RESUMO: O presente artigo apresenta a inclusão do art. 217-A no Código Penal pela Lei nº 12.015/2009 e sua aplicação nas ações penais, a partir da relativização da aplicação da Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça. No ponto de vista de seus objetivos, realizou-se uma pesquisa exploratória mediante o levantamento de bibliografia, em especial a jurisprudência do Tribunal da Cidadania sobre o tema. O estudo conclui que o distinguishing realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, afastando a atuação punitiva estatal, ante a desnecessidade de pena, em observância à singularidade do caso concreto que lhe foi submetido atende aos princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade.
Palavras-chave: Estupro de vulnerável. Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça. Consentimento da vítima. Atipicidade material. Distinguishing
INTRODUÇÃO
O crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, visa tutelar a dignidade sexual das crianças e adolescentes, incorrendo na referida conduta típica o indivíduo que mantiver relação carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos de idade.
A criminalização da referida conduta se justifica na proteção da evolução e do desenvolvimento normal da personalidade do infante, para que, a partir dos 14 anos de idade, possa decidir de forma livre seu comportamento sexual, atendendo ao princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, previsto no art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O tema é de grande relevância para o Direito, uma vez que está presente no cotidiano jurídico, especialmente na seara penal e pode resultar em uma condenação do autor a uma pena de 08 a 15 anos de reclusão, conforme previsão no preceito secundário do art. 217-A do Código Penal.
A matéria será analisada sob o aspecto da flexibilização da aplicação da Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça pela jurisprudência, além da evolução legislativa e interpretativa, abrangendo as áreas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Constitucional.
O presente estudo visa apresentar o atual entendimento do Superior Tribunal sobre o tema, suas razões de decidir, bem como visualizar seus efeitos. Para tanto, buscou-se uma revisão de bibliografia aprofundada e ampla sobre o assunto, com base em julgamentos do Superior Tribunal de Justiça e doutrinas que tratam sobre o tema, além de normas constitucionais e legais do ordenamento jurídico brasileiro.
A importância da análise do tema se dá a fim de melhor compreender a aplicação da Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça, a partir de um caso concreto em que houve o distinguishing, bem como, defender que o art. 217-A do Código Penal deve ser interpretado de maneira a melhor atender o bem jurídico tutelado.
O texto tem por finalidade contribuir e enriquecer o debate sobre o consentimento da vítima menor de 14 anos na relação sexual, tema que ultimamente tem surgido com maior intensidade entre os operadores jurídicos, especialmente após a Lei nº 12.015/2009, que acrescentou no Código Penal o art. 217-A.
1 ESTUPRO DE VULNERÁVEL
A Lei nº 12.015/2009 acrescentou o art. 217-A ao Código Penal, criando o delito chamado de “estupro de vulnerável”:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Antes da referida alteração legislativa, conforme Capez (2016), previa o art. 224 três hipóteses em que se presumia a violência para a configuração dos crimes contra a dignidade sexual. Se a vítima não fosse maior de quatorze anos, fosse alienada ou débil mental, e o agente conhecesse esta circunstância, ou não pudesse, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Era a chamada violência ficta.
O legislador, portanto, havia elencado circunstâncias em que o(a) ofendido(a) não possuía capacidade para anuir de maneira válida ou resistir. Destaca-se que o referido dispositivo legal foi revogado a partir da promulgação da Lei n° 12.015/2009.
Apesar disso, não houve abolitio criminis, ou seja, a prática de estupro ou de ato libidinoso com menor de 14 anos continuou sendo considerada criminosa. Porém, essas condutas passaram a ser punidas nos termos do art. 217-A do Código Penal. Trata-se, portanto, de continuidade normativa típica, a qual resta caracterizada quando uma norma penal é revogada, mas a mesma ação/omissão continua sendo crime no tipo penal revogador.
Antes do advento da Lei nº 12.015/2009, havia a presunção de violência no caso de a vítima ser menor de 14 anos, o que possibilitava a discussão a respeito da validade ou não da anuência ou mesmo da experiência sexual dessa criança ou adolescente.
Contudo, a partir da redação do art. 217-A do Código Penal, não há que se falar mais em presunção de violência, uma vez que a condição de a vítima ser menor de 14 anos passou a ser elemento normativo do referido tipo penal. Assim, eventual concordância da vítima e relações sexuais anteriores, inclusive prostituição, são absolutamente irrelevantes e não afastam a tipicidade e ilicitude da conduta (DELMANTO, 2021).
Conforme Grecco (2019), a determinação da idade da vítima é um critério objetivo para análise da figura típica e decorreu de uma opção político-criminal realizada pelo legislador, declarando por encerrada qualquer interpretação diversa que trouxesse incerteza ou insegurança jurídica.
A fim de que não houvesse mais dúvidas sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, após o julgamento do Tema Repetitivo 918, pacificou a questão editando a Súmula 593, a qual preconiza que o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
O referido entendimento foi incorporado no Código Penal, com o acréscimo do §5º no art. 217-A, pela Lei nº 13.718/2018:
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Bittencourt (2019) entende que se tratou, sem dúvida, de pacificação da interpretação da vulnerabilidade do menor de 14 anos, caracterizador desse estupro especial, porém, ressaltou que sempre haverá a possibilidade de variantes no caso concreto, as quais demandam um exame casuístico das peculiaridades individuais, para enfrentar adequadamente a existência ou não de lesão ao bem jurídico tutelado e a configuração ou não de conduta criminosa.
2 DISTINGUISHING DA SÚMULA 593 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A doutrina desenvolveu a tese defensiva referente a “exceção de Romeu e Julieta”, cujo nome é inspirado na peça de Willian Shakespeare na qual Julieta, com 13 anos de idade, manteve relação sexual com Romeu.
Segundo Biffe (2017), a referida teoria dispõe que não deve ser considerado estupro de vulnerável, na hipótese em que a relação sexual ocorre com uma pessoa com diferença etária de até 05 anos, pois ambas as partes se encontram na mesma etapa de desenvolvimento sexual, de forma que não seria razoável a imputação penal decorrente de uma conduta consentida entre namorados.
Trata-se de uma relativização da prática do delito de estupro de vulnerável, descaracterizando a culpabilidade existente nas relações consentidas, cuja a idade diferencial não seja longínqua, porém, em regra, não é aceita pela jurisprudência.
Em conceito extraído do sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, o distinguishing “Ocorre quando o Tribunal profere decisão que não aplica a jurisprudência da Corte, porque o caso em julgamento apresenta particularidades que não se amoldam adequadamente à jurisprudência consolidada”.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ (REsp 1.480.881/PI), que deu origem à Súmula 593 do Tribunal da Cidadania:
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DENÚNCIA REJEITADA PELO JUÍZO DE ORIGEM. RECEBIMENTO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. VÍTIMA COM 12 ANOS E RÉU COM 19 ANOS AO TEMPO DO FATO. NASCIMENTO DE FILHO DA RELAÇÃO AMOROSA. AQUIESCÊNCIA DOS PAIS DA MENOR. MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA ADOLESCENTE. DISTINGUISHING. PUNIBILIDADE CONCRETA. PERSPECTIVA MATERIAL. CONTEÚDO RELATIVO E DIMENSIONAL. GRAU DE AFETAÇÃO DO BEM JURÍDICO. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA SOCIAL DO FATO. 1. A Terceira Seção, no julgamento do REsp 1.480.881/PI, submetido ao rito dos recursos repetitivos, reafirmou a orientação jurisprudencial, então dominante, de que é absoluta a presunção de violência em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos. 2. A presente questão enseja distinguishing quanto ao acórdão paradigma da nova orientação jurisprudencial, pois, diante dos seus componentes circunstanciais, verifica-se que o réu possuía, ao tempo do fato, 19 anos de idade, ao passo que a vítima, adolescente, contava com 12 anos de idade, sendo que, do relacionamento amoroso, resultou no nascimento de um filho, devidamente reconhecido, fato social relevante que deve ser considerado no cenário da acusação. 3. "Para que o fato seja considerado criminalmente relevante, não basta a mera subsunção formal a um tipo penal. Deve ser avaliado o desvalor representado pela conduta humana, bem como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado, com o intuito de aferir se há necessidade e merecimento da sanção, à luz dos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade" (RHC 126.272/MG, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/6/2021, DJe 15/6/2021). 4. Considerando as particularidades do presente feito, em especial, a vontade da vítima de conviver com o recorrente e o nascimento do filho do casal, somados às condições pessoais do acusado, denotam que não houve afetação relevante do bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal. 5. "A manutenção da pena privativa de liberdade do recorrente, em processo no qual a pretensão do órgão acusador se revela contrária aos anseios da própria vítima, acabaria por deixar a jovem e o filho de ambos desamparados não apenas materialmente, mas também emocionalmente, desestruturando e entidade familiar constitucionalmente protegida" (REsp n. 1.524.494/RN e AREsp 1.555.030/GO, Relator Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 18/5/2021, DJe 21/5/2021). 6. Recurso especial provido. Restabelecimento da decisão que rejeitou a denúncia. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.977.165 - MS (2021/0384671-5). Data do julgamento: 16/05/2023. Relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região. Relator para Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior. 6ª Turma. Data da publicação: DJE 25/05/2023)
A distinção fundamentou-se no fato de que a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma, também considerou o nascimento de um filho advindo desta união, circunstância superveniente e relevante.
Além disso, verificou-se que a vítima e o denunciado moraram juntos, inclusive com a anuência dos pais da adolescente com o relacionamento amoroso, não sendo identificado comportamento do réu que pudesse colocar em risco a sociedade, ou o bem jurídico protegido, afastando a atuação punitiva estatal, ante a desnecessidade de pena, em observância aos princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade.
O Relator, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região) destacou em seu voto que eventual condenação do denunciado pelo delito de estupro de vulnerável com a causa de aumento prevista no art. 234-A, inciso III, do Código Penal acarretaria uma sanção de, no mínimo, 13 anos e 4 meses de reclusão, no regime fechado, situação que poderia destruir a entidade familiar, deixando em situação de vulnerabilidade a própria vítima e o filho, ante a ausência de suporte material e emocional do genitor, além do etiquetamento como estuprador, ensejando uma estigmatização pela sociedade.
Destacou-se ainda que a condenação e o encarceramento seriam mais gravosos aos valores constitucionalmente tutelados da proteção da família e o direito do filho à absoluta prioridade à convivência familiar (arts. 226 e 227 da CRFB).
Nesse viés, Nucci (2018) destaca em sua obra que, em certos casos específicos, deveria ser reconhecida a vulnerabilidade relativa, em especial quando se tratarem de relacionamento duradouros e estáveis, considerando a possibilidade de constituição de família, com filhos, de forma que resultaria em injusta uma condenação por um crime de natureza hedionda (estupro de vulnerável).
Por outro lado, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que deveria seguir a regra geral (Tema Repetitivo 918 e Súmula 593) e manteve a condenação do réu:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO MANTIDA PELA CORTE LOCAL EM SEDE DE REVISÃO CRIMINAL. PRETENSÃO DE FLEXIBILIZAR A PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DA VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. DESCABIMENTO. SÚMULA 593/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Como é de conhecimento, nos termos da Súmula n. 593/STJ, o consentimento da vítima menor de 14 anos e o seu namoro com o acusado não afastam a existência do delito de estupro de vulnerável. 2. Nessa linha de intelecção, A jurisprudência deste Tribunal Superior tem sistematicamente rejeitado a tese de que a presunção de violência - termo que nem é mais utilizado na atual redação do CP - no estupro de vulnerável pode ser relativizada à luz do caso concreto (AgRg no REsp n. 1.934.812/TO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021). 3. Na hipótese, conforme fundamentadamente apontado pela Corte local, o caso dos autos não se amolda ao distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp n. 1919722/SP, de minha relatoria - caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar - tendo em vista que a relação amorosa não foi consentida pela genitora da vítima, tanto que, ao tomar conhecimento de que sua filha estava se relacionando com o paciente, acionou o Conselho Tutelar e registrou os fatos na Delegacia de Polícia. Além disso, a genitora da menor relatou que sua filha, após se relacionar com o acusado, apresentou comportamento agressivo, além de reprovar de ano na escola, tendo de ser submetida a tratamento psicológico. Somado a isso, conforme foi consignado pelo magistrado de primeiro grau, que se encontra mais próximo dos fatos, a vítima e o acusado tinham a gritante diferença de 36 (trinta e seis) anos. Ademais, apontou que a própria vítima e a sua genitora mencionaram espontaneamente que as relações aconteciam na chácara do acusado, localizada em área rural, esvaindo- se a tese de que não manteve relação sexual com a vítima pois sua casa na cidade era alugada. Assim, mesmo ciente da tenra idade da vítima e do não consentimento de sua responsável legal, o acusado manteve relação sexual com a menor. 4. Portanto, não há falar, no caso concreto, em relativização da presunção de vulnerabilidade da vítima, motivo pelo qual deve ser mantida a condenação do paciente pela prática do delito de estupro de vulnerável, que, inclusive, transitou em julgado e foi mantida pela Corte local em sede de Revisão Criminal. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HABEAS CORPUS Nº 804741 - MS (2023/0057877-6). Data do julgamento: 14/03/2023. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. 5ª Turma. Data da Publicação: DJE 17/03/2023).
Isso porque, o caso concreto envolvia uma relação sexual que não foi consentida pela genitora da vítima, a qual, ao tomar conhecimento de que sua filha estava se relacionando com um homem 36 anos mais velho, acionou o Conselho Tutelar e registrou os fatos na Delegacia de Polícia.
Além disso, relatou que os encontros aconteciam aconteciam na chácara do acusado, localizada em área rural e a vítima, após se relacionar com o acusado, passou a apresentar comportamento agressivo, além de reprovar de ano na escola, tendo de ser submetida a tratamento psicológico.
Em seu voto, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca reforçou que o posicionamento acerca da impossibilidade de relativização da presunção de vulnerabilidade não se encontra superado no Superior Tribunal de Justiça, concluindo que no referido caso (AgRg no HC 804.741/MS) são plenamente válidas a Súmula 593 do STJ e a tese do REsp repetitivo 1.480.881/PI (Tema 918) sobre a impossibilidade de relativização da presunção de vulnerabilidade da vítima.
O presente tema, portanto, se demonstra como um alerta à comunidade jurídica, a qual deve repudiar a aplicação da Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça de forma absoluta, analisando o caso concreto, principalmente em prol de alcançar uma decisão mais justa e despenalizadora.
CONCLUSÃO
A atual redação do art. 217-A do Código Penal, inserido pela Lei nº 12.015/2009, que tipifica o estupro de vulnerável, substituiu o regime anterior de presunção de violência contra criança ou adolescente menor de 14 anos, que gerava inúmeros debates quanto a sua natureza relativa, que cederia diante da situação apresentada no caso concreto ou absoluta, sem qualquer possibilidade de questionamento.
A alteração legislativa teve por finalidade principal reconhecer que a personalidade, opiniões e conceitos de um infante menor de 14 anos ainda encontram-se em desenvolvimento, de forma que não poderia decidir sobre seus relacionamentos sexuais.
Entretanto, parte da doutrina e alguns Tribunais ainda resistiam à aplicação literal do referido dispositivo legal, sob o fundamento de que estariam sendo violados os princípios da inteervenção mínima e da ofensividade, quando, por exemplo, houvesse a anuência da vítima para a prática do ato.
Em razão disso, foi editada a Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça, reforçando que o consentimento da vítima, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente não afastam a caracterização do ilícito de estupro de vulnerável quando praticada conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos de idade.
Ocorre que a aplicação literal e inflexível do referido precedente acaba por gerar injustiças, isso porque, a incidência da norma penal, em casos de relacionamentos amorosos em que era constituída um família, com a presença de filhos nascidos do suposto estupro de vulnerável não se revelava adequada nem necessária, uma vez que sua incidência trazia violação muito mais gravosa de direitos do que a conduta que se busca punir.
É certo que a vítima também é sujeito de direitos e, além da proteção especial do Estado, em especial na condição de criança ou adolescente, tem o direito de ser ouvida e ter sua opinião levada em consideração. Caso contrário, o aparato estatal sancionador, estaria violando sua dignidade enquanto pessoa humana e intervindo na família de forma muito mais prejudicial.
Além disso, deve-se considerar os direitos do filho advindo desse relacionamento, de conviver com o amparo e sob a responsabilidade de seus genitores, de forma que a pena privativa de liberdade do suposto estuprador, o deixaria desamparado, sem um ambiente de afeto e segurança moral e material.
Diante do exposto, é preciso reconhecer que toda persecução penal referente ao crime de estupro de vulnerável submetida ao crivo do Poder Judiciário merece especial cautela e atenção, considerando-se as peculiaridades do caso concreto. A análise deve abranger não apenas a literalidade do ordenamento jurídico, mas também a perspectiva humana dos envolvidos, ouvindo e atendendo seus anseios, buscando sempre alcançar justiça social.
REFERÊNCIAS
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______. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Seção. REsp 1480881/PI. Data de julgamento: 26/08/2015. Relator Rogerio Schietti Cruz. Data da publicação: DJE 10/09/2015. Tema Repetitivo 918. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=918&cod_tema_final=918. Acesso em: 09 out. 2023.
______. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Seção. Súmula 593. Data de julgamento: 25/10/2017. Data da publicação: DJE 06/11/2017. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/sumstj/toc.jsp?livre=%27593%27.num.&O=JT. Acesso em: 09 out. 2023.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial Nº 1.977.165 - MS (2021/0384671-5). Data do julgamento: 16/05/2023. Relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região. Relator para Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior. 6ª Turma. Data da publicação: DJE 25/05/2023. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103846715&dt_publicacao=25/05/2023. Acesso em: 09 out. 2023.
______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HABEAS CORPUS Nº 804741 - MS (2023/0057877-6). Data do julgamento: 14/03/2023. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. 5ª Turma. Data da Publicação: DJE 17/03/2023. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202300578776&dt_publicacao=17/03/2023. Acesso em: 09 out. 2023.
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Graduada em Direito pela UNESC – Centro Universitário do Espírito Santo. Especialista em Direito Constitucional com Ênfase em Direitos Fundamentais pela Faculdade CERS .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIEVORE, MARIANA ARPINI. A análise do crime de estupro de vulnerável sob a ótica da relativização da aplicação da Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63628/a-anlise-do-crime-de-estupro-de-vulnervel-sob-a-tica-da-relativizao-da-aplicao-da-smula-593-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 26 dez 2024.
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