RICARDO ALEXANDRE RODRIGUES GARCIA
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho foi realizado com o objetivo de analisar a efetividade dos mecanismos de proteção para as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual intrafamiliar. É indiscutível que os direitos da personalidade da criança e do adolescente gozam de proteção especial na Constituição Federal. Essa proteção é conferida em razão da condição de serem considerados vulneráveis, os quais estão sujeitos à prática de violência intrafamiliar. Pautado no Direito Penal e nos textos constitucionais, foi feita uma análise introdutória. Após, foram analisados os textos constitucionais que se referem aos direitos das pessoas, como o Princípio da Dignidade Humana. Em sequência, foram analisados os conceitos da vulnerabilidade e do abuso sexual intrafamiliar, bem como os reflexos no desenvolvimento da criança. Ademais, tratou-se acerca dos mecanismos de proteção. O trabalho foi desenvolvido utilizando-se a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos e legislações, analisando o entendimento e as consequências sobre a temática.
Palavras-chave: Mecanismos de Proteção. Violência Sexual Intrafamiliar. Personalidade. Criança e Adolescente. Constituição Federal.
ABSTRACT: The present work was carried out with the objective of analyzing the effectiveness of protection mechanisms for children and adolescents who are victims of domestic sexual violence. It is indisputable that the personality rights of children and adolescents enjoy special protection in the Federal Constitution. This protection is conferred due to the condition of being considered vulnerable, which are subject to the practice of intrafamily violence. Based on Criminal Law and constitutional texts, an introductory analysis was made. Afterwards, the constitutional texts that refer to people’s rights, such as the Principle of Human Dignity, were analyzed. Next, the concepts of vulnerability and intrafamilial sexual abuse were analyzed, as well as effects on the child’s development. In addition, it was about the protection mechanisms. The work was developed using a literature review based on bibliographic research, through research on websites, doctrines, articles and legislation, analyzing the understanding and consequences on the subject.
Keywords: Protection Mechanisms. Intrafamilial Sexual Violence. Personality. Child and Teenager. Federal Constitution.
1 INTRODUÇÃO
O objeto deste estudo surgiu a partir da preocupação no que tange à proteção, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, do direito das crianças e adolescentes, notadamente das vítimas de violência sexual intrafamiliar, que foram tratados, por muito tempo, como indivíduos sem importância, de maneira que não eram considerados dignos de garantias e proteção.
Sabe-se que, no momento atual, muitas crianças e adolescente são vítimas de variados tipos de violência, como a violência sexual. Estando, a maioria dos casos, ligados ao ambiente familiar, isto é, os agressores estão relacionados à vítima de forma que podem ser apontados os pais, irmãos, avós, tios, padrasto, madrasta e entre outros familiares. Deste modo, o que caracteriza este tipo de violência é ser praticado pelo integrante familiar, constituído por conexão de parentesco natural, de afinidade e afetividade, desde que, os afetivos morem no mesmo ambiente.
Dentre as modalidades de violência, tem-se: a violência física, o abuso sexual, o abandono ou a negligência e a violação psíquica, também denominada de violência psicológica ou emocional.
Por fim, ressalte-se a importância do Poder Judiciário em garantir a proteção ao menor abusado ou alienado, atenuando-lhe os danos. Tanto a vítima como sua família deverão ser acompanhados e tratados por uma equipe multidisciplinar com experiência nessa área. Todas essas ações devem priorizar o superior interesse da criança e do adolescente.
O trabalho foi desenvolvido utilizando-se a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos, e legislações, analisando o entendimento e as consequências sobre a temática.
2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Como se sabe, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, as crianças e os adolescentes gozam de proteção especial, devendo lhes ser garantida, acima de tudo, uma vida digna, bem como a preservação de sua integridade física e psicológica, para que possam se desenvolver suas personalidades de forma saudável.
No que se refere à esta especial proteção, possui como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que possui normativa jurídica disposta no artigo 1º da Constituição Federal.
Para Cármen Lúcia Antunes Rocha (1999):
O princípio da dignidade da pessoa humana entranhou-se no constitucionalismo contemporâneo, daí partindo e fazendo-se valore em todos os ramos do direito. A partir de sua adoção, se estabeleceu uma nova forma de pensar e experimentar a relação sociopolítica baseada no sistema jurídico; passou a ser princípio e fim do Direito contemporaneamente produzido e dado à observância no plano nacional e no plano internacional.
Já no que se refere ao texto do artigo 227 referida Constituição, traz consigo de que é assegurado à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação e à convivência familiar e comunitária, em observância ao Princípio da Proteção Integral, atribuindo-se à família, à sociedade e ao Estado o dever de garantir a efetivação dessas prerrogativas.
Nesse contexto, como todo sujeito de direitos, é inequívoco que a criança e o adolescente sejam também titulares dos direitos da personalidade, os quais, segundo Rubens Limongi França, seriam as “faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos.”.
Com relação aos direitos da personalidade, o Código Civil dispõe dos artigos 11 e 21 sobre a tutela específica de direitos da personalidade, como o direito à intimidade, ao nome, à honra e à imagem. Já de forma específica, a Lei nº 8.069/1990, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, não faz alusão à expressão “direitos da personalidade”, todavia, toda sua redação está permeada de disposições que tratam de tais direitos.
Encontra-se disposto no artigo 15 do ECA, que a criança e do adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e das leis ordinárias. O referido artigo aliado aos artigos 16 a 18, também do ECA, correspondem diretamente aos direitos da personalidade do menor, embora não esteja diretamente expresso.
Nessa dinâmica, conseguimos adentrar ao fato de que, estando a criança e o adolescente abrangidos pelos direitos da personalidade, de igual modo, estão abrangidos por todo e qualquer direito cidadão, ou seja, qualquer meio que venha a ferir sua liberdade, dignidade e integridade física e psíquica.
Desse modo, os direitos à convivência familiar e à intimidade da vida privada também são diretos da personalidade do infante. Logo, tanto o Estado como a sociedade, não podem interferir na dinâmica das relações familiares não cabendo a eles ditar regras morais, bem como valores e princípios que serão ensinados por seus responsáveis.
Contudo, há de se salientar que, conforme reconhece o artigo 100, parágrafo único, do ECA, os princípios da intervenção mínima e da prevalência da família devem ser aplicados quando ocorre algum evento que seus direitos são violados.
A partir daí, vê-se que a intimidade familiar não é absoluta, o que mostra um fator favorável. Sempre que episódios de crianças ou adolescentes sofrendo alguma forma ou tipo de violência intrafamiliar, sobretudo o abuso sexual, admite-se a imediata intervenção estatal para o fim de afastar o menor do agressor.
Saliente-se que a proteção integral dos direitos da personalidade da criança e do adolescente deve ser pautada com base no melhor interesse. O artigo 3º, item “1” da Convenção acerca dos Direitos da Criança determina que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança”.
O Princípio do melhor interesse deve ser utilizado como “critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras”, haja vista que prioriza as necessidades da criança e do adolescente em detrimento do interesse dos pais ou da sociedade.
Acerca do tema, Guilherme Calmon Nogueira Gama (GAMA, 2009) assevera:
O princípio do melhor interesse da criança – considera-se, também, do adolescente, por força do próprio dispositivo constitucional – representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado – com absoluta justiça, ainda que tardiamente – a sujeito de direito, ou seja a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa.
Posto isso, afirma-se que à luz da Constituição Federal e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a criança e o adolescente são titulares dos direitos da personalidade, devendo lhes ser assegurada toda e qualquer proteção, ou seja, no seu melhor interesse, a fim de que tenham uma vida livre de violência, com liberdade, respeito e dignidade, sendo responsabilidade dos pais, do Estado e da sociedade o exercício de tais direitos.
3 VULNERABILIDADE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A respeito da vulnerabilidade, para o ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente no contexto do Direito Penal, vulnerável é aquele que não demonstram menor capacidade de compreensão e discernimento para análise e tomada de decisões ou de representar seus próprios interesses.
A criança e o adolescente são, por excelência, pessoas vulneráveis, tendo em vista que estão vivenciando um vasto processo de formação e transformação física e psíquica, momento em que são imprescindíveis o cuidado, o afeto, o amor e a compreensão.
Nesse sentido, tem-se que a família se mostra fundamental para sua formação, sobretudo aos obstáculos de caráter social e culturais inerentes à própria evolução da civilização humana.
A vulnerabilidade do menor em seu desenvolvimento físico e psíquico, abre espaço à prática de violência intrafamiliar, em razão de dois motivos: 1) quanto mais a terna idade da criança, menores são as possibilidades de que perceba que está sendo vítima de maus-tratos domésticos; e 2) ainda que compreenda a agressão ou perigo de abuso, dificilmente a criança ou adolescente estarão aptos a se defender ou a solicitar ajuda e intervenção de um terceiro.
No que se refere ao abuso sexual, a criança acaba se tornando mais vulnerável porque a violação é praticada por alguém de dentro de sua família, que inspira confiança aos olhares dos outros, além de poder ocorrer com alguém que tenha alguma relação de subordinação. Nessas ocasiões, dificilmente o abusador se utiliza de violência física, até porque consegue manipular a criança impondo ameaças.
3.1 Do abuso sexual intrafamiliar
A violência intrafamiliar é aquela vivenciada no espaço doméstico e entre sujeitos com vínculos sanguíneos e/ou afetivos. Se trata de um problema universal e de difícil solução tendo como base o patriarcalismo. Pode-se conceituá-la como qualquer ação ou omissão intencional e sistemática praticada por pais ou responsáveis que privem os filhos do exercício de seus direitos, interferindo, por consequência, no seu correto desenvolvimento psíquico, físico e social.
Dentre as modalidades de violência, tem-se: a violência física, o abuso sexual, o abandono ou a negligência e a violação psíquica, também denominada de violência psicológica ou emocional.
Viviane Guerra e Maria Amélia Azevedo definem o abuso sexual intrafamiliar como uma “coação exercida por um adulto a ela ligado por laços de parentesco, afinidade ou responsabilidade, com o intuito de leva-la a participar de práticas eróticas”. Importante salientar que os abusos sexuais não se restringem à conjunção carnal ou ao coito, e sim todas as condutas que esteja sexualmente relacionada.
Estima-se que durante a infância e a juventude os agressores são aqueles que mantêm maior contato com a criança ou o adolescente, justamente quem possui relação de afeto e/ou familiaridade com o violentado: O cenário se modifica no decorrer do desenvolvimento etário da pessoa vitimizada:
[...] 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos e que 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. O indivíduo desconhecido passa a configurar paulatinamente como principal autor do estupro à medida que a idade da vítima aumenta. Na fase adulta, este responde por 60,5% dos casos. No geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo está dentro de casa e que a violência nasce dentro dos lares. (CERQUEIRA; COELHO, 2014)
Dos dados colhidos se observa, com clareza, a expressiva proporção dos casos nos quais o autor da violência sexual possui uma relação de proximidade com a pessoa ofendida, sobretudo quando a vítima é infante.
São raros os casos em que a violência sexual infantil é revelada na época em que ocorrem os abusos, costumam manifestar-se apenas quando tornam-se adultos e são questionados por suas experiências infantis. De acordo com dados de uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas, “apenas 10% a 20% das vítimas denunciam o abuso sexual intrafamiliar” (DREZETT, 2000, apud AZAMBUJA, 2016).
O fato de o abusador estar entre o meio familiar da vítima, dificulta o sistema de justiça a identificar, enfrentar e proteger a criança contra a violência sexual, em virtude de que tal violência geralmente não deixa vestígios físicos, além da falta de testemunhas.
3.2 Dos reflexos no desenvolvimento da criança
A violência contra crianças inclui tanto impactos imediatos como danos posteriores, que a longo prazo, projetam em sua vida adulta. Podemos considerar que as armas utilizadas são de força física, ameaça, coerção, chantagem, poder parental e construção do segredo inviolável.
Ao nascer, a criança é totalmente dependente de pessoas a sua volta, de modo que as relações estabelecidas se mostrarão cruciais para o seu desenvolvimento. Por isso, tem-se que quanto mais cedo e precoce começam os eventos de abusos sexuais, suas fases de desenvolvimento se mostrarão traumáticas, ocasionando danos à sua personalidade, inclusive. Toda e qualquer violência sofrida pela criança influi em consequências físicas e psicológicas.
O que nos resta pontuar é: quais os mecanismos para a proteção das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar? É o que trataremos no seguinte tópico.
4 MECANISMOS DE PROTEÇÃO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR
Responsável por sistematizar as medidas de proteção à criança e ao adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispôs, em seu artigo 98, o seguinte texto legal:
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
As medidas protetivas deverão ser aplicadas pelo judiciário ou conforme a previsão do artigo 136 do referido texto legal, pelo Conselho Tutelar, assim sendo, quando verificada qualquer das hipóteses previstas no artigo transcrito acima, a autoridade poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas descritas no artigo 101.
Diante disso, o ECA, dando ênfase ao comando constitucional que institui a família como base da sociedade, instituiu o artigo 129, elencando medidas de proteção e medidas sancionatórias, veja-se:
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;
VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do poder familiar.
Referidas medidas poderão ser aplicadas em unicidade ou de maneira cumulativa, de modo que, para que haja sua efetivação, é necessário a atuação conjunta dos conselhos de proteção a criança culminada com a aplicação de programas e serviços especializados.
No que se referem os incisos I ao VI do referido artigo, estes se tratam de medidas de proteção, isto é, de natureza protetiva. Caso não ocorra o cumprimento das medidas protetivas, acarretará a aplicação das medidas de caráter sancionatório, as quais estão previstas do inciso VII ao X, sendo medidas de caráter sancionatório a perda da guarda, destituição da tutela, suspensão ou destituição do poder familiar. Elas consistem, em geral, na retirada da criança do lar seja por impossibilidade de resolução do conflito por parte das medidas protetivas ou por não haver outra forma de cessar a situação de risco. É de competência do Conselho Tutelar a aplicação das medidas dos incisos I ao VII, nas demais hipóteses, serão de exclusa aplicação pelo Ministério Público.
O legislador buscou restabelecer a criança e interromper o quadro de violação de direitos, mas para sua efetividade os programas deverão ser cumpridos. Observa-se que a maioria dos problemas causados por insuficiência financeira ou a necessidade de tratamento para drogas, álcool, acompanhamento médicos está sujeita a verbas do governo, e que o governo não consegue com seus recursos atender a tamanha demanda.
A aplicação das medidas é de competência do Conselho Tutelar, todavia a liberação dos recursos deve advir do governo. A orientação e acompanhamento temporário são medidas adotadas a casos em que não seja necessário acompanhamento médico-psicológico.
Por mais incrível que possa parecer à colocação da criança em unidades ou novos lares, fato é que só ocorrerá em casos excepcionais, haja vista que o Estatuto protege o convívio familiar, e que a criança só será retirada do lar, se a presença dela neste convívio seja visivelmente melhor.
O foro para julgar a ação será ao juízo do domicílio dos pais, caso não haja, será local que a criança estiver. A importância da atuação do Ministério Público está implícita no Estatuto, sob pena de nulidade do feito, ou seja, sua participação é obrigatória, devendo ser declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento das partes.
5 COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA COMO MEDIDA DE PROTEÇÃO: GUARDA, TUTELA E ADOÇÃO
Como mencionado anteriormente, crianças e adolescentes vítimas de algum tipo de violação sexual, serão aplicada medidas de proteção. Atrelado a isso, com o Princípio da Igualdade, trazido pela Constituição Federal de 1988 e a necessidade de equidade entre os cônjuges, o que anteriormente era o Pátrio Poder, passou a ser conhecido como Poder Familiar.
O Poder Familiar, denominação atual, está relacionado ao dever dos pais de sustento, guarda e proteção dos filhos. Ou seja, é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação à pessoa e aos bens dos filhos menores de 18 anos. Este poder é irrenunciável e indelegável.
Assim como dispõe no Código Civil, que ao instituir o Poder Familiar, determinou as obrigações que condizem aos pais e filhos, regulamentou que este será exercido por ambos cônjuges, em igualdade, no entanto, na ausência de um deles, incumbirá ao outro exclusivamente. Em casos de divergência, poderão os pais recorrer ao judiciário como mediador. Além disso, ao contrário do que alguns podem pensar, não se trata de uma obrigação que extingue com a separação de corpos, de modo que, mesmo após o divórcio, ambos os pais continuarão com a obrigação.
Como Medida Protetiva a criança o Poder Familiar poderá ser suspenso ou destituído. A suspensão é a incapacidade temporária de exercê-lo, enquanto a destituição é a incapacidade permanente. A destituição deverá ocorrer por decisão judicial em Ação de Destituição do Poder Familiar, esta será proposta pelo Ministério Público ou qualquer parente no âmbito civil.
Haverá suspensão, de acordo com o Art. 1637, CC. Art. 1.637.
Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Portanto a suspensão poderá ser revista assim que se extinguir os seus fatos causadores. Haverá suspensão sempre que houver abuso de autoridade dos pais e falta dos deveres.
A extinção do poder familiar esta está descrita no Código Civil, nos artigos 1.635 e 1.638, e embora o nosso ordenamento preveja a destituição do poder familiar optar-se-á em primeiro pela suspensão. A extinção ou destituição do poder familiar acarretará a colocação da criança em família substituta. Falar em colocação em família substituta implica falar em suspensão ou destituição do Poder Familiar.
Tal medida comporta três espécies: guarda, tutela e adoção. A guarda pressupõe a “posse” de fato, diz com quem a criança se encontra, incumbe a prestação de assistência material, moral e educacional. Já a tutela, é a nomeação de um responsável com o intuito de suplementar a falta dos pais, o tutor terá poder sobre os bens e a pessoa, classificando-se em: nomeação legítima, testamentária e dativa. A primeira se dá pelo que dispõe a lei aos parentes mais próximos, a segunda vem consignada em testamento, já a terceira é aquela concebida a pessoas sem laços sanguíneos, nem determinação em testamento.
Por fim, no que se refere a adoção, este se trata de um ato jurídico que estabelece vínculo de parentesco entre uma pessoa e uma criança. Ela extingue o vínculo total entre a criança e a família biológica. Será definida mediante decisão judicial e é a destituição do poder familiar.
Importante salientar que a destituição do poder familiar poderá recair sobre todos ou apenas a um dos filhos. A sentença do processo de destituição terá validade da sua publicação e enquanto a criança não encontrar uma família, será mantida sob a guarda de famílias provisórias, cadastradas no programa de acolhimento familiar.
5.1 O papel dos Conselhos Tutelares
O Estatuto da Criança e do Adolescente criou o Conselho Tutelar, em seu art.131, que o define como sendo o “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei”. Para estabelecer um Conselho Tutelar cada município deverá analisar e levar em conta suas particularidades e condições próprias.
É papel do Conselho Tutelar determinar às autoridades representativas de políticas públicas em benefício da criança e do adolescente o cumprimento de suas obrigações, exercendo, também, junto à comunidade influência para a criação e o desenvolvimento de programas de atendimento à infância e à juventude.
O que podemos observar, entretanto, é que a falta de compromisso e competência de muitos dos Conselheiros Tutelares, que utilizam-se do cargo com o intuito de adentrar na vida política, faz com que esse trabalho de extrema importância perca o seu valor.
Apenas no dia em que família, sociedade, instituições de defesas dos direitos da infância e juventude e poder público estiverem compromissados com a promoção das garantias fundamentais da criança e do adolescente é que poderão, então, ter pleno acesso ao desenvolvimento humano saudável, sem qualquer risco à sua vida, ao seu crescimento e estruturação mental.
6 CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que os princípios constitucionais estão inteiramente ligados, sem qualquer exagero, em auxiliar e inibir ações de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, partindo de objetivo, qual seja, sua segurança. Dessa forma, é de passível entendimento que toda e qualquer forma de violação se trata de uma afronta direta aos direitos humanos, por isso a criação de mecanismos de defesa e repressão, que, embora vigentes na legislação brasileira, conta-se ainda com apoio, pois o processo de real eficácia é longo.
Os casos de abuso sexual intrafamiliar praticados contra a criança e o adolescente necessitam de uma intervenção estatal em todos os âmbitos, e isso deve ser feito por meio de uma equipe multidisciplinar. Além disso, por não ser suficiente somente essa tomada de decisão, toda a família, inclusive o agressor, devem ser submetidos a tratamento psicológico e psiquiátrico, já que esse padrão de violência e abuso podem se repetir nas gerações subsequentes.
A legislação estabeleceu de maneira concisa normas para restituir a criança e cessar a situação de risco, no entanto um dos maiores problemas é aplicabilidade da lei no caso concreto, seja por falta de recursos público ou por desconhecimento e definição maior do assunto. Nota-se ainda a insuficiência e a necessidade de aprofundamento sobre o tema.
O combate ao ilícito é muito difícil, pois depende diretamente da conscientização de pessoas que, muitas vezes, são minimamente instruídas. Ademais, a conscientização depende também da implementação e recursos, visto que mesmo diante das inúmeras alterações legislativas, os casos continuam a crescer.
Ressalte-se a importância dos Conselhos Tutelares, Promotorias de Justiça, Varas de Infância e outros órgãos de atendimento à criança e ao adolescente vítimas de abuso sexual ou alienação parental. Seus funcionários são os primeiros a ouvir o relato do infante vitimizado, estando, destarte, autorizados a tomar as medidas cabíveis de proteção.
É necessária a intervenção de uma equipe multidisciplinar capacitada para fazer o diagnóstico quanto à veracidade da denúncia, bem como para dar o encaminhamento devido ao menor, aos familiares e ao abusador. Caso contrário, a revelação do segredo por parte da criança e do adolescente poderá ser ainda mais desastrosa, acabando por destruir sua personalidade.
A reestruturação da família, a superação dos traumas psicológicos decorrentes, a não revitimização e a prevenção dos abusos somente pode ser feita com a ação conjunta de diversos profissionais capacitados para tal, da própria família e do Estado. Os debates devem ser feitos de modo que o tema seja popularizado na medida em que o tabu existente em torno do incesto contribui para que o delito esteja sob o manto do silêncio. Isso irá permitir que as violências sexuais domésticas sejam reveladas, facilitando a ação do Estado.
REFERÊNCIAS
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graduando em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FORNARI, Caio Cesar. A violência sexual intrafamiliar e os mecanismos de proteção para crianças e adolescentes à luz da legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2023, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63070/a-violncia-sexual-intrafamiliar-e-os-mecanismos-de-proteo-para-crianas-e-adolescentes-luz-da-legislao-brasileira. Acesso em: 23 nov 2024.
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