Resumo: primando pela primazia do julgamento do mérito, bem assim pela efetividade do processo, a edição do novo Código de Processo Civil, publicizado por meio da Lei n. 13.105/2015, trouxe inúmeras alterações procedimentais no contexto normativo que, até então, regulamentava o exercício do direito de ação, do contraditório e da ampla defesa. No elenco das modificações introduzidas, vale destacar a possibilidade da parte apelada, por meio da sua peça de resposta recursal, veicular matérias discutidas no curso da fase de conhecimento, mas não abarcadas pelo instituto da preclusão, tampouco passíveis de impugnação por agravo de instrumento. Nessa ordem de ideias, busca-se compreender a estrutura da dinâmica recursal hoje vigente no contexto do recurso de apelação, especialmente no que toca à natureza jurídica das contrarrazões recursais, enquanto uma mera petição de resposta ou como um recurso próprio de natureza subordinada.
Palavras-chave: Recurso de apelação. Novo Código de Processo Civil. Contrarrazões recursais. Natureza jurídica.
Abstract: Striving for the primacy of the judgment on the merits, as well as for the effectiveness of the process, the enactment of the new Code of Civil Procedure, published through Law No. 13.105/2015, brought numerous procedural changes in the normative context that, until then, regulated the exercise of the right of action, the adversarial process and the full defense. In the list of modifications introduced, it is worth highlighting the possibility for the appellant, through its appellate response, to convey matters discussed in the course of the cognizance phase, but not covered by the institute of estoppel, nor subject to challenge by interlocutory appeal. In this vein, we seek to understand the structure of the appellate dynamics currently in force in the context of the appeal, especially with regard to the legal nature of the appellate counter-arguments, as a mere petition for response or as a self-appeal of a subordinate nature.
Keywords: Appeal. New Code of Civil Procedure. Counter-arguments. Legal nature.
Sumário: Introdução. 1. Noções gerais. 2. Requisitos de admissibilidade. 3. Efeitos decorrentes da interposição. 4. Contrarrazões recursais: origem, noções conceituais e natureza jurídica. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A prática forense informa que a busca por um provimento jurisdicional face a uma relação jurídica deduzida em juízo não traz como consectário, em regra, o conformismo de ambas as partes com o resulto meritório obtido; e é neste compasso - frente ao inconformismo -, que se busca a reapreciação das matérias decididas em um primeiro juízo cognitivo por meio de um recurso dirigido a órgão hierarquicamente superior e de composição colegiada.
Dentre o rol do artigo 994 do Código de Processo Civil, cabe destacar o recurso de apelação como base de impugnação das sentenças de primeiro grau, buscando especialmente a reforma ou a invalidação desta.
O recurso de apelação se encontra pormenorizado nos artigos 1.009 a 1.014 do Código de Processo Civil e apesar de ter conservado sua estrutura normativa à luz da Lei n. 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), passou por modificações sensíveis na aferição do contraditório.
Com efeito, a atual estrutura argumentativa da resposta ao recurso de apelação interposto permite, ao apelado, o exercício de verdadeira manifestação de insurgência primária, a partir do questionamento de matérias decididas pelo juízo de primeiro grau, mas não acobertadas pela preclusão e insuscetíveis de questionamento por meio do recurso de agravo de instrumento. É a dicção do disposto no art. 1.009, §1º, do já citado novo Código de Processo Civil.
Assim, o presente estudo científico pretende promover a análise das alterações promovidas pela nova legislação instrumental no que toca, sobretudo, à natureza jurídica das contrarrazões recursais, passando, por óbvio, por noções conceituais básicas e propedêuticas da seara recursal.
O presente estudo se desenvolveu com auxílio de pesquisa bibliográfica e da análise da jurisprudência mais atualizada a respeito da temática discutida.
1 NOÇÕES GERAIS
Os recursos são meios de impugnação postos à disposição das partes litigantes para que estas possam, ao exercer o seu inconformismo, buscar a melhor solução para a lide, aperfeiçoando a discussão deduzida em juízo e ampliando o âmbito da análise argumentativa.
É comum que, em uma relação em que prepondera o conflito de interesses, a parte que se sinta prejudicada com a decisão objetive a revisão desta. Assim, com o intuito de evitar abusos e desvio de poder, além de assegurar que o princípio da segurança jurídica seja salvaguardado, a lei instrumental oferece à parte a chance de uma revisão da decisão por outra autoridade e, caso seja verificado que o seu direito foi violado, seja aquela modificada, reformada, esclarecida ou até mesmo invalidada.
O doutrinador Nelson Nery Junior (2004) conceitua o instituto do recurso como sendo:
O meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada. [NELSON NERY, 2004]
Dentre aqueles expostos no rol recursal veiculado pelo artigo 994 do Código de Processo Civil, destaca-se o recurso de apelação como sendo aquele interposto em face de sentença proferida por juiz de primeiro grau, buscando a reforma ou invalidação da referida decisão que põe fim à fase cognitiva. Nesse sentido, determina o artigo 1.009 do Código de Processo Civil: “da sentença cabe apelação”, não importando, pois, a carga decisória dela constante - se com ou sem resolução do mérito -.
A parte pede a reforma da sentença quando acredita que nesta decisão há "error in judicando" (erro do magistrado ao analisar a lide). O pedido de reforma pode ser total ou parcial. Se a parte impugna toda a decisão, é total; se impugna apenas alguns pontos, é parcial. A reforma da decisão possui caráter substitutivo, visto que o acórdão do tribunal substitui a sentença de 1º grau.
Já a invalidação ou anulação da sentença ocorrerá quando nesta decisão existir "error in procedendo" (erro na forma/estrutura da decisão). Assim são definidos os casos em que o tribunal não possui, a rigor, aptidão para simplesmente reformar a sentença, uma vez que deve remeter os autos novamente ao juiz de primeiro grau para prolação de uma nova decisão.
Segundo Alexandre de Freitas Câmara (2011):
O prazo para interposição da sentença é de 15 dias, nos termos do artigo 508 do CPC, para isto o prazo deve ser contado a partir da data de intimação da sentença (a qual poderá ser feita através de audiência de instrução e julgamento ou através do Diário Oficial) segundo disciplina o artigo 184 do Código de Processo Civil. [ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, 2011]
Em uma verdadeira virada procedimental, o Código de Processo Civil de 2015 não mais atribuiu ao juízo de primeiro grau o dever de promover um prévio juízo de admissibilidade do apelo. Em verdade, determina que, cumpridas as formalidades definidas em lei, os autos deverão ser remetidos ao juízo hierarquicamente superior independentemente de prévio juízo de admissibilidade, conforme art. 1.010, §3º do sobredito Codex.
2 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
Assim como os demais recursos constantes do rol do artigo 994 do Código de Processo Civil, a apelação possui uma série de requisitos gerais de admissibilidade, os quais devem ser satisfeitos como forma de se viabilizar o pleno exame das razões de interposição.
Nos termos do artigo 1.003, §5º, do Código de Processo Civil, a apelação deve ser interposta no prazo de quinze dias. Tal prazo, conforme o “caput” do art. 1.003 será deflagrado a partir da data em que os advogados, a Defensoria Pública e/ou o Ministério Público forem intimados da decisão. É o requisito formal que avalia o exercício tempestivo do inconformismo das partes.
A petição recursal deve ser dirigida ao órgão “a quo” (juízo recorrido), que, a partir disso, deverá viabilizar o contraditório, abrindo espaço para manifestação da parte adversa na relação processual-recursal, o que poderá ser instrumentalizado por meio das contrarrazões recursais (a serem apresentadas em prazo similar àquele ofertado para a interposição do recurso).
O exercício da insurgência ainda demanda o pagamento das despesas processuais correlatas, na forma do art. 1.007 do Código de Processo Civil, as quais serão dispensadas no caso de recurso apresentado pelo Ministério Público, pelos Entes Federados e suas respectivas autarquias, além daqueles que gozarem de isenção legal (art. 1.007 do CPC).
A parte recorrente deve ter legitimidade para explanar seu inconformismo - isto é, deve ter sido sucumbente em algum aspecto da demanda -, o que o fará por meio do recurso legalmente determinado para sua situação (em salvaguarda ao princípio da unirrecorribilidade recursal).
Por fim, a relação jurídico-processual deve evidenciar a inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao direito de recorrer, enquanto requisito negativo de admissibilidade que impacta diretamente na possibilidade de exercício da vontade recursal ou mesmo na viabilização do julgamento da insurgência.
3 EFEITOS DECORRENTES DA INTERPOSIÇÃO
Grande parte da doutrina tradicional identifica, em relação à interposição de recursos, a ocorrência de dois principais efeitos dela decorrentes: os efeitos devolutivo e suspensivo. O primeiro, existente em todas as modalidades recursais do nosso ordenamento jurídico, consiste, sumariamente, na devolução do conhecimento ao órgão ad quem da matéria impugnada em sede de razões recursais, a fim de que se possa proceder ao seu reexame. Já no que tange ao segundo efeito, por meio dele se busca impedir a eficácia satisfativa da decisão, até a superveniência do julgamento do recurso.
Essa subdivisão, contudo, não encerra as perspectivas que se sobrelevam com o manejo dos recursos, uma vez que os efeitos já apresentados se referem, preponderantemente, a interposição dos recursos e as consequências relativamente à decisão recorrida. Desta feita, merecem ser referenciados oportunamente, além dos transcritos acima, os efeitos translativo, expansivo e regressivo, os quais são inerentes a determinadas espécies de recursos.
No que tange à profundidade do recurso de apelação, consagrada no §1º do artigo 1.013, podemos referenciar que o efeito devolutivo devolverá ao conhecimento do órgão ad quem não somente aquilo que foi decidido pelo juízo monocrático e impugnado pela parte recorrente, mas todas as questões discutidas e ventiladas nos autos.
Segundo os ensinamentos de Marcus Vinicius Rios Gonçalves[1]: “é como se em relação aos fundamentos e às questões discutidas, o órgão ad quem se colocasse na posição de órgão ad quo, devendo examinar todos aqueles que foram suscitados”, ou seja, o órgão de segundo grau pode, inclusive, proceder à análise de fundamentos não observados pelo juízo de primeiro grau, especialmente os fundamentos ventilados pelas partes em suas respectivas alegações recursais.
Analisando os demais efeitos decorrentes do manejo recursal, cabe tecer comentários acerca do efeito suspensivo, de que, em regra, é dotada a apelação. O efeito suspensivo é caracterizado como adjetivo que dispõem alguns recursos para obstar a plena eficácia da decisão guerreada. A doutrina de Marcos Vinicius Rios Gonçalves (acima referenciada) nos informa que a suspensividade da decisão existe desde que haja a mera expectativa de interposição do recurso de apelação, ou seja, proferida e publicada a sentença, no interstício temporal de quinze dias - prazo para interposição do recurso de apelação - não poderá haver execução da referida decisão, haja vista a potencialidade da sustação da sua eficácia mediante a interposição de incidente recursal dotado do adjetivo suspensivo. Ou seja, depreende-se que a suspensão ocorre desde o momento em que se vislumbra a possibilidade potencial de manejo de recurso dotado de efeito suspensivo. Infere-se, assim, inicialmente, que, recebido o recurso de apelação em seu efeito suspensivo, a sentença recorrida pode ser considerada como mera declaração de situação jurídica, uma vez que não irradia seus efeitos no mundo jurídico até que seja julgado o recurso interposto, o que faz com que boa parcela da doutrina critique a incidência de efeitos suspensivos sobre a decisão vergastada, tendo em vista o distanciamento dos princípios deontológicos do processo, como bem assevera MARINONI (2000)[2]:
Uma das formas preferidas pela parte interessada em procrastinar os efeitos da sentença é o recurso, já que ele permite que o réu mantenha indevidamente na sua esfera jurídico-patrimonial por mais um bom período de tempo. O recurso, neste sentido, é uma excelente desculpa para o réu sem razão beneficiar-se ainda mais do processo em detrimento do autor. [MARINONI, 2000].
Com relação às hipóteses da não incidência de efeito suspensivo no âmbito do recurso de apelação, há situações excepcionais em que a própria lei instrumental expõe que a apelação não culminará na sustação da eficácia da decisão impugnada, isto é: a regra é a ocorrência do efeito suspensivo automático, decorrente da mera interposição do recurso de apelação. Em casos excepcionais e previstos em lei, contudo, a apelação não será dotada de efeito suspensivo.
As hipóteses de não incidência automática do efeito suspensivo estão positivadas no artigo 1.012, §1º, do Código de Ritos Processuais, por meio do qual é estabelecido que não se dotará de efeito suspensivo o recurso interposto em face de: “sentença que homologue divisão ou demarcação; condene à prestações alimentares; extingue sem resolução do mérito os embargos à execução, ou os julgue improcedentes; julgue procedente pedido de instituição de arbitragem; que decrete a interdição e, por fim, confirma, concede ou revoga tutela provisória”. Fácil admitir, portanto, que os casos que refutam o efeito suspensivo guardam correlação lógica com a necessidade de urgência na resolução da demanda, dados os direitos nela implicados.
Passada a análise dos efeitos suspensivo e devolutivo, tem-se o efeito translativo, que seria a aptidão que possuem os recursos, em geral, de permitir ao órgão ad quem examinar matérias de ordem pública de ofício, vindo as conhecer ainda que não tenham sido suscitadas pela parte recorrente. É o que nos informa as lições de NELSON NERY (2006)[3], senão vejamos:
As questões de ordem pública podem ser apreciadas pelo órgão ad quem, mesmo que não tenha este sido instigado a se pronunciar sobre este questão, mesmo que ainda não tenha sido analisada pelo tribunal a quo, o que não enseja a qualificação da sentença como extra, ultra ou infra petita.
Sobre o efeito translativo, saliente-se, por fim, que todos os recursos a nível ordinário são dotados desse efeito, o que, por óbvio, não acontece com os recursos extraordinário e especial (não obstante as diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais que admitem plenamente o conhecimento de matérias de ordem pública no âmbito do recurso especial).
O efeito expansivo, por sua vez, seria a aptidão de que dispõem alguns recursos para irradiar eficácia para além dos limites objetivos ou subjetivos traçados previamente pelo ato de interposição. Nessa ordem de ideias, o efeito expansivo objetivo seria vislumbrado quando o resultado do julgamento da insurgência tiver aptidão para abarcar pretensões não inicialmente suscitadas pelo ato impugnatório, haja vista a relação de prejudicialidade existente entre determinados pedidos; o efeito expansivo subjetivo, por outro lado, será aferível nos casos de litisconsórcio, quando o recurso interposto por um dos litisconsortes, a depender das circunstâncias, tiver aptidão para ser aproveitado pelos demais. É o que ocorre com o litisconsórcio unitário, quando as matérias ventiladas por um dos litisconsortes forem comuns aos demais.
Por fim, o efeito regressivo é a possibilidade inerente a alguns recursos de viabilizar a devolução da matéria impugnada ao próprio juízo prolator da decisão objurgada. Vale dizer, o efeito regressivo se refere à possibilidade de reconsideração franqueada ao juízo “a quo”, que poderá se retratar do seu posicionamento inicial.
No âmbito do recurso de apelação, o efeito regressivo, no contexto do Código de Processo Civil de 2015, é viabilizado em hipóteses específicas, a saber: diante do indeferimento da petição inicial, na forma do art. 331, §1º, do CPC; nos casos de improcedência liminar do pedido, conforme art. 332, §3º, do CPC e nos casos de extinção do feito sem resolução do mérito, à luz do art. 485, §7º, do CPC.
4 CONTRARRAZÕES RECURSAIS: ORIGEM, NOÇÕES CONCEITUAIS E NATUREZA JURÍDICA
Cada recurso dispõe de um regramento próprio, com procedimento peculiar e sistemática de julgamento individualizada. Não obstante, todos eles possuem um ponto de contato: a possibilidade de contraposição às razões recursais. Essa possibilidade guarda inteira correlação com o princípio do contraditório, o qual “consiste na necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será proferida decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo” (THEODORO JÚNIOR, 2012, p. 36).
Para cada recurso, portanto, a lei faculta a possibilidade de resposta. Seja por meio de contraminuta, contrarrazões ou de simples petição, o ordenamento jurídico sempre busca resguardar o direito de resistência da parte adversa no âmbito recursal.
Nessa ordem de ideais, as contrarrazões recursais no âmbito do recurso de apelação correspondem à resposta apresentada pelo apelado, objetivando rebater os argumentos ventilados pela parte apelante. Essa conceituação básica, contudo, foi colocada à prova com o advento do art. 1.009, §1º, do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que a nova disposição não limita a peça de resistência a uma “mera resistência” no âmbito recursal. Pela nova diagramação legal, as contrarrazões recursais também podem ser utilizadas como meio de se veicular impugnação à decisão proferida no curso da fase de conhecimento, mas não passível de rediscussão pela via do agravo de instrumento, independentemente de ter sido ela levantada ou não no recurso de apelação.
Para ARRUDA ALVIM (2016, págs. 485/486), imperioso analisar a nova sistemática à luz dos parâmetros da revogada legislação adjetiva:
Registre-se, ainda, que na sistemática do CPC/2015, quando a decisão a respeito de questões resolvidas na fase de conhecimento não comportar agravo de instrumento, sua impugnação deve ser suscitada: (a) em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou (b) nas contrarrazões à apelação interposta pela parte contrária (art. 1.009, § 2.º, do CPC/2015). Há aqui um alargamento da matéria suscetível de apelação: pelo novo Código, as decisões interlocutórias poderão ser alvo de apelação, desde que delas não caiba agravo de instrumento. Na sistemática anterior (CPC/1973), era necessária a interposição de agravo, retido ou de instrumento, sob pena de preclusão. O CPC/2015 inova, tornando expressas as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, eliminando o agravo retido, e remetendo o restante das questões decididas no curso do processo para preliminares do julgamento do recurso de apelação.
As modificações empreendidas pelo Código de Processo Civil de 2015 guarda correlação com o desaparecimento do agravo retido, responsável por alterar sobremaneira o regime de preclusão no curso da fase cognitiva. A matéria decidida, antes impugnável pela via do agravo retido, agora tem sua preclusão diferida e postergada ao momento da interposição da apelação ou de apresentação das contrarrazões. Isto é, se a parte não impugnar questão decidida por meio de decisão interlocutória não passível de agravo de instrumento, seja em preliminar de apelação ou por meio de contrarrazões, a preclusão restará consolidada.
Sobre a nova dinâmica instaurada acerca da preclusão, BUENO (2016, págs. 689/690) assevera:
O § 1º do art. 1.009 só faz sentido pela supressão do agravo retido. Inexistente aquele recurso, as decisões interlocutórias não passíveis de agravo de instrumento não ficam sujeitas a preclusão até o proferimento da sentença, cabendo à parte, se assim entender necessário, suscitá-las em preliminar de apelação ou em contrarrazões. Entendo que para o apelante (aquele que interpõe o recurso de apelação) o silêncio acerca daquelas decisões interlocutórias em seu recurso significa preclusão. Sendo o apelado o suscitante dessas questões, é o caso de viabilizar ao apelante vista dos autos, no que é expresso o § 2º do art. 1.009, exigência que decorre suficientemente dos arts. 9º e 10. Se o apelado (aquele em face de quem a apelação é interposta) nada disser acerca dessas questões, haverão, sobre elas, preclusão. Acerca da suscitação dessas decisões em razões ou contrarrazões de apelo, entendo importante destacar que não há necessidade de a parte (ou terceiro) que se prejudique com elas tomar qualquer providência. Não prevaleceu, na versão final do CPC de 2015 exigência que chegou a ser aprovada no Projeto da Câmara, que estabelecia figura desconhecida no direito processual civil brasileiro, um “protesto”, apenas para evitar que a questão precluísse, permitindo que ela fosse reavivada em apelo ou em contrarrazões. Felizmente, o Senado, na última etapa do processo legislativo, recusou a proposta que, bem entendida, tornava a extinção do agravo retido mais nominal do que substancial, formalizando, desnecessariamente, o processo e comprometendo, até mesmo, um dos pontos altos anunciados desde a Exposição de Motivos do Anteprojeto. No sistema que prevaleceu, insisto, basta que o interessado, na apelação ou nas contrarrazões, suscite a decisão não agravável de instrumento – que não estará, até então, atingida pela preclusão – para permitir sua revisão pelo Tribunal competente.
Considerando a formatação acima apresentada, a doutrina moderna vem referenciando as contrarrazões recursais como uma medida de caráter híbrido, de recurso e resposta, em contraponto à natureza meramente impugnatória inerente à codificação processual civil de 1973.
Para CUNHA E DIDIER JR. (2015, págs. 516 e 517), as contrarrazões ao recurso de apelação possui, atualmente, natureza dúplice:
A parte eventualmente prejudicada por uma decisão interlocutória não agravável poderá, tendo em vista a interposição de apelação pela outra parte, recorrer contra esta decisão interlocutória, nas contrarrazões que apresentar à apelação da parte adversária. Em outras palavras, as contrarrazões veiculam um recurso do apelado. Elas consistem num instrumento por meio do qual o apelado poderá recorrer contra uma interlocutória não agravável. Essa é a primeira premissa para a compreensão correta deste dispositivo: a “suscitação”, pela parte vencedora, nas contrarrazões, das decisões interlocutórias não agraváveis, é um recurso. Não se trata de ratificação de recurso interposto, como no revogado modelo do agravo retido, exatamente porque não há o que ser ratificado: a parte não havia recorrido; a parte recorre neste exato momento. Assim, as contrarrazões, nesse caso, tornamse instrumento de dois atos jurídicos processuais: (a) a resposta à apelação da parte adversária; (b) o recurso contra as decisões interlocutórias não agraváveis proferidas ao longo do procedimento. Este recurso é uma apelação do vencedor. Não se deve estranhar: como visto em item precedente, no sistema do Código de Processo Civil de 2015, a apelação é um recurso que também serve à impugnação de decisões interlocutórias – aquelas não impugnáveis por agravo de instrumento. É inevitável a comparação com a contestação, instrumento de defesa, mas que, pelo sistema do Código de Processo Civil de 2015, também pode veicular a reconvenção (art. 343 do CPC); a contestação veicula a reconvenção do réu, da mesma forma que as contrarrazões veiculam um recurso do apelado. A circunstância de este recurso ser apresentado na peça de contrarrazões não o desnatura, assim como a reconvenção não perde a natureza de demanda por vir acompanhada da contestação, em uma mesma peça. Exatamente porque é recurso, a parte final do § 1º do art. 1.009 impõe a intimação do apelante (parte vencida), para que se manifeste sobre esta “suscitação” feita pela parte vencedora nas contrarrazões. Justamente por ser um recurso, se a parte vencedora dele não se valer, haverá preclusão em relação à decisão interlocutória não agravável.
A doutrina especializada, portanto, converge em reconhecer a natureza híbrida das contrarrazões recursais – de recurso e resposta –. Contudo, o mesmo consenso não existe quanto à formatação da natureza recursal da pretensão veiculada na peça de contrarrazões. Nesse sentido, discute-se se essa pretensão estaria subordinada ou não ao recurso principal.
Para MELLO (2016, pág. 2.487), o recurso apresentado no bojo da peça de contrarrazões não guarda relação de prejudicialidade com o recurso de apelação interposto pela parte adversa:
Poder-se-ia dizer que a impugnação de interlocutórias em contrarrazões guarda relação de dependência com a apelação pois estaríamos diante de um recurso (a impugnação da interlocutória nas contrarrazões) subordinado ao recurso principal (a apelação), como fosse a primeira uma espécie de recurso adesivo. Pensamos que a ideia, venia concessa, não procede, e o dizemos com fulcro em regra básica de interpretação: o recurso adesivo subordinado ao principal perfaz exceção, pois a regra vigente é a da manifestação recursal livre, independente, conforme expressa dicção do art. 997, caput, do CPC/2015; no CPC/2015, se a parte quiser lançar mão de recurso subordinado (adesivo), deverá fazê-lo expressamente, interpondo o recurso adesivo previsto nos §§ do art. 997 e sujeitando-se às condições ali estabelecidas. Esta é a exceção (recurso adesivo), e como tal deve ser interpretada restritivamente. Optando por impugnar a decisão interlocutória em contrarrazões, que recurso adesivo não é, não há que se cogitar de subordinação recursal entre contrarrazões nas quais se impugna interlocutória e a apelação. Mutatis mutandis, e guardadas as devidas proporções, a impugnação de interlocutória em contrarrazões está para a apelação como a contestação com pedido contraposto está para a petição inicial: a desistência da ação pelo autor não impede a apreciação do pedido contraposto formulado pelo réu (TJRS, ApCiv 70014407225, 12.ª Segunda Câmara Cível, rel. Cláudio Baldino Maciel, j. 06.04.2006) bem como a desistência da apelação não impede a apreciação da impugnação de interlocutória formulada pelo apelado em contrarrazões. Neste sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, Rogerio Licastro Torres de Mello, Primeiros Comentários ao Novo CPC – artigo por artigo, Ed. RT, São Paulo, 2015, p. 1.440)
Lado outro, parcela da doutrina defende a subordinação entre a pretensão recursal veiculada nas contrarrazões e o recurso principal. Segundo essa percepção doutrinária, a análise da questão recursal posta nas contrarrazões estaria subordinada ao conhecimento da apelação. A posição acima é justificada com base no princípio do interesse: para essa parcela da doutrina, o não conhecimento da apelação desnaturaria o interesse recursal do apelado, que não disporia de vantagens decorrentes de reforma ou anulação de decisão interlocutória proferida no juízo de piso.
Na defesa do posicionamento acima, CÂMARA (2015, págs. 510/511) ensina que:
É, então, absolutamente fundamental admitir-se a interposição de apelação para impugnação da decisão interlocutória, somente. Resulta daí uma relevante consequência: é que se a parte que poderia ter interposto apelação autônoma para impugnar a decisão interlocutória não o fizer, deixando para impugná-la em contrarrazões de apelação, esta será um recurso subordinado (gênero a que se integra outra espécie, o recurso adesivo), devendo-se aplicar à hipótese, no que couber, o regime estabelecido para os casos de interposição adesiva de apelação. Deste modo, não admitindo, por qualquer motivo, a apelação, não poderá o tribunal conhecer do pedido recursal formulado em sede de contrarrazões. Além disso, essas contrarrazões com natureza recursal deverão preencher todos os requisitos de admissibilidade da apelação (inclusive quanto a preparo, se este for exigido pela legislação local), sob pena de não ser admissível a análise da pretensão recursal nela veiculada (o que, evidentemente, não excluirá o exame das contrarrazões propriamente ditas, assim entendido o ato de impugnação ao recurso interposto pela outra parte). Registre-se, ainda, que – senão sempre, pelo menos na maioria das vezes – o desprovimento do recurso principal tornará prejudicada a apelação interposta de forma subordinada nas contrarrazões. Pense-se, por exemplo, no caso de ter a parte vencedora recorrido, na peça de contrarrazões, contra uma decisão interlocutória que indeferiu a produção de certa prova. Ora, desprovido o recurso principal, interposta pela parte vencida, não haverá mais interesse em verificar se a parte vencedora tinha ou não direito à produção da prova, já que mesmo sem ela terá obtido êxito quanto ao mérito da causa. Deverá o órgão julgador do recurso, em casos assim, declarar prejudicado o recurso subordinado.
Com a devida vênia ao posicionamento que defende a ausência de subordinação entre a pretensão recursal do apelado e o recurso principal, ousa-se discordar dos fundamentos desse embasamento teórico. Em verdade, em consonância com a posição de Alexandre Freitas Câmara (acima apresentada), percebe-se que a eventual desistência do recurso principal impactará diretamente o interesse recursal do apelado, uma vez que a sentença que lhe fora favorável restará acobertada pelo manto da coisa julgada.
A análise acima se apresenta como imprescindível ao próprio contexto do processamento da apelação nos tribunais, já que, considerando-se a independência das pretensões, a ordem de análise das matérias é irrelevante. Noutro contexto, reputando-se subordinada a pretensão lançada nas contrarrazões ao recurso principal, dever-se-ia, inicialmente, conceber-se a admissibilidade deste apelo e das suas razões, para só então, após, caso se revelasse necessário, apreciar a impugnação levantada pelo apelado (exercida em face de decisão interlocutória não submissa ao regime do agravo de instrumento).
Como consignado no curso da presente exposição, o Código de Processo Civil de 2015 modificou, sobremaneira, a sistemática das contrarrazões recursais, dela suprimindo o mero caráter de resposta ao apelo. Compreender e sistematizar o entendimento acerca da atual natureza jurídica de tal peça processual se apresenta imprescindível ao bom andamento processual, com o devido resguardo dos princípios da segurança jurídica, da satisfação integral do mérito e da duração razoável do processo.
CONCLUSÃO
O inconformismo é inerente ao ser humano. À luz do princípio do duplo grau de jurisdição, o ordenamento jurídico pátrio viabiliza a manifestação processual do inconformismo pela via dos recursos dirigidos a uma instância superior, colegiada, com capacidade de revisitar e amadurecer a análise da casuística posta à apreciação do Estado-Juiz.
Dentre o catálogo de recursos estampados no art. 994 do Código de Processo Civil, o presente estudo se concentrou nos aspectos da apelação, enquanto medida a ser apresentada em face da sentença (ato pelo qual se coloca fim ao processo de cognição). No contexto da apelação, destacaram-se as modificações promovidas pela Lei n. 13.105/2015 em face das contrarrazões recursais, na forma do art. 1.009, §1º, do multicitado CPC.
Em uniformidade, a doutrina especializada compreende que a lei instrumental modificou a natureza jurídica das contrarrazões recursais, dotando-a de uma natureza dúplice: de resposta e de recurso, eis que, por meio dela, o apelado poderia se insurgir contra decisões interlocutórias proferidas em primeiro grau, mas insuscetíveis de questionamento pela via do agravo de instrumento.
Não obstante a uniformidade acima exposta, a doutrina diverge no que toca à formatação da pretensão recursal veiculada nas contrarrazões recursais, se subordinada ou não ao recurso principal.
Com a devida vênia ao posicionamento divergente, percebe-se, na prática, em consonância com o escólio de Alexandre Freitas Câmara, que a eventual desistência do recurso principal impactará diretamente o interesse recursal do apelado, uma vez que a sentença que lhe fora favorável restará acobertada pelo manto da coisa julgada.
Assim sendo, resta indiscutível o caráter modificador do novo Código de Processo Civil no que tange à natureza jurídica das contrarrazões recursais, de modo a justificar a necessidade do presente estudo científico, mormente considerando os impactos a serem observados no processamento do recurso de apelação no âmbito dos tribunais e os indissociáveis efeitos desse julgamento na operacionalização dos princípios da segurança jurídica, da satisfação integral e da duração razoável do processo.
REFERÊNCIAS
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[1] GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios, coordenação: Pedro Lenza. Direito Processual Civil Esquematizado.-2.ed.- São Paulo: Saraiva, 2012. p. 492.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. A ed. rev ampl. São Paulo: malheiros, 2000.
[3] NERY JR., Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson. Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis e assuntos afins. V. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2013); Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário na atualidade pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-Minas (2016); Servidor Público Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GERALDO ZIMAR DE Sá JúNIOR, . Recurso de Apelação e o Código de Processo Civil: Uma Análise Acerca da Natureza Jurídica das Contrarrazões Recursais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2023, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63779/recurso-de-apelao-e-o-cdigo-de-processo-civil-uma-anlise-acerca-da-natureza-jurdica-das-contrarrazes-recursais. Acesso em: 23 nov 2024.
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