RICARDO ALEXANDRE RODRIGUES GARCIA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente tem o objetivo de analisar a aplicabilidade e situações que abrangem o direito penal do inimigo. Foram analisadas as características necessárias para a configuração da organização criminosa imposta pela Lei n° 12.850 de 2 de agosto de 2013. A teoria do Direito Penal do Inimigo parte de três principais características, sendo elas a antecipação da punibilidade, a desproporcionalidade das penas e a relativização ou a supressão das garantias penais ou processuais dos indivíduos considerados como inimigos do Estado. Em virtude da falta de dados coerentes em relação ao ilícito, que constitui uma das atividades mais lucrativas no estilo do crime organizado transnacional, fez-se de extremo destaque tratar do Estado como agente fortalecedor. O trabalho foi desenvolvido utilizando a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos e legislações. Nota-se que há presença da tendência da teoria do Direito Penal do Inimigo em algumas normas do ordenamento jurídico penal brasileiro, como na Lei do Crime Organizado, na Lei dos Crimes Hediondos e na Lei do Abate de Aeronaves. Realiza-se ainda análise sobre as críticas das doutrinas majoritárias quanto a aplicação do Direito Penal do Inimigo em nosso ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Direito Penal do Inimigo. Crime Organizado. Antecipação da punibilidade. Desproporcionalidade das penas. Relativização.
ABSTRACT: The presente work was carried out with the objective of analyzing the applicability and situations that cover the criminal law of the Enemy, pointing out the numerous obstacles presente in the fight Against organized crime. Based on Criminal Law, an introductory analysis was carried out followed by the institutes that comprise it. Afterwards, the necessary characteristics for the configuration of the criminal organization imposed by Law n° 12.850 of august 2, 2013 were analyzed. The theory of the Criminal Law of the Enemy starts from three main characteristics, wich are the anticipation of punishment, the disproportionality of penalties and the relativization or suppression of criminal or procedural guarantees for individuals considered as enemies of the State. Due to the lack of coherent data in relation to illicit, which constitutes one of the most profitable activities in the style of transnational organized crime, it was extremely importante do deal with the State as a strengthening agente. The work was developed using a literature review based on bibliographic research, through research, through research on websites, doctrines, articles and legislation, analyzing the understanding and consequences on the subject. Note that there is a tendency of the theory of Criminal law of the Enemy in some norms of the Brazilian criminal legal system, such as the Organized Crime law, the Heinous Crimes Law and the Aircraft Slaughter Law. Finally, there is na analysis of the criticisms of the majority doctrines regarding the application of the Criminal Law of the Enemy in our legal sustem.
Keywords: Criminal Law of the Enemy. Organized crime. Antecipation of Punishment. Disproportionality of sentences. Relativization.
1 INTRODUÇÃO
Nota-se que o Estado se mostra cada vez mais omisso diante dos crescentes níveis dos casos de corrupção, desvio de verbas públicas, fraudes em licitações, recebimento de propina, entre outros. E diante desse contexto que está presente há anos, várias teorias surgiram com o intuito de fazer com que o direito penal se enquadresse na atualidade, tentando assim, recuperar o controle que uma vez fora estabelecido.
Uma dessas teorias, no entanto, afasta-se completamente das conquistas constitucionais dos direitos humanos, de modo que estaria violando diretamente o Princípio da Legalidade, já que não se pode delimitar a conduta a ser incriminada porque busca-se a punição à pessoa, e não ao fato. É a chamada teoria do Direito Penal do Inimigo, tema este que trataremos de forma correlata com as organizações criminosas.
Sua finalidade é a de assegurar uma punição severa, de modo que haja a imposição de formas para o combate da criminalidade. Trata-se de uma crítica ao direito penal atual, que em virtude de todas as garantias penais e processuais penais que se proporcionam aos acusados, fazem com que arruínem a possibilidade de uma real aplicação das sanções penais.
O estudo está dividido em seções, inicia-se com o conceito do Direito Penal do Inimigo, em especial as caracterizações dadas acerca dos estudos de Günther Jakobs. Em seguida, tem-se o conceito de organização criminosa, amparado através da Lei n° 12.850, dispondo sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por estes agentes infratores.
Para afirmar sua teoria, Jakobs defende a ideia de que existe um contrato social entre os indivíduos e o Estado, no qual aquele que infringe tal contrato não participa mais dos benefícios deste. Assim sendo, há dois tipos de criminosos: os que cometeram um erro e ainda são considerados cidadãos e os que tentam destruir o ordenamento jurídico, vistos como inimigos.
Este tema chama a atenção e ganha visibilidade frente a opinião pública, da imprensa, de particulares, de governantes e líderes de todo o mundo, provocando discussões árduas no meio acadêmico. O objetivo dessa dissertação é contribuir para a discussão acerca desse crime, já que somente conhecendo o fenômeno, poderemos entendê-lo e enfrentá-lo de maneira eficaz.
A finalidade precípua do direito penal do inimigo é combater com mais rigor criminosos de alta periculosidade, integrantes de organizações criminosas, prevenindo delitos mesmo antes de ocorrerem, uma vez que para esses indivíduos as diversas formas de punição previstas no código penal são ineficazes ou insuficientes.
O trabalho foi desenvolvido utilizando-se a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos, e legislações, analisando o entendimento e as consequências sobre a temática.
2 FINALIDADE DA PENA NO BRASIL
Inicialmente, tem-se que a função primordial do Direito Penal é solucionar os problemas cada vez mais crescentes e avassaladores da criminalidade moderna, com o intuito de evitar a prática de novos crimes por parte do sujeito ativo, no entanto, além da proteção exclusiva de bens jurídicos, o Direito Penal tem como papel fundamental a proteção da sociedade e, para tanto, utiliza-se de algumas teorias, visando alcançar essa prevenção trazida pela lei.
Nestes termos, preleciona José Carlos Dauma Santos (2005, p. 24) que: “a missão do Direito Penal é defender a sociedade (protegendo bens, valores ou interesses), garantir a segurança jurídica ou a sua confiabilidade e confirmar a validade das normas”. O que está intimamente ligado à teoria do Direito Penal do Inimigo em combate ao Crime Organizado.
Dentre as principais teorias que versam sobre a finalidade da pena, podemos destacar a teoria retributiva (ou absoluta), a teoria preventiva (ou relativa), sendo certo que essa segunda modalidade ainda se divide em prevenção geral e prevenção especial e, ato contínuo, se subdivide em positiva e negativa, e por fim a teoria mista (eclética ou unificadora) (CAPEZ, 2008).
A seguir, analisaremos de maneira sucinta o que se entende por cada uma dessas teorias.
2.1 Teorias
A teoria da retribuição da pena, embora já ultrapassada, defendia que como o indivíduo se utilizou do livre arbítrio para infringir uma norma penal estabelecida, o mal do crime seria compensado com o mal da pena. Também denominada de absoluta, essa teoria era bastante criticada, pois, além de ofender princípios constitucionais, não levava em consideração os aspectos subjetivos do condenado, ou seja, não visava com a privação da liberdade obter nenhum fim social, sendo totalmente avessa aos ideais propostos pelo Estado Democrático de Direito (BARROSO, 2007).
No entanto, a teoria da prevenção, também denominada de relativa, pregava que a justa aplicação da pena serviria para ressocializar o condenado e, por consequência, impediria a prática de novos delitos. Referida teoria era voltada para o futuro e buscava dar um fim utilitário a pena. Essa teoria ainda se subdivide em outras duas, quais sejam: prevenção geral e prevenção especial.
A teoria da prevenção geral era voltada para a sociedade como um todo, ou seja, dirigia-se a aquelas pessoas que estavam mais propensas a praticar delitos, como forma de coibi-los, pois, entendia-se, que no momento em que se fixava uma pena, o mal da pena impediria a ocorrência de novos crimes, servindo o autor de exemplo para a sociedade. Fora amplamente criticada porque não primava pela ressocialização do criminoso, de forma que a imposição da pena era vista apenas como uma obrigação do Estado, no intuito de impedir novos delitos (CAPEZ, 2008).
Contrariando-a, a teoria da prevenção especial se preocupava com o autor do delito, ou seja, visava com a aplicação da pena fazer com que delinquente desistisse de praticar novas infrações. Foi bastante criticada por se preocupar apenas com a ressocialização do criminoso, deixando desprotegida a sociedade.
Por fim, a teoria mista ou eclética, mais atual e dinâmica que atribui à pena tanto o caráter retributivo quanto o preventivo, na busca por um ordenamento eficaz, voltado tanto para o condenado quanto para a sociedade.
Seus adeptos defendem que a pena só pode ser considerada legítima se ao mesmo tempo for eficaz e justa. Entretanto, também recebeu críticas, porque ao combinar as duas anteriores (retributiva e preventiva), que eram totalmente opostas, a teoria não suprimiu às suas falhas, já que a primeira determina que a pena tenha um caráter retributivo e a segunda enxerga está como um fim preventivo (PRADO; CASTRO, 2009).
Em que pese às falhas existentes na teoria mista ou eclética, firmou no Brasil o entendimento de que esta foi a teoria adotada pelo nosso ordenamento jurídico, diante da redação prevista no artigo 59 do Código Penal (PRADO; CASTRO, 2009).
2.2 Ordenamento jurídico brasileiro
Como se sabe, para muitos, a justiça perdeu sua credibilidade, e para reverter a situação, a justiça busca medidas que tragam efetividade nas penas e que possam tornar as menidas mais rigorosas. Diante disso, é possível observar inovações legislativas no direito brasileiro.
Em que pese Jakobs ter comandado a criação da teoria supracitada, ele não propôs como seria na prática aplicar tal instituto por meio de um “Código Penal do Inimigo”. Portanto, diante da ausência sobre como seria a lei, analisaremos algumas marcas inseridas na legislação brasileira (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).
Nesse sentido, buscando inibir os crimes de maior gravidade, se voltarmos os olhos para as leis brasileiras, notaremos a existência de resquícios do Direito Penal do Inimigo.
Doutrinadores tratam a Lei de Crimes Hediondos como principal exemplo, haja vista que o aumento de punição nos crimes tratados pela referida lei, se enquadram exatamente com o que Jakobs prega em sua teoria. Outros exemplos que podemos citar são: Lei do Crime Organizado e a Lei de Drogas (BRASIL, 1995).
Nessas leis, o criminoso é visto como inimigo, de modo que as medidas dispostas, como a prisão preventiva, as medidas cautelares e a interceptação telefônica se mostram essenciais ao seu combate, protegendo a sociedade.
3 DIREITO PENAL DO INIMIGO: ORIGEM E CONTEÚDO
A teoria do Direito Penal do Inimigo se originou na Alemanha, na metade da década de 1980, a partir dos estudos de Günther Jakobs. Dispõe essa teoria que, torna-se inimigo do Estado aquele que, acusado de praticar crimes, não oferece segurança à coletividade. Desta forma, as medidas de contenção aplicadas à aqueles que não concordavam em respeitar as normas da sociedade, eram atribuídas sobre uma base de regramento diferenciado e árduo (JAKOBS, 2009).
Para Jakobs, de um lado têm-se o direito penal do cidadão, conhecido por ser repressivo e garantista, ou seja, ele prevê uma conduta típica e antijurídica, bem como comina uma sanção penal, de forma que espera-se que o crime ocorra para após punir o seu autor.
De outro, têm-se o direito penal do inimigo que, para ele, é o indivíduo que afronta e desestabiliza a estrutura do Estado, razão pela qual justifica-se a aplicação de um direito penal preventivo, com o único fim de assegurar a ordem jurídica e social, ainda que para isso seja necessária a supressão de alguns direitos constitucionais do criminoso (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).
Nesse sentido, o doutrinador Cleber Masson (2012, p. 93) discorre que inimigo:
É a pessoa que revela um modo de vida contrário às normas jurídicas, não aceitando as regras impostas pelo Direito para a manutenção da coletividade. Agindo assim, demonstra não ser cidadão e, por consequência, todas as garantias inerentes às pessoas de bem não podem ser a ele aplicadas.
Ademais, Jakobs (2009) caracterizava o Direito Penal do Inimigo em três elementos: 1) Adiantamento da punibilidade, com criação de tipos penais que punem os atos preparatórios e delitos de mera conduta; 2) Previsão de penas abstratas mais altas; 3) Relativização ou exclusão das garantias processuais.
O adiantamento da punibilidade, dispõe por afastar o então “inimigo” do bem jurídico tutelado, assegurando que não ocorra os atos preparatórios, delitos de mera conduta e até mesmo, a persecução penal. Ao analisarmos o ordenamento jurídico brasileiro, são encontrados dispositivos parecidos que punem os atos preparatórios, como nos casos de associação para o tráfico, constituição de quadrilha ou bando, entre outros (MORAES, 2009).
Acerca da previsão de penas abstratas mais altas, entende-se que as punições mais severas poderiam abranger desde os atos preparatórios, sendo o agente punido da mesma forma, sem possibilidade na redução da pena, igualmente como se o fato tivesse se consumado e alcançado no resultado pretendido.
No que se refere à relativização ou exclusão das garantias processuais, ao analisarmos o texto legislativo da Constituição Federal, encontraremos várias garantias, como exemplo, tem-se o Princípio da Legalidade, Presunção de Inocência e Devido Processo Legal, que ao entendimento de Jakobs, caso não existissem tais garantias, facilitaria ainda mais a condenação desses agentes infratores.
Pretendendo à inserção da norma na sociedade, Jakobs partiu para o entendimento e estudo da pena, que comportam dois pontos que regulam de forma eficaz a validação do sistema, quais sejam: a) a pena como coação; b) a pena como segurança.
Em relação a primeira, tem-se que ela está ligada com um significado abstrato, de modo que, caso o crime seja cometido por um agente contra a norma incriminadora, mas que em nada atrapalha a sociedade, tal conduta importará apenas em uma pena de caráter educativo.
Por outro lado, a segunda demonstra o papel preventivo, possuindo a finalidade de combater o agente que infringiu as normas de forma grave, impugnando-o a sanção penal.
Em suma, pode-se verificar que a aplicação da pena como coação possui como objetivo principal, a repressão. Enquanto isso, a pena como medida de segurança, tem como objetivo principal a prevenção.
4 ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: CONCEITO E APLICAÇÃO JURÍDICA
As organizações criminosas existentes no Brasil são denominadasd de organizações de modelo tradicional, já que são mais frequentes em determinados setores, tais como: tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro, furto ou roubo de veículos e de cargas e lavagem de dinheiro.
O crime organizado é um elemento causador de ações incontáveis, que acaba por levar consigo membros do Ministério Público, juízes, advogados, estudantes, universidades e juristas no geral, impelidos, principalmente, a criação de medidas com o foco de superar a inércia do Poder Público frente ao posicionamento das organizações criminosas, que crescem de forma exorbitante e conquistam cada vez mais espaço. A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, dispõe ao decorrer do seu texto meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado (SANTOS, 2020).
Ademais, em sua obra Marcelo Batlouni Mendroni (2007) destaca que a delinquência organizada é aquela que:
[...] infiltra-se sorrateiramente no subterrâneo estatal ou, revestindo-se de sereia fora d’água, que esconde a cauda de escorpião e golpeia violentamente a inocência popular, ou, travestida de ‘colarinhos brancos’, apresenta-se como idônea, quando carrega no sue interior inigualável tumor maligno.
As atividades criminosas são, em regra, graves e cometidas de forma profissioal, reiterada e eficiente, as quais representam um perigo concreto não apenas para a segurança de uma pessoas em particular com também para a segurança do Estado, que tem o dever de utilizar seus meios de prevenção e repressão para coibir essas práticas, ainda que para efetivá-los, tenha que suprir alguns direitos e garantias destes indivíduos, caso contrário deixaria de punir uma certa parcela de criminosos, o que geraria injustiças, além de ferir o princípio constitucional da proibição de insuficiência (SANTOS, 2020).
Ao que se refere aos elementos preconizados na referida lei, para que haja a caracterização do delito, é necessário a composição de quatro ou mais pessoas, de forma estruturada, estando presente a divisão de tarefas, e que tenham por finalidade obter vantagem de qualquer natureza (BRASIL, 1941).
Acerca do sujeito ativo nas organizações criminosas, este pode ser qualquer pessoa, todavia, deve-se haver a pluralidade de agentes, como visto anteriormente. Ao se falar em sujeito passivo, tem-se a sociedade como um todo, ou seja, a coletividade
Antes da vigência da Lei n° 12.850/2013, tinha-se a Lei n° 9.034/95, que tratava do crime organizado, contudo, não possuía em seu rol taxativo um tipo penal incriminador específico. Com isso, fora revogada, sendo incluído um tipo penal específico para punir os integrantes de organização criminosa, alterando a redação do artigo 288 do Código Penal, de modo que substituiu o título “quadrilha ou bando” por “associação criminosa” (BRASIL, 1941).
Suas atividades variam, não se restringindo apenas ao âmbito econômico ou financeiro, podendo se manifestar também nos esquemas de corrupção, terrorismo, tráfico de drogas e de pessoas.
Paralelo a isso, as grandes organizações possuem recursos financeiros altos, podendo, facilmente, usufruir de meios avançados, estando muitas vezes a frente da polícia investigativa. Portanto, a criação Lei supramencionada caracterizou um grande avanço na legislação penal, onde prevê meios de investigação diferenciados para essas infrações, podendo ser por meio de colaboração premiada, captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ação controlada, interceptação telefônica, infiltração por policiais e cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais (SANTOS, 2020).
Ressalte-se que a referida lei trouxe consigo algumas inovações para o nosso ordenamento jurídico, dentre as quais podemos destacar o acesso pelo Ministério Público e pelo Delegado de Polícia a dados cadastrais contidos em bancos de dados de diversas instituições públicas ou privadas, sem que seja necessária a autorização judicial.
Ainda, disciplinou condutas nas ações controladas e infiltração de agentes, bem como inseriu a figura do Delegado de Polícia como sendo o protagonista no combate às organizações criminosas, por ser este o primeiro a ter contato direto com o crime.
Referido tema, possui íntima ligação com o Princípio da Proibição da Insuficiência, que surgiu na Alemanha em meados do século XX, sendo amplamente aceito pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, além de estar intimamente ligado a questão do crime organizado (BARROSO, 2007).
4.1 Princípio da Proibição da Insuficiência
O Princípio da Proibição da Insuficiência dispõe sobre a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares e os cidadãos, não apenas em relação ao Estado e o cidadão, entendida como teoria vertical dos direitos fundamentais, isso porque nos dias atuais é sabido que a prática de atos arbitrários não é característica exclusiva do Estado.
Neste sentido, ensina o professor José Paulo Baltazar Junior (2011, n.p.):
Na sociedade contemporânea, porém, as fontes de perigo e agressão aos direitos fundamentais não provêm exclusivamente do Estado, mas também de outros centros de poder, privados, em relação aos quais não dá resposta adequada a visão tradicional dos direitos fundamentais como direitos de defesa. Sendo assim, os direitos fundamentais, passaram a desempenhar, ao lado de suas funções tradicionais, também uma função de defesa contra ameaças e agressões aos direitos fundamentais com origem em outros centros de poder, não estatais.
A teoria da eficácia horizontal surgiu em face das violações aos direitos fundamentais ocorrerem tanto por parte do Estado como dos agentes privados, diante do poder incontrolável que estas organizações criminosas exercem em determinados lugares, as quais não raras vezes, não apenas equiparam-se ao Estado, mas o superam, já que os cidadãos de determinadas localidades são obrigados a cumprir tanto as regras estabelecidas pelas organizações quanto os ditames previstos pelo poder público (FIGUEIREDO, 2005).
Assim sendo, quando da violação de direitos fundamentais, seja por parte do estado ou de agentes privados, o juiz deve realizar uma ponderação de interesses, tomando por base sempre a regra da proporcionalidade para aplicar uma pena efetiva e justa.
Em outras palavras, o Estado está proibido de prestar uma proteção insuficiente para com a sociedade que vive assolada com a audácia e a prepotência dos membros de Organizações Criminosas.
É nesta seara, de que o Estado deve cumprir com êxito seu dever de proteção, que se encaixa a possibilidade de socorrer-se ao Direito Penal do Inimigo para combater o “Estado Paralelo” exercido pelas Organizações Criminosas.
Nota-se, que face ao postulado da proporcionalidade, favorável à proteção integral da coletividade, necessário se mostra a adoção do direito penal do inimigo para guarnecer a segurança da população, uma vez que os meios convencionais do direito penal e processual penal garantista revelam-se insuficientes ao combate do crime organizado.
Nesse sentido, Sylvia Marlene de Castro Figueiredo (2005, n.p.) dispõe que:
[...] a ponderação, ou o sopesamento, entre o interesse sacrificado pela medida estatal e o interesse público adotado pela mesma, realizado no bojo do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, deve atender aos objetivos estampados no Texto Constitucional, de forma que a busca de uma finalidade de interesse público seja maior do que o prejuízo decorrente dessa limitação.
Por tais razões, parece razoável fazer prevalecer os interesses da sociedade em detrimento do suprimento ou relativização dos interesses e direitos individuais dos membros de Organizações Criminosas, em busca da efetiva proteção da coletividade, da paz e do bem comum.
5 ESTADO FORTALECENDO O CRIME ORGANIZADO
Analisando a legislação, é fácil identificar que o Direito Penal do Inimigo já vem sendo utilizado, deixando de lado a ideia de que se trata apenas de uma figura abstrata e simbólica, passando para uma figura que é colocada em prática no caso concreto em algumas situações, como exemplo tem-se a Lei 8.072 de 1990, a Lei dos Crimes Hediondos (CAPEZ, 2008).
Embora a teoria do Direito Penal do Inimigo não seja expressamente permitida em nosso ordenamento jurídico, sua essência está presente. Contudo, a fragilidade atual do nosso Estado acaba por fortalecer indireta e diretamente o crime organizado.
Na lógica, ao pensarmos em um Estado prejudicado no centro do seu sistema jurídico e político, acaba por resultar em abertura de brechas, que seria a deixa perfeita para o fornecimento de indivíduos para o crime organizado crescer.
Em primeiro instante, pode-se demonstrar esse fornecimento exemplificado no modelo que temos atualmente, muito desigual, onde a educação deveria ser a base da sociedade, que não condiz com nossa realidade. Diante disso, choca-se com uma grande parcela da população com baixas condições e perspectivas de uma vida melhor.
Assim, o recrutamento destes indivíduos pelo crime organizado, que se apresenta como uma boa saída, cresce de maneira exorbitante. A partir disso, a fragilidade e inércia do Estado surge como destaque, deixando um espacço, vindo a organização criminosa para suprir essa falta (GRECO, 2009).
Em segundo instante, tem-se o recrutamento desses indivíduos dentro dos sistemas carcerários, que diante de total falência e ineficácia, acaba se tornando o lugar perfeito. Nosso sistema carcerário é denominado por muitos como “escola do crime”, sendo que, uma vez lá dentro, não será apresentado ao indivíduo outra opção, ao ser coagido, a não ser de se filiar ao grupo predominante do presídio, causando efeito contrário do objetivo da pena privativa de liberdade, inicialmente com a intenção de reintroduzir o preso na sociedade, acaba por torná-lo ainda mais perigoso (GRECO, 2009).
Resta evidente que o próprio Estado, diante de sua fragilidade, acaba por fortalecer o crime organizado, sendo pelo recrutamento, daquela parcela da sociedade que é deixada de lado, como também pela falência do sistema carcerário.
6 CONCLUSÃO
Diante da complexidade do tema desenvolvido, envolvendo o Direito Penal do Inimigo ao combate do crime organizado, buscou-se através desta pesquisa, realizar e expor uma análise verificando os fatores predominantes que impulsionam progressivamente o aumento da taxa de organizações criminosas no estágio da conjuntura global. No entanto, há uma convergência no seu tratamento, a exemplo disto é possível citar a fragilidade do Estado, que transparece e acaba por fortalecer o crime organizado.
Já presente em nosso ordenamento jurídico, como já citado no corpo do texto, a Lei dos Crimes Hediondos de n° 8.072/90, Lei das Organizações Criminosas de n° 12.850/2013, Lei de Execução Penal de n° 7.210/84 e a Lei de Abate das Aeronaves de n° 9.6014/98, trazem consigo características do legislador em sancionar com mais dureza e restringir algumas das garantias processuais, como a proibição de anistia, graça e indulto, e também o aumento de prazo para progressão do regime.
Cumpre destacar que, há rejeições por parte da doutrina majoritária com relação à aplicação do Direito Penal do Inimigo no ordenamento brasileiro, no entanto, na realidade já imposta pelas leis em vigor demonstram existir reflexos significativos da aplicação da referida teoria no Brasil.
Ora, é certo que a aplicação da teoria sem requisitos préestabelecidos, certamente acarretaria afronta a cláusulas pétreas trazidas pela nossa Constituição Federal, todavia, o que se pretende introduzir no direito brasileiro, é aplicação do direito penal do inimigo amparado pelo princípio da proporcionalidade, como forma de combate ao crime organizado.
Ademais, não é possível que um país que preza pela ordem constitucional e jurídica insista em ver a figura de criminosos como vítimas, já que outro entendimento demonstraria a total fraqueza das instituições públicas, bem como a compactuação com o desprezo demonstrado por certos indivíduos para com os direitos fundamentais das vítimas.
Nesse sentido, o direito penal do inimigo justifica-se sempre que utilizado de forma equilibrada e para casos específicos, tendo em vista a insuficiência da política criminal atual e a efetiva aplicação do princípio da proibição da proteção insuficiente.
Finalmente, conclui-se que é realmente necessário haver maior atenção e investimento na prevenção de atuação das organizações criminosas, tendo em vista que elas estão sempre em constante mudança, sempre inovando e dificultando o trabalho da justiça. Assim, é necessário que a justiça também evolua, estando a frente das organizações. Esta, enfim, é a mensagem que o presente estudo buscou transmitir, sempre na esperança do máximo aperfeiçoamento do ordenamento jurídico e da aplicação do Direito na busca pela justiça.
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[1] Docente do curso de Direito, e-mail: [email protected], Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP.
Discente do Curso de Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul-SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALIXTO, Giovanna Aparecida Silva. Crime organizado e a aplicação da teoria do direito penal do inimigo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2023, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63160/crime-organizado-e-a-aplicao-da-teoria-do-direito-penal-do-inimigo. Acesso em: 21 nov 2024.
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