RESUMO: A situação do preso no mercado de trabalho é um assunto pouco discutido e divulgado. O presente artigo objetiva demonstrar um pouco da realidade do sistema penitenciário brasileiro e quais medidas e soluções do poder público, por meio de políticas públicas, são capazes de amenizar o caótico cenário de desvantagens para o trabalhador em situação de cárcere. Perpassa-se, resumidamente, pela parte histórica da origem do trabalho prisional no mundo, pela atualidade do sistema prisional, destacando a realidade do sistema penitenciário brasileiro, findando na atualidade do trabalho no sistema prisional. Por fim, dá-se ênfase ao valor social do trabalho, juntamente com o caráter ressocializador da pena privativa de liberdade e suas alternativas levando em consideração as alternativas para o preso em regime fechado e as experiências de sucesso no Brasil.
Palavras-chave: Mercado de trabalho. Sistema prisional. Ressocialização. Trabalhador em situação de cárcere.
1.INTRODUÇÃO
A palavra trabalho tem origem latina, derivada de “tripalium”, que significa três paus. No princípio, tratava-se de um instrumento utilizado na lavoura, composto de três paus ferrados, pelo qual os agricultores batiam o trigo e as espigas de milho para rasgá-los e esfiapá-los. Também servia para prender animais domésticos de grande porte enquanto eram marcados. Ao final do século VI, passou a representar também o nome de um instrumento romano de tortura, usado para atormentar os escravos.
Nas mais variadas línguas, o trabalho foi associado a um sentimento de dor, sofrimento. Não obstante a ideia de trabalho como algo penoso, que causa fadiga, o labor homem é o principal meio de manutenção da sua subsistência. Ele é necessário para sua própria sobrevivência.
Nos dias atuais, arranjar um emprego não se trata mais de algo simples. Cada vez mais, o número de pessoas desempregadas no país é elevado, atingindo, no segundo trimestre do ano corrente (2023), o índice de 8,3 milhões de pessoas, segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que dizer então, do labor da pessoa em situação de prisão e do mercado de trabalho para os egressos? O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atingindo, no ano corrente, um universo de mais de 812.000.00 presos, conforme dados do Banco de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O trabalho da pessoa em situação de cárcere, apesar de ser um direito humano e fundamental previsto em diversos dispositivos da legislação pátria, e em diversos diplomas internacionais a que o Brasil aderiu, não se encontra integralmente disponível por um simples motivo: o Estado não apresenta estrutura para absorver e suportar um número tão elevado de presos.
Nessa senda, uma salutar alternativa, que vem ocorrendo, é o aproveitamento da mão de obra de pessoas presas no setor privado. Trata-se do Decreto nº 9.450, de 24 de julho de 2018, que instituiu a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, voltada à ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional
Nesse cenário, há vantagens para o Estado, que não tem meios de ofertar trabalho para todos os presos e, para o empresário, que obtém com esse tipo de contratação a possibilidade de ofertar remuneração abaixo do mercado (no mínimo três quartos do salário mínimo) e a não incidência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sem mencionar o valor social que esse tipo de iniciativa agrega à empresa.
Por fim, visa-se demonstrar quais têm sido as medidas e soluções ofertadas pelos governos e autoridades na busca de alternativas capazes de amenizar o caótico cenário atual do sistema prisional brasileiro
2.DESENVOLVIMENTO
De início, oportuno esclarecer que o trabalho prisional consiste, segundo Norberto Avena (2017, p. 49), entende-se por trabalho prisional “a atividade desempenhada pelos presos ou internados dentro ou fora do estabelecimento prisional, sujeita à devida remuneração. Tendo em vista sua função ressocializadora e a circunstância de que o trabalho se apresenta como fator de recuperação, disciplina e aprendizado para a futura vida profissional, sua realização é prevista como um direito (art. 41, II, da LEP) e ao mesmo tempo um dever do condenado no curso da execução da pena (art. 39, V, da LEP)”
Ao adentrar em um estudo histórico acerca do início do trabalho nas prisões, tem-se que seu início ocorreu entre o final do século XV e início do século XVI, quando houve aumento da população urbana na Europa de forma descomedida, de maneira que a oferta da força de trabalho humano era maior do que a necessária. Aqui, deu-se a origem do proletariado, que se refere aos sujeitos desprovidos de manutenção e dos instrumentos de produção. Como consequência do aumento do proletariado, as ruas do ambiente urbano passaram a ser habitadas por uma grande massa de “mendigos” e de “vagabundos” – pessoas que não tinham ocupação, ocasionando um grande problema social.
Sobre este evento histórico os saudosos criminalistas italianos Melossi e Paravini (2006), grandes expoentes do direito penitenciário, afirmam que se negar a trabalhar, naquela época, era considerada uma intenção criminosa, já que, em 1601, na Inglaterra, o estatuto denominado “Old Poor Law” (Lei dos Pobres) facultava ao juiz mandar para o cárcere homens considerados desocupados.
Segundo o historiador Ismael Gonçalves Alves (2015), tanto a Old Poor Law como a New Poor Law (ato de emenda à Lei dos Pobres, de 1834), tinham por objetivo principal prestar assistência social aos indivíduos que, comprovadamente, não tinham condições de se sustentar, e nem parentes e amigos a quem pudessem recorrer. Dessa forma, o principal critério eletivo para o recebimento dos auxílios financeiros oferecidos pela Lei era a pobreza extrema e, para recebê-los, seus beneficiários deveriam prestar serviços obrigatórios em instituições de caridade, normalmente asilos e albergues.
O problema continuou se agravando a tal ponto que chegou a incomodar até mesmo os membros da burguesia, o clero inglês, que peticionaram ao Rei de Londres, solicitando o uso do Castelo de Bridewell como casa de acolhimento dos vagabundos e delinquentes para que, pela disciplina para o trabalho, pudessem aprender um ofício que permitisse a própria manutenção. A partir de então, surgem as denominadas “casas de trabalho” (workhouses).
O elevado número de homens recolhidos às casas de correção demandou dispêndio por parte do Estado. Para que o Estado suportasse a manutenção dos homens que eram sujeitos à disciplina nas casas do trabalho, foi criado um imposto, a ser pago pelos membros mais ricos da sociedade, os nobres. Referido imposto, contudo, não se tratava de caridade. Ele era pago pelos nobres em troca da mão de obra dos internados, em uma espécie de compensação.
Em outras palavras, aqueles que não trabalhavam para os burgueses não recebiam alimentação e tinham seus benefícios retirados ou negados. Nesse contexto, o trabalho do preso surgiu, pois, como uma forma de pagamento de uma dívida para com o Estado ou com a própria sociedade.
Foi somente no final do século passado que o detento passou a ter o direito de ser remunerado pelo seu trabalho. Importante mencionar que, a partir de então, o trabalho do preso passa a ser obrigatório, mas não forçado, de forma que, mesmo tolhido em sua liberdade física de locomoção, o preso tenha a liberdade de se autodeterminar para o trabalho e decidir se quer ou não exercer uma atividade laboral no interior de um estabelecimento penal.
O trabalho do preso é medida de ressocialização e, sobre tal aspecto, nossa legislação infraconstitucional, no Código Penal Brasileiro (CPB) assim encara a matéria:
“Art. 39. O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social.”,
bem como o art. 40 do CPB determinou que:
“Art. 40. A legislação especial regulará a matéria prevista nos arts. 38 e 39 deste Código, bem como especificará os deveres e direitos do preso, os critérios para revogação e transferência dos regimes e estabelecerá as infrações disciplinares e correspondentes sanções.”
Como é cediço, em nosso país, o Código Penal Brasileiro foi promulgado no ano de 1940, realizando várias inovações na lei, tendo por objetivo a moderação e limitação do poder punitivo Estatal. Todavia, apesar de ter ocorrido a promulgação do então novo Código Penal, o Estado Brasileiro ainda se encontrava carente de uma legislação que viesse a dispor detalhadamente sobre a matéria penitenciária e de execução penal, por inexistir, até então, regras que regulamentassem o período no qual o apenado estivesse cumprindo sua pena. Dessa forma, quarenta anos após a vigência do Código Penal, o Ministro da Justiça da época, Ibrahim Abi Hackel, apresentou em 1983, um projeto de Lei de Execução Penal, posteriormente convertido na Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984, promulgando a Lei de Execução Penal, vigente até os dias atuais.
A supramencionada Lei passou a regulamentar em detalhes o direito penitenciário, incluindo o trabalho do preso.
Em seu artigo 3º, a LEP esclarece que ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Dessa forma, o condenado não é tolhido de seu direito ao trabalho. Sobre o labor da pessoa em situação de prisão, a LEP dedica um capítulo inteiro ao assunto. . Estabelece a LEP:
DO TRABALHO
Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
A realização de um trabalho por parte da pessoa presa, orientada de acordo com a sua aptidão e capacidade, objetiva promover sua valorização como ser humano, bem como a materialização de sua dignidade.
A oferta de trabalho aos presos constitui uma obrigação do Estado, que também deve obedecer às precauções relativas à segurança e à higiene do trabalhador condenado. A LEP também dispõe, em seu artigo 33, que a jornada normal de trabalho do condenado não será inferior a seis nem superior a oito horas, com descanso aos domingos e feriados.
Ocorre que, conforme é cediço, as oportunidades de trabalho oferecidas aos encarcerados são bastante escassas, sendo as oficinas de artesanato uma alternativa de suposto trabalho, mesmo que na prática não passe de atividade meramente ocupacional. Embora exista no texto da LEP a previsão de que o artesanato não deveria ser considerado como atividade econômica, ressalvados os casos das regiões turísticas, esta acaba sendo a alternativa recorrente. Para Feitosa (2014),
O resguardo da dignidade do preso, com o oferecimento de meios ao trabalho, com uma adequada remuneração, constitui um dever do Estado que possibilitará não mais distinguir-se entre o cidadão livre e o cidadão preso, permitindo a este seu retorno para a sociedade sem a recidiva.
Feitosa (2014) afirma ainda:
[...] a participação ativa do presidiário no programa de reinserção social pressupõe não somente que tal processo revela a sua voluntária adesão como também a passagem de um direito penal social para um direito que pretenda, também, ser democrático
Ocorre que, não obstante a criação da Lei de Execução Penal, com intuito de proporcionar um viés humano ao trabalho da pessoa presa, após a promulgação da Constituição da República de 1988, houve um verdadeiro desencontro dos princípios nela estabelecidos com artigos previstos na LEP, fazendo com que exista uma total incoerência entre eles.
A título exemplificativo, pode ser citada a divergência entre o disposto nos artigos 28, § 2º e 29 da Lei, ao estabelecer que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho e, ainda, que será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 do salário mínimo, e o artigo 7º, inciso IV, da Magna Carta de 1988. Referido inciso dispõe que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
Tal previsão, não obstante mais correta e consentânea com a dignidade humana, torna ineficaz o preceituado no artigo 29, da LEP, que sustenta não poder ser o salário do preso inferior a 3/4 do salário mínimo. Além disso, o artigo 29, da Lei de Execução Penal faz cair por terra o objetivo da ressocialização do preso, uma vez que não é permitido que o preso contribua para a manutenção de sua família.
Ademais, o polêmico artigo 29, da LEP dispõe que a remuneração do presidiário deverá atender ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a sua manutenção, em proporção a ser fixada em lei. Contudo, referida parte do dispositivo não possui aplicação prática, em razão da inexistência de tal lei. Oportuno mencionar que sobre o tema existe um projeto de Lei do Deputado Federal Fábio Trad, projeto n. 9646 de 2018, que altera a LEP para prever nova regulamentação do trabalho obrigatório prestado pelo preso, bem como destinar 25% (vinte e cinco por cento) do salário do apenado para fins de ressarcimento ao Estado pelas despesas realizadas com sua manutenção.
Por prever o trabalho como direito do preso, a LEP condiciona a concessão de certos benefícios à prestação do trabalho, conforme disposição nos artigos 114, caput e 116, §1º, que dispõem que somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente e que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena, devendo a contagem de tempo referida no caput ser feita à razão de 1 dia de pena a cada 3 dias de trabalho.
Conclui-se, dessa forma, que desde o nascedouro das primeiras prisões no Brasil, com as casas correcionais, a pessoa em situação de prisão estava sujeita ao trabalho. Todavia, durante séculos, apesar da inegável existência da força de trabalho dentro das prisões, não havia uma regulamentação sobre referido labor, o que veio a ocorrer apenas com a edição da Lei 7.210, em 1984. Apenas posteriormente a promulgação da referida lei passou-se a adotá-lo como sendo um direito subjetivo do preso, permitindo que ocorra ressocialização e reeducação do apenado pelo desenvolvimento de uma atividade, bem como remição da pena.
Assim, não obstante a existência de uma legislação específica sobre o direito penitenciário, após a promulgação da Carta Magna de 1988, se faz necessária a reformulação de diversos dispositivos, para fins de adequação com a lei maior, principalmente no que toca aos artigos referentes ao trabalho da pessoa em situação de prisão, de modo que venha a ser obstada a exploração econômica do trabalho do preso, prejudicando a finalidade ressocializadora da pena, bem como seja estabelecida uma isonomia de direitos em relação aos trabalhadores não encarcerados, tais como a obtenção de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Não obstante tudo o que já foi abordado em relação às prisões desde remotas épocas, o que se vê atualmente no Brasil, não difere do que acontece em grande parte do mundo; há instituições penitenciárias conhecidas como “escolas do crime” que não cumprem seu papel ressocializante (ALVIM, 2008).
É preciso reorganizar a forma de aplicação do trabalho, devendo além de ocupar o tempo ocioso, preparar e oportunizar esses sujeitos para escolhas mais conscientes e transformadoras (DE MASI, 2000).
O DECRETO Nº 9.450, DE 24 DE JULHO DE 2018, QUE INSTITUIU A POLÍTICA NACIONAL DE TRABALHO NO ÂMBITO DO SISTEMA PRISIONAL:
Acerca também da temática do trabalho do preso de suma importância mencionar importante legislação pátria recentemente inaugurada. Trata-se do Decreto nº 9.450, de 24 de julho de 2018, que instituiu a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, voltada à ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional, e que regulamenta o § 5º do art. 40, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamentou o disposto no inciso XXI, do artigo 37, da Constituição Federal, que institui normas para licitações e contratos da administração pública, firmados pelo Poder Executivo Federal.
Referido decreto conta com apenas dez artigos, que são de suma importância para promoção da inserção dos presos e pessoas egressas do sistema prisional no mercado de trabalho e na geração de renda.
O decreto em questão alcança as contratações realizadas pela União para realização de serviços. Conforme disposição o artigo 5º, no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, estes, para realizar a contratação de serviços, inclusive os de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00, deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional.
As mencionadas alterações legislativas que passaram a vigorar determinaram percentuais de contratação da mão de obra de presos e egressos, que agora seguem percentuais proporcionais à quantidade de funcionários da empresa que contratar com o poder público. Com essa regulamentação, espera-se um crescimento na oferta de postos de trabalho nessas empresas, conforme elencado no artigo 6 º, veja-se:
[...] A empresa deverá contratar, para cada contrato que firmar, pessoas presas, em cumprimento de pena em regime fechado, semiaberto ou aberto, ou egressas do sistema prisional, nas seguintes proporções:
I - três por cento das vagas, quando a execução do contrato demandar duzentos ou menos funcionários;
II - quatro por cento das vagas, quando a execução do contrato demandar duzentos e um a quinhentos funcionários;
III - cinco por cento das vagas, quando a execução do contrato demandar quinhentos e um a mil funcionários; ou
IV - seis por cento das vagas, quando a execução do contrato demandar mais de mil empregados.
De suma importância ainda, ressaltar as iniciativas do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no que tange à inserção do trabalho do preso e do egresso no mercado corporativo.
O CNMP regula o tema pelas Resoluções de nº 56 e nº 196, as quais explicitam a competência do Ministério Público no monitoramento da implantação do projeto. A Resolução nº 56, que dispõe sobre a uniformização das inspeções em estabelecimentos penais pelos membros do Ministério Público, foi recentemente alterada pela Resolução 196 março de 2019, com a inclusão dos artigos Art.1º-A e 1º-B para mencionar a atribuição do Ministério Público do Trabalho (MPT) no acompanhamento da Política Nacional de Trabalho no âmbito do sistema prisional, monitorando as contratações públicas e a regularidade do desenvolvimento das condições de saúde e segurança no trabalho, com especial atenção ao cumprimento dos direitos trabalhistas.
O EGRESSO E O MERCADO DE TRABALHO
Segundo dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de desemprego no Brasil ultrapassou o porcentual de 11%; o mercado informal tem sido uma das únicas alternativas para o brasileiro de garantir seu próprio sustento e de sua família. (IBGE, 2019).
Essa situação se torna ainda mais grave quando se trata de egressos do sistema prisional. Como buscar trabalho para essas pessoas, quando não há postos de trabalho nem mesmo para boa parte da população, que jamais cumpriu alguma sanção penal? Além disso,
“alguns desafios relacionados ao aumento de oferta de emprego para egressos coincidem com os enfrentados no caso do trabalho de pessoas presas, como estigma e escolaridade baixa. Se somam a essas questões, a carência de documentação desses indivíduos, que, com frequência, deixam unidades prisionais sem ter carteira de identidade, CPF ou histórico escolar, por exemplo”(TINOCO; PELLEGRINO, 2018).
Importante mencionar que, em relação ao mercado de trabalho das pessoas em situação de cárcere, foi estatuída, no âmbito do CNJ, a Resolução nº 96/2009, que trata das seguintes temáticas: Projeto Começar de Novo; Portal de Oportunidades; reinserção social; egressos; sistema carcerário; monitoramento.
O Projeto Começar de Novo objetiva promover ações de reinserção social de presos, egressos do sistema carcerário e de cumpridores de medidas e penas alternativas. Já o Portal de Oportunidades, parte integrante o Projeto Começar de Novo realiza o cadastramento de propostas de cursos, trabalho, bolsas e estágios ofertados pela Rede de Reinserção Social.
De suma importância mencionar que, com o objetivo de dar efetividade ao recente decreto, bem como às resoluções apontadas, em maio de 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Departamento Penitenciário Nacional realizaram cerimônia de entrega do “Selo Resgata” 2019/2020, concedido pelo reconhecimento do engajamento na política pública de geração de trabalho e renda para as pessoas privadas de liberdade e egressos do sistema prisional pessoas que estão cumprindo penas alternativas, destinado às empresas, órgãos públicos e empreendimentos de economia solidária. A titulo informativo, no ano de 2019, 198 empresas públicas e privadas de 15 estados foram habilitadas com a chancela.
Oportuno ressaltar que não há que se falar em qualificação do preso apenas nos últimos meses de cumprimento da pena. É preciso qualificá-lo no transcurso de todo o tempo de recolhimento à prisão. Nesse sentido, cabe destacar a iniciativa de criação do Escritório Social, uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública para enfrentar problemas estruturais do sistema prisional brasileiro. Resultado da união de esforços entre o Judiciário, Executivo e Sociedade Civil, o projeto, que é uma das ações do Programa Justiça Presente, foi implantado em 2016 no Estado do Espírito Santo e será implantado em mais 12 estados até o final de 2019.
Por meio do programa Justiça Presente, a metodologia do Escritório Social está sendo aprimorada e potencializada. A mobilização de pré-egressos, desenvolvida após estudo de caso no Chile, consiste na mobilização de equipes de atendimento a partir de seis meses antes da soltura ou da mudança de regime. Essa equipe trabalha na elaboração de um Projeto Singular Integrado, no qual serão mapeadas as necessidades de cada um, como capacitação profissional, educação, atendimento de saúde ou inclusão em programas sociais, por exemplo (CNJ, 2019).
Para o Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário do CNJ,
Ao descuidar da etapa do retorno da pessoa à sociedade, não raro depois de anos sem vínculo familiar ou social, o Estado acaba desperdiçando os recursos que foram empenhados para mantê-la presa, uma vez que uma reintegração falha abre oportunidade para reincidência (CNJ, 2019).
Por isso, é preciso apostar em iniciativas como esta de forma que se expanda por todo o Brasil e consiga, de fato, diminuir a criminalidade e o retorno ao cárcere para que projetos como este não se extingam com as trocas de governo.
Outrossim, oportuno mencionar o importante papel que assume o Ministério Público, considerando o crescimento vertiginoso da criminalidade e a consequente insegurança da sociedade ante esse cenário, exercendo salutar papel na busca do equilíbrio social.
Necessário, pois, a atuação articulada entre todas as esferas administrativas e judiciais, apoiadas pela sociedade civil e sob a fiscalização do MP para que sejam produzidas ações socializadoras para inserção de presos e egressos na vida em sociedade, visto que se trata de uma
população jovem, com menos de 35 anos, que não tem escolaridade ou acesso a capacitação profissional, sendo em sua maioria analfabetos completos ou funcionais, membros de família de baixa renda e moradores de bairros periféricos, além de apresentar reincidentes criminais. Tais características demonstram a existência de uma seletividade ou tendência do sistema penal em selecionar pessoas ou ações e exercer a criminalização destas com base em sua classe e posição social. Para além desse perfil social, ao saírem da prisão, esses indivíduos carregam consigo o estigma de serem egressos, o que torna ainda mais difícil a tarefa de se recolocar e disputar uma vaga de trabalho [...] além do fato de que um(a) ex-detento(a) não inspira confiança na maioria das pessoas (SANTOS et al., 2018).
3. CONCLUSÃO
O vertiginoso aumento dos índices de criminalidade associado às condições de miserabilidade de uma parcela considerável da população, a corrupção que se alastra como praga abrangendo diversos setores da sociedade, tráfico de drogas, dentre outras coisas, pintam um quadro desolador, que traz como consequência um exponencial aumento da população carcerária. A situação de extrema pobreza, a ausência de infraestrutura do Estado, a falta de saúde, educação e trabalho desembocam na prática de mais crimes e na consequente necessidade de punir do Estado, colocando cada dia mais pessoas atrás das grades.
Ao lado disso, fica evidenciada a ineficiência do Estado em gerir a própria máquina estatal e, mais ainda, em administrar seu sistema prisional, cada vez mais inchado, em que o número de vagas disponíveis não acompanha o crescimento desordenado da população carcerária.
A superpopulação carcerária constitui-se, assim, num dos principais fatores impeditivos ao cumprimento das finalidades da pena, não possibilitando, nem de longe, qualquer proposta de ressocialização do detento.
Os presídios brasileiros, geridos em sua grande maioria pelo Estado, expõem os presos a condições degradantes, falta de higiene, instalações inadequadas. Promiscuidade e violência entre os presos fazem parte da rotina das prisões, ferindo os princípios basilares da execução penal, colocando o princípio da humanização da pena como uma perfeita utopia e, junto a isso, todos os dispositivos da LEP, garantidores de assistência e direitos de uma pessoa presa, transformados em letra morta e em verdadeira falácia do legislador.
Nesse contexto caótico e desacreditado, o trabalho dentro e fora do sistema carcerário para presos em regime fechado, aberto e egressos do sistema prisional é um dos principais aliados para redução da criminalidade e uma ferramenta muito eficiente para reinserção social, evitando também a reincidência.
O Estado precisa buscar alternativas de trabalho capazes de capacitar o preso de modo que este tenha alternativas de sobrevivência no momento em que retorna à sociedade. Dentre tais alternativas, está a celebração de convênios com a iniciativa privada para oferta de postos de trabalho e parcerias com o terceiro setor de forma a oportunizar experiências de trabalho para o preso e os egressos.
Muitas alternativas de trabalhos para presos já fracassaram no Brasil e uma das explicações para tal fracasso foi a dificuldade de fiscalizar o trabalho dentro e fora dos presídios, pois ferramentas se transformam em armas, trabalhos extramuros se transformam em possibilidades para fuga, o estigma de preso que causa medo e não inspira confiança nas outras pessoas, mas isso não serve como desculpa por parte do Estado para não buscar resolver essas questões.
Não há que se falar em construção de mais presídios para ampliar o quantitativo de vagas disponíveis quando, na verdade, é preciso investir em formas variadas de trabalho, formação técnica e profissional para que o preso não tenha apenas uma profissão, mas, sobretudo, o sentimento de pertencimento e utilidade, no momento do retorno social, que só o labor é capaz de trazer.
Já existem muitas experiências de sucesso e muitas ainda poderão vir, basta que o governo incentive, cumpra seu papel fiscalizador e trabalhe na união de esforços para que haja redução dos índices de criminalidade e oferta de trabalho e estudo para todos.
4.REFERÊNCIAS:
ALVES, Ismael Gonçalves. Da caridade ao welfare state: um breve ensaio sobre os aspectos históricos dos sistemas de proteção social ocidentais. Ciência e Cultura, v. 67, n. 1, p. 52-55, 2015.
AVENA, Norberto. Execução penal. São Paulo: Método, 2017.
MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: As origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Rio de Janeiro: Revan, 2006.
BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>.
DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
FEITOSA, Isabela Britto. Direitos dos presidiários à luz da constituição federal de 1988 e das legislações ordinárias: código penal e lei de execução penal (Lei 7.210 de 1984). 2014. Disponível em: <https://joaomartinspositivado.jusbrasil.com.br/artigos/148692982/direitos-dos-presidiarios-a-luz-da-constituicao-federal-de-1988-e-das-legislacoes-ordinarias>.
TINOCO, Dandara; PELLEGRINO, Ana Paula. Na porta de saída, a entrada no trabalho: políticas para a expansão do emprego de presos e egressos no Rio de Janeiro. Instituto Igarapé. Artigo estratégico 38, nov. 2018. Disponível em: <https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2018/11/Na-porta-de-saida-a-entrada-no-trabalho-pressos-e-egressos.pdf>
Bacharel em direito, analista processual do Ministério Público da União
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANACHE, TATIANA COSTA. Trabalho no sistema prisional brasileiro: uma breve síntese do histórico, atualidade, perspectivas futuras e aplicação do decreto nº 9.450, de 24 de julho de 2018, que instituiu a política nacional de trabalho no âmbito do sistema prisional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/64093/trabalho-no-sistema-prisional-brasileiro-uma-breve-sntese-do-histrico-atualidade-perspectivas-futuras-e-aplicao-do-decreto-n-9-450-de-24-de-julho-de-2018-que-instituiu-a-poltica-nacional-de-trabalho-no-mbito-do-sistema-prisional. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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