RESUMO: O presente artigo consiste em um estudo do direito processual coletivo, com aprofundamento na evolução conceitual da classificação ou categorização dos direitos transindividuais, e a forma como essa matéria se relaciona com os precedentes qualificados. Discorre-se sobre o que se compreende por precedente qualificado e os instrumentos que podem ser utilizados para sua formação. O trabalho destaca a Teoria dos Litígios Coletivos de Edilson Vitorelli e como a perspectiva por ela proposta contribui para a identificação dos reais titulares do direito coletivo em disputa em um caso concreto. A partir da apresentação do tormentoso problema da legitimação ativa para a tutela de direitos transindividuais, é feita uma análise de como a sua solução foi (ou vem sendo) construída, como fruto de um produtivo diálogo entre doutrina e jurisprudência, que culminou no surgimento de alguns precedentes qualificados. A abordagem desperta a atenção para a natureza mutualística dessa relação e para o seu enorme potencial. Por fim, é feito um alerta para a ainda tímida utilização dos instrumentos que podem dar ensejo a precedentes qualificados que contribuam para a resolução de problemas históricos do microssistema processual coletivo.
Palavras-chave: Processo coletivo; Direitos transindividuais; Precedente qualificado; Legitimação ativa.
1. Introdução
A formação de precedentes qualificados relaciona-se com o estudo do processo coletivo de uma forma mutualística. Ao mesmo tempo em que as ações coletivas se apresentam como um campo fértil para o surgimento de precedentes qualificados, estes vêm se revelando um instrumento com imenso potencial de contribuição para a evolução do tratamento e da compreensão de problemas históricos do processo coletivo.
Este artigo parte de um estudo da evolução do tratamento conceitual dado aos direitos transindividuais, iniciando-se pelo resgate de conceitos básicos do direito coletivo e da classificação tradicional surgida com o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em seguida, apresenta-se a inovadora Teoria dos Litígios Coletivos de Edilson Vitorelli e a problemática em torno da identificação da titularidade dos direitos transindividuais.
A relação entre o direito processual coletivo e o sistema de precedentes qualificados é aprofundada a partir da análise do problema da legitimação ativa para a tutela de direitos coletivos em juízo e o princípio da adequada representação.
O objetivo a ser atingido consiste em despertar a atenção para o enorme potencial dessa relação (ainda pouco explorada) — e para as possibilidades por ela oferecidas.
2. O microssistema de processo coletivo e a classificação dos direitos transindividuais
Antes de se adentrar numa análise específica dessa complexa relação, necessária se faz uma apresentação do microssistema de processo coletivo, alguns de seus conceitos e institutos — sem a menor pretensão de esgotar a matéria.
Tradicionalmente, os direitos transindividuais são classificados em difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. Apesar da razoável delimitação conceitual, é sempre difícil, diante de uma situação concreta, identificar em qual dessas categorias se enquadra o direito (ou os direitos) ali envolvidos.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma moldura normativa foi traçada, o que trouxe grande avanço na uniformização dos conceitos, mas pouco contribuiu para a resolução de um problema que ainda permanece: como classificar ou em que categoria enquadrar determinados direitos em uma situação concreta que envolve um litígio coletivo.
A partir das previsões normativas legais do art. 81 do CDC, há razoável homogeneidade quanto à definição (em abstrato) de cada um dos direitos. Conforme ensinamentos extraídos da obra de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti,[1] são difusos os direitos transindividuais de natureza indivisível, titularizados por um grupo composto por pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I, do CDC). Reputam-se coletivos stricto sensu os direitos supraindividuais, de natureza indivisível, dos quais seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, II, do CDC). Por fim, têm-se os direitos individuais homogêneos, uma ficção jurídica criada pelo legislador, inspirado nas class actions for damages do direito norte-americano. São conceituados como aqueles decorrentes de origem comum (art. 81, parágrafo único, III, do CDC).
Edilson Vitorelli, em tese de doutorado apresentada em 2015 à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, intitulada O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, formula uma nova proposta de compreensão e, por conseguinte, de classificação dos direitos transindividuais.
Em verdadeiro giro epistemológico, propõe uma mudança de perspectiva, tendo como premissa a insuficiência conceitual da classificação tradicional (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos).
Para desenvolver o que ficou conhecido como Teoria dos Litígios Coletivos, o autor identifica alguns problemas na compreensão tradicional e divisão estanque dos direitos coletivos:
O primeiro deles é a situação em que existe uma relação jurídica base que une titulares de um determinado direito, mas o interesse de cada um deles nasce de um interesse derivado dessa relação e não propriamente de seu conteúdo. Como o direito objeto da relação é indivisível, a situação demandará solução uniforme para todos os titulares, independentemente de quem seja o demandante.[2]
O segundo problema apontado por Vitorelli diz respeito à dificuldade prática em se identificar e condensar os diversos interesses de um grupo heterogêneo, cujos integrantes estão entre si ligados apenas por circunstâncias de fato. Tal problema já havia sido indicado, desde a década de 1980, por José Carlos Barbosa Moreira:
A segunda situação é a que provoca maiores desconfortos. É aquela em que não existe sequer relação jurídica base. Os titulares de um determinado direito se vinculam apenas por circunstâncias de fato “muitas vezes acidentais e mutáveis”, de modo que é impensável “a decomposição do interesse comum a tais pessoas num feixe de interesses individuais que se justapusessem como entidades análogas, mas distintas”. Barbosa Moreira reiterará que “o conjunto dos interessados apresenta contornos fluidos, móveis, esbatidos, a tornar impossível, ou quando menos superlativamente difícil, a individualização exata de todos os componentes”. Em seguida, o autor afirma: “deixaremos de lado a própria questão fundamental nessa perspectiva: se se trata de posições jurídicas verdadeiramente identificáveis como direitos dos membros da coletividade ou de meros interesses reflexamente protegidos”.[3]
Segundo Vitorelli expõe, a partir das considerações feitas por Barbosa Moreira, o advento de uma conceituação legal não contribuiu para a solução de problemas já identificados na década de 1980. A classificação, positivada no CDC, “toma como pressuposto a necessidade de tutela desses direitos e não a definição de sua natureza”. Propõe, assim, uma nova forma de compreensão do direito coletivo (lato sensu), a partir da seguinte indagação, que, segundo afirma, teria ficado sem resposta: “o que são e de quem são os interesses ou direitos transindividuais?”.[4]
Em uma complexa construção teórica, que passa pela compreensão da sociedade como estrutura, confronta as concepções coletivistas e individualistas de atribuição dos direitos transindividuais e problematiza o dogma da indivisibilidade dos direitos transindividuais, Edilson Vitorelli formula sua inovadora classificação, segundo a qual o pertencimento a determinada categoria seja definido pela conflituosidade verificada no caso concreto. O autor sustenta que “a afirmação da indivisibilidade dos direitos transindividuais atua para mascarar a deficiência na formulação conceitual de sua titularidade”.[5]
Vitorelli constata que “a realidade desmente que, em todas as situações, todos os indivíduos ou toda a sociedade experimente, na mesma intensidade, e com o mesmo interesse, lesões a direitos transindividuais”.[6]
Assim, os litígios coletivos são por ele classificados em três categorias, a seguir discriminadas.
(I) Litígios transindividuais de difusão global:
A primeira categoria de litígios transindividuais é dada pelas situações nas quais a lesão não atinge diretamente os interesses de qualquer pessoa. Um vazamento de óleo, em quantidade relativamente pequena, em uma perfuração profunda, no meio do oceano, não atinge diretamente qualquer pessoa. Fora o interesse compartilhado por todo ser humano em relação ao ambiente planetário, ninguém é especialmente prejudicado pelo dano decorrente desse tipo de lesão. Nessa situação em que a violação a um direito transindividual não atinge, de modo especial, a qualquer pessoa, sua titularidade deve ser imputada à sociedade entendida como estrutura.[7]
(II) Litígios transindividuais de difusão local:
A segunda categoria de litígios a ser analisada, e que demanda um conceito diferente de titularidade dos direitos transindividuais, é a das lesões que atingem, de modo específico e grave, comunidades, no sentido que essa expressão tem para Ferdinand Tönnies, ou seja, grupos de reduzidas dimensões e fortes laços de afinidade social, emocional e territorial, traduzidos em um alto grau de consenso interno. É o caso das comunidades indígenas, quilombolas e demais grupos tradicionais minoritários, referidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Esses grupos constituem, na expressão de Elliott e Turner, “sticky societies”, sociedades com grande consciência de identidade própria e cuja lealdade do membro para com o grupo é essencial.[8]
(III) Litígios transindividuais de difusão irradiada:
A última categoria de direitos transindividuais que se pretende formular é a que se relaciona ao que Rodolfo de Camargo Mancuso denominou mega-conflitos. Trata-se daquelas situações em que o litígio decorrente da lesão afeta diretamente os interesses de diversas pessoas ou segmentos sociais, mas essas pessoas não compõem uma comunidade, não têm a mesma perspectiva social e não serão atingidas, da mesma forma e com a mesma intensidade, pelo resultado do litígio. Isso faz com que suas visões acerca da solução desejável sejam divergentes e, não raramente, antagônicas. Essas situações dão ensejo a conflitos mutáveis, multipolares, opondo o grupo titular do direito não apenas ao réu, mas a si próprio.[9]
Feita a apresentação das noções básicas do processo coletivo, de algumas das discussões que permeiam a temática e das diferentes perspectivas na categorização dos direitos transindividuais, é importante, agora, traçar um panorama sobre o que se compreende por precedente qualificado, para, finalmente, adentrar em um ponto de intercessão entre essas matérias.
3. Os precedentes qualificados
O Código de Processo Civil (CPC), que passou a viger no dia 18 de março de 2016, inaugurou uma nova fase no direito processual brasileiro, estruturando um sistema de precedentes judiciais, em que se reconhece verdadeira eficácia normativa a determinadas orientações da jurisprudência.
É possível afirmar que essa nova sistemática impõe a reinterpretação do princípio da legalidade, que, atualmente, deve ser visto como o dever de decidir conforme o direito — “como ordenamento jurídico, e não apenas com base na lei, que é apenas uma de suas fontes”.[10]
Segundo a doutrina de Daniel Neves, “precedente é qualquer julgamento que venha a ser utilizado como fundamento de um outro julgamento que venha a ser posteriormente proferido”.[11]
Compreende-se como precedentes qualificados aqueles originados de procedimentos específicos, nos quais se potencializa a incidência dos princípios do contraditório, publicidade, motivação, cujo resultado será capaz de exprimir o entendimento de determinada corte de justiça a ser aplicado em casos futuros sobre a matéria. Dentre esses procedimentos, destacam-se: a edição de súmulas, os Incidentes de Assunção de Competência (IAC) e de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), o julgamento em controle concentrado de constitucionalidade e as orientações do Plenário ou do Órgão Especial em relação aos juízes a eles vinculados.
Conforme trecho extraído da apresentação da publicação Precedentes Qualificados, do Supremo Tribunal Federal:
o rito dos precedentes qualificados tem o condão de conferir transparência, previsibilidade e razoável duração aos processos, ao mesmo tempo em que confere mais racionalidade e isonomia ao sistema processual, com a inibição de decisões múltiplas sobre a mesma temática.[12]
O art. 926 do CPC determina que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Por sua vez, a norma imperativa insculpida no art. 927, IV, do diploma processual impõe aos juízes e ao Tribunal o dever de observância dos “enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional”.
Esse tratamento dado pela atual normativa processual ao sistema de precedentes dialoga diretamente e, em alguma medida, dá efetividade à Teoria do Romance em Cadeia, de Ronald Dworkin. O pensador, que dispensa apresentações, compara a criação e a interpretação do direito com um romance literário. A atuação do juiz assemelha-se à de um escritor e os precedentes judiciais são como capítulos de uma obra literária, de modo que a lógica deles advinda deve ser respeitada.[13]
4. O problema da legitimação ativa no processo coletivo
Estabelecidos os pressupostos conceituais que norteiam este estudo, passa-se à análise de como a sistemática dos precedentes qualificados vem contribuindo para a evolução do tratamento de um problema histórico do microssistema processual coletivo.
Importante retomar o questionamento de Vitorelli sobre “o que são e de quem são os interesses ou direitos transindividuais”, a partir do qual exsurge a questão espinhosa: o da legitimação ativa para buscar em juízo a efetivação/proteção do direito coletivo afetado em determinada situação.
Após anos de polêmica, divergências e decisões, em certa medida, conflitantes, é possível afirmar que a controvérsia acerca da natureza jurídica da legitimação coletiva, se não acabou, está se aproximando de uma pacificação. A jurisprudência teve um papel importante nesse processo, com destaque, sobretudo, para o surgimento de precedentes qualificados, em virtude dos quais certa uniformidade se desenha no horizonte.
Um dos pontos mais controvertidos que envolvem essa questão diz respeito à legitimidade das associações para o ajuizamento de ação civil pública (ACP) na defesa de direitos individuais homogêneos. Nessa discussão, uma grande confusão se estabeleceu, originando-se da seguinte dúvida: se nessa hipótese a associação autora estaria atuando na qualidade de representante processual ou de substituta processual. Para além do tecnicismo conceitual, a relevância prática da controvérsia diz respeito à exigência de autorização individual ou assemblear dos associados como requisito para reconhecimento da legitimidade ativa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) possui precedente (qualificado) que trata da matéria (Tema 82 de Repercussão Geral – Recurso Extraordinário nº 573.232/SC), pelo qual foi veiculada a seguinte tese:
I – A previsão estatutária genérica não é suficiente para legitimar a atuação, em Juízo, de associações na defesa de direitos dos filiados, sendo indispensável autorização expressa, ainda que deliberada em assembleia, nos termos do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal; II – As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, são definidas pela representação no processo de conhecimento, limitada a execução aos associados apontados na inicial.[14]
O referido precedente causou verdadeiro tumulto no Poder Judiciário, em decorrência de equívocos na sua compreensão e aplicação.
A situação foi abordada por Fredie Didier e Bruno Zaneti em sua obra Curso de direito processual civil: processo coletivo. Conforme relatado pelos autores, o STF, ao julgar uma ação ajuizada pela Associação do Ministério Público de Santa Catarina, decidiu que apenas os associados que, na data da propositura da ação, haviam aderido ao polo ativo mediante expressa autorização assemblear poderiam ser beneficiados pelos efeitos advindos da procedência da demanda. Didier e Zaneti entendem, no entanto, que o referido precedente se aplica apenas à hipótese prevista no art. 5º, XXI, CF / 88. Esclarecem que, nos debates travados entre os Ministros que tomaram parte no julgamento que culminou no precedente em questão, foram proferidos extensos votos por Joaquim Barbosa e Teori Zavascki, nos quais a abordagem da matéria foi ampliada.[15] Confira-se a seguinte passagem em que a questão é explicada na mencionada obra:
Isto porque, nos debates que se seguiram, com extensos votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Teori Zavascki, entre outros, a questão foi ampliada. No voto do Min. Teori foram discutidos outros pontos, inclusive sobre a legitimação das associações e a constitucionalidade do art. 2º-A da Lei 9.494/97. Contudo, como ficou assentado no inteiro teor do acórdão, o Recurso Extraordinário foi parcialmente conhecido e provido unicamente quanto à questão prequestionada. Conforme se lê nas fls. 68, o Min. Teori Zavascki esclarece que reduz seu voto acompanhando o relator. Não se discute a constitucionalidade da exigência prevista no art. 2º-A da Lei 9.494/97. Portanto esse extenso acórdão do Pleno do STF tem apenas força de precedente quanto à interpretação do texto do art. 5º, XXI, CF / 88, entendendo os Ministros, por maioria, que é exigível a autorização direta dos beneficiários para a representação processual, quando não ocorrer autorização assemblear. Não bastando, portanto, para preencher os pressupostos do texto constitucional, a autorização genérica nos estatutos.
O STJ vem aplicando o precedente de forma muito ampla:
[...]
Infelizmente a tese está sendo seguida em diversas decisões. Com uma consequência prática importante, o STJ tem exigido a necessidade de expressa autorização dos associados para a defesa de seus direitos em juízo, seja individualmente, seja por deliberação assemblear, não bastando, para tanto, a previsão genérica no respectivo estatuto.[16]
Os autores exemplificam a aplicação equivocada da tese firmada pelo STF, citando julgado do STJ, no qual se entendeu:
4.1 Na espécie, a partir da dissolução do ente associativo demandante, a subtrair-lhe não apenas a legitimação, mas a própria capacidade de ser parte em juízo, pode-se concluir com segurança que os então associados não mais são representados pela associação autora, notadamente na subjacente ação judicial. Por sua vez, a nova associação, que pretende assumir a titularidade do polo ativo da subjacente ação civil pública, não detém qualquer autorização para representar os associados do ente associativo demandante. Aliás, da petição de ingresso no presente feito, constata-se que o petitório não se fez acompanhar sequer da autorização de seus próprios associados para, no caso, prosseguir com a presente ação, o que, por si só, demonstra a inviabilidade da pretensão. E, ainda que hipoteticamente houvesse autorização nesse sentido (de prosseguimento no feito), esta, por óbvio, não teria o condão de suprir a ausência de autorização dos então associados da demandante, o que conduz à inarredável conclusão de que a associação interveniente não possui legitimidade para prosseguir com a presente ação. 4.2 In casu, o Ministério Público, ciente da dissolução da associação demandante, não manifestou interesse em prosseguir com a subjacente ação coletiva, o que enseja a extinção do feito, sem julgamento de mérito.5. Recurso Especial provido.[17]
Assim, Fredie Didier e Bruno Zaneti fizeram um apelo às Cortes Superiores:
Esperamos que o STF controle o uso indevido do precedente e que o STJ reveja o entendimento adotado até agora. Este entendimento pode prejudicar ainda mais a combalida associatividade brasileira em torno da tutela coletiva de direitos.
Existem outras maneiras de controlar o eventual abuso de demandar: por exemplo, o juiz poderá certificar a ação coletiva no processo de conhecimento, convertendo uma ação coletiva em uma ação de representação (espécie de coletiva opt in) quando isto se afigurar mais conveniente à tutela dos direitos e aos interesses do grupo representado.
De todo modo, como defendido neste curso, caso ocorra a extinção da associação, ou seja, reconhecida sua ilegitimidade, o Ministério Público ou outro colegitimado, desde que adequado, poderá assumir o polo ativo.[18]
Os Ministros parecem ter se atentado para as preocupações da doutrina e, num diálogo construtivo, a solução se estabeleceu. O STJ efetivamente reviu seu entendimento e, em uma espécie de distinguishing, diferenciou situações em que se aplica o Tema 82 de Repercussão Geral do STF — quando a associação autora atua como representante processual — daquela em que a associação está, em juízo, em legitimação extraordinária, como substituta processual — hipótese em que não se exige prévia autorização dos associados.
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL COLETIVO. LEGITIMIDADE ATIVA DAS ASSOCIAÇÕES. ATUAÇÃO COMO REPRESENTANTE E SUBSTITUTA PROCESSUAL. RE n. 573.232/SC. AÇÃO COLETIVA ORDINÁRIA. REPRESENTAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO NOMINAL. TARIFA POR LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA. POSSIBILIDADE DA COBRANÇA ATÉ 10/12/2007, COM INFORMAÇÃO EXPRESSA. VERIFICAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO.
1. No processo civil, em regra, a parte legítima para a propositura da ação é o titular do direito material, objeto da lide.
Excepcionalmente, o ordenamento jurídico confere legitimidade a sujeito diferente (legitimação extraordinária), que defenderá em nome próprio interesse de outrem, na forma de substituição ou representação processual.
2. Há substituição processual quando alguém é legitimado a pleitear em juízo, em nome próprio, defendendo interesse alheio, de que o seu seja dependente. Não se confunde, pois, a substituição processual com a representação, uma vez que nesta o representante age em nome do representado e na substituição, ainda que defenda interesse alheio, não tem sua conduta vinculada, necessariamente, ao titular do interesse, ele atua no processo com independência.
3. A atuação das associações em processos coletivos pode ser de duas maneiras: na ação coletiva ordinária, como representante processual, com base no art. 5º, XXI, da CF/1988; e na ação civil pública, como substituta processual, nos termos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública. Como representante, o ente atua em nome e no interesse dos associados, de modo que há necessidade de apresentar autorização prévia para essa atuação, ficando os efeitos da sentença circunscritos aos representados. Na substituição processual, há defesa dos interesses comuns do grupo de substituídos, não havendo, portanto, necessidade de autorização expressa e pontual dos seus membros para a sua atuação em juízo.
4. No caso dos autos, a associação ajuizou ação civil pública para defesa dos consumidores em face da instituição bancária, sendo o objeto de tutela direito individual homogêneo, que decorre de origem comum (art. 81, parágrafo único, III, do CDC), com titular identificável e objeto divisível.
5. O STF, no julgamento do RE n. 573.232/SC, fixou a tese segundo a qual é necessária a apresentação de ata de assembleia específica, com autorização dos associados para o ajuizamento da ação, ou autorização individual para esse fim, sempre que a associação, em prol dos interesses de seus associados, atuar na qualidade de representante processual. Aqui, a atuação das associações se deu na qualidade de representantes, em ação coletiva de rito ordinário.
6. Inaplicável à hipótese a tese firmada pelo STF, pois, como dito, a Suprema Corte tratou, naquele julgamento, exclusivamente das ações coletivas ajuizadas, sob o rito ordinário, por associação quando atua como representante processual dos associados, segundo a regra prevista no art. art. 5º, XXI, da CF, hipótese em que se faz necessária, para a propositura da ação coletiva, a apresentação de procuração específica dos associados, ou concedida pela Assembleia Geral convocada para esse fim, bem como lista nominal dos associados representados.
7. Na presente demanda, a atuação da entidade autora deu-se, de forma inequívoca, no campo da substituição processual, sendo desnecessária a apresentação nominal do rol de seus filiados para ajuizamento da ação.
8. Nesses termos, tem-se que as associações instituídas na forma do art. 82, IV, do CDC estão legitimadas para propositura de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, não necessitando para tanto de autorização dos associados. Por se tratar do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação, não sendo necessária nova autorização ou deliberação assemblear.
9. A cobrança da tarifa por quitação (ou liquidação) antecipada de contrato de financiamento é permitida para as antecipações realizadas antes de 10/12/2007, desde que constante informação clara e adequada no instrumento contratual (Res. CMN n. 2.303/96 e n. 3.516/2007), circunstância que deverá ser comprovada na fase de liquidação, particularmente por cada consumidor exequente. Desde 10/12/2007, a cobrança da tarifa é expressamente proibida.
10. Recurso especial parcialmente provido.[19]
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) também se dedicou à matéria, no julgamento de IRDR (Tema 8 do TJMG), em que se discute “se a Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios – Andecc – tem, na forma prevista na Lei nº 7.347/85, legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública na defesa de interesse difuso ou coletivo vinculado à observância dos princípios constitucionais aplicáveis aos concursos públicos relativos ao provimento das delegações de serviço notarial e registral”.
No julgamento do IRDR, a 1ª Seção Cível do TJMG evidenciou a mesma diferenciação proposta pelo STJ no aresto acima citado:
EMENTA: PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. JULGAMENTO DE MÉRITO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI Nº 7.347/85. LEGITIMIDADE ATIVA DA ANDECC - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS CONCURSOS PARA CARTÓRIOS - PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBJETIVANDO A DEFESA DE INTERESSE DIFUSO E COLETIVO RELATIVO À REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PARA A CONCESSÃO DE DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAL E DE REGISTRO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 5º, XXI, CF E DO RE Nº 573.232, JULGADO SOB O REGIME DA REPERCUSSÃO GERAL (TEMA Nº 82). DEFESA DE DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. HIPÓTESE DE LEGITIMAÇÃO ESPECIAL E AUTÔNOMA. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ASSEMBLEAR. TESE FIXADA.
- A ANDECC - Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartório - tem legitimidade especial e autônoma para ajuizar ação civil pública na defesa do patrimônio público e social consistente na observância dos princípios constitucionais relativos a concurso público para o provimento de vagas nas delegações dos serviços notarial e de registro.
- Por se tratar de legitimidade específica para a defesa de interesse difuso da coletividade, não é aplicável a regra contida no art. 5º, XXI, CF e tampouco o julgamento feito pela Suprema Corte, sob o regime da repercussão geral, no âmbito do RE nº 573.232 (Tema 82).
- Sob a ótica da Lei nº 7.347/85, não é necessária autorização assemblear ou específica dos associados para o ajuizamento, pela associação civil, de ação civil pública para a tutela de interesse difuso ou coletivo, porquanto faz-se a defesa judicial de direitos transindividuais.[20] (Grifo nosso).
Em razão da interposição de recursos especial e extraordinário, a matéria continua suspensa, aguardando pronunciamento dos Tribunais Superiores, em conformidade com a sistemática estabelecida pelo § 1º do art. 987 do CPC, segundo a qual esses recursos são dotados de efeito suspensivo automático.
Reitere-se que a questão está intimamente relacionada com o questionamento de Vitorelli, sobre a quem pertencem os direitos transindividuais que constituem o objeto da ação coletiva. A classificação proposta pelo referido autor permite que essa resposta seja obtida na análise do caso concreto, o que contribui para a solução de outra questão conturbada: os efeitos subjetivos da coisa julgada.
É certo que, quando se trata de direito individual homogêneo, os efeitos da coisa julgada formada no processo são erga omnes, “apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores”, por previsão expressa do art. 103, III, do CDC. A compreensão é reforçada por precedente qualificado do STJ (Tema Repetitivo 948):
Em Ação Civil Pública proposta por associação, na condição de substituta processual de consumidores, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente.[21]
No contexto desse debate, não se pode perder de vista um princípio básico, aplicável ao microssistema processual coletivo, que assume especial relevância: o da adequada representação ou do controle judicial da legitimação coletiva. A lógica desse princípio parte do pressuposto de que, não obstante exista na legislação uma predefinição de quem são os legitimados ativos para a busca da tutela coletiva, essa previsão estabelece apenas uma presunção relativa de legitimidade.
O Poder Judiciário deve exercer um rigoroso controle sobre a legitimidade do autor da ação coletiva, sendo possível afirmar que no ordenamento jurídico pátrio há um duplo controle da legitimidade, tanto legislativo quanto judicial.
A propósito, um exemplo concreto desse controle judicial pode ser extraído do seguinte entendimento, veiculado no Informativo nº 572 da jurisprudência do STJ:
Quando houver sintomas de que a legitimação coletiva vem sendo utilizada de forma indevida ou abusiva, o magistrado poderá, de ofício, afastar a presunção legal de legitimação de associação regularmente constituída para propositura de ação coletiva.[22]
Na presente exposição, fomenta-se a ideia de que a Teoria dos Litígios Coletivos, de Edilson Vitorelli, a partir da nova categorização dos direitos transindividuais por ela proposta, é essencial para um controle mais efetivo da legitimidade adequada.
Analisando-se o litígio no caso concreto, apurado o grau de conflituosidade da situação, é possível identificar, com maior clareza, as vítimas do evento e todos aqueles que de alguma forma foram atingidos por suas consequências.
Tome-se como exemplo os desastres de grandes proporções ocorridos em Minas Gerais com os rompimentos de barragens minerárias em Mariana e Brumadinho.
Uma análise desses eventos a partir da classificação tradicional, do art. 81 do CDC, implicaria uma enorme dificuldade na identificação e nos enquadramentos dos diversos direitos envolvidos. Seriam direitos difusos, coletivos stricto sensu, individuais homogêneos? Ou todos eles em um emaranhado complexo, simultaneamente presentes e com pontos de intercessão?
Sem aprofundar na investigação, prima facie, é possível listar: moradores das comunidades diretamente atingidas, cujas casas foram soterradas, parentes faleceram, sofreram danos físicos e psicológicos irreparáveis; trabalhadores das mineradoras que morreram; moradores dos povoados que, apesar de não terem as casas destruídas, tiveram suas vidas e dinâmica cotidiana totalmente alteradas, tendo que conviver com o medo e a insegurança; produtores rurais, cuja atividade profissional sofreu inúmeras consequências, como dificuldade em escoar a produção, queda da produtividade em decorrência de alterações no solo; pescadores que também não conseguem mais prover o próprio sustento, em razão dos danos gravíssimos causados nos rios; donos de pousadas e de empreendimentos turísticos; cidades inteiras que tiveram o abastecimento de água comprometido; comunidades indígenas e quilombolas, etc.
Evidentemente, trata-se de litígios coletivos de efeitos irradiados, na classificação de Vitorelli, e, a partir dessa constatação, a conclusão inexorável é de que não há homogeneidade entre os atingidos, sendo que qualquer esforço nessa busca seria inócuo.
Diante desse nível de heterogeneidade de vítimas e do elevado grau de conflitualidade, sob a ótica do princípio do controle judicial da legitimação coletiva, quem, entre aqueles legitimados previamente estabelecidos na legislação, estaria apto a figurar no polo ativo? Não há dúvidas de que certos legitimados, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, são detentores dessa aptidão. Mas e as associações, os entes federados, as autarquias e empresas públicas, fundações? Em que medida seus estatutos ou campos de atividade albergariam uma atuação tão ampla?
Como exemplo concreto da aplicação do princípio do controle judicial da legitimação coletiva, o TJMG declarou a ilegitimidade ativa de uma Organização Não Governamental (ONG) para a propositura de ação civil pública em defesa das vítimas da tragédia de Brumadinho:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS - EXTINÇÃO IMEDIATA - NECESSIDADE - REPARAÇÃO DE DANOS SOCIAIS E DEFESA DIREITOS HUMANOS - REPERCUSSÃO REGIONAL - COMPETÊNCIA - JUÍZO DA CAPITAL - RETOMADA DE JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO ANTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - VIA INADEQUADA E PRECLUSÃO - LEGITIMIDADE ATIVA - REQUISITOS DE LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA NO SISTEMA PROCESSUAL COLETIVO - PERTINÊNCIA TEMÁTICA - REQUISITO AUSENTE - ILEGITIMIDADE DA ASSOCIAÇÃO PARA A CAUSA - ILEGITIMIDADE PASSIVA - CONFIGURAÇÃO - LITISPENDÊNCIA - IDENTIDADE DAS CAUSAS DE PEDIR E DOS PEDIDOS DAS AÇÕES - MESMO RESULTADO PRÁTICO ADVINDO DAS DEMANDAS - EXTINÇÃO DA AÇÃO - IMPOSIÇÃO. (...). Conforme leciona o jurista Fredie Didier Jr., "Parte legítima é aquela que se encontra em posição processual (autor ou réu) coincidente com a situação legitimadora, 'decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso'". Na Ação Civil Pública, segundo disposto pelo inciso V do art. 5º da Lei Federal nº 7.347/85, a associação constituída há pelo menos um ano terá legitimidade para propositura da demanda caso "inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico". A exigência legal sobre legitimação extraordinária da associação na Ação Civil Pública diz respeito a necessária compatibilidade específica da associação sobre a demanda ajuizada, exigindo-se a pertinência temática, consistente na efetiva adequação entre o objeto da ação e a finalidade institucional. Diante da ausência da pertinência temática da associação sobre a demanda proposta, que não se satisfaz pela mera e genérica previsão de atuar em defesa dos direitos humanos, resta patente sua ilegitimidade ativa para a Ação Civil Pública proposta. [...].[23]
Como se observa, a solução para esse problema antigo da legitimação ativa — e a questão dos efeitos da coisa julgada a ele relacionado — vem sendo gradualmente construída em um processo dialético que tem a doutrina e a jurisprudência como protagonistas. A questão aproxima-se de uma pacificação graças à formação de precedentes vinculantes sobre a matéria, que acabam por impor uma unificação do tratamento nas cortes de justiça, como é próprio desses instrumentos.
5. Considerações finais
O objeto de estudo (processo coletivo) é regulamentado por um microssistema, que se integra, basicamente, pela Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), pela Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/665) e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Essa situação (atípica), apesar de implicar dificuldades práticas, em decorrência da constante necessidade de suprir lacunas a partir de conciliações e arranjos entre disposições de diplomas legislativos esparsos, editados em momentos diferentes, é marcada por uma abertura, em termos de hermenêutica, admirável. O diálogo das fontes e a filtragem constitucional implicam um constante processo de construção de soluções jurídicas, protagonizadas pela troca constante entre jurisprudência e pela doutrina.
As peculiaridades desse microssistema processual exigem um esforço constante dos atores que nele operam na busca de soluções criativas, em um processo de interpretação integrativa e teleológica das normas, visando sempre à evolução.
Verifica-se, assim, um campo fértil para o surgimento de precedentes qualificados — enorme potencialidade, pouco explorada até o momento.
As iniciativas de utilização dos procedimentos aptos a dar ensejo a precedentes qualificados nesse ramo de conhecimento (processo coletivo) ainda são tímidas, sobretudo, no âmbito das cortes estaduais de justiça. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por exemplo, em consulta aos IRDRs e IACs admitidos, encontra-se apenas o Tema 8 — mencionado ao longo deste texto — tratando sobre direito processual coletivo.
O Incidente de Resolução de Competência, em especial, parece ainda não ter sido ainda descoberto pelos atores judiciais. O referido instrumento apresenta uma grande abertura em termos de legitimidade para sua instauração, incluindo juiz (relator), Ministério Público, Defensoria Pública e partes (art. 947, § 1º, do CPC). Além disso, tem um pressuposto negativo de admissibilidade — ausência de repetição em múltiplos processos — que lhe confere maior possibilidade de utilização.
O IAC, nos termos do caput do art. 947 do CPC, pode ser instaurado nos tribunais, diante de demanda que “envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos”.
Como não se atentar para o imenso potencial desse instituto, sobretudo, no campo do direito coletivo? As demandas nas quais se busca a tutela de direitos supraindividuais, em especial, quando se trata de litígios transindividuais de difusão local ou irradiada — na classificação de Vitorelli — nos quais, normalmente, se está diante de relevantes questões de direito com grande repercussão social, merecem uma atenção especial, na busca por uma exploração estratégica da sua grande potencialidade.
Longe de se pretender uma crítica, este trabalho procura instigar a utilização dos procedimentos dos quais podem surgir precedentes qualificados no âmbito do processo coletivo. É necessário despertar a atenção dos operadores do direito para a enorme potencialidade da relação mutualística entre esses dois campos de conhecimento, a fim de que o sistema processual seja objeto de constante aprimoramento em direção a soluções mais isonômicas, transparentes e justas.
Não há duvidas de que essas possibilidades ainda serão exploradas. O que se busca é uma catalisação desse processo, sem, contudo, apressá-lo a ponto de comprometer sua contribuição positiva. As orientações jurisprudenciais vinculantes a se formarem através de precedentes qualificados devem se comprometer com a constitucionalização e democratização do processo. Isso só será alcançado com uma abertura ampla para participação dos reais titulares dos direitos e deve ser viabilizado por meio de audiências e consultas públicas, amicus curiae, custus vulnerabilis, dentre outros instrumentos que fomentam a intervenção da sociedade civil. A Teoria dos Litígios Coletivos deve ser adotada como base teórica e o princípio da representatividade adequada, como vetor do controle judicial. Do contrário, há o risco de retrocesso, o que não se pode admitir jamais.
6. Referências
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VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015.
[1] DIDIER JR.; JR. ZANETI. Curso de direito processual civil: processo coletivo, p. 69-71.
[2] VITORELLI. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, p. 18.
[3] MOREIRA. Os direitos difusos nas grandes concentrações demográficas, p. 18-19.
[4] VITORELLI. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, p. 24.
[5] VITORELLI. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, p. 61.
[6] VITORELLI. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, p. 62.
[7] VITORELLI. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, p. 78-79.
[8] VITORELLI. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, p. 83.
[9] VITORELLI. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, p. 88.
[10] DIDIER JR.; OLIVEIRA. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela; p. 467.
[11] NEVES. Manual de direito processual civil; p. 975.
[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Precedentes qualificados: bibliografia, legislação e jurisprudência temática, p. 6. Disponível em:
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/PrecedentesQualificados.pdf. Acesso em: 20 jul. 2023.
[13] DWORKIN. Uma questão de princípio, p. 237.
[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 573232. Tribunal Pleno, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Relator p/ acórdão Min. Marco Aurélio. DJe 19 set. 2014.
[15] DIDIER JR.; JR. ZANETI. Curso de direito processual civil: processo coletivo, p. 211.
[16] DIDIER JR.; JR. ZANETI. Curso de direito processual civil: processo coletivo, p. 211.
[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1405697/MG. Terceira Turma. Relator Min. Marco Aurélio Bellizze. DJe 08 out. 2015.
[18] DIDIER JR.; JR. ZANETI. Curso de direito processual civil: processo coletivo, p. 210-213.
[19] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.325.857/RS. Segunda Seção, Relator Min. Luis Felipe Salomão. DJe 1 fev. 2022.
[20] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. IRDR nº 1.0467.13.000559-9/002. 1ª Seção Cíveç, Relator Des Alberto Vilas Boas. DJe 06 jul. 2018.
[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.438.263/SP. Segunda Seção, Relator Min. Raul Araújo. DJe 24 maio 2021.
[22] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.213.614-RJ. Quarta Turma, Relator Min. Luis Felipe Salomão. DJe 1 out. 2015. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência, n. 572, Brasília, 11 nov. 2015, p. 20. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/informjurisdata/issue/view/636/showToc. Acesso em: 20 jul. 2023.
[23] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0000.19.079529-4/002. 18ª Câmara Cível, Relator Des. Baeta Neves. DJe 21 set. 2021.
Bacharel em Direito, graduado pela Escola Superior Dom Helder Câmara, em 2012. Já atuou como assistente judiciário e, desde 2013, atua como assessor judiciário. Aprovado para o cargo de Defensor Público Substituto no IV Concurso da Defensoria Pública do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Pedro Martins. A relação entre o processo coletivo e os precedentes qualificados: um estudo sobre a evolução conceitual e a legitimação ativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2023, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63653/a-relao-entre-o-processo-coletivo-e-os-precedentes-qualificados-um-estudo-sobre-a-evoluo-conceitual-e-a-legitimao-ativa. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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