THIAGO GONÇALVES COSTA [1]
(coautor)
RESUMO: O acordo de não persecução penal é um mecanismo inserido no contexto da Justiça Negocial Criminal, inicialmente regulamentado pela Resolução n° 181/2017 do CNJ, no entanto, ganhou notoriedade com o advento da Lei n° 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), podendo ser definido como um ajuste passível de celebração entre os polos antagônicos de um processo penal cujo objetivo é evitar a persecução penal em troca da renúncia de alguns direitos por parte do imputado. Porém, um dos requisitos para a sua celebração é a exigência da confissão formal e circunstanciada do investigado, motivo este que denota uma afronta, sob a perspectiva do direito processual penal e constitucional, a um dos princípios norteadores do ordenamento jurídico, a presunção de inocência.
Palavras-chave: acordo, persecução, presunção, inocência
ABSTRACT: The criminal non-prosecution agreement is a mechanism inserted in the context of Criminal Negotiation Justice, initially regulated by CNJ Resolution No. 181/2017, however, it gained notoriety with the advent of Law No. 13.964/2019 (“Anti-Crime Package”), which can be defined as an agreement that can be concluded between the antagonistic poles of a criminal process whose objective is to avoid criminal prosecution in exchange for the waiver of some rights by the accused. However, one of the requirements for its celebration is the formal and detailed confession of the person being investigated, a reason that denotes an affront, from the perspective of criminal and constitutional procedural law, to one of the guiding principles of the legal system, the presumption of innocence.
Keywords: agreement, prosecution, presumption, innocence.
Sumário: Introdução. 1. Conceito e fundamentos do Acordo de Não Persecução Penal: O que é o acordo de não persecução penal, sua importância no Direito Penal brasileiro e os fundamentos constitucionais e legais que o respaldam. 1.1 Conceitos e natureza do ANPP. 1.2 A importância do ANPP para o ordenamento brasileiro. 1.3 Os critérios e requisitos para celebração do ANPP. 2. Os limites e alcances do Acordo de Não Persecução Penal. 2.1 Os limites. 2.2 Os alcances. 3. Considerações acerca do Princípio da Presunção de Inocência. 4. A divergência do ANPP frente ao princípio da Presunção de Inocência. Conclusão. Referências Bibliográficas.
A justiça negocial criminal é um mecanismo que surge como uma resposta à morosidade estatal com relação a persecução penal, nesse sentido, houve a necessidade da criação de institutos que têm como características a supressão de fases ou da totalidade do processo em troca da renúncia de prerrogativas constitucionais. É importante frisar que o conceito basilar deste mecanismo é a participação entre os polos antagônicos de um processo, a acusação (figurada pelo Ministério Público) e a Defesa (figurada pelo Réu), pela aceitação de um acordo de cooperação no âmbito processual, que cumprido todos os requisitos existentes, resulta no ganho de determinados benefícios, como a suspensão do processo, redução de pena e demais quesitos, neste diapasão, é possível mencionar alguns destes acordos, quais sejam: Transação Penal; SUSPRO (Suspensão Condicional do Processo), ambas objetos da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), Acordo de Leniência, Colaboração Premiada e o tema central desta obra, Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
O ANPP (acordo de não persecução penal) é um instituto da justiça criminal negocial que ganhou notoriedade no ordenamento jurídico com o advento da Lei 13.964/19, popularmente conhecida como ‘Pacote Anticrime’, no entanto, já havia prévia menção ao referido mecanismo negocial penal na Resolução 181/17 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Considerando que o ANPP possui uma carga negocial, em decorrência da sua natureza, (VASCONCELLOS, 2022, p.15) define o instituto da seguinte maneira “o ANPP é uma espécie de barganha em termos estritos”[2].
Além disso, trata-se de um procedimento em que há uma redução de fases processuais ou impede que haja o início de um processo contra o imputado ou aplicação de uma sansão mais rígida, em troca da renúncia de prerrogativas fundamentais (tais como, direito ao contraditório, ao silêncio, processo e prova, entre outros) que o protege frente ao exercício imperioso do poder estatal, para a congruência com a pretensão acusatória do Estado, ao aceitar as condições impostas. Vale ressaltar que a costura deste acordo é um poder-dever do Ministério Público, ou seja, quem tem a autoridade para propor este, é o órgão ministerial.
Em decorrência disto, surgem diversas questões controversas sobre o ANPP que são objetos de debate nas searas doutrinária, jurisprudencial e acadêmica, com relação às divergências entre o acordo e os princípios constitucionais, como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa e em especial o princípio da presunção de inocência, disposto no art. 5º, LVII, CF/88 e determina o seguinte “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Neste sentido, ao analisar a estrutura deste mecanismo negocial criminal, é possível dizer que existe uma supressão parcial de direitos, de forma determinada em lei, motivo pelo qual o instituto é objeto de diversas discussões, inclusive figurando em julgamentos nas cortes superiores, onde é evidenciado o caráter controverso com as garantias constitucionais.
Portanto, compreender a divergência constitucional do Acordo de Não Persecução Penal frente aos princípios constitucionais, entre eles a Presunção de Inocência, é um desafio importante para a comunidade jurídica, tendo em vista a complexidade do assunto. A implementação desse instituto foi uma importante mudança no sistema penal brasileiro, possibilitando a celebração de acordos entre o Ministério Público e os acusados em determinados casos, garantindo a celeridade processual e a sobrecarga no sistema judiciário. Embora o ANPP possa representar uma alternativa para a resolução mais rápida e eficaz de processos penais, alguns questionamentos surgem sobre a sua compatibilidade com os princípios constitucionais mencionados alhures. Afinal, em um dos pontos mais divergentes com o texto constitucional e que será discutido doravante, é o fato de que para a celebração desse acordo, é pressuposto uma espécie de confissão por parte do acusado e um comprometimento com uma sansão alternativa, sem que haja a devida defesa dentro do processo e demais atos processuais.
Diante desse contexto, o presente trabalho busca analisar a divergência constitucional do Acordo de Não Persecução Penal frente aos princípios constitucionais, especialmente com o princípio da Presunção de Inocência, com o objetivo de avaliar se esse acordo é compatível com a Constituição Federal. O problema de pesquisa, portanto, será: "Qual a divergência constitucional do Acordo de Não Persecução Penal frente ao Princípio da Presunção de Inocência e como essa divergência pode ser solucionada?" Esse problema será abordado ao longo do trabalho, a fim de analisar os aspectos jurídicos e constitucionais envolvidos na celebração do acordo e propor soluções para a resolução das divergências. Assim, faz-se necessário realizar uma análise profunda das disposições constitucionais e legais que permeiam o Acordo de Não Persecução Penal, buscando identificar as divergências com o Princípio da Presunção de Inocência e avaliar a possibilidade de soluções para essas questões.
Dessa forma, é preciso considerar que a implementação do ANPP trouxe importantes mudanças para o sistema penal brasileiro, e a análise de sua compatibilidade com o princípio da presunção de inocência é uma questão relevante para a comunidade jurídica e para a sociedade como um todo. Portanto, é essencial que o debate em torno dessa temática seja aprofundado, com base em fundamentos jurídicos e constitucionais sólidos, para que se possa avaliar a viabilidade e os limites desse instrumento jurídico.
2.Conceito e fundamentos do Acordo de Não Persecução Penal: O que é o acordo de não persecução penal, sua importância no Direito Penal brasileiro e os fundamentos constitucionais e legais que o respaldam.
2.1 Conceitos e natureza do ANPP
Conforme mencionado alhures, o ANPP é um dos mecanismos que compõem a justiça negocial criminal, o qual é caracterizado por um acordo celebrado entre a acusação e defesa, em que o imputado abre mão de direitos fundamentais – por exemplo, direito ao processo, ao silêncio, ao contraditório, à presunção de inocência, e demais – para submeter-se a pretensão acusatória acordada, resultando na confissão e em decorrência disto, a incidência de uma sanção alternativa, mais branda ou supressão de fases processuais, com o intuito de esvair-se de uma sentença condenatória e seus efeitos penais e extrapenais.
No que tange esse binômio renúncia/benefício, há de se destacar que existem concessões de ambos os polos, nesse sentido, durante voto proferido pelo Excelentíssimo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Rogério Schietti, durante julgamento do Habeas Corpus Nº 657165, cujo qual foi o relator, expõe mais esta relação:
Na verdade, o novel instituto traz benefícios tanto ao investigado quanto ao Estado, visto que ambos renunciaram a direitos ou pretensões em troca de alguma vantagem: o Estado renuncia a obter uma condenação penal, em troca de antecipação e certeza da resposta punitiva; o réu renuncia a provar sua inocência, mediante o devido processo legal (com possibilidade de ampla defesa, contraditório e direitos outros, como o direito ao duplo grau de jurisdição), em troca de evitar o processo, suas cerimônias degradantes e a eventual sujeição a uma pena privativa de liberdade. De fato, essa solução negociada de processos acaba por implicar, de modo positivo, a efetividade de diversos princípios ou vetores processuais (v.g. celeridade, economia, eficiência e proporcionalidade), ainda que com sacrifício de outros (busca da verdade, presunção de inocência, contraditório e ampla defesa). STJ - HABEAS CORPUS Nº 657165 – RJ. Rel. Min. Rogério Schietti, j. 09.08.2022
Outro ponto sobre o ANPP é com relação ao seu nome, muito embora tenha a terminologia ‘não persecução’, pode surgir a ideia de que em o acordo não resulte em uma efetiva persecução, no entanto, por geralmente ser proposto antes do oferecimento da denúncia, ou seja, logo após o encerramento da fase de investigação, a proposta é apresentada durante uma das fases da persecução penal. Além disso, ainda que não tenha uma aplicação de pena, em sentido estrito, as sanções alternativas possuem um caráter equivalente, o que afasta qualquer pensamento no sentido de que há um afastamento da persecução penal por inteiro, além da ideia de não punição.
Logo, ao analisarmos esta relação mútua é possível determinar a natureza do instituto, o qual figura como um mecanismo de auxílio processual, cujo objetivo é dinamizar o exercício da jurisdição penal através de uma maneira consensual que resulte em uma célere resposta ao comportamento criminoso, caracterizada pela atenuação da obrigatoriedade da ação penal, visto que o Ministério Público é o titular desta, ensejando na redução das demandas criminais. Outrossim, seguindo esta linha de raciocínio sobre o fato do Parquet possuir o poder-dever do instituto, é de extrema importância frisar que com relação a natureza de negócio jurídico que o instituto possui, não é cabível dizer que o ANPP possa ser um direito subjetivo do imputado, uma vez que, segundo entendimento firmado pelas Cortes Superiores “esse novo sistema acusatório de discricionariedade mitigada não obriga o Ministério Público ao oferecimento do acordo de não persecução penal[3], nem tampouco garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realiza-lo”[4], ou seja, com relação a obrigatoriedade da propositura do acordo, é necessário que respeite a autonomia funcional do órgão ministerial, desde que seja observado os limites desta atuação.
Ademais, para que haja a propositura deste acordo, é necessário que esteja presente alguns requisitos, os quais Guilherme de Souza Nucci (2023) brevemente menciona: “Esse acordo pode ser realizado, por proposta do Ministério Público, se o investigado tiver confessado formal e detalhadamente a prática do crime, sem violência ou grave ameaça à pessoa, com pena mínima inferior a quatro anos” (NUCCI, 2023, p. 238).
2.2 A importância do ANPP para o ordenamento brasileiro
Conforme discutido anteriormente, a justiça negocial criminal é pautada em diversos princípios auxiliadores do processo, neste tópico, iremos discorrer sobre o ANPP e sua ligação com a celeridade processual e a importância desta relação para o ordenamento jurídico. É sabido que a Constituição assegura a todos o direito de ter um processo cuja duração deva ser razoável[5], no entanto, diante dos diversos problemas que existem nos vários níveis das entidades judiciárias do país, a morosidade é algo que afeta severamente a efetividade da Justiça brasileira, fazendo com que em determinados casos não haja a efetiva aplicação do princípio supramencionado.
Segundo dados do Justiça em Números (2022) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o tempo de tramitação médio de um processo, excluídas as execuções penais, corresponde a 5 anos e 9 meses e o acervo de demandas criminais no país oscila entre 5,3 e 5,5 milhões de autos. Neste sentido, é nítido que o atraso em uma resposta as demandas, motivo pelo qual ocasiona na ineficácia do processo penal.
Ainda sobre a morosidade, a demora na efetiva prestação jurisdicional gera problemas para ambas as partes, de modo que descredibiliza toda a atuação do sistema judiciário. Em contrapartida, o ANPP surge como uma das alternativas existentes para contornar tal situação, pois ao haver o engendramento de um mecanismo para que haja a supressão de determinadas fases processuais, é nítido a convergência com os princípios da economia e celeridade processual, de modo que é evitado a judicialização de casos não tão graves e/ou complexos, reduzindo significativamente o número de demandas.
3. Os critérios e requisitos para celebração do ANPP.
O acordo de não persecução penal é uma modalidade de acordo firmado entre o Ministério Público e o investigado ou acusado em um processo criminal, com a finalidade de evitar a instauração de uma ação penal ou suspender uma ação penal já em curso.
De acordo com a alteração legislativa provocada pela Lei 13.964/19, o art. 28-A do Código de Processo Penal dispõe sobre os casos em que existem a possibilidade de propositura de acordo, neste sentido, o ANPP pode ser celebrado nos casos em que o investigado ou acusado confessar formal e circunstanciadamente a prática do crime, com a finalidade de obter uma redução da pena ou mesmo a sua substituição por medidas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade, a realização de cursos ou tratamentos médicos, entre outras.
Para a celebração do acordo de não persecução penal, além da confissão, outros requisitos podem ser exigidos, cujos quais podemos ver nos tópicos a seguir:
a. Confissão formal e circunstanciada da prática do crime pelo investigado ou acusado;
b. Colaboração efetiva e voluntária do investigado ou acusado com a investigação ou o processo, desde que dessa colaboração resulte um ou mais dos seguintes resultados: a identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, a localização da vítima com a sua integridade física preservada, a recuperação total ou parcial do produto do crime, ou a identificação da infração penal objeto da investigação;
c. Inexistência de circunstâncias que demonstrem que o investigado ou acusado representa periculosidade concreta para a sociedade;
d. Quando necessário, reparação do dano causado pela infração penal ou a renúncia voluntária de bens ou valores obtidos ilegalmente.
Os critérios e requisitos podem variar em cada caso, sendo que o promotor ou procurador responsável pela negociação do acordo avaliará a adequação de cada requisito em relação às circunstâncias específicas do caso em questão.
Em geral, a finalidade do acordo de não persecução penal é oferecer uma alternativa à persecução penal, ou seja, à continuidade do processo criminal. A celebração do acordo pode trazer benefícios tanto para o investigado ou acusado, que pode evitar a condenação penal e suas consequências negativas, como para o Estado, que pode economizar recursos e agilizar a solução do caso. Além disso, o oferecimento do acordo pode ser benéfico para a sociedade como um todo, uma vez que permite que os recursos públicos sejam direcionados para a solução de outros casos criminais mais graves e relevantes.
4. Os limites e alcances do Acordo de Não Persecução Penal:
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) tem sido reconhecido como um mecanismo valioso para agilizar a justiça criminal e aliviar a sobrecarga do sistema judiciário brasileiro. No entanto, é crucial estabelecer limites claros para sua aplicação, a fim de garantir a conformidade com os princípios constitucionais e evitar abusos.
Um dos limites essenciais a serem considerados é a presunção de inocência. O ANPP requer que o acusado confesse formal e detalhadamente a prática do crime, mas é imperativo garantir que essa confissão seja voluntária e não resulte em violação desse princípio fundamental. É necessário estabelecer salvaguardas para prevenir qualquer forma de coerção ou pressão indevida sobre o acusado, assegurando que sua decisão de aceitar o acordo seja baseada em seu livre arbítrio. Além disso, a proporcionalidade deve ser respeitada na aplicação do ANPP. É fundamental estabelecer critérios claros para determinar a gravidade do crime e a correspondente sanção alternativa proposta, a fim de evitar arbitrariedades e desigualdades na aplicação do acordo. A pena alternativa proposta deve ser adequada ao crime cometido, garantindo-se que o acordo seja justo e proporcional.
A restrição da aplicação do ANPP a certos tipos de crimes também é um limite importante a ser considerado. Crimes de maior gravidade, como crimes contra a vida, corrupção e crimes hediondos, devem ser criteriosamente avaliados quanto à possibilidade de celebrar o acordo. A natureza e as circunstâncias do crime, bem como o interesse público na persecução penal, devem ser levados em conta ao determinar a viabilidade do ANPP em casos mais graves.
Não podemos negligenciar a importância das garantias processuais no contexto do ANPP. É imprescindível que o acusado tenha acesso à ampla defesa e ao contraditório, mesmo durante as negociações do acordo. Medidas devem ser adotadas para garantir que o acusado seja devidamente informado sobre seus direitos e possa exercê-los adequadamente, incluindo a assistência de um advogado durante todo o processo.
Ao estabelecer esses limites, garantiremos que o ANPP seja uma alternativa justa e equilibrada dentro do sistema penal brasileiro. A aplicação criteriosa desses limites assegurará que os direitos e garantias constitucionais dos acusados sejam preservados, ao mesmo tempo em que se aproveita os benefícios de agilidade, redução do encarceramento, oportunidades de ressocialização, eficiência na utilização de recursos e resolução consensual que o ANPP pode oferecer.
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) tem se mostrado um mecanismo promissor no sistema de justiça criminal brasileiro, trazendo consigo uma série de alcances significativos. Com o objetivo de agilizar os processos, reduzir a sobrecarga do sistema judiciário e oferecer uma alternativa consensual à persecução penal tradicional, o ANPP tem sido amplamente adotado.
Um dos principais alcances do ANPP é a agilidade processual. Ao permitir que casos criminais sejam resolvidos de forma mais célere, evitando a necessidade de um processo completo e prolongado, o ANPP contribui para a celeridade da justiça criminal. Essa agilidade é particularmente importante em casos de menor complexidade, nos quais a celebração do acordo possibilita uma resposta rápida à prática criminosa, reduzindo significativamente o tempo e os recursos envolvidos no processo. Não tão somente, o ANPP representa uma mudança de paradigma na forma como os casos criminais são tratados. Ao oferecer aos acusados a possibilidade de evitar um julgamento formal, o acordo promove a resolução consensual do conflito. Isso possibilita que as partes envolvidas participem ativamente do processo de negociação, buscando uma solução que atenda aos interesses de todos. Essa abordagem colaborativa fortalece a noção de justiça restaurativa, em que a reparação do dano e a reintegração do infrator à sociedade são valorizadas.
Outro alcance relevante é a redução da sobrecarga do sistema judiciário. Com a celebração do ANPP, casos de menor gravidade podem ser resolvidos de forma mais ágil e eficiente, evitando a abertura de um processo completo. Isso alivia a carga de trabalho dos tribunais e promotores, permitindo que eles concentrem seus esforços em casos mais complexos e urgentes. Essa otimização na alocação dos recursos judiciais contribui para um sistema mais equilibrado e capaz de atender às demandas da sociedade.
Ademais, o ANPP promove a economia de recursos financeiros. Ao evitar a realização de um processo completo, o acordo reduz os gastos envolvidos, como custas judiciais, perícias e despesas com a manutenção de presos. Essa economia de recursos pode ser direcionada para outras áreas do sistema de justiça criminal, como investimentos em infraestrutura, capacitação de servidores e programas de prevenção à criminalidade, resultando em um sistema mais eficiente e abrangente.
Outro benefício do ANPP é a possibilidade de proporcionar uma resposta mais adequada aos interesses das vítimas. Por meio do acordo, é possível incluir medidas de reparação e compensação às vítimas, promovendo a justiça restaurativa e buscando a satisfação dos envolvidos. Isso permite uma maior participação das vítimas no processo de resolução do conflito, fortalecendo sua confiança no sistema de justiça e proporcionando uma maior sensação de justiça e reparação. Que, também, o ANPP pode contribuir para a diminuição da reincidência criminal. Ao oferecer aos acusados a oportunidade de assumir responsabilidade por seus atos e adotar medidas de ressocialização, o acordo pode auxiliar na reintegração do infrator à sociedade de forma mais rápida e efetiva. Isso é especialmente relevante em casos de menor gravidade, nos quais a privação de liberdade pode não ser a melhor solução, permitindo que o infrator receba acompanhamento e suporte para sua reinserção social.
Diante dos alcances apresentados, fica evidente que o ANPP desempenha um papel crucial na justiça criminal brasileira. Ao agilizar os processos, aliviar a sobrecarga do sistema judiciário, promover a resolução consensual dos conflitos, economizar recursos financeiros, proporcionar uma resposta mais adequada às vítimas e contribuir para a ressocialização dos infratores, o ANPP traz benefícios significativos. No entanto, é fundamental que esse mecanismo seja utilizado com cautela, estabelecendo critérios claros e garantindo a proteção dos direitos dos acusados e a segurança jurídica. A transparência e a supervisão adequada dos acordos são aspectos essenciais para evitar possíveis abusos ou arbitrariedades. Assim, o ANPP poderá contribuir efetivamente para uma justiça mais eficiente, equitativa e humana no Brasil.
5.Considerações acerca do Princípio da Presunção de Inocência
O tema do princípio da presunção de inocência é de grande importância na sistemática jurídico-brasileira, pois está diretamente relacionado à proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos. Essa proteção é essencial para garantir a dignidade da pessoa humana e a liberdade individual, valores que são fundamentais em uma sociedade democrática.
A referida garantia está disposta no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que prevê o seguinte "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Esse princípio determina que toda pessoa é considerada inocente até que seja comprovada sua culpa por meio de um processo legal, com todas as garantias do contraditório e da ampla defesa[6]. Essa garantia é fundamental para evitar abusos e excessos por parte do Estado, que não pode condenar alguém sem provas concretas e sem um julgamento justo e imparcial[7]. Sem a presunção de inocência, haveria uma inversão do ônus da prova, onde o acusado seria obrigado a provar sua inocência, o que feriria o princípio da ampla defesa e do devido processo legal.
Além da Constituição Federal, o princípio da presunção de inocência também está presente em tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos[8] e o Pacto de São José da Costa Rica. Esses tratados estabelecem padrões mínimos de proteção aos direitos humanos, garantindo que todos os indivíduos sejam tratados de forma justa e equitativa em um processo penal. É importante destacar que o princípio da presunção de inocência não significa impunidade, mas sim a garantia de que somente após um processo justo e imparcial é que alguém poderá ser condenado. Essa garantia é fundamental para a proteção da democracia e do Estado de Direito. Em resumo, o princípio da presunção de inocência é um pilar do sistema jurídico brasileiro, que tem por objetivo garantir a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos e evitar abusos e excessos por parte do Estado. Sua importância é reconhecida tanto pela Constituição Federal quanto por tratados internacionais, e sua aplicação é essencial para a proteção da democracia e do Estado de Direito.
Outro ponto importante a ser mencionado é que o princípio da presunção de inocência também protege contra prisões arbitrárias e ilegais, evitando que pessoas sejam detidas sem uma acusação formal e sem que tenha havido um julgamento justo e imparcial. Nesse sentido, a presunção de inocência é uma garantia fundamental para a proteção dos direitos humanos e para o Estado de Direito.
Além disso, o referido princípio é aplicável não apenas no âmbito do processo penal, mas também em outras esferas, como no campo administrativo e tributário. Isso significa que toda pessoa deve ser tratada como inocente até que seja comprovada a sua culpa em qualquer processo legal.
Ainda, é importante ressaltar que a presunção de inocência não é uma garantia absoluta e pode ser afastada em casos excepcionais, como por exemplo, em flagrante delito ou em situações em que exista uma forte presunção de autoria do crime. Contudo, mesmo em tais situações, é necessário que haja um processo justo e imparcial para comprovar a culpa do acusado.
Em síntese, o referido princípio é uma garantia fundamental para a proteção dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e do Estado de Direito. Ele é respaldado pela Constituição Federal e por tratados internacionais, e deve ser aplicado em qualquer processo legal, assegurando que toda pessoa seja tratada como inocente até que se prove o contrário.
Noutro lado, o respeito ao princípio da presunção de inocência também é importante para garantir a equidade no tratamento dos indivíduos perante o sistema penal. Se essa garantia não fosse observada, poderíamos ter situações em que pessoas de determinadas classes sociais ou grupos minoritários seriam mais facilmente condenadas, enquanto outras pessoas com recursos financeiros ou poder político teriam mais facilidade em provar sua inocência. O princípio da presunção de inocência também é fundamental para a proteção dos direitos humanos e a manutenção do Estado democrático de direito. Em um regime autoritário ou ditatorial, os acusados muitas vezes eram considerados culpados antes mesmo de um julgamento justo e imparcial. Isso poderia levar a prisões arbitrárias, tortura e outras violações dos direitos humanos.
Por fim, é importante lembrar que o princípio da presunção de inocência não significa que o acusado não possa ser preso durante o processo. Em casos excepcionais, como nos crimes hediondos, por exemplo, a prisão preventiva pode ser decretada. No entanto, a prisão preventiva deve ser uma medida excepcional e devidamente justificada, sempre respeitando os direitos fundamentais do acusado.
6.A divergência do ANPP frente ao princípio da Presunção de Inocência
É evidente a importância do ANPP para o ordenamento jurídico sob o prisma da celeridade processual e auxílio ao sistema jurídico nacional, no entanto, embora seja dotado de certa influência, existe alguns requisitos para a sua propositura que são objeto de discussão, especialmente, no que tange a literalidade da lei, o fato de ser requisitado uma confissão formal e circunstancial do imputado, uma vez que denota desnecessidade e inconstitucionalidade.
Em um aspecto geral, os acordos que são objetos da justiça negocial criminal são duramente criticados por abdicarem do caráter negocial, e com o acordo não persecutório não seria diferente, pois de certa forma há uma imposição unilateral da vontade estatal, tendo em vista que resta ao beneficiado aceitar os termos pré-existentes e formalizados, motivo este que indica uma divergência com a característica negocial destes institutos.
Ao exigir a confissão como requisito para que haja a barganha entre os figurantes do processo, é possível visualizar uma afronta diversos princípios constitucionais, especialmente a violação ao direito de não produzir provas contra si mesmo[9] e ao princípio da presunção de inocência, objeto de discussão central desta obra. Com relação à primeira violação, o inciso LXIII do art. 5° da Constituição Federal dispõe o seguinte: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”, ou seja, o referido dispositivo assegura o direito ao silêncio e a defesa técnica. Outrossim, é mister citar a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) em sua alínea ‘g’, inciso II, art. 8º garante a todo acusado o “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem declarar-se culpada”.
Diante dos argumentos expostos acima, é possível perceber que a exigência da confissão vai de encontro a estes direitos previstos tanto na constituição, quanto em acordos internacionais, vale lembrar que o Brasil é signatário neste acordo e que ele possui equivalência à norma constitucional por tratar de direitos humanos.
No que concerne ao segundo princípio, este sendo mais importante para a presente discussão, a violação ocorre especialmente quanto ao seu conteúdo tridimensional, isto é, a sua manifestação como norma de tratamento, visto que a imposição de culpa só pode ocorrer com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; regra probatória, tendo em vista que o ônus da prova em regra cabe à acusação, e regra de juízo, pois devem ser observados o princípio do in dubio pro reo e o standard probatório.
Além disso, não há a devida análise na declaração de culpa presente na confissão, uma vez que não há a discussão de mérito, neste diapasão, é possível vislumbrar a divergência com o disposto na CADH, bem como, com os princípios do devido processo legal e da presunção de inocência, ante a confissão de culpa e sua consequente antecipação a uma fase pré-processual sem que fosse esgotado todos os atos para provar a inocência do beneficiado, inexistindo assim uma sentença condenatória.
Nesta toada, é perceptível a manifestação de inconstitucionalidade material do referido item, uma vez que, existe um requisito para a propositura do acordo que é incompatível com princípios constitucionais, mencionados alhures.
O acordo de não persecução penal é instituto processual que trouxe uma nova alternativa ao exercício da pretensão estatal, haja vista a sua atuação como uma espécie de medida despenalizadora com enfoque na atuação negocial, ademais, possui uma relação harmônica com a celeridade processual e demais prerrogativas, no entanto, este novel mecanismo necessita de demais transformações para que possa figurar perante um ordenamento jurídico cujas premissas basilares provém de um Estado Democrático de Direito, uma vez que os moldes exigidos para a sua fixação são objeto de discussão entre os operadores do Direito, ante a divergência com os princípios constitucionais, sobretudo a presunção de inocência.
Conforme expressa disposição do art. 28-A do CPP, a exigência da confissão formal e circunstanciada é uma afronta ao princípio constitucional supramencionado, ainda que a sua falta não denote motivo suficiente para a recusa da oferta[10], isto ocorre devido a antecipação de culpa para que possa ser obtida uma espécie de ‘benevolência’ do ente estatal, tendo em vista o receio em uma eventual condenação, fragilizando ainda mais a posição do investigado em um processo penal.
Portanto, em razão das diversas incongruências expostas, percebe-se que é necessária uma adequação ao ANPP para que este possa ter uma relação harmônica com os princípios constitucionais, em especial a presunção de inocência.
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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 657.165. 6ª Turma, Relator: Min. Rogério Schietti Cruz, Data de Julgamento: 09/08/2022.
[1] Acadêmico de Direito na Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH). Email: [email protected]
[2] Ao conceituar o ANPP desta maneira, o autor divide o conceito em duas formas, uma mais abrangente e outra mais restritiva. Com relação ao primeiro, é pelo fato de tratar-se de um facilitador da persecução penal por meio de um acordo ou conforme o autor menciona em sua obra, uma barganha. No que tange ao segundo conceito, o termo ‘barganha’ confere aos acordos, de uma maneira ampla, uma característica de especificidade, pois existe a renúncia de prerrogativas constitucionais, mediante o aceite da proposta e a consequente colaboração com a acusação, em troca dos benefícios provenientes do determinado negócio criminal.
[3] Entendimento construído a partir da análise jurisprudencial do seguinte caso: STF, RHC 161.251, 5ª Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 10.05.2022
[4] STF, HC 191.124 AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 08.04.2021
[5] A prerrogativa constitucional em questão está disposta no inciso LXXVIII, do art. 5º, CF/88 e determina o seguinte: LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação
[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559774944. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559774944/. Acesso em: 11 mai. 2023.
[7] Neste sentido, Clever Vasconcelos leciona convergindo para a mesma linha de raciocínio “Está intrinsecamente ligado à garantia do devido processo legal, na medida em que proíbe a condenação de qualquer pessoa, se não observadas as premissas básicas que norteiam um processo devido, com observância dos ditames da justiça. (VASCONCELOS, Clever. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022. p. 179.)
[8] Art. 11 - 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
[9] SILVA, José C. F.; Reis Debora C. F.; Klinsmann A. R. F. Inconstitucionalidade material da confissão no acordo de não persecução penal. Revista da Escola Superior do Ministério Público do Ceará, a. 12, n. 2, p. 81-97, jul./dez. 2020.
[10] STJ, HC 657.165, 6ª Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 09.08.2022.
Atualmente, graduando em Direito pela Faculdade da Saúde de Ecologia Humana (FASEH) e estagiário de graduação pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Leandro Lucas Alves. Da Inconstitucionalidade do Acordo de Não Persecução Penal face à Violação ao Princípio da Presunção de Inocência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2023, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63735/da-inconstitucionalidade-do-acordo-de-no-persecuo-penal-face-violao-ao-princpio-da-presuno-de-inocncia. Acesso em: 23 nov 2024.
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