RESUMO: Este artigo foi desenvolvido numa abordagem metodológica com fulcro numa pesquisa de caráter basicamente bibliográfico sobre os principais sistemas de imóveis no Brasil. O objetivo principal consiste em realizar uma perfunctória análise jurídica dos principais sistemas registrais existentes no Brasil. Inicialmente, tratou-se do direito de propriedade e de aspectos conceituais do sistema registral, apresentando-se noções do direito real de propriedade, o qual se adquire com o registro imobiliário, bem como os tipos de sistemas registrais. Após, abordou-se os principais princípios do registro de imóveis com seus conceitos e definições. E finalmente, explanou-se sobre os principais sistemas registrais brasileiro: o sistema comum regido pela Lei 6.015/73; o Sistema de Registro de Imóveis Rurais adquiridos por Estrangeiros regulado pela Lei 5.709/71; e o Sistema de Registro Torrens, também regulamentado na Lei 6.015/73. A pesquisa foi levada a efeito, por meio do estudo de diversas doutrinas (livros, internet e normas jurídicas positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, tratando-se de pesquisa de natureza qualitativa.
Palavras-chave: Sistemas Registrais. Registros de Imóveis. Princípios Notariais. Estrangeiros. Registro Torrens.
RESUMEM: Este artículo fue desarrollado utilizando un enfoque metodológico basado en una investigación básicamente bibliográfica sobre los principales sistemas de propiedad en Brasil. El objetivo principal es realizar un análisis jurídico exhaustivo de los principales sistemas de registro existentes en Brasil. Inicialmente, se trató sobre los derechos de propiedad y aspectos conceptuales del sistema registral, presentando nociones de derechos reales, que se adquieren a través del registro inmobiliario, así como los tipos de sistemas registrales. Posteriormente se discutieron los principios fundamentales del registro de propiedad con sus conceptos y definiciones. Y finalmente, se explicaron los principales sistemas registrales brasileños: el sistema común regido por la Ley 6.015/73; el Sistema de Registro de Propiedades Rurales adquiridas por Extranjeros regulado por la Ley 5.709/71; y el Sistema de Registro Torrens, también regulado por la Ley 6.015/73. La investigación se realizó a través del estudio de diversas doctrinas (libros, internet y normas jurídicas aprobadas en el sistema jurídico brasileño, en el caso de la investigación cualitativa).
Palabras clave: Sistemas de Registro. Registros de propiedad. Principios Notariales. Extranjeros. Registro de Torrens.
Introdução
Quando falamos em sistema registral, estamos tratando de direitos derivados de regime da titulação proveniente de um sistema jurídico que visa garantir a propriedade e os direitos reais sobre ela incidentes.
Para atingir a segurança jurídica da propriedade, o sistema de registro de imóveis serve-se da publicidade, inscrevendo fatos juridicamente relevantes e publicando direitos, presumidamente conhecidos de todos, como meio de conferir tal segurança jurídica ao sistema registral imobiliário.
Para a persecução de tal finalidade, a lei confere um plexo de atribuições ao registro de imóveis, previstas na Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, conhecida como a Lei de Registros Públicos (LRP).
É certo que o funcionamento do Sistema Registral Imobiliário de cada país tem reflexos diretos em sua economia, tendo em vista que objetiva garantir a segurança jurídica nas transações sobre direitos reais e, como consequência disso, fomenta a segurança do crédito por meio da proteção aos direitos reais de garantia, gerando negócios e desenvolvimento, fatores fundamentais da estabilidade econômica.
O Sistema Registral, além de tutelar os direitos reais relativos aos imóveis, também assegura direitos pessoais que tenham repercussão sobre bens de raiz.
Nesse sentido, conhecer os aspectos caracterizadores dos sistemas registrais no Brasil, seus institutos, seus princípios, bem como conhecer os principais sistemas registrais existentes no ordenamento jurídico, constitui condição essencial para compreender a importância do registro de imóveis no contexto socioeconômico brasileiro.
1 Direito de Propriedade e Aspectos Conceituais dos Sistemas Registrais
A propriedade, base do sistema capitalista, constitui o mais amplo dos direitos reais, a incidir sobre bens (móveis ou imóveis) próprios, tendo seu titular a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, nos termos do art. 1.228 do Código Civil Brasileiro:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1 o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2 o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3 o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4 o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
É certo também que a propriedade deve ser compreendida como uma contingência, resultante da evolução social. E o direito do proprietário como justo e concomitantemente limitado pela missão social que se lhe incumbe em virtude da situação particular em que se encontra (Duguit, 1996, p. 29).
Para José Isaac Pilati (2012, p. 39), a propriedade pós-moderna surge no bojo de um processo mais amplo de restauração política e jurídica do coletivo, da participação e da democratização. E apesar de pautada pelo figurino codificado da propriedade moderna, da qual necessita e desfruta do mesmo status de direito subjetivo da propriedade comum, como direito fundamental e oponibilidade erga omnes, sua natureza de propriedade especial, acrescenta-lhe um plus de funcionalidade.
Assim, dada a sua natureza jurídica, a propriedade, garantia constitucional, deve ser tutelada pelo Direito, a fim de dar segurança ao patrimônio do cidadão, sendo objeto próprio do direito imobiliário, por meio de regras inerentes aos sistemas de registros públicos, tendo a função registral, nesse aspecto, o objetivo de prevenir litígios, dando certeza e segurança jurídica às relações, consistindo em atividade benéfica a todos, apesar de exercida em casos concretos, com partes estabelecidas na relação jurídica específica.
Luiz Guilherme Loureiro (2017, p. 499) conceitua o direito registral imobiliário como a parte específica do direito de registros públicos consistente no conjunto de princípios e normas destinados a regular a função do oficial de registro de imóveis e a organização e o funcionamento dos organismos estatais encarregados de recepcionar notadamente os atos e documentos concernentes aos direitos reais sobre bens imóveis ou aqueles que os afetam, bem como as formas e resultados de tais registros e os efeitos deles resultantes.
Ainda segundo Loureiro (2017, p. 499), essa área do Direito tem por objeto a publicidade da propriedade de bens imóveis e de outros direitos reais imobiliários, visando à proteção dos titulares de tais direitos reais (publicidade estática), e também, a garantia do tráfico jurídico dos bens imóveis (publicidade dinâmica).
Destarte, a razão de ser do Direito Registral é diminuir o risco dos adquirentes de imóveis ou direitos a eles relativos, por meio de uma maior segurança jurídica no tráfico imobiliário e, consequentemente, diminuindo os custos da transação e contribuindo para a diminuição de litígios envolvendo imóveis.
Para tanto, segundo Diniz (2014, p. 41), o registro imobiliário assegurará a possibilidade da identificação da coisa e de seu atual titular, tendo a função de:
(1) resguardar a propriedade, documentando a sua transferência e dando publicidade às mutações subjetivas. O registro será conexo à propriedade, tendo em vista que decorre do fato de ser o domínio uma afirmação da pessoa física ou jurídica em face do Estado, considerando-se que a propriedade imobiliária constitui um título outorgado pelo Estado, que lhe confere publicidade com o assento. Consequentemente, o Registro do Imóvel é a declaração pública do domínio e fonte da economia;
(2) permitir a aquisição da propriedade, passando o adquirente a ser, com segurança, o proprietário do imóvel adquirido por ato inter vivos, a partir do registro. Antes do assentamento do imóvel, o adquirente não terá nenhum dos direitos do dono (CC, art. 1.227);
(3) garantir a existência de ônus reais;
(4) assegurar a formalização da aquisição por usucapião, com o registro da sentença declaratória do domínio. Enquanto essa sentença não for registrada, o autor terá ação publicitária contra quem lesar seu direito, mas não poderá lançar mão da reivindicatória;
(5) funcionar como ato declaratório da disponibilidade da propriedade, se o imóvel vier a ser adquirido por ato causa mortis, pondo término ao estado de indivisão oriundo da abertura da sucessão, pois a universalidade dos bens do espólio só terá fim com o registro do formal de partilha;
(6) garantir, nas desapropriações, por ter fim cadastral, a obediência ao princípio da continuidade do registro imobiliário.
(7) permitir a continuidade registraria, na divisão que declarar o domínio.
Dessa forma, o registro imobiliário terá finalidade de garantir a autenticidade, a segurança e eficácia dos assentos de atos jurídicos inter vivos ou mortis causa, constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobres imóveis (art. 172 da Lei 6.015/73), preservando-lhes a confiabilidade (Diniz, 2014, p. 59).
Doutrinariamente, há diversas formas de classificação dos sistemas registrais.
Assim, do ponto de vista formal, os sistemas registrais se dividem em (Serra, 2016, p. 62):
Sistemas de Transcrição: nesta categoria os sistemas copiam ou transcrevem a totalidade do título apresentado sem se preocupar em extrair dele somente seus aspectos reais, de modo que o registro fica permeado por aspectos puramente obrigacionais. Exemplo deste tipo de sistema é o francês, no qual o registro consiste no arquivamento em pastas organizadas por pessoa, nas quais se arquivam os títulos de transmissão.
Sistemas de Inscrição: o assento registral corresponde a um extrato do título, extraindo deste apenas as disposições que têm caracteres de direito real. Somente tais caracteres são suscetíveis de publicação por meio do registro em função dos efeitos dele decorrentes (validade perante terceiros).
Sistemas de Classificação: os livros de registro apresentam previamente compartimentos ou campos, nos quais se revela abreviadamente o direito resultante do documento. Estes livros se apresentam como um formulário pré-impresso em que só se preenchem as lacunas. Esta categoria é apropriada para as legislações em que se tenha estabelecido taxativamente quais são os direitos inscritíveis (numerus clausus), posto que os direitos neste caso estão tipificados em sua enumeração e em seu conteúdo.
Sob o ponto de vista da organização, tem-se os seguintes sistemas (Serra, 2016, p. 62):
Sistemas de Fólio Real: a organização do registro sé dá com base no objeto, ou seja, todos os lançamentos de direitos reais são estruturados em função do imóvel ao qual estes direitos se refiram.
Sistemas de Fólio Pessoal: a organização se dá em virtude das pessoas envolvidas na relação obrigacional, independentemente do imóvel que esteja envolvido na transação.
Do ponto de vista dos efeitos que o registro produz Serra, 2016, p. 63), tem-se:
Sistemas de Inoponibilidade (Sistemas de Registros de Documentos ou Sistema Declarativo): o surgimento do direito real não se dá com o registro, mas, sim, com o surgimento do título, sendo que o registro dele se limita a dar mera publicidade do direito preexistente.
Sistemas de Registros de Direitos (Sistema Constitutivo): SISTEMAS DE REGISTRO DE DIREITOS ou, ainda, SISTEMA CONSTITUTIVO: constituição do direito real se dá pelo registro, motivo pelo qual o ingresso no Registro de Imóveis passa por um rígido controle para garantir a eficácia do sistema. O que diferencia os sistemas integrantes desta classe é o maior ou menor grau de presunção de que os direitos inscritos correspondem à realidade adotada por eles
O Sistema Registral brasileiro é de natureza mista, podendo ser: constitutivo ou declarativo. É constitutivo quando cria um direito e gera a ficção de conhecimento para o Brasil e o Mundo, como em relação aos atos de oneração e às transmissões inter vivos. É declarativo quando se limita a declarar a existência de um direito preexistente, como ocorre nas aquisições originárias e causa mortis, bem como nos títulos de divisão, judiciais ou extrajudiciais.
2 Princípios do Sistema de Registro de Imóveis
De acordo com a disposição do artigo 1º da Lei 8.935/94, os serviços notariais e de registro têm por finalidade garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ou seja, os serviços notariais e registrais visam garantir a segurança jurídica de certos atos, sendo tutelados por princípios, que consistem em orientações centrais, sistemática de bases fundamentais para a correta aplicação do ordenamento jurídico registral.
Para tanto, o sistema registral é baseado em diversos princípios, que foram utilizados para a criação de normas regulamentadoras dos institutos jurídicos registrais.
Nas palavras de Miguel Reale (1969, p. 54), princípios são verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.
No ensinamento de Loureiro (2017, p. 535), os princípios registrais consistem em critérios básicos que servem de sustentação para o sistema de registro de imóveis, cuja fonte é a própria legislação, a exemplo do Código Civil, Lei 6.015/73 e Lei 8.935/94, de modo a orientar os legisladores e evitar a edição de normas que quebrem a harmonia e a unidade do direito registral, tendo três funções: (1) função informadora ou integradora; (2) função científica e (3) função aplicativa.
Na função informadora ou integradora, os princípios registrais facilitam a compreensão do direito hipotecário ou registral, ao condensar regras e orientações que decorrem da inteligência de um ou mais dispositivos legais que integram o marco regulatório do sistema de registro de imóveis (ou de registros públicos em geral). Essa função economiza preceitos e permite uma maior abertura das normas, possibilitando sua adaptação aos novos casos concretos que podem surgir das mudanças tecnológicas, econômicas e culturais e do dinamismo da vida social e das práticas negociais (Loureiro, 2017, p. 535).
Quanto à função científica, os princípios permitem uma construção racional da ordem legal, facilitando o trabalho dos doutrinadores e juristas na compreensão e aperfeiçoamento do sistema, uma vez que os operadores, ao analisarem a modificação do direito, pelo advento de novas leis, ou pela adoção de uma nova corrente jurisprudencial, verificará se houve avanço ou um retrocesso no regime de publicidade registral (Loureiro, 2017, p. 536).
Por fim, na função aplicativa, os princípios registrais facilitam a interpretação das normas jurídicas, propiciando direções científicas que permitam a correta solução de conflitos envolvendo o direito registral. Da mesma forma, facilitam a função qualificadora dos registradores, ao possibilitar que estes profissionais do direito tenham uma visão unitária acerca do direito positivo aplicável, proporcionando-lhes, ademais, fundamento válido para decidir sobre o acesso do título à publicidade registral nos casos de omissão ou contradição da lei (Loureiro, 2017, p. 536).
Em que pese não haver uma sistematização unânime entre os estudiosos da matéria, pode-se enumerar àqueles mais citados entre os estudiosos: publicidade registral, legalidade, inscrição, instância ou da rogação, legalidade, da fé pública, da prioridade, da especialidade, da disponibilidade, da continuidade e da unitariedade matricial.
2.1 Princípio da Publicidade Registral
A Constituição Federal, no seu art. 37, preceitua que a Administração Pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Esse princípio é geral a todos os registros públicos, e, através dele, considera-se que o registro torna público a todos o conhecimento dos atos e fatos registrados.
O princípio da publicidade dos atos notariais e registrais consiste em garantia fundamental do cidadão, devido ao regime democrático do Estado de Direito adotado pela Constituição vigente. O objetivo é dar amplo conhecimento à sociedade dos escritos e registros públicos, satisfazendo a necessidade popular de verificação pública dos atos e negócios jurídicos celebrados ou registrados no serviço, uma vez que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, consoante art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
O princípio da publicidade tem por objetivo dar transparência a atividade notarial e de registro. Para que a sociedade e o indivíduo sejam sempre informados, como meio destes exercerem livremente as liberdades e garantias públicas, sendo da própria natureza jurídica do sistema notarial e de registros dar ampla e irrestrita publicidade dos seus atos à sociedade, apenas mitigada em decorrência de restrição legal, tendo em vista que é dever do notário e do registrador, facilitar por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas, como regrado no art. 30, inciso XII, da Lei 8.935/94.
Tal princípio é o fundamento dos Registros Públicos regidos pela Lei 6.015/73. Trata-se de um instituto de suma importância no Direito Brasileiro em prol da segurança jurídica, que tem por fim tornar conhecido o direito de propriedade e as mutações dos ônus reais sobre o bem.
No entender de Loureiro (2017, p. 511), publicidade registral pode ser definida como a garantia dos direitos reais inscritos e, tal como estão inscritos, da pessoa que consta como titular registral; e ainda como garantia da tutela dos interesses daqueles que, confiando nas informações constantes do registro, realizam negócios jurídicos imobiliários. A publicidade registral, assim, é uma presunção de veracidade e integridade do registro para todo aquele que confia no registro e inscreve o título de aquisição do imóvel.
Walter Ceneviva (2010, p. 611) afirma que para garantir a oponibilidade e preservar da inoponibilidade a todos os terceiros, o direito dá ao ato jurídico publicidade.
Para Afrânio Carvalho (1982, p. 19), publicidade registral consiste em:
[...] o duplo efeito de construir o direito real e de anunciá-lo a terceiros. Antes da publicidade, o ato cria obrigações entre as partes, mas, uma vez efetuada, perfaz a mutação jurídico-real, investindo a propriedade ou o direito real na pessoa do adquirente e, ao mesmo tempo, tornando o direito oponível a terceiros.
A publicidade registral dá-se com o registro do título hábil, pois uma vez que a escritura pública se mostra apta para a inscrição no fólio real, e por consequência admissível e inscritível, dá-se o fenômeno registral oponível erga omnes18, desde a apresentação do título formal no protocolo (Art. 186, da Lei 6.015/73 e Art. 1.246, do CC), tendo em vista que no registro imobiliário às pessoas tem o direito de conhecer o estado jurídico do imóvel, tais como sua especialização, direitos reais, restrições ambientais, urbanísticas etc.
A publicidade registral vincula a causa de aquisição do direito real inscrito, tendo relação direta com o princípio da fé pública registral, uma vez que se o negócio jurídico for nulo, nulo será o registro que deu origem, salvo direitos de terceiro de boa-fé que adquiriu o imóvel confiando no sistema registral.
Contudo, tal publicidade não é absoluta, uma vez que determinadas informações que chegam a seus arquivos são sigilosas e devem assim permanecer, a exemplo das cartas de sentenças extraídas de processos de separação judicial que contenham peças protegidos por segredo de justiça.
Por certo que a publicidade na transferência, limitação e afetação da propriedade imobiliária mostra-se imprescindível para a segurança jurídica dos negócios imobiliários, uma vez que se trata de direitos reais oponíveis erga omnes, há que se instituir mecanismos que torne pública a titularidade do imóvel, assim como a existência de ônus e gravames que incidem sobre ele.
Nesse sentido, Loureiro (2017, p. 513) escreve que a publicidade possui um triplo aspecto. No primeiro aspecto, o registro é público porque é uma atividade que corresponde ao Estado. Em um segundo aspecto, o registro é público porque o acesso a ele é assegurado a todos os membros da sociedade, seja para conhecer o conteúdo dos assentos registrais, seja para incluir no sistema o direito real imobiliário do qual é titular. Em um terceiro aspecto, o registro é público, dado que tem por finalidade garantir a segurança, a autenticidade e a eficácia das relações jurídicas entre particulares.
Destarte, a publicidade deve compreender dois pressupostos para que possa contribuir para a segurança jurídica do sistema registral.
O primeiro pressuposto da publicidade é a presunção de veracidade do registro, tendo em vista que a publicidade supõe disponibilizar aos interessados a verdade oficial. Assim, a lei estabelece a presunção de que aquilo que consta do registro é verdadeiro. Caso não seja, o interessado pode reclamar que se retifique ou anule (art. 1.247 do Código Civil), uma vez que, ausente a presunção de veracidade, mesmo que relativa, não haveria como garantir a segurança das relações jurídicas imobiliárias. (Loureiro, 2017, p. 513).
O segundo pressuposto da publicidade é a publicidade formal, que correspondente à possibilidade, mas não a obrigatoriedade, da consulta ao registro, haja vista que as normas registrais não impõem o conhecimento dos dados publicados, bem como não se exige de ninguém a consulta do registro.
A lei considera que é pública a informação cujo teor é tornado acessível a todos. Ou seja, a publicidade formal significa que o registro é público no sentido de que, em geral, qualquer pessoa pode ter acesso às informações nele contidas, não sendo necessário consulta ao registro para que se dê efetividade à publicidade, requerendo apenas que a situação jurídica seja disponibilizada no sistema registral (Loureiro, 2017, p. 513).
No magistério de Afrânio de Carvalho (1982, p. 19):
O Direito Brasileiro, desde a Lei Imperial de 1864, outorga à publicidade registral o duplo efeito de constituir o direito real e de anunciá-lo a terceiros. Antes da publicidade, o ato cria obrigações entre as partes, mas, uma vez efetuada, perfaz a mutação jurídico-real, investindo a propriedade ou o direto real na pessoa do adquirente e, ao mesmo tempo, tornando o direito oponível a terceiros.
Assim, o princípio da publicidade justifica-se facilmente pela necessidade de dar a conhecer à coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez que ela tem de respeitá-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real imobiliária, esta transpõe o limite dual e atinge a coletividade por exigir a observância geral (erga omnes).
Em face do princípio da publicidade todos podem e, em alguns casos, devem saber da situação jurídica do imóvel registrado.
2.2 Princípio da Inscrição
Pelo princípio da inscrição, a transmissão de direito real por ato inter vivos somente se opera mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (KONNO, 2010, p. 43).
Em outros termos, significa dizer que a constituição, transmissão, modificação ou extinção dos direitos reais sobre imóveis só se operam entre vivos, mediante sua inscrição no registro. Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada negocialmente entre particulares, em verdade, só se consumará para produzir o deslocamento da propriedade do de direito real do transferente ao adquirente pela inscrição, por indicação expressa prevista no atual Código Civil:
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.
Denota-se que a alienação de bens imóveis dar-se-á em dois momentos distintos: o título, que exprime uma manifestação de vontade; e do registro, o qual que formaliza tal ato, atentando-se que a transferência causa-mortis, também dependerá da inscrição.
Nesse sentido, Afrânio de Carvalho (1977, p. 191) considera dois enfoques oriundos deste princípio: o primeiro, constitutivo uma vez que se relaciona com o surgimento do direito real. O segundo, declarativo, que visa publicar o ato jurídicos produzindo seus efeitos, tutelando o patrimônio alcançado pelo registro.
2.3 Princípio da Legalidade
Pelo princípio da legalidade, o registrador deve examinar o título apresentado e fazer uma apreciação quanto à forma, validade e, principalmente, conforme a lei.
Nesse sentido, segundo Loureiro (2017, p. 547), a legalidade aplica-se a todo procedimento registral, mas tem seu ápice no denominado exame de qualificação: no qual o registrador faz o controle da legalidade do título submetido a registro, sendo que, no respeitante ao exame do documento, o fundamento do princípio da legalidade se funda na necessidade de que os assentos registrais correspondam à realidade externa ao registro, com vistas a se evitar que possam ingressar no fólio real documentos eivados de vícios de validade ou de autenticidade.
Assim, ao receber o título para registro, antes mesmo do oficial examinar o título sob a luz dos demais princípios registrais, mister que o analise, antes de tudo, sob o aspecto legal, e isto deverá ser realizado levando-se em conta se:
a) o imóvel objeto da relação jurídica integrante do título, faz parte de sua circunscrição imobiliária;
b) o título que lhe é apresentado se reveste das formalidades legais exigidas por lei;
c) os impostos devidos foram devidamente recolhidos;
d) as partes constantes do título estão corretamente qualificadas e representadas.
Todavia, mesmo passando por esse controle da legalidade, o título, somente por ter sido registrado, não se liberta de eventuais vícios que o maculem, podendo vir a ser anulado, com repercussões no correspondente registro:
Na verificação da legalidade dos títulos que lhe são apresentados, não poderá o oficial ir além dos limites estabelecidos em lei, em razão até mesmo, da função pública que este exerce, devendo se ater à análise dos aspectos formais do título.
Ademais, este princípio impede o ingresso no Cartório de Registro de Imóveis de títulos inválidos ou imperfeitos, contribuindo, desse modo, para a concordância do mundo real com o mundo registral.
Por fim, vale dizer que o exame prévio da legalidade dos títulos objetiva estabelece a correspondência constante entre a situação jurídica e a situação registral, de modo que o público possa confiar plenamente no registro, tendo em vista que a verificação da legalidade e da validade do título e a efetivação de seu registro, é uma regra implícita e subtendida no art. 198 da Lei 6.015/73.
No entendimento de Valmir Pontes (1982, p. 98), o exame da legalidade lastreia-se em todo o sistema registral, sendo efetivado mediante o exame de qualificação do título apresentado.
Nesse sentido, qualquer que seja a natureza do título (escritura pública, instrumento particular, título judicial, título administrativo), está sujeito à qualificação registrária. É atribuição do oficial registrador proceder à qualificação do título, ainda que se trate de mandado ou carta de sentença extrai da de ação judicial (Loureiro, 2017, p. 550).
2.4 Princípio da Instância ou da Rogação
O princípio da instância, insculpido no artigo 13 da Lei 6.015/73, estabelece que os atos praticados no registro predial dependem de solicitação ou instância do interessado ou de autoridade:
Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do registro serão praticados:
I - por ordem judicial;
II - a requerimento verbal ou escrito dos interessados;
III - a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar.
Consoante art. 246, § 1º da Lei 6.015/73, quando se pretende a realização de um ato de registro, a provocação se dá apenas pela apresentação do título, ao passo que nas hipóteses de averbação, deve ser apresentado requerimento com a firma reconhecida do interessado.
Apesar de ser necessário provocar, o ato não exige o interesse somente do titular de direito real, mas de qualquer pessoa, desde que faça o requerimento com os documentos hábeis, como prevê o artigo 217 da LRP, que prescreve que o registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as despesas respectivas.
Vê-se, do comando legal, que apenas a provocação é que pode ser feita por qualquer pessoa. O ato só é praticado se atendidas as anotações legais. Nesse caso, por exemplo, embora qualquer pessoa possa apresentar no protocolo o requerimento de unificação de dois lotes, para que se possa lançar nas matrículas dos imóveis, averbando-se o encerramento delas e abrindo-se uma nova matrícula para o imóvel unificado, é necessário haver autorização do município, bem como que os imóveis serem contíguos e pertençam aos mesmos proprietários (art. 234 da LRP).
Contudo, o disposto no artigo 246, § 1º da Lei 6.015/73 limita o artigo mencionado, no que diz respeito:
(1) a averbação dos nomes dos logradouros, decretado pelo Poder Público (art. 167, II, n. 13, da Lei 6.015/73); e
(2) a retificação de registro ou averbação nas hipóteses do art. 213, da Lei de Registros Públicos: a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título; b) indicação ou atualização de confrontação; c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial; d) retificação que vise à alteração de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georreferenciadas, em que não haja alteração de medidas perimetrais; e) alteração ou inserção de dado que resulte de mero cálculo matemático a partir das medidas do perímetro que já constem do registro; f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação; e g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovadas por documentos oficiais.
Relativa à função notarial, também denominado como rogatório, este princípio determina ainda, que o notário não pode agir de ofício, ou seja, sozinho, necessitando ser provocado pela parte interessada para a realização do ato, uma vez que a função notarial é oferecida a todos que dela necessitem (BRANDELLI. 2011, p. 185).
Destarte, a inscrição dos títulos no registro poderá ser pedida indistintamente pelo adquirente do direito; pelo transmitente do direito; por quem tenha interesse em assegurar o direito que deva ser inscrito ou pelo representante legal de qualquer deles.
Portanto, em regra, o registrador ou notário não podem praticar os atos por mera liberalidade, necessitam de requerimento autorizando expressamente a prático do ato, salvo os previstos na legislação em vigor, como por exemplo, a denominação de rua ou avenida, podendo a autorização ser verbal.
2.5 Princípio da Fé Pública
O princípio da fé pública significa que o adquirente de um direito real sobre um bem imóvel inscrito no Registro de Imóveis deve ser protegido em sua aquisição, mesmo quando não existe exatidão no registro, ou mesmo quando passível de nulidade, por força da presunção iuris et de iure que goza tal princípio.
Nesse sentido, a existência do direito registrado ou a inexistência do direito cancelado prevalece absolutamente em relação ao terceiro de boa-fé que, com base na confiança nos assentos do Registro de Imóveis, celebrou o negócio jurídico com o titular aparente.
No entender de Loureiro (2017, p. 580), a fé pública ampara apenas os direitos que são inscritos, não os fatos a eles ligados. Dessa forma, a eventual inexatidão destes não se convalida em favor do titular inscrito, por ficar fora do abrigo do princípio ora analisado. Sempre que a verdade registral não coincidir com a verdade real, o registro deve ser retificado para que reflita aquilo que se verifica no mundo real.
A fé pública registral abrange todas as soluções jurídicas levadas a registro, ou seja, acolhe a existência dos direitos reais registrados e nega os direitos reais e proibições não registrados.
Isso porque, o título, per se, não prova o domínio. A propriedade se adquire pelo registro, pois “quem não registra não é dono”.
Nesse sentido, preleciona Afrânio de Carvalho (1982, p. 211-212):
... a fé pública tem a sua influência limitada aos negócios jurídicos, vale dizer, aos acordos de vontades ajustados entre partes, os quais constituem a tessitura do tráfico imobiliário. Fora desse círculo negocial, a fé pública não opera, o que equivale a dizer que não protege as aquisições de direitos advindos de atos judiciais, que ficam assim a descoberto. Noutras palavras, é mais segura a aquisição, onerosa por escritura pública outorgada pelo proprietário do imóvel do que por arrematação judicial em execução que lhe for movida.
No entanto, o registro também, por si, não faz prova bastante do domínio, porque não é ele ato originário, como é o título, mas derivado desse título, que poderá conter vício insanável.
A prova do domínio, no sistema brasileiro, é feita com o título registrado, do qual decorre, quer entre as partes contratantes, quer perante terceiros de boa ou de má fé, uma presunção relativa de domínio, a qual irá prevalecer até prova em contrário, ou seja, o registro produz todos os efeitos legais, enquanto não for cancelado, ainda que se prove que o título foi desfeito, anulado, extinto ou rescindido (art. 252 da Lei 6.015, c/c o art. 859 do CC).
2.6 Princípio da Prioridade
O princípio de prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois (CARVALHO. 1982, p. 191).
Trata-se de um princípio explícito no art. 186 da Lei de Registros Públicos, in verbis:
Artigo 186. O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa de um título simultaneamente.
Desse modo, a prioridade é determinada pelo momento da apresentação do título para registro, ou seja, a propriedade, no Direito Registral lmobiliário, é garantida pela ordem cronológica na apresentação dos títulos. Para assegurá-la, o oficial, logo após a entrega de qualquer documento, dará ao apresentante um recibo, indicando expressamente a data da apresentação e o número de ordem que lhe foi conferido. O título, assim entregue, será examinado quanto a sua legalidade e a sua validade, fazendo-se o registro quando em conformidade com a lei. O que importa para determinar a prioridade não é a preeminência do direito, mas a data da apresentação do título no fólio real.
Desse modo, o negócio jurídico do acordo se mostra eficaz a partir da data da protocolização, desde que o registro seja exitoso. A mera protocolização sem a ocorrência da transcrição, sejam quais as razões existentes, abstrai a eficácia presumida a partir da prenotação no fólio real.
No magistério de Loureiro (2017, p. 570):
A única exceção ao princípio da prioridade está prevista no art. 1.495 do Código Civil: quando for protocolada escritura de hipoteca que mencione a constituição de hipoteca anterior ainda não registrada, o registrador deverá suspender o registro pelo prazo de trinta dias, a fim de possibilitar que o interessado promova a inscrição da garantia precedente. Decorrido o trintídio sem a apresentação do título anterior, será registrada a hipoteca posterior, que obterá preferência. Tem-se considerado que o Estatuto do Idoso não contém exceção ao princípio da prioridade ou preferência registral: o idoso tem preferência no atendimento dos serviços em geral, devendo ser atendido prioritariamente nos balcões ou guichês de pedido e recebimento de certidões e outros documentos, mas não no protocolo de título, que deve observar estritamente a ordem de chegada, isto é, da apresentação do título para prenotação.
No entanto, o princípio da prioridade também sofre restrições impostas pelas regras de Direito Tributário ao estabelecer no art. 186 do Código Tributário Nacional, que o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza e o tempo de constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.
Contudo, é certo que no Cartório de Registro de Imóveis, o direito de preferência ou prioridade se materializa por intermédio do acesso ao registro do documento que contém um direito real imobiliário: o título que é prenotado em primeiro lugar tem prioridade no registro em relação aos títulos que materializam direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, protocolados posteriormente.
2.7 Princípio da Especialidade
O requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as raias definidoras da entidade territorial (Afrânio de Carvalho, p. 247).
O princípio da especialidade visa a resguardar o Registro lmobiliário de equívocos que possam confundir as propriedades, causando embaraço à rápida consulta dos títulos, de modo que não havendo possibilidade de confundir-se um imóvel com outro, está atendido o princípio da especialidade.
2.8 Princípio da Disponibilidade
O direito de propriedade se relaciona ao direito de usar, gozar, fruir e dispor da coisa, como regulamenta o artigo 1228 do Código Civil. O direito de dispor se traduz na faculdade de transferir o imóvel para terceiro, por meio de venda, permuta, doação ou ainda, gravar com ônus real através do compromisso de compra e venda, da hipoteca ou pelo usufruto.
Desta forma, ninguém pode transferir mais direitos do que os constituídos no registro imobiliário, devendo este princípio ser observado em relação ao imóvel, no que diz respeito à sua disponibilidade física ou material, como também à disponibilidade jurídica quanto aos contratantes, projetando-se sobre estes o direito de propriedade.
No contexto, o artigo 172 da Lei de Registros Públicos discorre:
Art. 172 - No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, " inter vivos" ou " mortis causa" quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.
Assim, a análise da disponibilidade visa assegurar que ninguém possa dispor do que não tem, ou no dizer dos latinos, Nemo dat quot non habet, cuja ideia de disponibilidade é dissociada da titularidade do direito real e da necessidade do registro, mesmo porque decorrente do artigo 859 do Código Civil, presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou transcreveu.
Ao tratar do registro e disponibilidade, Valmir Pontes (1982, p. 30-31) ensina que não poderá ser aceito para registro ato de alienação ou oneração fundado em divisão ou partilha, sem que estes estejam registrados, em razão de que, somente pode transferir a propriedade, a pessoa que tem o imóvel registrado em seu próprio nome e ainda, o imóvel somente estará disponível se não existir sobre ele qualquer gravame ou ônus. Do contrário, a disponibilidade do imóvel estará comprometida.
2.9 Princípio da Continuidade
O princípio da continuidade está consagrado no artigo 195 da LRP:
Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Tal princípio consiste no encadeamento de titulares do direito a ser levado ao fólio real, ou em outras palavras, para que se possa transferir a outrem direito há que se ter o registro do título anterior, de forma que deve haver um encadeamento de atos de registro para que ninguém que não seja o proprietário do imóvel possa aliená-lo.
Segundo o princípio da continuidade, nenhum registro pode ser efetuado sem a prévia menção ao título anterior, constituindo, assim, a eficácia normal do registro. Nesse sentido, cada assento registral deve apoiar-se no anterior, formando um encadeamento cronológico e ininterrupto das titularidades de cada imóvel, concatenado na sucessiva transmissão dos direitos imobiliários.
Para Afrânio de Carvalho (1982, p. 304-305):
O princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente.
Esse princípio conexiona-se com o da especialidade, uma vez que, determinado imóvel, devidamente individualizado, deve existir uma cadeia de atos, cuja titularização se procede com a inscrição do direito no registro. Na medida em que cada ato possua uma procedência no anterior, possibilita num elo intangível de atos que não poderá ser quebrado.
No ensinar de Konno (2010, p. 38), essa continuidade é ampla, exigindo o encadeamento com relação a todos os aspectos que tenham repercussão no registro, tanto quanto às pessoas e descrição do imóvel, quanto aos direitos envolvidos no ato.
Em síntese, pode-se afirmar sobre este princípio que:
a) nenhum título merece acesso ao fólio real se o anterior não estiver registrado;
b) a continuidade é uma cadeira de titularidades envolvendo certo e determinado imóvel;
c) ninguém pode transmitir ou onerar sem o registro do respectivo título aquisitivo.
2.10 Princípio da Unitariedade
O princípio da unitariedade da matrícula, acostado no artigo 176, §1º, I, da LRP, consiste que a todo imóvel deve corresponder uma única matrícula, isto é, um imóvel não pode ser matriculado mais de uma vez. Ainda, a cada matrícula deve corresponder um único imóvel, em outras palavras, significa dizer que não é possível que a matrícula descreva e se refira a mais de um imóvel.
Desse modo, não pode ser descerrada matrícula de parte ideal do imóvel, sendo indispensável, para a alienação ou oneração dessa parte ideal, que a matrícula seja do imóvel todo e aberta em nome de todos os proprietários, pois a matrícula é o cerne do Registro Imobiliário, tendo Ceneviva (2001, p. 341) relatado que:
A matrícula é o núcleo do registro imobiliário. Seu controle rigoroso e a exatidão das indicações que nela se contiverem acabarão dando ao assentamento da propriedade imobiliária brasileira uma feição cadastral. Cada imóvel (artigo 176, * 1o., I, da LRP) indica a individualidade rigorosa da unidade predial. Na sistemática da lei, cada é interpretado em sentido estrito, indicando prédio matriculado, estremando-o de dúvidas dos vizinhos. Tratando-se de imóveis autônomos, mesmo negociados em um só título, cada um terá matrícula individual".
“Um ilustrativo exemplo da aplicação desse princípio na prática ocorre no registro de alienação de uma casa de vila e concomitantemente da fração ideal do terreno que constitui a passagem que lhe dá acesso. Nessa hipótese devem-se abrir duas matrículas: uma para a casa e outra para o terreno que corresponde à passagem, esta segunda em nome dos titulares das frações ideais que compõem o todo. E, em seguida, em cada uma das matrículas, proceder-se-á o registro da alienação: o da casa e o da quota parte ideal da passagem.”
Além dos princípios retromencionados, existem outros importantes, que não foram objeto desta pesquisa.
3 Conclusão
O Direito registral imobiliário consiste no conjunto de princípios e normas destinados a regular a função do sistema de registro de imóveis, tendo por objeto a publicidade da propriedade de bens imóveis e de outros direitos reais imobiliários, como também, diminuir o risco dos adquirentes de imóveis ou direitos a eles relativos.
Os serviços notariais e de registro têm por finalidade garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ou seja, os serviços notariais e registrais visam garantir a segurança jurídica de certos atos, sendo tutelados pelos princípios da publicidade registral, legalidade, inscrição, instância ou da rogação, legalidade, da fé pública, da prioridade, da especialidade, da disponibilidade, da continuidade, da unitariedade, além de outros.
Por meio do sistema de registro de imóveis se dá a obtenção da aquisição da propriedade inter vivos, uma vez que o contrato, a título oneroso ou gratuito produz apenas efeitos pessoais ou obrigacionais, conferindo-se direitos reais apenas com o registro no órgão estatal, assumindo importância a confiança no sistema para garantida da segurança jurídica na propriedade privada e nos negócios envolvendo bens imóveis.
Para tanto, no ordenamento jurídico brasileiro, existem vários sistemas registrais com diferentes finalidades, como o sistema registral comum (obrigatório para todos os negócios jurídicos envolvendo a propriedade de bens imóveis e outros direitos reais, sendo regulado pela Lei 6.015/73), o Sistema Torrens (facultativo, regulado pela Lei 6.015/73, gerando o registro no sistema certeza absoluta do direito real adquirido), o Sistema de Propriedades Públicas, o Sistema de Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros, o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR), além de outros.
O funcionamento do Sistema Registral Imobiliário de cada país tem reflexos diretos em sua economia, tendo em vista que objetiva garantir segurança jurídica nas transações sobre direitos reais e, como consequência disto, fomenta a segurança do crédito por meio da proteção aos direitos reais de garantia, gerando negócios e desenvolvimento, que levam ao aquecimento da economia.
Para tanto, faz-se necessário que, diante das especificidades e dos fins legalmente previstos, que além o imóvel seja objeto de registro obrigatório no sistema registral comum regulado pela Lei 6.015/73, bem como de registro em outros sistemas registrais obrigatórios (CAR, imóveis públicos, imóvel rural de estrangeiros) ou facultativo (Registro Torrens).
Isso porque sem um sistema de registro de imóveis confiável e seguro, nenhuma segurança se trará à propriedade privada ou pública, potencializando os conflitos inerentes aos direitos reais que incidem sobre bens imóveis, suas garantias creditícias e os ônus que possam sobre eles incidirem.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Antonia Maria da. Sistemas de Registro de Imóveis no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2023, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63315/sistemas-de-registro-de-imveis-no-brasil. Acesso em: 23 nov 2024.
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