. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). Este estudo calca-se essencialmente de ampla pesquisa bibliográfica, por meio de uma análise crítica da legislação vigente, bem como da Constituição Cidadã.
Palavras-chave: Manifestação do pensamento; Comunicação Social; Acesso à Informação.
Abstract: This article aims to punctuate questions about free expression of thought, including the treatment given by the constituent to the media, as well as access to regulated information by law n°12.527/2011 (Access to Information Act) . This study pants is essentially extensive literature search, through a critical analysis of current legislation and of the Citizen Constitution.
Key words: Expression of thought; Social Communication; Access to information.
INTRODUÇÃO
A liberdade de pensamento, a comunicação social e o acesso à informação são assuntos correlatos. O primeiro trata-se de um direito individual, previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso IV, que declara que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
A comunicação social é trazida à baila pelo constituinte no título VIII, que trata da ordem social, em seu capítulo V, entre os artigos 220 e 224, que em suma expressa que a manifestação do pensamento, a criação, e a informação não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na Constituição. O constituinte originário expressamente definiu que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística.
Sobre o acesso à informação, este direito está positivado por meio da Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, regulamentada pelo Decreto n. 7.724, de 16 de maio de 2012. A referida lei impõe obrigações ao Estado, com o fim de garantir a todos o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5°, no inciso II do § 3° do art. 37 e no § 2° do art. 2016 da Constituição Federal. Basicamente esta lei cuida do acesso a informações e sua divulgação, do procedimento de acesso e suas restrições, das responsabilidades do agente público e militar que recusa o fornecimento da informação, entre outras nuances da referida norma.
Tanto o poder constituinte originário quanto o legislador infraconstitucional quedaram-se consideravelmente sobre estes institutos, seja a liberdade de pensamento, seja a regulamentação da comunicação social, seja o acesso à informação. Isto se reflete também no judiciário, uma vez que os Tribunais ora ou outra são instados a se manifestarem sobre os limites destas liberdades, a maneira de exercê-las ou as consequências destas em relação aos demais princípios constitucionais que balizam todo o ordenamento jurídico brasileiro.
O presente estudo pretende demonstrar que da liberdade de pensamento nasce a comunicação social livre e desimpedida de cumprir sua função primordial, que é informar e levar ao conhecimento público os fatos relevantes que ocorrem no seio da sociedade, e que a LAI concretiza a publicidade das informações produzidas pelos órgãos e instituições públicas de modo a cumprir efetivamente com o princípio da publicidade, consagrado na Constituição Federal.
Portanto é necessária uma observação mais apegada e atenta a estes temas e é o que pretende este estudo, não com o intuito de exaurir os institutos, mas somente desenhar um paralelo entre eles, de modo a produzir uma reflexão um tanto quanto mais refinada sobre estes relevantes assuntos que cuidam e afetam diretamente o exercício da democracia e cidadania brasileira.
1.DA MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO
Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda. (Cecília Meireles). A liberdade, segundo a Wikipédia é a ausência de submissão e de servidão, ou também a autonomia e a espontaneidade de um sujeito racional. Sob o prisma jurídico, a liberdade é um ponto nevrálgico do comportamento humano e de toda a sociedade. Grande parte da literatura tratou deste tema desde os primórdios das civilizações antigas, passando pela Idade Média, chegando aos dias atuais. A liberdade de manifestação do pensamento é um direito fundamental de primeira dimensão, consistente em uma prestação negativa por parte do Estado, qual seja: não interferir na consciência e vontade do povo, nem coibir os cidadãos de expressarem suas ideias por quaisquer meios. Obviamente este não é um direito absoluto, pois constatar a existência de um direito absoluto desequilibraria todo e qualquer ordenamento jurídico, posto que a lei e o direito é interligado em um sistema interdependente com freios e contrapesos, a fim de garantir a ordem pública e o próprio contrato social e a existência da figura do Estado.
A Wikipédia, enciclopédia colaborativa define pensamento como uma forma de processo mental ou faculdade do sistema mental, bem como considera o pensamento como a expressão mais palpável do espírito humano. Logo, a livre manifestação do pensamento é um ato humano natural, ato intrínseco do ser humano cognoscente e consciente. Imaginar que o Estado possa ditar ou controlar este ato nos remete aos romances de ficção científica da primeira metade do século XX, tal qual o livro do escritor George Orwell, 1984, onde naquele mundo fictício o Estado ditatorial considerava crime o ato de pensar, aliás, considerava crime o ato de pensar fora do que o Partido determinasse.
No livro, a manipulação se dava também pelo controle da comunicação, por meio das notícias e da informação que chegava aos cidadãos, pois no Estado de 1984, a mídia era uníssona em reverberar somente aquilo que fosse produzido e ratificado pelo controle estatal, o “Grande Irmão”.
Embora a livre manifestação de pensamento configure um direito fundamental, este se contrapõe a “inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (BEZNOS, Clovis.2011, p.07)”. A aparente colisão de direitos, livre manifestação de pensamento versus inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas não ocorre, pois conforme Clóvis Beznos, citando Celso Antônio Bandeira de Mello, com base em lição de Alessi, preleciona:
Convém desde logo observar que não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são expressões daquelas, porém tal como admitidas em um dado sistema normativo. Por isso, rigorosamente falando, não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade – é a brilhante observação de Alessi – uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há, isso sim, limitações à liberdade e à propriedade.
Ainda na lição de Clóvis Beznos:
[...]Destarte a Carta Magna garanta o exercício da livre manifestação de pensamento, esta também assegura o direito de resposta em caso de agravo, a indenização por dano material, moral ou à imagem, e quando o faz afirma a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, nada mais está fazendo que proceder ao desenho do perfil do direito de liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de expressão.
A livre manifestação do pensamento é um bem jurídico muitíssimo precioso, uma vez que necessário para o exercício dos demais direitos garantidos constitucionalmente, tal qual o direito ao voto ou a livre associação por exemplo. Nesta toada, forçoso citar o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 187 pelo Supremo Tribunal Federal, que liberou a realização dos eventos chamados “marcha da maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga. Em seu voto o Ministro Celso de Mello, referindo-se a “marcha da maconha” disse:
Trata-se, portanto, de movimento social espontâneo que reivindica a possibilidade, através da livre manifestação do pensamento, da discussão democrática do modelo proibicionista e dos efeitos que produziu em termos de incremento da violência. (Grifo nosso).
Conforme brevemente demonstrado, a livre manifestação de pensamento é contemplada no rol de direitos e garantias individuais, não à toa, porquanto fundamental à democracia. Citando ainda, o brilhante voto do Ministro Celso de Mello, a respeito da escolha do constituinte originário em não reprimir o exercício da livre manifestação de pensamento:
Essa repulsa constitucional bem traduziu o compromisso da Assembleia Nacional Constituinte de dar expansão às liberdades do pensamento. Estas são expressivas prerrogativas constitucionais cujo integral e efetivo respeito, pelo Estado, qualifica-se como pressuposto essencial e necessário à prática do regime democrático. A livre expressão e manifestação de ideias, pensamentos e convicções não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícitas interferências do Estado.
Como desdobramento deste exercício, a Constituição Cidadã também garante que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (grifo nosso), nos termos do inciso IX, do artigo 5° da CF.
2. DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Pode-se dizer que a Comunicação Social é o estudo das ligações existentes entre a sociedade, propriamente dita, com os meios de comunicação de massa – rádio, revista, jornal, televisão e internet, por exemplo –, e suas consequências.. Está elencada nos processos não só de informar, mas sobretudo, em persuadir e entreter àqueles que assistem/ouvem. E, considerando o avanço tecnológico, está presente em praticamente todos os relevos do mundo contemporâneo.
Luis Roberto Barroso lecionando sob a comunicação social do ponto de vista jurídico-normativo:
A comunicação social insere-se em um amplo universo formado pelas liberdades de expressão, de informação e de empresa. A rigor técnico, comunicação social designa qualquer forma de transmissão de valores, ideias, sentimentos e informações no âmbito de um determinado grupo, por meio de técnica diversas como a expressão corporal, a fala, a escrita ou a combinação de sons e imagens. (BARROSO, Luís Roberto, 2008, pg3)
A comunicação social está inserida no quinto capítulo do Título VIII da Constituição do Brasil, na parte dedicada a Ordem Social, ao lado de temas como saúde, educação, família e meio ambiente, por exemplo (SAPPER, Sadi Macedo e Herbelê, Antônio Luiz O, 2006, pg 2). São cinco artigos que cuidam essencialmente de declarar que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, não sofrerão qualquer restrição por parte do Legislador.
O artigo 221 seguintes tratam dos princípios que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem seguir, como por exemplo a promoção da cultura nacional e o respeito aos valore éticos e sociais da pessoa e da família.
O artigo seguinte, cuida da propriedade de empresa jornalística e radiodifusão, que, por razões de interesse nacional é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas com sede no Brasil, submetidas ao ordenamento jurídico pátrio.
O artigo 223 trata da competência do Poder Executivo, na outorga e renovação da concessão, permissão e autorização das emissoras de televisão e rádio. Assunto este polêmico e que merece um aprofundamento maior em outro estudo, o qual não é objeto do presente trabalho.
Importante destacar também a instituição do Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, por meio da lei 8.389, de 30 de dezembro de 1991, que tem como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações sobre liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação; propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social; diversões e espetáculos públicos; produção e programação das emissoras de rádio e televisão; monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social; finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão; promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística; complementariedade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão; defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal; propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.
Nota-se que a Comunicação Social é também, sob o prisma jurídico legal, um Direito Humano, uma vez que compreende os direitos fundamentais de primeira e segunda geração.
Ainda sobre a não restrição sob qualquer forma, consagrado no artigo 220 da CF imperioso colacionar o voto do ilustre Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello, no AI 705.630-AgR, em que este afirma que a liberdade de imprensa deve ser preservada, ainda que com duras críticas a pessoas públicas, in verbis:
A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, entre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar e o direito de criticar. A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais. A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Jurisprudência. Doutrina. O STF tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático. Mostra-se incompatível com o pluralismo de ideias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais) o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus Juízes e Tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa.” (AI 705.630-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-3-2011, Segunda Turma, DJE de 6-4-2011.) (Grifos deste autor)
Demonstrou-se neste capítulo que a Comunicação Social cuida de informar a sociedade, para tanto essa não pode sofrer ingerência de ordem normativa, nem servir a interesses diferentes do que os princípios republicanos e democráticos tais qual o livre acesso à informação, por exemplo.
Para arrematar o capítulo que trata da Comunicação Social, colacionamos o voto do Ministro Relator da ADPF N°130, que julgou a Lei de Imprensa incompatível com a Constituição de 1988, porquanto, no entendimento da maioria dos Ministros tolhia a liberdade de informação, in verbis:
O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isso sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma CF: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito à indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 611-2009.)
Tem-se portanto que a Comunicação Social é de longe o sistema de propagação de informação e ideias mais poderoso que existe, englobando também a rede mundial de computadores, portanto merecedora de especial atenção do Constituinte, bem como do legislador originário, que deve agir de modo a facilitar a livre circulação de notícias e informações, para o bem de toda a sociedade, de maneira que este conhecimento produzido possa cumprir com o seu papel social, que é o de levar o maior número de mensagens ao maior contingente de pessoas, formando cidadãos críticos e conscientes de seus papéis na sociedade.
3. DO ACESSO À INFORMAÇÃO
Informação é a resultante do processamento, manipulação e organização de dados, de tal forma que represente uma modificação (quantitativa ou qualitativa) no conhecimento do sistema (humano, animal ou máquina) que a recebe (Serra, J. Paulo, 2007, p.93).
O primeiro país a ter um marco legal referente o acesso à informação foi a Suécia, em 1766. Na América do Norte os EUA aprovaram sua Lei de Liberdade de Informação em 1966. Na América Latina a Colômbia foi vanguardista já em 1888, já o México positivou uma lei só em 2002.
Nota-se que a tendência dos países é a disponibilização das informações públicas de maneira total e quase irrestrita. O acesso à informação faz parte de uma cultura de acesso, onde a demanda da população é vista como legítima, uma vez que o povo é soberano e serve-se das leis e do Estado para a sua preservação, evolução e concretização de sua dignidade.
A LAI sujeita a União, o Distrito Federal, os Municípios, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, as Autarquias e Fundações Públicas, Empresas Públicas, sociedades de economia mista, entidades controladas direta e indiretamente pelos entes da federação, além entidades privadas sem fins lucrativos que recebem recursos públicos.
O acesso à informação é um conceito que está intimamente ligado ao conceito de transparência pública, ao princípio da publicidade dos atos administrativos, a gestão democrática e a participação popular. Previsto no artigo 5°, inciso XXXIII da CF, no rol de direitos e garantias individuais, positivado da seguinte forma:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
A interpretação do referido dispositivo constitucional pode ser feita de inúmeras maneiras reconhecidas pela doutrina hermenêutica, seja o método sistemático, o histórico, o sociológico, o teleológico-finalista ou seja do ponto de vista do neoconstitucionalismo, é importante verificar a maneira que o legislador ordinário incorporou a lei 12.527/2011 ao tecido jurídico-constitucional brasileiro.
A referida lei, regulamentada pelo Decreto nº 7.724, de16 de maio de 2012 foi comemorada pelo fato de seu conteúdo instrumentalizar a população com mecanismos para acompanhar os gastos públicos, além de oferecer uma ampla divulgação dos atos administrativos de uma maneira mais palatável do que o velho diário oficial de outrora. Dessa forma, conceitos novos foram inseridos no arcabouço jurídico brasileiro. Transparência Ativa, Gestão Democrática, Participação Popular. Estes conceitos ganharam nova roupagem com esta legislação mais moderna, materialmente inteligível e formalmente mais simples de se entender.
Transparência Ativa nada mais é do que a atitude proativa da administração pública em oferecer a todos os cidadãos meios de se informar sobre os atos administrativos emanados por ela. Inclui-se neste serviço, o oferecimento do E-SIC – Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão, que funciona como um SAC. Nele qualquer pessoa física ou jurídica pode protocolar pedido de informação sobre as atividades dos órgãos e instituições.
A LAI, como é conhecida, muniu o cidadão sobremaneira, uma vez que estatuiu o mínimo de informações os órgãos públicos e assemelhados devem fornecer na internet para o conhecimento público geral.
As principais informações que necessitam de publicidade, dizem respeito principalmente ao conteúdo institucional, financeiro e orçamentário de cada órgão. Entre eles podemos citar os registros de repasses e transferências de recursos financeiros, contratos celebrados, despesas, projetos e obras, por exemplo.
Além disso, definiu também os requisitos de acessibilidade que os órgãos devem cumprir para o acesso de pessoas com deficiência, bem como deliberou a estrutura e pessoal necessários para a implementação da lei. Ademais, a LAI estabeleceu também o procedimento do processamento dos pedidos de informação, os recursos cabíveis administrativamente em caso da negativa de acesso, tratou do sigilo dos documentos, deu tratamento especial as informações pessoais e a responsabilidade dos agentes públicos no manejo destas.
Para a Lei de Acesso à Informação o sigilo é a exceção e a publicidade é a regra. Segundo ela, somente os atos que possam atentar ao interesse e soberania nacional, à segurança ou ponha em risco a vida das pessoas ou a existência das instituições.
Na LAI a publicidade é a regra. Para ilustrar esta premissa colacionamos o voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no julgamento do Mandado de Segurança 20895 DF 2014/0063842-2, in verbis:
O não fornecimento dos documentos e informações a respeito dos gastos efetuados com cartão corporativo do Governo Federal, com os detalhamentos solicitados, constitui ilegal violação ao direito líquido e certo do impetrante, de acesso à informação de interesse coletivo, assegurando pelo art. 5o., inciso XXXIII da Constituição Federal e regulamentado pela Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).2. Inexiste justificativa para manter em sigilo as informações solicitadas, pois não se evidencia que a publicidade de tais questões atente contra à segurança do Presidente e Vice-Presidente da República ou de suas famílias e nem isso restou evidenciado nas informações da digna Autoridade. 3. A transparência das ações e das condutas governamentais não deve ser apenas um flatus vocis, mas sim um comportamento constante e uniforme; de outro lado, a divulgação dessas informações seguramente contribui para evitar episódios lesivos e prejudicantes; também nessa matéria tem aplicação a parêmia consagrada pela secular sabedoria do povo, segundo a qual é melhor prevenir, do que remediar. Publicação: DJe 25/11/2014 (Grifo nosso).
Quanto aos prazos de duração do sigilo, são eles: cinco anos para as informações classificadas como reservadas, quinze anos para as classificadas como secretas e vinte e cinco anos para as informações classificadas como ultrassecretas. Vale frisar que o prazo das informações ultrassecretas pode ser renovados por mais um período de vinte e cinco anos.
Importante destacar que a LAI cria uma Comissão Mista de Reavaliação de Informações, que cuida de requisitar esclarecimentos sobre as informações classificadas como secretas e ultrassecretas, rever esta classificação, bem como prorrogar o sigilo das informações classificadas como ultrassecretas.
Outra inovação do legislador ordinário quando da edição da LAI foi a criação de meios para punir os agentes públicos e militares que a desrespeitem. A implementação da LAI envolve esforços voltados ao fomento da cultura de transparência de acesso, a conscientização do direito fundamental de acesso à informação, bem como o monitoramento de sua aplicação por parte dos órgãos públicos e assemelhados.
Uma das questões polêmica da LAI é a divulgação da folha de pagamento dos servidores de órgãos e entidades públicas. Sobre isto o Supremo Tribunal Federal se manifestou em 2015, pacificando a questão no sentido de que o princípio da publicidade sobressai neste caso ao da privacidade do particular, in verbis
Direito à informação de atos estatais, neles embutida a folha de pagamento de órgãos e entidades públicas. (...) Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo ‘nessa qualidade’ (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. (...) A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública” (SS 3.902-AgR-segundo, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 9-6-2011, Plenário, DJE de 3-10-2011.) No mesmo sentido: RE 586.424-ED, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 24-2-2015, Segunda Turma, DJE de 12-3-2015. (Grifo nosso)
Como denota-se, a publicidade dos atos administrativos é a regra que deve ser observada, constituindo-se uma obrigação ao Estado, no sentido de oferecer uma prestação positiva, tornando público ampla maioria dos seus atos, de modo a viabilizar o cumprimento do princípio da publicidade manifesta pela transparência pública.
CONCLUSÃO
O presente artigo buscou suscintamente traçar um paralelo entre o direito a livre manifestação do pensamento, a comunicação social, culminando na Lei de Acesso à Informação.
Conforme foi visto, a livre manifestação do pensamento consiste em um fato anterior e além do mundo jurídico, porquanto uma característica inata da consciência humana. Impensável uma sociedade onde cada ato verbalizado sofresse o controle estatal. No entanto, por mais que o constituinte tenha estabelecido a liberdade de manifestação como um dos pilares da democracia, também deu possibilidade ao ofendido de responder proporcionalmente ao agravo, cabendo pleitear por eventual dano material, moral ou à imagem, consoante o estatuído no inciso V, do artigo 5° da CF.
A Constituição de 1988 transparece tão ansiosa por oferecer liberdade ao seu povo, pois promulgada após vinte e um anos de repressão por parte de um Estado Policial que combateu fortemente as forças dissidentes, utilizando-se da tortura, perseguição, entre outras práticas condenáveis para um país com seus habitantes. Tanto é que a palavra liberdade aparece nada mais nada menos do que dezenove vezes na Carta Magna. A palavra livre, vinte e nove vezes.
Discutir a livre manifestação de pensamento é urgente nos dias atuais, visto que transitam no Congresso Nacional projetos de leis que representam um retrocesso inimaginável ao direito de discutir nas salas de aulas questões de formação sociológica e humanística, tal como o Projeto de Lei 867/2015, PL 7180/2014 e o PL 1411/2015.
Já a Comunicação Social, materialização da manifestação de pensamento coletiva, direcionada a informar e propagar notícias e ideias plurais mereceu atenção do constituinte mais tendente a positivar os princípios a serem seguidos na produção e programação de rádio e TV, concernentes a promoção da cultura nacional, respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Além disso delega ao Poder Executivo a outorga, permissão e autorização para o serviço de rádio e TV. Ademais, compartilha esta tarefa com a iniciativa privada, no entanto, no entender deste autor, erra quando aleija o espectador de exercer um controle maior sobre a qualidade do conteúdo que pretende receber, bem como as emissoras estatais ficam tolhidas de investimentos públicos, o que compromete ainda mais a qualidade da programação da televisão brasileira. Em contrapartida o legislador originário estabeleceu a criação de um Conselho de Comunicação Social, órgão de consulta do Congresso Nacional, a quem em tese caberia a atribuição para a realização de estudos sobre as questões relativas a qualidade da programação e o atendimento ao positivado no artigo 224 da CF.
A respeito da Lei de Acesso à Informação cabe destacar que a sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro representou um avanço muito grande no que tange ao controle e a divulgação dos atos praticados pela Administração Pública. A LAI trouxe princípios axiológicos dignos de nota: transparência, publicidade e a democratização da informação produzida pelo poder público.
Este estudo propôs-se a demonstrar que o nascedouro de toda e qualquer lei que sirva à sociedade é o pensamento humano. Que o pensamento humano só pode florescer em um ambiente livre da vigilância, censura ou controle. E mais. Que a Comunicação Social exerce um papel fundamental na sociedade dita democrática, porquanto proporciona um ambiente onde predomina a pluralidade de ideias, o enriquecimento por meio do debate, a reflexão e a expressão do pensamento criativo. Dito isto, indo mais adiante no raciocínio, tem-se diante de nós a análise da lei de Acesso à Informação, que nada mais é do que a resposta do legislador ordinário ao anseio da população que deseja participar da gestão da coisa pública, além de tornar-se consciente dos gastos e atos praticados pela Administração Pública. A LAI é a expressão da prestação da comunicação institucional do poder público e seus órgãos aos nacionais. Fecha-se assim a tríade liberdade, comunicação e informação. Liberdade de manifestação de pensamento, caraterística das sociedades democráticas, comunicação pública efetiva e de qualidade, informação pública verossímil e desembaraçada a todos quanto a buscam.
Referências Bibliográficas
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BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5. °, no inciso II do § 3. ° do art. 37 e no § 2. ° do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n. 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de nov. 2011.
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[1]Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Anhanguera Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. E-mail: [email protected]
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) e especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Felipe Augusto da. Da livre manifestação do pensamento à lei de acesso à informação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 ago 2023, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62604/da-livre-manifestao-do-pensamento-lei-de-acesso-informao. Acesso em: 26 dez 2024.
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