WALTER MARTINS MULLER
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho foi realizado com o objetivo de analisar a nova Lei nº 14.532 de 11 de janeiro de 2023 que tipificou como racismo o crime de injúria racial. Abordou-se toda a evolução dos referidos crimes, bem como seus conceitos e aplicação, além de seus reflexos perante a sociedade. Em sequência, elencou-se fatores importantes para o aprofundamento do assunto, como as estatísticas realistas. Afirmar que a nova lei traduz a promoção da igualdade racial no Brasil e representa um avanço significativo na luta contra o racismo e a discriminação racial é um fato. Através de sua implementação, espera-se que o país possa avançar na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e inclusa para todas as pessoas, independentemente da sua origem étnica. O trabalho foi desenvolvido utilizando-se a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos e legislações, analisando o entendimento e as consequências sobre a temática.
Palavras-chave: Lei nº 14.532/2023. Racismo. Injúria Racial. Igualdade Racial. Origem Étnica.
ABSTRACT: The work was carried out with the aim of analyzing the new Law nº 14.532 of January 11, 2023, which classified the crime of racial insult as racism. The entire evolution of the aforementioned crimes was covered, as well as their concepts and application, in addition to their effects on society. Nex, important factors were the subject, such as realistic statistics. Stating that the new law reflects the promotion of racial equality in Brazil and represents a significant advance in the fight against racism and racial discrimination is a fact. Through its implementation, it is hoped that the country can move forward in building a more fair, egalitarian and inclusive society for all people, regardless of their ethnic origin. The work was developed using a literature review based on bibliographical research, through research on websites, doctrines, articles and legislation, analyzing the understanding and consequences on the topic.
Keywords: Law nº 14.532/2023. Racism. Racial Injury. Racial Equality. Ethnic Origin.
1 INTRODUÇÃO
Buscou-se através do presente trabalho analisar a nova Lei nº 14.532 de 11 de janeiro de 2023 que tipificou como racismo o crime de injúria racial. Abordou-se toda a evolução dos referidos crimes, bem como seus conceitos e aplicação, além de seus reflexos perante a sociedade.
No percurso legislativo em prol da efetivação dos diretos vinculados à erradicação de preconceitos de raça, antes mesmo do advento da Constituição da República de 1988, o Brasil havia promulgado, através do Decreto 65.810/69, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial e, após a vigência do texto constitucional, o legislador aprovou o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10), destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos.
A tarefa de definir as diversas condutas tipificadas como racismo também coube ao legislador infraconstitucional, que o fez através da edição da Lei 7.716/89, definindo os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.
Além disso, objetivando melhores oportunidades perante os ensinos superiores, foi sancionada a Lei de Cotas (nº 12.711/2012), que no ano de 2022 completou uma década de vigor. Desde seu surgimento, tem estabelecido reservas de percentuais de vagas em instituições para grupos historicamente excluídos desses espaços, como negros, indígenas, estudantes de escola pública, pessoas com deficiência e de baixa renda. Alguns estados vêm criando suas próprias ações afirmativas para inclusão de outras categorias, como quilombolas, refugiados e pessoas transgênero.
No caso das cotas raciais, a distribuição de vagas é de 50%, conforme a proporção de negros na unidade de federação em que está situada a instituição de ensino. Pretos e pardos precisam apresentar uma autodeclaração e, em algumas instituições, passar por comissão de avaliação.
Não se pode negar que a Lei de Cotas foi importante, no entanto, insuficiente para a enxergar uma transformação na institucionalidade brasileira. Sua manutenção se faz necessária devido à enorme desigualdade entre brancos e negros, além da resistência defendida erroneamente por certa parcela da população.
No decorrer da pesquisa, será tratado acerca dos crimes de racismo e injúria racial, pontuando suas evoluções históricas, bem como suas aplicações legislativas. Além disso, serão elencados fatores importantes para o aprofundamento do assunto, como as estatísticas realistas.
Conforme será visto no decorrer da pesquisa, mas que deve ser pontuado de antemão, a prevenção e repressão de condutas que impliquem segregação, em decorrência de raça, são essenciais à criminalização do racismo. Tais legislações buscam redimensionar a igualdade entre grupos historicamente vulneráveis em detrimento daqueles que, em tese, os dominaram durante todo o contexto histórico da humanidade, propiciando a igualdade material entre os seres humanos.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, foi tido como base a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, pesquisas em sites, doutrinas, artigos, jurisprudências e legislações.
2 RACISMO: HISTÓRICO E CONCEITO
Embora esteja explícito em nossa Constituição Federal que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988), é possível afirmar que parcelas da população não aplicam tal entendimento na prática.
O que poucos sabem ou não querem entender é que mesmo após a libertação dos escravos, pela Lei Áurea em 1888, os negros continuaram sofrendo discriminações, marginalizações e ainda, de alguma forma, eram submissos aos seus “chefes”. Isso ocorreu porque, apesar da libertação, não houve nenhum outro tipo de garantia ou direito estabelecido, o que dificultou, e muito, o processo de inclusão dos negros na sociedade, como no acesso ao trabalho digno e à educação.
Assim, durante todo o processo histórico, negros eram colocados em condições de desvantagens. Como consequência, essa discriminação racial foi enraizada, gerando efeitos que perduram até os dias atuais.
Define-se como racismo, a prática social que discrimina e exclui indivíduos ou grupos com base em características raciais ou étnicas. Tal conduta, além de ofender a dignidade humana, viola os princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação, o que configura uma conduta criminosa no ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei nº 7.716/89, conhecida como Lei Antirracismo, define o racismo como a conduta de “discriminar pessoas em razão de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989). Atrelado a isso, o Supremo Tribunal Federal afirmou que o racismo é uma conduta incompatível com a ordem constitucional, que deve ser combatida de forma enérgica e efetiva, sob pena de perpetuação da desigualdade e do sofrimento humano, conforme dispõe o RE nº 597.285/RJ, cujo Relator Ministro Roberto Barroso pontuou: “O racismo é uma forma de desumanização do outro, é a forma de violação de direito humanos e é contrária aos princípios fundamentas da República brasileira” (BRASIL, 2018).
No âmbito jurisprudencial, a gravidade do racismo e de suas formas de manifestação também são reconhecidas. Pode ser caracterizada como um crime de racismo ou como um crime resultante de preconceito de raça ou cor, como a injúria racial.
A evolução histórica do racismo no Brasil é marcada por um longo período de omissão, com início na colonização até a atualidade. Falar que o racismo sempre esteve presente na sociedade é um fato e, infelizmente, ainda persiste.
Importante ressaltar que a luta contra o racismo não é uma tarefa exclusiva do Estado, mas também de toda a sociedade. A educação antirracista, a valorização da cultura negra e o reconhecimento das contribuições dos povos afrodescendentes para a formação do Brasil são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
2.1 Modalidades do racismo
Conforme mencionado, o racismo pode acontecer de diversos meios e com grupos diferentes, de modo que é possível identificar variadas modalidades desta prática.
Titulado como racismo institucional, esta modalidade é marcada pela manifestação de preconceito por parte de instituições públicas ou privadas, do Estado e das leis que, de forma indireta, promovem a exclusão ou o preconceito racial. Como exemplo, pode-se citar as abordagens policiais contra negros, que tendem a ser mais agressivas.
Outro exemplo de racismo institucional é do caso que ocorreu em Minnesota, nos Estados Unidos, que gerou repercussão mundial. Durante uma abordagem policial, George Floyd foi rendido ao chão, e com o joelho do policial em seu pescoço, por mais de nove minutos, foi assassinado. George repetiu onze vezes a frase “não consigo respirar”. As cenas foram filmadas por pessoas que presenciaram o fato. Derek Chauvin, policial responsável pela morte de George, foi condenado por unanimidade perante o júri popular. Somadas suas condenações, Chauvin pode ficar preso por até 75 anos (UOL).
Outra modalidade de racismo é o estrutural, que nada mais o conjunto de práticas, hábitos, situações e falas embutido nos costumes, o que acaba por promovem, de forma direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Necessário pontuar que falas e hábitos pejorativos incorporados ao nosso cotidiano tendem a reforçar essa forma de racismo.
Por fim, entre os mais usuais, tem-se o racismo recreativo, que se compara com as apresentações de stand-up. O racismo recreativo encontra-se camuflado em piadas ou brincadeiras que, aparentemente, são inofensivas, mas que possuem cunho racial que associa as características físicas e culturais a algo inferior ou desagradável.
O combate a tais modalidades parte da ideia de que todo conteúdo que a pessoa consome, deve ser analisado de forma crítica, além de não ocorrer a disseminação nas mídias sociais e, principalmente, o questionamento desses conteúdos por mera diversão.
É urgente também entender que:
Face ao racismo, não há compromisso possível. Não há tolerância possível. Só há uma resposta: a tolerância zero. Esta resposta pode parecer radical, mas é a única resposta concebível se quisermos adotar, em relação a este problema, uma atitude coerente e eficaz. (DELACAMPAGNE, 2013, p. 222).
O combate ao racismo, seja ele institucional, estrutural ou recreativo é uma luta de toda uma sociedade, não somente dos negros. É preciso que haja políticas de conscientização e senso crítico para determinadas condutas.
2.2 Desigualdade em números
Pode-se dizer que o primeiro passo para o combate ao racismo é justamente ter consciência de que a sociedade é uma sociedade racista e em transformação. Perante a população negra, essa conscientização já é realidade há muito tempo, pelo simples fato de ter sofrido com os impactos de uma sociedade que racializa e que exclui pessoas pretas e pardas.
Conforme estudos recentes, o Boletim AASP Conecta (2022) trouxe uma matéria que fala exatamente sobre os números, são eles:
Dos 13,5 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, 75% são pretos ou pardos. Negros tem 4 vezes mais chance de sofrer violência policial do que brancos nas abordagens. Pesquisa mostra que 56% das empresas não contratam negros por racismo. Brancos com Ensino Superior completo ganham, em média, R$ 33,90 por hora; pretos e pardos recebem R$ 25,50: diferença de 44%. Negros são 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil.
Os dados são alarmantes e preocupantes. Trata-se de um desafio que se alastra durante anos. A discussão envolve aspectos políticos, sociais e culturais. A sociedade deve se posicionar como parte dos problemas raciais e praticar ações de desconstrução no cotidiano. A postura antirracista exige a desnaturalização das desigualdades nos espaços de poder.
Diante do aumento expressivo de registros de racismo, lideranças políticas, instituições e empresas criaram mecanismos jurídicos e políticas públicas para seu combate. No entanto, a sociedade brasileira ainda carece da vontade política para efetivação dessas ferramentas, o que pode ser observado pela diminuta presença de pessoas negras em cargos de liderança da Administração Pública e no sistema da justiça, por exemplo.
3 INJÚRIA RACIAL
O Código Penal contempla o crime de injúria em seu artigo 140, § 3º, que em seu tipo base pune a conduta daquele que ofende a dignidade ou decoro da vítima, utilizando-se de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. A injúria racial é uma conduta que agride a honra subjetiva de uma pessoa, atingindo-a em sua dignidade e integridade (BRASIL, 1940).
Ademais, é considerada um crime de mera conduta, ou seja, não exige a comprovação de um resultado específico para sua configuração, basta a demonstração da prática para que se configure o crime. Sua consumação ocorre quando a ofensa é proferida, independente da produção de qualquer dano à vítima.
A proteção contra a injúria racial no Brasil tem origem em uma luta histórica contra o racismo e a discriminação racial. A Constituição Federal de 1988, em consonância com o princípio da igualdade, proibiu a distinção entre as pessoas por razões de raça ou cor, e a Lei nº 7.716/89, conhecida como Lei Antirracismo, criminalizou condutas resultantes de preconceito de raça ou cor, como a injúria racial.
A efetivação da legislação sobre injúria racial ainda é um desafio, uma vez que a discriminação racial ainda persiste em diversos espaços da sociedade. É necessário que a sociedade se mobilize no combate ao racismo, por meio da conscientização e da denúncia de práticas discriminatórias.
Comparando o crime de racismo com o de injúria racial, tem-se que, apesar de ambos terem em comum o preconceito e a discriminação racial, há significativas diferenças entre eles, tanto em relação à tipificação como em relação às penas aplicáveis.
Ao contrário da injúria, o crime de racismo prevê penas mais severas quando a discriminação é praticada por meio da violência ou grave ameaça, o que é considerado um agravante. Suas competências também se diferem, enquanto o crime de racismo é de competência da Justiça Federal, o crime de injúria racial é de competência da Justiça Estadual.
Ademais, antes da alteração ocorrida pela Lei nº 14.532/2023, que será vista mais adiante, somente o crime de racismo era inafiançável e imprescritível, ou seja, o crime de injúria racial não observava tais peculiaridades, embora alguns entendimento jurisprudenciais colocassem as duas modalidades em analogia, não era, de fato, uma aplicação igualitária.
Até então, era importante compreender suas diferenças e aplicá-las de forma adequada para cada caso. Atualmente, em vigência a nova legislação que tipifica como racismo o crime de injúria, demonstra uma evolução necessária, o que irá garantir ainda mais a proteção dos direitos humanos no Brasil.
3.1 Julgamento do HC 154.248 pelo STF
Ocorrido em 28 de outubro de 2021, no âmbito do Habeas Corpus 154.248, o Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, decidiu que a injúria racial deve ser equiparada, para fins de reconhecimento e imprescritibilidade, ao delito de racismo.
O tema também foi objeto na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.987, sendo iniciativa do partido Cidadania, que pedia julgamento junto ao mencionado HC.
Veja-se a Ementa do referido HC:
HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. INJÚRIA RACIAL (ART. 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ESPÉCIE DO GÊNERO RACISMO. IMPRESCRITIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Depreende-se das normas dos textos constitucional, de compromissos internacionais e de julgados do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento objetivo do racismo estrutural como dado da realidade brasileira ainda a ser superado por meio da soma de esforços do Poder Público e de todo o conjunto da sociedade. 2. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do HC 82424 RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. 5. Ordem de habeas corpus denegada.
Como bem pontuado pela Ministra Cármen Lúcia nos autos, o crime não é apenas contra a vítima, uma vez que a ofensa é contra a dignidade do ser humano. No mesmo sentido, o Ministro Luiz Fux pontuou que a discussão sobre a questão racial veio se desenvolvendo para assegurar proteção às pessoas negras, alcançando uma dimensão social e não meramente biológica.
Já o ministro Ricardo Lewandowski lembrou:
A Constituição Federal, ao estabelecer que a prática do racismo é imprescritível, não estipulou nenhum tipo penal, exatamente porque, ao longo do tempo, essas condutas criminosas se diversificam e é necessário que os delitos específicos sejam definidos pelo Congresso (STF, 2021).
De fato, com razão os ilustres ministros, sendo importante ressaltar que em casos como de injúria racial, não se mostra possível reconhecer a prescrição do delito em um caso que o agressor pretendeu, de forma clara, inferiorizar a vítima. Deve-se, portanto, voltar os olhos para o passado, abrangendo todos os cenários bárbaros que ocorreram, bem como com o que dispõe em nossa Constituição Federal, uma vez que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988).
A discussão que envolvia o tema antes de ser oficialmente decidido, era muito controversa, o que acabava por gerar debates acalorados no âmbito jurídico. Alguns juristas defendiam que a medida poderia prejudicar o direito à liberdade de expressão, enquanto outros argumentavam que a equiparação era necessária para garantir a efetividade das medidas de combate à discriminação racial.
Fato é que, aos olhos históricos, sociais e econômicos, durante muito tempo negros e pardos foram tratados como propriedade em razão de sua cor, o que perdura até os dias atuais. Com isso, resta evidente que sim, a equiparação era necessária e urgente para garantir a efetividade dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
4 LEI Nº 14.532/2023: ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE TIPIFICA COMO RACISMO O CRIME DE INJÚRIA RACIAL
Publicada no Diário Oficial da União no dia 11 de janeiro de 2023, a Lei nº 14.523 foi sancionada pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma cerimônia de posse das ministras Anielle Franco e Sonia Guajajara, figuras importantes para o povo brasileiro, além de representativas diante da democracia.
A norma sancionada altera a Lei do Crime Racial (nº 7.716/1989) e o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) para tipificar como racismo a injúria racial. Com isso, o novo tipo incriminador, em relação a aquele previsto no art. 140, § 3º do Código Penal, possui pena majorada. O que antes era pena de reclusão de 01 a 03 anos e multa, passou a ser reclusão de 02 a 05 anos e multa (BRASIL, 2023).
Ainda comparando o antigo tipo penal ao atual, percebe-se que a injúria qualificada por preconceito religioso, etarismo ou capacitismo continua tipificado na nova redação dada ao § 3º do art. 140 do Código Penal.
As mudanças não foram limitadas, de modo que o art. 20 da Lei do Crime Racial teve alguns de seus parágrafos alterados, bem como acrescentado novos que preveem situações especiais em que o cometimento do crime de racismo é punido com penas majoradas.
Tem-se, ainda, a inserção de novos dispositivos que trazem causas de aumento de pena para os crimes de injúria racial e racismo, podendo ser aumentadas de 1/3 até a metade, quando: ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação; praticados por funcionário público.
Ademais, deve ser observado pelo juiz que, ao interpretar a referida norma, deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.
Destaca-se também a criação do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que terá como principal objetivo financiar projetos e programas voltados para a promoção da igualdade racial; a instituição do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que terá como função monitorar e avaliar as políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial; e a obrigatoriedade de ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas de todos o país.
É possível afirmar que nova lei traduz a promoção da igualdade racial no Brasil e representa um avanço significativo na luta contra o racismo e a discriminação racial. Através de sua implementação, espera-se que o país possa avançar na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e inclusa para todas as pessoas, independentemente da sua origem étnica.
5 FIGURAS HISTÓRICAS NO JUDICIÁRIO
São diversas as estatísticas que evidenciam o elevado número de pessoas brancas ocupando cargos no Poder Judiciário. Isso se deve, entre diversos fatores, a uma estrutura social que pouco favorece os negros no Brasil, que sofrem diariamente com o racismo estrutural, poucas oportunidades e espaço de fala limitado.
Figurando como pioneira, Esperança Garcia, nascida em 1751, foi autora do primeiro Habeas Corpus registrado no Brasil, negra, escravizada, sem formação, foi reconhecida em 2017 como a primeira advogada do Estado pela seccional piauiense da OAB.
Luiz Gama, nascido na Bahia em 1830, foi condecorado como primeiro advogado negro do Brasil, também já havia sido escravizado. Diante suas atuações nos tribunais, conseguiu libertar mais de 500 escravos. Ganhou notoriedade por defender que, ao matar seu senhor, o escravo agia em legítima defesa.
De 1929 a 2022, apenas três pessoas negras chegaram ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF): todos homens, inclusive. Hermenegildo de Barros foi ministro de 1919 até sua aposentadoria em 1937; Pedro Lessa ocupou o mesmo cargo em 1907 até sua morte, em 1921; e Joaquim Barbosa foi ministro da suprema corte em 2003 a 2014.
Vê-se que figuras importantes como os mencionados acima, trazem consigo muita simbologia e representatividade. Espera-se que o número de negros em cargos altos seja cada vez maior, o que atrelado à Lei de Cotas e o incentivo social, traga bons resultados.
6 CONCLUSÃO
Desde à época em que pessoas eram tratadas como propriedade, em razão de sua cor, até a criminalização do racismo, um longo caminho foi percorrido, e a atuação da advocacia por pessoas negras foi primordial para viabilizar essa mudança.
Esperança Garcia, a primeira advogada do Piauí, e Luiz Gama são exemplos de resistência e representatividade. São figuras históricas importantíssimas para o direito brasileiro e para a efetivação da democracia.
Como o título remete, a “luta pela equidade” se concentra no âmbito social, econômico e político. Os dados trazidos que demonstram claramente a existência predominante do racismo na sociedade não se trata apenas de estatística sensacionalista. Trata-se de um problema sério que já deveria, há muito tempo, ter sido combatido.
Nesse sentido, é preciso olhar para os aspectos que constroem barreiras, como o racismo, a injúria racial e os preconceitos. A importante alteração legislativa que tipifica como racismo o crime de injúria racial é uma das iniciativas. Julgados não precisarão mais decidir em aplicar ou não a analogia, agora é lei.
Sabe-se que são muitos os desafios e as lutas são diárias, no entanto, espera-se que a partir da nova tipificação, se alcance o desenvolvimento de toda a sociedade, bem como o fortalecimento da democracia, haja vista que não há a possibilidade em alcançar uma democracia plena enquanto a população que a representa estiver sujeita às piores condições sociais, políticas e econômicas do país.
Ademais, há uma questão cultural envolvida. A sociedade brasileira ainda carrega resquícios do período de escravidão, o que se reflete em preconceitos e discriminações presentes em diversas esferas.
Pode-se concluir, portanto, que a tipificação da nova Lei nº 14.532/2023 possui um caráter pedagógico e preventivo, colocando a injúria racial no mesmo patamar de punição do racismo. Ao estabelecer medidas de prevenção e combate, evidencia-se o esforço do legislativo em criar instrumentos mais efetivos para enfrentar essas práticas, de modo que a sociedade também não pode se esquivar.
Nesse sentido, a educação desempenha um papel fundamental. É necessária a promoção e a inclusão de conteúdos relacionados à história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, além de fomentar debates e ações educativas que estimulem a reflexão sobre a igualdade racial e a importância do respeito às diferenças, além de fortalecer políticas sociais que visem a inclusão e a valorização da diversidade racial, como cotas raciais em instituições de ensino e políticas de inclusão no mercado de trabalho.
Como principal propulsor, tem-se as mídias, que também desempenha um papel relevante na disseminação de valores e na promoção da igualdade racial. É necessário que os meios de comunicação ampliem a representatividade de indivíduos de diferentes raças em seus conteúdos, evitando estereótipos e estigmas raciais. A produção de narrativas que valorizem a diversidade e combatam o preconceito pode contribuir para uma mudança de mentalidade na sociedade.
Por fim, reforça-se a importância da luta pela equidade. Somente através da colaboração e conscientização da sociedade, em conjunto com a atuação dos poderes judiciário, legislativo e executivo, será possível alcançar uma sociedade mais justa e igualitária. A Lei nº 14.532/2023 já é realidade, mas ainda há muito a ser feito para eliminar as formas de descriminalização.
Espera-se que este trabalho contribua para o aprofundamento do debate sobre a injúria racial e o racismo, além de inspirar a criação de ações positivas para a promoção da igualdade e erradicação do preconceito racial.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997. Altera o Código Penal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 de maio de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9459.htm. Acesso em: 10 set. 2023.
BRASIL. Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para equiparar a injúria racial ao crime de racismo. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14532.htm. Acesso em: 10 set. 2023.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020.
UOL, Notícias. Justiça para George Floyd. Ed. Clarice Cardoso. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/george-floyd-como-negro-morto-pela-policia-inspira-hoje-luta-antirracista/#cover. Acesso em: 10 set. 2023.
graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP – UNIFUNEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: POLTRONIERI, Alana Letícia Branco Carneiro. Luta pela equidade: alteração legislativa que tipifica como racismo o crime de injúria racial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2023, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63257/luta-pela-equidade-alterao-legislativa-que-tipifica-como-racismo-o-crime-de-injria-racial. Acesso em: 21 nov 2024.
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