RESUMO: O presente artigo estabelecerá as diretrizes gerais do poder disciplinar e como este se manifesta na obra de Michel Foucault, tendo por base tanto a obra original, quanto comentadores. A disciplina atua sobre o indivíduo para padronizá-lo e puni-lo, servindo como dupla ferramenta de construção de personalidade e aniquilação de individualidade.
Palavras-chave: Disciplina; Poder; Dispositivo.
ABSTRACT: The present article will stablish the guidelines to disciplinary power and how it manifests in the work of Michel Foucault, having as basis his own texts, and other scholars. The discipline acts over the individual to standardize and to punish him, working as both a tool to construct personality and destroy individuality.
Keywords: Discipline; Power; Dispositive.
1 INTRODUÇÃO
O Direito após o movimento positivista passou a se sustentar em si mesmo, buscando extirpar fundamentações exógenas para o fenômeno jurídico, tal movimento foi um passo importante para consolidação deste nas sociedades modernas como um ramo autônomo e independente. Tendo dito isso, é inegável que o Direito bebe de inúmeras fontes e que regular uma sociedade exige um esforço interdisciplinar, para que possamos tolher excessos e edificar uma estrutura jurídica sólida e justa.
Dentre aqueles que ajudam a compreender o fenômeno jurídico e que não são juristas, possui função de destaque Michel Foucault. O pensador francês pós-moderno se dedicou a muitos empreendimentos intelectuais enquanto vivo, sendo um ferrenho crítico do status quo e subversor de lógicas inquestionáveis.
O presente artigo tem como intuito servir de pontapé à compreensão do Poder Disciplinar como utilizado na obra de Foucault e permitir que operadores do Direito possam instrumentalizar tal instituto na autocrítica de sua atuação.
O filósofo francês Michel Foucault não delimitou uma teoria geral do poder, até porque para ele não existe uma essência que o defina, uma característica universal que pode ser tida como nota distintiva de todos os exercícios de poder. Seu propósito nunca foi firmar uma teoria universal, mas sim realizar um estudo fragmentário e fixado no tempo e espaço (MACHADO, 2015, p. 12-13).
Em primeiro lugar, a análise desses mecanismos de poder que iniciamos há alguns anos e a que damos seguimento agora, não é de forma alguma uma teoria geral do que é o poder. Não é uma parte, nem mesmo um início dela. Nessa análise, trata-se simplesmente de saber por onde isso passa, como se passa, entre quem e quem, entre que ponto e que ponto, segundo quais procedimentos e com quais efeitos. Logo, só poderia ser, no máximo, e só pretende ser, no máximo, um início de teoria, não do que é o poder, mas do poder, contanto que se admita que o poder não é, justamente, uma substância, um fluido, algo que decorria disto ou daquilo, mas simplesmente na medida em que se admita que o poder é um conjunto de mecanismos e de procedimentos que têm como papel ou função e tema manter – mesmo que não o consigam – justamente o poder. É um conjunto de procedimentos, e é assim e somente assim que poderia entender que a análise dos mecanismos de poder dá início a algo como uma teoria do poder (FOUCAULT, 2008, p.3-4).
Na obra de Foucault o conceito de poder não possui um caráter meramente repressivo, mas também, e principalmente, produtivo. Isso é importante, pois distancia o seu conceito da visão clássica que associa o poder ao uso da força, a imposição de uma vontade, quando muitas vezes é mais sutil e técnica a forma como o poder se exerce, ao constituir os indivíduos e fabricá-los de maneira que não se sintam violados pelo exercício deste, inclusive levando-os a desejar e defender o exercício desse mesmo poder.
Pois se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande superego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos no nível do desejo - como se começa a conhecer – e também no nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz (FOUCAULT, 2015, p. 238-239).
Nessa ótica se extingue a noção de exercício de poder como algo nefasto para o indivíduo. Como se todo ato de poder fosse um ato de violência, pelo contrário, o poder produz prazeres, faz nascer individualidades e constitui sujeitos. A própria resistência não escapa ao poder, sendo muitas vezes fabricada por ele, para que possa se exercer de forma melhor.
O poder batalha, mesmo quando parece não haver resistências; exerce-se como se houvesse sempre resistências. E não apenas por previsão, prudência ou precaução, mas porque ele é menos um aparelho de repressão do que um aparelho de produção. A tarefa primeira do poder é positiva: produzir. Só depois, e por consequência, é que será necessário reprimir, mas sempre em vista de efeitos úteis e positivos, o que Foucault chama ‘gerir’ (EWALD, 2000, p. 43).
O indivíduo nessa concepção não é aquele que resiste ao poder, mas sim aquele que foi produzido por este. A noção de poder não deve ser dissociada do saber, que como visto, se constitui através do exercício deste e permite o aprimoramento da própria aplicação do poder (MACHADO, 2015, p. 25).
Outra característica fundamental do poder é que ele não pertence a ninguém, não é algo que se possui, mas que se exerce. Um interlocutor pode ser alvo do poder em determinada situação, um trabalhador que se submete a disciplina da indústria, e perpetrador deste em outra, que ao chegar a casa põe o filho de castigo por não ter feito o dever de casa.
Isso significa que o poder não tem identidade. Não poderíamos localizar sua figura em instituições, em ‘aparelhos’, que sujeitariam os cidadãos a um Estado. Ele não é uno, sempre idêntico a si mesmo, mas efeito de uma multiplicidade de correlações de forças imanentes ao campo em que se exercem, e constitutivas desse campo. Por outro lado, ele não é uma estrutura, isto é, sua forma não é a da lei, da regra, mas a do jogo: através de lutas, afrontamentos, tenho transformação, inversão ou reforço da correlação de forças (ESCOBAR, 1985, p. 210).
O poder então pode ser tido como essas duas características primordiais em sua obra. Ele não é algo que se possui, mas que se exerce e nem é algo que apenas reprime, mas que produz indivíduos.
Na obra de Michel Foucault pode-se encontrar o termo disciplina utilizado de duas formas distintas, uma na ordem do saber, como uma “forma discursiva de controle da produção de novos discursos” e outra como poder, na figura de um “conjunto de técnicas em virtude das quais os sistemas de poder têm por objetivo e resultado a singularização dos indivíduos” (CASTRO, 2009, p. 110).
No presente artigo pretende-se resgatar o conceito de disciplina concebida como forma de aplicação de poder, que há muito se encontra presente na sociedade, podendo ter sua origem traçada aos inquéritos religiosos, sendo os mosteiros uma evidência disso (FOUCAULT, 2015, p. 179-180).
Por muitos anos tal técnica de poder se encontrou restrita aos conventos, quarteis, oficinas e outras instituições totalitárias. Tendo passado a se tornar parte fulcral da constituição da sociedade com o advento da modernidade. Interessa analisar aqui como se deu essa expansão e os pormenores que levaram os castigos corporais, manifestados na forma do suplício, que eram a forma padrão de exercício do poder de punição estatal, a serem substituídos pela aplicação do cárcere como pena universal e toda relação dessa forma de punir com a disciplina.
Neste viés, a disciplina tem como características principais: o esquadrinhamento dos indivíduos, controlando seus movimentos, os espaços e os tempos, sua função se expande para além da repressão, produzindo comportamentos. Seria essa sua função primordial: disciplinar não é punir, mas sim, adestrar (REVEL, 2005, p. 35-36).
A “invenção” dessa nova anatomia política não deve ser entendida como uma descoberta súbita. Mas como uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de localizações esparsas, que se recordam, se repetem, ou se imitam, apoiam-se uns sobre os outros, distinguem-se segundo seu campo de aplicação, entram em convergência e esboçam aos poucos a fachada de um método geral. Encontramo-los em funcionamento nos colégios, muito cedo; mais tarde nas escolas primárias; investiram lentamente o espaço hospital; e em algumas dezenas de anos reestruturaram a organização militar. Circularam às vezes muito rápido de um ponto a outro (entre o exército e as escolas técnicas ou os colégios e liceus), às vezes lentamente e de maneira mais discreta (militarização insidiosa das grandes oficinas). A cada vez, ou quase, impuseram-se para responder a exigências de conjuntura: aqui uma inovação industrial, lá a recrudescências de certas doenças epidêmicas, acolá a invenção do fuzil ou as vitórias da Prússia. O que não impede que se inscrevam, no total, nas transformações gerais e essenciais que necessariamente serão determinadas (FOUCAULT, 2014, p. 136).
Antes da disciplina se tornar o modus operandi da punição estatal, e constituir a maioria das instituições públicas da modernidade europeia, existia em seu lugar uma manifestação pública e exagerada da força do Monarca: o suplício. No qual a inflição de dor corporal possuía um aspecto teatral que se encontrava intrinsecamente ligado ao aflitivo. O corpo era o objeto da punição, muitas vezes até mesmo para além de suas limitações biológicas. Segue trecho descritivo de uma dessas execuções públicas, extraído da obra Vigiar e Punir:
[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzindo a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’Amsterdam]. Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas (...) (FOUCAULT, 2014, p. 9).
Uma série de eventos é retratada por Foucault para demonstrar a transição por parte do Estado do espetáculo enquanto manifestação da justiça, para uma punição mais reclusa e íntima. Em primeiro lugar, podemos apontar que, durante as execuções, as pessoas sentiam empatia pelo condenado ao invés de sentirem que a justiça estava sendo feita, pois viam nele a si mesmos, ou seja, alguém que estava sendo dura e injustamente punido pelo soberano, quando se fosse um membro da realeza ou da nobreza, a punição, certamente, seria mais branda. Em conjunto houve um crescente apelo do movimento humanista tendo por objetivo, reduzir a barbaridade e o excesso dos castigos penais, aliado a uma autonomia do poder judiciário face ao soberano.
Um dos grandes expoentes desse pensamento é o Cesare Beccaria, que resume em seu livro ‘Dos delitos e das penas’, as características centrais dessa reforma humanista da pena, caracterizada ao mesmo tempo por um discurso de justificação do poder de punir do Estado.
Entretanto, os dolorosos gemidos do fraco, sacrificado à ignorância cruel e aos opulentos cobardes; os tormentos atrozes que a barbárie inflige por crimes sem provas, ou por delitos quiméricos; o aspecto abominável dos xadrezes e das masmorras, cujo horror é ainda aumentado pelo suplício mais insuportável para os infelizes, a incerteza; tantos métodos odiosos, espalhados por toda parte, deveriam ter despertado a atenção dos filósofos, essa espécie de magistrados que dirigem as opiniões humana.
(...)
Com efeito, no caso de um delito, há duas partes: o soberano, que afirma que o contrato social foi violado, e o acusado, que nega essa violação. É preciso, pois, que haja entre ambos um terceiro que decida a contestação. Esse terceiro é o magistrado, cujas sentenças devem ser sem apelo e que deve simplesmente pronunciar se há um delito ou se não há.
(...)
A pretensa necessidade de purgar a infâmia é ainda um dos absurdos motivos do uso das torturas. Um homem declarado infame pelas leis se torna puro porque confessa o crime enquanto lhe quebram os ossos? Poderá a dor, que é uma sensação, destruir a infâmia, que é uma combinação moral? Será a tortura um cadinho e a infâmia um corpo misto que deponha nele tudo o que tem de impuro? Em verdade, abusos tão ridículos não deveriam ser tolerados no século XVIII (BECCARIA, 2011, p. 24; 28 e 50).
Nesses trechos podem-se observar as três características outrora apontadas como centrais ao discurso humanista: a função primordial do juiz,[1] como aplicador fiel da lei; o caráter desumano dos suplícios aliado à empatia e à necessidade de reforma do sistema vigente.
Em contrapartida, a essa aparente “evolução”, se dará uma ampliação do campo de atuação do poder punitivo, práticas que antes eram toleradas não mais o serão. Em outras palavras, essa humanização da punição, não possui um caráter idílico, se tratando de fato em um refinamento e desenvolvimento de técnicas mais complexas embasadas em saberes mais científicos, que permitiram que o estado aumentasse seu campo de atuação, ramificando e expandindo sua área de atuação. Como afirma Monod,
As punições perdem em intensidade, mas elas ganham em extensão: vagabundos e roubos de alimentos, contrabandos e deserções, revoltas contra o imposto, etc., deixam de ser toleradas pela burguesia, uma vez que ela se apoderou das alavancas do poder. A preocupação de regularidade dos procedimentos é assim, nos fatos, indissociável de um enquadramento mais elevado do corpo social e de um novo rigor repressivo contra os “pequenos ilegalismos”: a mutação do sistema judiciário forma um todo, que se anunciará no imperativo multiforme da segurança das pessoas e dos bens (MONOD, 1997, p. 64).
Eis onde se pode identificar um caráter paradoxal na revolução humanista, pois ao mesmo tempo em que apregoa um abrandamento nas punições, também defende que essa punição se estenda a pequenos infratores e vagabundos em geral. Se por um lado pode-se atribuir uma diminuição na selvageria, de outro a ampliação das práticas de poder e sua posterior cientificidade, colocam um número muito maior de pessoas dentro do exercício punitivo estatal. Dessa maneira ao tornar a aplicação do poder mais científica, mais detalhada, mais específica, expandiu sobremaneira seu campo de aplicação e diminuiu seu gasto ao Estado (FONSECA, 2003).
É importante notar que o corpo é retirado do público, mas o poder continua a atravessá-lo. A punição continua a perpassar o corpo, havendo apenas a substituição da figura do carrasco, pela dos psiquiatras, psicólogos, guardas, médicos, educadores e etc. um grupo de profissionais que imbuídos de um saber científico modificarão sobremaneira a forma de se punir[2].
Pode-se afirmar que o corpo deixa de ser objeto da sanção, para passar a ser o instrumento da sua realização. Punir deixa de ser machucar, passa a ser reeducar, ou melhor, adestrar.
Foi no corpo e em sua materialidade que a punição deixa de ser suplício, e passa a ser disciplina. De acordo com Revel (2005, p. 32), pode-se afirmar que “corresponde a uma verdadeira ‘física do poder’ ou, como a designará mais tarde o filósofo, uma anatomopolítica, uma ortopedia social, isto é, um estudo das estratégias e das práticas por meio das quais o poder modela cada indivíduo desde a escola até a usina”.
As práticas disciplinares, além de normalizarem os indivíduos, ou seja, amoldá-los a específica norma ou padrão, tem por escopo principal adestrar os corpos por meio de movimentos repetitivos, moldando-os e adequando-os ao sistema de produção, onde não há apenas a repressão, mas um sistema de controle que vigia ininterruptamente, transformando (produzindo) o indivíduo em objeto de controle e de saber.
Ao conceber a sociedade disciplinar, Foucault não analisa apenas uma instituição, visto que esta mesma lógica se repete em diversos locais, assim, compreender as práticas disciplinares, requer uma análise geral da sociedade.
A exemplo tem-se que a medicina foi minuciosamente explorada pelo filósofo francês. Ao comparar como era o tratamento dispensado a conter o surto de lepra e o da peste negra Foucault notou distinções fundamentais, que claramente diferenciam uma abordagem disciplinar e científica, de uma lógica estruturada para exclusão e rejeição.
A lepra era tratada de uma forma excludente, aqueles que a contraíam eram separados daqueles que não a possuíam e todo o contato entre pessoas sãs e doentes era mantido ao mínimo.
A exclusão da lepra era uma prática social que comportava primeiro uma divisão rigorosa, um distanciamento, uma regra de não-contato entre um indivíduo (ou um grupo de indivíduos) e outro. Era, de um lado, a rejeição desses indivíduos num mundo exterior, confuso, fora dos muros da cidade, fora dos limites da comunidade. Constituição, por conseguinte, de duas massas estranhas uma à outra. (...) Em suma, eram de fato práticas de exclusão, práticas de rejeição, práticas de ‘marginalização’, como diríamos hoje (FOUCAULT, 2001, p. 54).
De forma diversa, ao tratar da peste havia a aplicação de um saber científico e uma clara presença do poder disciplinar, pois toda a cidade era posta em quarentena e dividida em distritos, bairros, quarteirões e ruas. Em cada uma dessas ruas era posto vigias, em cada quarteirão, inspetores, em cada distrito, um responsável por fiscalizá-los. Através dessa compartimentalização era possível a análise pormenorizada da progressão da doença, através de uma vigília constante e anotação minuciosa de todos os detalhes que envolviam a progressão da doença. Antes de começar o processo todos os indivíduos fiscalizados deviam fornecer seu nome, para que pudessem ser chamados periodicamente a responderem aos inspetores, caso não respondessem a tempo eram tidos como doentes e, portanto, era necessária a intervenção (FOUCAULT, 2001, p. 54-56).
Esse câmbio no tratamento das enfermidades é fulcral para se compreender uma mudança no paradigma de exercício do poder. Enquanto os leprosos eram excluídos, os que padeciam da peste eram administrados, controlados, ou seja, o Estado deixa de eliminar os indesejáveis para controlá-los. A lógica aqui deixa de ser a exclusão e se torna a de inclusão.
Antes de se prosseguir na explicação da disciplina é necessário conceituar um termo fundamental na filosofia de Foucault: o dispositivo, que figurará ao longo de sua obra diversas vezes, sendo uma ferramenta indispensável para compreender seu pensamento, visto que, nas palavras de Agamben (2009, p. 33), “Os dispositivos são precisamente o que na estratégia foucaultiana ocupa o lugar dos Universais”. Para tal continue-se com o filósofo que ao explicar o significado que o termo possui na obra de Michel Foucault delimita três pontos importantes
1) É um conjunto heterogêneo, linguístico e não linguístico, que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo título: discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de polícia, proposições filosóficas etc. O dispositivo em si mesmo é a rede que se estabelece entre esses elementos. 2) O dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre em uma relação de poder. 3) É algo de geral (um reseau, uma “rede”) porque inclui em si a episteme, que para Foucault é aquilo que em uma certa sociedade permite distinguir o que é aceito como um enunciado científico daquilo que não é científico. (...) parece se referir à disposição de uma série de práticas e de mecanismos (ao mesmo tempo linguísticos e não-linguísticos, jurídicos, técnicos e militares) com o objetivo de fazer frente a uma urgência e de obter um efeito (2009, p. 29-30).
Analisa-se de agora em diante os dispositivos, que são utilizados para dar forma ao poder disciplinar, a saber, em ordem de aparição: distribuição do corpo em um determinado espaço; controle do desenvolvimento da ação; vigilância perpétua dos indivíduos; registro contínuo.
Um dos dispositivos utilizados é a distribuição do corpo em um determinado espaço, ou seja, cada corpo deve ter seu espaço próprio, delimitado e restrito. Ainda que exista a clausura esta não é a técnica universalizável, pois não é necessário o confinamento para a caracterização deste dispositivo, e sim, uma clara e firme distribuição do corpo em um espaço demarcado, evitando generalizações ou agrupamento em massas, permitindo que este seja vigiado e analisado em sua individualidade. Pode ser observado em salas de aulas, onde cada aluno deve permanecer em sua carteira, em uma determinada posição, de forma que o professor possa a distância identificar cada aluno sem dificuldade. “A disciplina é, antes de tudo, a análise do espaço. É a individualização pelo espaço, a inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório e combinatório” (FOUCAULT, 2015, p. 180-181).
Além do controle espacial, também se exerce um controle temporal através de um duplo dispositivo: que tanto controla rigorosamente o tempo da atividade, como fraciona as ações em repetições simples e fáceis, que devem ser executadas em curtos períodos de tempo. Há um controle que não se prende ao resultado da ação, mas ao desenvolvimento desta (FOUCAULT, 2015, p. 181).
Em Vigiar e Punir, temos um excelente exemplo quando Foucault retrata exatamente como um soldado deve caminhar. Demonstrando o total e absoluto controle que tentava se exercer sobre os mínimos movimentos, tanto espacial quanto temporalmente.
O comprimento do pequeno passo será de um pé, o do passo comum, do passo dobrado e do passo de estrada de dois pés, medidos ao todo de um calcanhar ao outro; quanto à duração, a do pequeno passo e do passo comum serão de um segundo, durante o qual se farão dois passos dobrados; a duração do passo de estrada será de um pouco mais de um segundo. O passo oblíquo será feito no mesmo espaço de um segundo; terá no máximo 18 polegadas de um calcanhar ao outro... O passo comum será executado mantendo-se a cabeça alta e o corpo direito, conservando-se o equilíbrio sucessivamente sobre uma única perna, e levando a outra à frente, a perna esticada, a ponta do pé um pouco voltada para fora e baixa para aflorar sem afetação o terreno sobre o qual se deve marchar e colocar o pé na terra, de maneira que cada parte se apoie ao mesmo tempo sem bater contra a terra (2014, p. 148).
Também é fundamental o dispositivo da vigilância que tem por premissa incutir no sujeito o sentimento de que é vigiado por alguém superior hierarquicamente, sem que, contudo, possa precisar quem está vigiando-o. A intenção é evitar e coibir comportamentos fora daqueles disciplinados, ou seja, pré-estabelecidos e que, no caso da prisão, quando o preso saia do recinto a “reforma” tenha sido tão profunda que este não consiga se livrar do sentimento de estar sendo constantemente vigiado (FOUCAULT, 2015, p. 182).
Tal princípio da vigília encontrou seu ápice no panopticum, invenção de Jeremy Bentham, que permitiria ao guarda através de uma torre observar todos os presos, sem que estes pudessem saber quem os estava vigiando, mas tendo certeza de que alguém os observava. Tal estrutura é descrita pelo próprio Bentham (2000, p. 17) da seguinte forma:
Não importa quão diferentes, ou até mesmo quão opostos, sejam os propósitos: seja o de punir o incorrigível, encerrar o insano, reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o desocupado, manter o desassistido, curar o doente, instruir os que estejam dispostos em qualquer ramo da indústria ou treinar uma raça em ascensão no caminho da educação, em uma palavra, seja ele aplicado aos propósitos das prisões perpétuas na câmara da morte, ou prisões de confinamento antes do julgamento, ou casas penitenciárias, ou casas de correção, ou casas de trabalho, ou manufaturas, ou hospícios, ou hospitais, ou escolas.
O dispositivo disciplinar da vigilância pode ser tido como um dos elementos centrais, sendo fundamental a observação hierárquica, pois atrela o ato de vigiar a produção. Assim incutindo nos indivíduos vigiados tão profundamente o sentimento de vigia que estes passam a reproduzir o próprio processo de fiscalização. Não se trata de substituir o rei por uma outra figura que tudo sabe e tudo vê, mas naturalizar o sentimento de vigia, a tal ponto que todos são potenciais fiscalizadores, inclusive a própria pessoa, que acaba se autofiscalizando.
Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores (FOUCAULT, 2014, p. 195).
Podem-se discernir dois tipos de olhares dentro da teoria foucaltiana do poder disciplinar: o panóptico e a visibilidade individualizante. O primeiro está diretamente relacionado à arquitetura dos locais, associado a estruturas que permitam a figura do fiscal facilmente identificar o indivíduo a ser vigiado e que, em contrapartida, este não possa identificá-la. A unilateralidade é fulcral para a aplicação deste olhar. A segunda trata de uma análise mais detalhada, prestando atenção aos hábitos, histórias e potencialidades (patológicas e de periculosidade) do indivíduo analisado. É justamente nesse contexto que surge a internalização do olhar disciplinar, pois ao combinar a ciência e a vigilância, há uma fabricação de verdade tão poderosa, que os indivíduos passam a fiscalizar não apenas os demais, mas a si mesmos também (FRASER, 1989, p. 22-23).
A sanção normalizadora atua em todos os dispositivos disciplinares, replicando a lógica do sistema penal em uma microescala própria a cada instituição, definindo comportamentos anormais e estabelecendo sanções com o intuito de regulá-lo.
Na essência de todos os sistemas disciplinares, funciona um pequeno mecanismo penal. É beneficiado por uma espécie de privilégio de justiça, com suas leis próprias, seus delitos especificados, suas formas particulares de sanção, suas instâncias de julgamento (FOUCAULT, 2014, p. 175).
Como exemplo pode-se citar a escola que pune o atraso, a ausência, a rudeza, a insolência, a sujeira, a indecência e diversas outras práticas ínfimas, mas que não podem escapar ao exercício do poder disciplinar, que deve ser constante e pleno, açambarcando todas as condutas inclusive, e talvez principalmente, as mais simplórias.
Essa punição normativa não é tanto uma reprimenda pela lei infringida, mas a sua própria repetição, adestrando os anormais através de uma correção pelo arrependimento (DREYFUS; RABINOW, 2010, p. 174). Por óbvio que esse processo não apenas reprime, mas também incentiva e gratifica comportamentos, continuando no exemplo da escola, pode-se citar o aluno que recebe elogios e benefícios, por cumprir as tarefas assinaladas no tempo e modo propostos, esse tipo de postura produz indivíduos, muito mais do que os reprime.
De fato, o que está sendo punido é a não-conformidade, isto o que o exercício de poder disciplinar visa corrigir. Contudo, disciplina não se opera através apenas da punição, mas também através da gratificação, com recompensas e privilégios por bons comportamentos e práticas, aliados a penas e punições por mau comportamento. Um efeito desse sistema de gratificação-punição no processo de treinamento e correção é distribuir, ranquear e graduar aqueles sujeitos a ele. Em resumo nós notamos que punição em um regime disciplinar tem como seu objeto não expiação ou repressão, mas normalização, conjugado com vigilância (observação hierárquica) emergindo da era clássica como uma das principais formas de exercício do poder (SMART, 2002, p. 81)[3].
O exame é a aplicação da hierarquia, combinada com as sanções normalizadoras. Esse dispositivo faz com que os sujeitos sejam sancionados e individualizados através de diversos ritos, que constituem uma forma de saber atrelada à modernidade. Sendo assim ao examinar o corpo, os olhares científicos ajustarão e adequarão o anormal através de tratamentos que o faça retornar ao “normal”.
Dessa forma, pelo exame, a disciplina consegue constituir o indivíduo enquanto objeto documentado, podendo ser descrito e analisado em sua própria individualidade. O registro do exame permite manter a singularidade que aparece em cada individualidade, com seus desvios, seus traços particulares, suas aptidões e capacidades. Tal procedimento permite ao mecanismo disciplinar uma utilização praticamente personalizada de cada indivíduo, em vistas a uma normalização, que não representa a uniformização das individualidades, mas sua adequação a um dispositivo. (...) É nesse sentido que Foucault cita a criança, o doente, o louco, o condenado como objetos de constantes descrições individuais a partir do século XVIII. A objetivação e a sujeição dessas individualidades, consideradas de uma forma totalmente diferente por outras formas de poder, assumem um lugar essencial na economia do poder disciplinar (FONSECA, 2003, p. 62).
Tal dispositivo revela-se de fundamental importância no contexto da história do Direito Penal, pois o famigerado exame criminológico, cuja função é medir a periculosidade do indivíduo, é um instituto alvo de diversas críticas e ainda serve de base para justificar diversas medidas gravosas ao indivíduo[4].
Em os Anormais, Foucault ao analisar as práticas psicológicas aliadas ao judiciário, demonstra que os exames criminológicos serviam para imbuir de verdade um discurso sobre a anormalidade do sujeito e permitir ao julgador mudar o foco do julgamento. Não mais se discute o fato criminal, mas sim se a pessoa é ou não criminosa.
De tal modo que, no final das contas, quem vai ser condenado não é o cúmplice efetivo do assassinato em questão: é esse personagem incapaz de se integrar, que gosta da desordem, que comete atos que vão até o crime. E, quando digo que esse personagem é que foi efetivamente condenado, não quero dizer que no lugar de um culpado ter-se-á, graças ao perito, condenado um suspeito (o que é verdade, claro), mas quero dizer mais. O que, em certo sentido, é mais grave é que, no fim das contas, mesmo se o sujeito em questão é culpado, o que o juiz vai poder condenar nele, a partir do exame psiquiátrico, não é mais precisamente o crime ou o delito. O que o juiz vai julgar e o que vai punir o ponto sobre o qual assentará o castigo, são precisamente essas condutas irregulares, que terão sido propostas como a causa, o ponto de origem, o lugar de formação do crime, e que dele não foram mais que o duplo psicológico e moral (FOUCAULT, 2001, p. 22).
Dentro do contexto exposto, surge a chamada sociedade disciplinar, situada na Europa dos séculos XVIII e XIX, composta por uma complexidade de técnicas de poder que visam aperfeiçoar a sua aplicação, tornando-o menos custoso, por meio de sua ramificação, cada vez mais invisível, mas cada vez mais presente no cotidiano da sociedade.
Em outras palavras o poder é levado a atuar em todas as instâncias da vida do indivíduo, enquanto no sistema feudal não havia interferência por parte do soberano no cotidiano, que apenas se preocupava em coletar a parte que lhe cabia da produção, na modernidade e no nascimento da sociedade disciplinar há um incremento significativo da área de interesse do poder, passando a regular todas as práticas e formas do indivíduo, moldando-o e adestrando-o conforme os interesses da sociedade.
Com a ascensão da burguesia ao poder houve, como já dito, a positivação jurídica do caráter igualitário e humanista do Direito. Contudo, por detrás disso, como demonstrado, houve um acréscimo no controle estatal e a imposição da disciplina a todos. Mas essa distribuição disciplinar não foi igualitária, houve uma incidência muito maior de controle e repressão à figura do anormal.
O próprio sistema “burguês”, instaurado no final do século XVIII e início do XIX, é marcado por origens (e interesses) sociais de legislações. Retomando a questão dos ilegalismos, eles serão codificados e disciplinados com maior severidade por instituições punitivas estatais na medida em que afetem a propriedade e os valores morais do trabalho. Os Estados sancionam o roubo e outras manifestações de delinquência prontamente, bem como outras instituições normalizam o “louco” por ser vagabundo, ao passo que delitos burgueses, como a fraude fiscal ou operações comerciais irregulares, são marcados por um tratamento legal de caráter dilatório (MORAIS, 2014, p. 66).
Há uma distinção entre os ilegalismos de bens (crimes contra a propriedade privada) e os de direito, aos primeiros reserva-se toda a severidade e estigmatização do sistema penal, enquanto que, ao segundo, aplicam-se medidas especiais, conciliação e etc. Essa distinção flagrante no início do Estado de Direito, em certa medida, perdura até hoje[5].
Contudo, apesar dos ilegalismos de bens sofrerem as sanções estatais com uma maior severidade, o objetivo delas não era erradicá-los, mas geri-los. Pois a existência de certos ilegalismos, como a prostituição e o tráfico de drogas, são negócios imensamente lucrativos e diretamente fundamentais para a manutenção de um sistema capitalista, além de que, enquanto existir a criminalidade, será cada vez mais fácil vender a ideia do Direito Penal como panaceia para todos os males, incrementando a polícia e o controle exercido pelo Estado.
Foucault traça um paralelo entre o liberalismo e a disciplina, chegando a afirmar que ambos estariam em uma relação inversamente proporcional. Em outras palavras, quanto mais liberdades e direitos fossem garantidos à burguesia, mais disciplina seria imposta às classes menos favorecidas.
Assim, o poder disciplinar se articula com as formas legais abstratas de uma forma tão refinada que, por mais que elas tenham um modo de operar aparentemente conflitante (pois uma produz corpos dóceis e a outra reprime), essas realidades coexistem sem se anularem, pois atuam em âmbitos diferentes: a teoria jurídica legalista atua em níveis formais, de modo a conferir legitimidade às práticas punitivas “humanistas”, ao passo que o poder disciplinar, ao impor vigilância perpétua, sanções normalizadoras e saberes acerca do corpo, impõe práticas nada humanistas, legitimadas pela soberania igualitária. Assim, as modalidades de exercício de poder se complementam e, ainda que exerçam práticas de poder aparentemente opostas, são capazes de coexistir sem conflitarem (MORAIS, 2014, p. 69).
A norma já existia muito antes da modernidade, entendendo-a como uma média dos comportamentos, como o padrão da sociedade. Contudo é com o advento dos saberes científicos e por efeito do poder disciplinar que a norma passa a ter um valor de verdade. Não ser normal passa a ser visto como algo nefasto, algo a ser combatido e reformado.
4 CONCLUSÃO
É possível concluir, com base no exposto, que o poder Disciplinar na obra de Foucault refere-se a uma nova forma de controlar e dominar corpos. Enquanto, antigamente, o suplício era a punição modelo do Estado como uma forma de expiar os pecados cometidos pelos transgressores, na modernidade houve um refinamento no modo de punição, o qual passa a adestrar e padronizar os “criminosos”.
O poder disciplinar não é necessariamente mais humano que o suplício, mas certamente é mais refinado que este, pois se vende como algo mais científico e benéfico. Ressalte-se que o poder não é algo que possa ser possuído, mas apenas exercido e que perpassa a sociedade em suas diversas relações.
Há na sociedade moderna uma crença quase que absoluta na importância da ressocialização e uma difusão completa da importância da disciplina. Seja na escola, no trabalho ou até na vida pessoal poucas pessoas questionariam o caráter positivo da disciplina enquanto instrumento para garantir sucesso e uma vida digna.
Compreender que as manifestações de poder nem sempre se dão enquanto um caráter repressivo, mas sim que muitas vezes o controle é exercido por meio da criação de hábitos ou de atitudes positivas, permite compreender melhor o funcionamento das instituições modernas.
O alerta trazido em sua obra de que reformas humanitárias e que, em um primeiro momento, possam parecer um avanço no marco civilizatório, muitas vezes escondem outros objetivos nefastos. A boa intenção do soberano não pode ser presumida e exige uma minudente análise para que se possa descobrir as ramificações de mudanças feitas com o melhor interesse da população.
Por óbvio que, como o próprio Foucault alerta, sua análise é de determinado fenômeno que ocorreu na Europa e que não necessariamente deve ser transposto para outras realidades. A principal ferramenta que Foucault traz é o pensamento crítico e este permite manejar seus conceitos, sem cair em reducionismos, para uma análise profunda das questões sociais.
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[1] Foucault afirma inclusive em entrevista concedida no documentário Foucault par Lui-Même que a função do Juiz não será nada mais do que legitimar o exercício do poder de polícia, a figura mística do magistrado garantidor das leis e defensor da população não se transferiria para a realidade, sendo na prática a função do juiz legitimar o exercício do poder estatal estando efetiva, e historicamente, a serviço da polícia. Documentário disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Xkn31sjh4To>.
[2] É o que Jacques Donzelot (1980) chamará de complexo tutelar, essa forma, especialmente nos tribunais infantis, que envolve a pré-deliquência, a assistência social e a psiquiatria infantil, em outras palavras, a crescente expansão dessa nova forma de controle onde os animateurs (orientadores, psicólogos, assistentes sociais) substituirão aos poucos a figura do agente punitivo e manterão a disciplina. É o surgimento e aperfeiçoamento da reeducação como forma de punição e de um escrutínio principalmente das crianças, enquanto jovens desajustados ou deliquentes, essa intervenção de caráter científico e educativo não deixa de possuir força coercitiva e traços punitivos que devem ser levados em conta, tendo em vista a crescente pulverização dessa forma de controle desde o século XIX até os dias atuais.
[3] Tradução livre de: In effect what is being punished is non-conformity which the exercise of disciplinary power seeks to correct. However, discipline not only operates through punishment but in addition through gratification, with rewards and privileges for good conduct and practices, and punishments and penances for bad behaviour. One effect of this system of gratification—punishment in the process of training and correction is to distribute, to rank and grade those subject to it. By way of a summary we may note that punishment in a regime of disciplinary power has as its object not expiation or repression but normalization, and along with surveillance (hierarchical observation) it emerged from the classical age as one of the foremost instruments of the exercise of power (SMART, 2002, p. 81).
[4] O exame criminológico não é mais obrigatório para a progressão de regime, contudo, o art. 112 da lei de execuções penais ainda se encontra vigente e pode ser acionado pelo magistrado quando este achar conveniente. O determinismo, apesar de cientificamente superado, ainda se encontra dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
[5] Até hoje existe uma distinção no tratamento dispensado entre os crimes contra a propriedade e os crimes contra a ordem tributária. Para permanecer em um exemplo nacional, caso haja o pagamento do tributo devido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, extingue-se a punibilidade do infrator. Em outras palavras, é facultado ao réu de crimes contra a ordem tributária se valer de todo o aparato estatal tentando burlar o interesse da coletividade, pois em tese o tributo é fruto do trabalho da sociedade e deve ser usado para sustentar a mesma, para quando (e se) falhar na sua tentativa de lesar o patrimônio público ser-lhe facultado simplesmente poder pagar o tributo devido e ver a pena que sofreria ser extinta. Enquanto no caso de furto simples ou qualificado, crimes realizados sem o emprego de violência, e envolvendo quantias monetárias infinitamente inferiores a dos sonegadores fiscais, não se é concedido esse benefício, nem por analogia, de acordo com a jurisprudência pacífica dos superiores tribunais. Com a agravante de que, muitas vezes, as denúncias realizadas são por valores tão ínfimos que deveria incidir outro princípio do Direito Penal moderno que é o da bagatela, que, contudo, é muitas vezes ignorado ou, simplesmente descartado, pelo ministério público e pela magistratura.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Faculdade FAVENI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, João Paulo de Moura. Poder Disciplinar na obra de Foucault Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2023, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63652/poder-disciplinar-na-obra-de-foucault. Acesso em: 23 nov 2024.
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