RESUMO: Hodiernamente, o ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas deve ser, sim, entendido como uma das piores formas de trabalho infantil. A despeito do aparente conflito existente entre as normas penais e normativas internacionais, a visão da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é aquela que mais se coaduna com o aspecto protetivo que deve ser dado aos infantes
Palavras-chave: Prevenção. Ato infracional. Princípios. ECA.
INTRODUÇÃO
Insta esclarecer que os caminhos oferecidos pelo tráfico de drogas devem servir de reflexão sobre as falhas estruturais existente na sociedade tanto antes do cometido do ato infracional pela criança ou adolescente, quanto nas atuais formas de prevenção e reeducação desses jovens.
Além mais, as políticas que visem a redução de estatísticas criminais devem observar prioritariamente os direitos fundamentais dos infantes que se encontram pulverizados em diversas diretrizes legais nacionais e internacionais, dentre as quais destacam-se: as Recomendações OIT no. 190, de 1999 (12, “c”), Convenção OIT no. 182, artigo 3º - alínea “c” - mas também a “d”, Decreto 6.481, de 12/06/2008 9Art. 4º , inciso III). A Lei 8.069/1990, a Lei do SINASE (Lei 12.594, 18/01/2012) e a Convenção da ONU.
É notório que discussões sobre o envolvimento do adolescente no mundo do tráfico têm ganhado força nos últimos anos, pois as condições de vida a que são submetidos enquanto participantes desse universo são degradantes e preocupam o Poder Público e a sociedade.
A partir do fortalecimento das políticas públicas de combate ao crime organizado e do aliciamento de menores seria possível reduzir o número de envolvidos em algum tipo de situação ilícita, pois muitos adolescentes são conduzidos por promessas de ganhos fáceis e dinheiro rápido, o que não acontece (MARQUES, 2022), já que, na realidade, tal participação trata-se de uma violação e direitos, pois considerada uma das piores formas de trabalho infantil.
A internação de adolescentes que cometem atos infracionais não parece ser uma solução, na medida em que a desejada ressocialização ou reeducação não acontece de maneira eficaz; diante da superlotação dos espaços e tratamentos que não condizem com as normativas estabelecidas sobre os direitos humanos. Sendo, assim, alguns dos graves problemas que permeiam a vivência dos adolescentes dentro de tais unidades de internação.
Desse modo, o presente artigo busca através de uma abordagem metodológica de natureza bibliográfica, discutir aspectos relacionados com a ineficiência da atuação estatal tanto na prevenção do envolvimento do adolescente com o mundo do tráfico de entorpecentes, quanto na reeducação desse ser sujeito de direitos.
REFERENCIAL TEÓRICO
O objeto de tal artigo, de forma paralela, também tem por objetivo trazer questionamentos sobre o modo que o tráfico de drogas oferece oportunidades para que adolescentes entrem no mundo do crime. Para Costa e Barros (2019), o tráfico de drogas no Brasil constitui um sistema complexo por alimentar diversos outros tipos penais e alimenta uma das formas de trabalho infantil mais perigosas e duras dentro da sociedade, pois uma vez que as pessoas adentram esse caminho, torna-se desafiador sair dele.
Marques (2022) em sua pesquisa argumenta que o tráfico de drogas, assim como o comércio de substâncias entorpecentes e ilegais, constitui, em verdade, um modelo de trabalho que pode ser definido como um dos piores de todo o mundo. Aproximadamente 46,14% de adolescentes que cumprem alguma medida socioeducativa no Brasil tiveram algum envolvimento com o universo do tráfico, sendo, portanto, um problema de ordem pública muito grave e vergonhoso, devendo ser combatido de forma responsável pelos governantes e por toda a sociedade.
Para Bianca Pyl[1], o tráfico de drogas[2] representa um esquema complexo que deve ser enfrentado com toda a força estatal, principalmente por representar uma das piores formas de trabalho infantil, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT)[3].
Costa et al (2022) entende que há muitos problemas a serem enfrentados quando o assunto é combate às infrações penais e atos infracionais cometidos por adolescentes e não apenas no que diz respeito ao aspecto preventivo do ato infracional, mas também e com a mesma importância, uma atuação orientada à reeducação desse adolescente, quando infelizmente a prática infracional acontece.
Além mais, cabe destacar que diversos princípios regem os atendimentos a adolescentes aos quais seja atribuída a autoria de ato infracional. Sendo diretrizes e normativas que precisam ser observadas como forma de garantir que os direitos de tais adolescentes.
Nesse sentido, o adolescente em cumprimento de medida de internação devido à prática de alguma conduta que seja caracteriza como ato infracional, deve ser tratado pelo Estado de tal forma que sua permanência na unidade possa verdadeiramente propiciar e garantir a sua reeducação.
É peremptório que cada adolescente seja tratado de maneira individual e humanizada, considerando a complexidade da conduta praticada. Do mesmo modo devem ser valorizados os vínculos familiares de forma a fortalecê-los durante o seu período de permanência na unidade, por meio de uma ação conjunta entre Estado, família e sociedade com a finalidade de possibilitar que de fato ocorra uma reflexão sobre a conduta praticada e não apenas a repressão na forma da letra fria da lei (SANTOS, 2022).
Segundo Coscioni et al (2019), o maior problema quando o assunto envolve adolescentes que praticam atos infracionais, trata-se da questão da aliciação por organizações criminosas, como forma de escapar do poder punitivo do Estado, uma vez que a aplicação de reprimenda ocorrerá de maneira distinta ao adolescente; tendo, teoricamente, uma prevalência do caráter pedagógico.
Diante disso, medidas educacionais preventivas devem fazer parte das políticas de enfrentamento ao mundo do tráfico. A família também precisa estar atenta aos detalhes da rotina de seus filhos como mais uma forma de proteção e combate às possibilidades ilícitas existentes na sociedade (COSTA, 2021).
O objetivo do ECA ao estabelecer medidas de internação foi de proporcionar ao adolescente a possibilidade de restabelecimento de sua condição social, bem como trabalhar aspectos pedagógicos e de orientação a tais sujeitos de direitos.
Na visão de Bahnert (2022), o ECA representa muitos avanços quando comparado ao antigo Código de Menores[4]. Porém, mesmo com todas as conquistas trazidas pela normativa, ainda há muito a se realizar no mundo concreto, através de ações que, de fato, viabilizem a concretização da letra da lei. O adolescente que tem contato com o mundo do crime não pode ficar à mercê dos criminosos, ele precisa ser de alguma forma protegido, pela sociedade, pelos poderes constituídos e pela sua própria família.
Nesse contexto, destaca-se que os infantes envolvidos no tráfico de drogas enfrentam um antagonismo, pois não devem ser vistos somente como um ser humano que cometeu um ato infracional, mas sim e, principalmente, deve-se lançar um olhar para alguém que se tornou vítima de uma falha estrutural social. Afastando-se,assim, uma visão unidirecional do problema.
Além mais, tornar-se imprescindível a observância do número de mortes correlacionadas com o tráfico de drogas. Estudos apontam que 51,8% dos óbitos de pessoas entre 15 e 19 são registradas como homicídio. Esses jovens foram mortos! Jovens esses que, em sua grande maioria, são negros, moradores da periferia e com pouca escolaridade.
Denota-se, assim, que tal parcela da população é submetida a diversos cenários de exceção; tornando-se urgente um olhar mais humano para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes; em especial nos locais onde as múltiplas vulnerabilidades estão mais presentes. Portanto a prioridade deve ser a prevenção do envolvimento de adolescentes e jovens com o tráfico de drogas, por meio da destinação orçamentária privilegiada e que visem garantir os direitos de forma integral a essa parcela da população, conforme preconiza a regra da prioridade absoluta.
CONCLUSÃO
O Estatuto da criança e do adolescente, importante instrumento que estabelece uma série de princípios e regras direcionadas à proteção do adolescente, deve ser lido de forma conjunta às diretrizes estabelecida na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que identifica a “utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes”, como uma das piores formas de trabalho infantil, junto ao abuso sexual e à escravidão.
Diante disso o Estado, sociedade e família devem estar atentos sobre as suas responsabilidades frente ao combate de tal violação de direito, de forma tanto a se evitar a prática do ato infracional, quanto ao enfrentamento de forma condizente as normativas protetivas à saúde, vida e educação de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Portanto, a letra da lei deve funcionar na prática e não apenas ser um fio condutor de forma a inviabilizar ainda mais crianças e adolescentes que enxergam o tráfico de drogas como meio de sobrevivência.
REFERENCIAS
BAHNERT, Karoline Milene da Silva. Medidas socioeducativas e tráfico de drogas: uma análise do perfil dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto por tráfico de drogas no creas II de Foz do Iguaçu/PR. UNILA, 2022. Disponível em: https://dspace.unila.edu.br/bitstream/handle/123456789/6965/Medidas%20Socioeducativas%20e%20Tr%C3%A1fico%20de%20Drogas%3A%20uma%20An%C3%A1lise%20do%20Perfil%20dos%20Adolescentes%20em%20Cumprimento%20de%20Medidas%20Socioeducativas%20em%20Meio%20Aberto%20por%20Tr%C3%A1fico%20de%20Drogas%20no%20CREAS%20II%20de%20Foz%20do%20Igua%C3%A7u/PR?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 24 de jul. de 2023.
COSCIONI, Vinicius et al. Significados do mundo do crime para adolescentes em unidades socioeducativas, Brasil. Scielo, 2019. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S1692-715X2019000200318&script=sci_arttext. Acesso em 20 de jul. De 2023.
COSTA, Ana Paula Motta; BARROS, Betina Warmling. “Traficante não é vagabundo”: trabalho e tráfico de drogas na perspectiva de adolescentes internados. Scielo, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/nBpd5y3p8gmtfzVhrMWSNkd/#. Acesso em 20 de jul. De 2023.
COSTA, André Felipe Mendonça da. A ineficácia das medidas socioeducativas de internação no brasil e as condições do adolescente em conflito com a lei. UNA, 2021. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/18346/1/A%20Inefic%C3%A1cia%20das%20Medidas%20Socioeducativas%20de%20Interna%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil%20e%20as%20Condi%C3%A7%C3%B5es%20do%20Adolescente%20em%20Conflito%20com%20a%20Lei.pdf. Acesso em 20 de jul. De 2023.
MARQUES, Raquel. O trabalho infantil na comercialização de substância ilícitas. Livre de Trabalho Infantil, 2022. Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/o-trabalho-infantil-na-comercializacao-de-substancias. Acesso em 31 de jul. de 2023.
PYL, Bianca. O trabalho infantil no tráfico de drogas e a punição das vítimas. Livre de trabalho infantil [s.d.]. Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/especiais/trabalho-infantil-sp/reportagens/o-trabalho-infantil-no-trafico-de-drogas-e-a-punicao-das-vitimas/. Acesso em 31 de jul. de 2023.
SANTOS, Suhelem Brasil. Além dos muros: possibilidades de articulação entre o Plano Individual de Atendimento e o projeto de vida do adolescente em medida socioeducativa de internação. UNB, 2022. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/34585/1/2022_SuhelemBrasilSantos_tcc.pdf. Acesso em 20 de jul. De 2023.
ROTONDI, B. Tráfico de drogas: pior forma de trabalho infantil. Disponível em: <https://prioridadeabsoluta.org.br/noticias/trafico-de-drogas-pior-forma-de-trabalho-infantil/>. Acesso em 31 de jul. de 2023.
[1] Apesar de ser considerado uma das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), regulamentada por meio do Decreto nº 6.481/2008, a atuação de adolescentes no tráfico de drogas, em geral, não é considerada como trabalho infantil pela Justiça brasileira, e sim como crime. Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/especiais/trabalho-infantil-sp/reportagens/o-trabalho-infantil-no-trafico-de-drogas-e-a-punicao-das-vitimas/.
[2] Se por um lado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera a atividade como ato infracional passível de aplicação de medida socioeducativa, incluindo a internação, o Decreto 3.597/2000, que regulamenta a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, enquadra o tráfico de drogas como trabalho infantil e determina ações imediatas para a sua eliminação. Essa ambiguidade jurídico-normativa acaba colocando os adolescentes sempre na chave do “crime”. Ao invés de trabalhadores expostos a situações degradantes de trabalho, tornam-se autores de ato infracional. Em termos práticos, são socialmente considerados “bandidos”, embora não o sejam perante a lei. Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/especiais/trabalho-infantil-sp/reportagens/o-trabalho-infantil-no-trafico-de-drogas-e-a-punicao-das-vitimas/.
[3] Artigo 3º Para os fins desta Convenção, a expressão as piores formas de trabalho infantil compreende: a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, comovenda e tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; b) utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas; c) utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes; d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança. Disponível em: https://www.tst.jus.br/documents/2237892/0/Conven%C3%A7%C3%A3o+182+da+OIT+sobre+Proibi%C3%A7%C3%A3o+das+piores+formas+de+trabalho+infantil+e+A%C3%A7%C3%A3o+imediata+para+sua+elimina%C3%A7%C3%A3o.
Pós-graduada em Direito e Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, RAPHAELA DA SILVA. O tráfico de drogas como uma das piores formas de trabalho infantil e sua relação no ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 ago 2023, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62626/o-trfico-de-drogas-como-uma-das-piores-formas-de-trabalho-infantil-e-sua-relao-no-ordenamento-jurdico. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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