IAN MATOZO ESPECIATO[1].
(orientador)
RESUMO: O desenvolvimento desta pesquisa apoiou-se no levantamento bibliográfico e documental, a fim de discutir a insignificância aplicada aos crimes tributários. Partiu-se, pois, do conceito deste importante princípio, bem como de suas origens no contexto brasileiro, a fim de verificar a sua aplicabilidade por meio das posições firmadas pela jurisprudência atual. Perpassando pela legislação, doutrina e jurisprudência buscou-se compreender sua natureza jurídica, bem como sua caracterização para diminuição ou extinção da punição. Já em relação aos crimes contra a ordem tributária, tendo como substrato os trabalhos desenvolvidos na seara do direito penal constitucional, buscou-se o entendimento de argumentos favoráveis e contrários à incidência do preceito bagatelar, cotejando a administração fazendária e o Poder Judiciário.
Palavras-chave: Princípio. Insignificância. Aplicabilidade. Tributários. Crimes.
ABSTRACT: The development of this research was based on the bibliographic and documentary survey, to discuss the insignificance applied to tax crimes. Therefore, we started from the concept of this important principle, as well as its origins in the Brazilian context, to verify its applicability through the positions established by the current jurisprudence. Going through the legislation, doctrine and jurisprudence sought to understand its legal nature, as well as its characterization for reduction or extinction of punishment. By comparing the Tax administration and the Judiciary, we attempted to comprehend arguments favorable and contrary to the incidence of the precept of insignificance, in relation to crimes against the tax order, as a result of the work we developed in the field of constitutional criminal law.
Keywords: Principle. Insignificance. Applicability. Tax. Crimes.
INTRODUÇÃO
O propósito desta pesquisa é o entendimento do princípio da insignificância e de sua aplicabilidade em relação aos crimes contra a ordem tributária. Em relação a estes, tem se verificado na jurisprudência o afastamento da aplicação desse princípio, justificado pela natureza dos bens jurídicos (Rodrigues, 2012). Poderia, então, se afastar momentaneamente a tipicidade penal, quando não há lesão alguma ao bem jurídico, mormente de natureza patrimonial?
Mendes (2022) afirma que o princípio da insignificância foi teorizado para mediar alguns conflitos que não meritam punições através do Direito Penal. Caracteriza-se, assim, como norma atípica, fazendo parte daqueles preceitos que não foram idealizados pelo legislador. Além disso, questiona o argumento de restrição da aplicação dessa diretriz quando se está diante de bens jurídicos coletivos. Por sua vez, Ávila (2009) advoga que é necessário estudos a fim de identificar critérios que permitam a incidência da insignificância em relação aos crimes tributários. O autor aduz que há uma certa negligência da doutrina brasileira nessa temática.
Com base nesses estudos, que instam a dogmática a refletir sobre esse relevante tema, decidiu-se por elaborar essa pesquisa. Esse breve ensaio será dividido do seguinte modo: inicialmente será feito um breve histórico da origem do princípio da insignificância e uma contextualização da proteção de novos bens jurídicos. Em seguida, serão abordados os principais crimes tributários, mormente aqueles da Lei 8.137/ 90 e do artigo 168-A, do Código Penal. Por fim, será discutida a aplicação do princípio da insignificância à ordem tributária, esse bem jurídico de natureza supraindividual.
Quanto à metodologia de pesquisa, foi realizada uma análise teórica através de referencial bibliográfico diretamente ligado ao tema. Desta forma, foi feita uma revisão de literatura em livros, artigos científicos, teses, dissertações; também se trata de uma pesquisa documental em leis e jurisprudências.
1 INSIGNIFICÂNCIA E NOVOS BENS JURÍDICOS
O princípio da insignificância no Brasil se subsome às técnicas corretivas que atuam na manutenção do sistema jurídico como um todo (Mendes, 2022). Assim, são diretivas efetivas do sistema, que atuam durante a aplicação da norma (Rodrigues, 2012). Segundo Fialho (2023), os princípios advindos da Constituição são responsáveis por adequar o direito penal aos ditames da Carta Maior, fazendo com que o sistema tenha coerência lógico-sistemática.
No âmbito da interseção entre princípios constitucionais e legislação penal, destaca-se o fenômeno da jurisprudência como um mecanismo de concretização da ideia de intervenção estatal mínima. Esse fenômeno é notório nas situações que envolvem a aplicação do princípio da insignificância, especialmente nos casos em que este se torna objeto de construção doutrinária (Fidélis; Fidélis, 2021).
A partir da coleta e análise dos dados desta pesquisa, torna-se evidente a plenitude da aplicação dos princípios da insignificância, notadamente nos delitos relacionados à ordem tributária, bem como nos casos que guardam estreita relação com a esfera previdenciária, notabilizando-se as situações de apropriação indébita. Tal observação reflete a evolução da doutrina alinhada ao ordenamento vigente (Fialho, 2023).
Portanto, o cerne da pesquisa é aprofundar o entendimento do princípio da insignificância, incluindo suas origens e contexto histórico, identificando como as interpretações têm evoluído em relação à base argumentativa sobre a qual as decisões judiciais se assentam, a fim de evidenciar suas limitações. Esse é um objetivo valioso, uma vez que o princípio da insignificância é um conceito jurídico fundamental, que pode ter implicações significativas no sistema legal brasileiro, especialmente no que se refere aos crimes tributários.
1.1 Origens da insignificância
O princípio da insignificância tem suas raízes históricas associadas a um extenso processo de análise doutrinária, o qual se fundamentou na busca pela validação do que seria considerado injusto, utilizando-se para tanto de vetores de otimização, nomeados de princípios (Mendes, 2022).
Para tanto, de acordo com a doutrina, buscou-se destacar os casos que são considerados mais significativos, meritórios da reprimenda penal em razão da magnitude da lesão ou da ameaça ao bem jurídico tutelado, enquanto relegava ao segundo plano aqueles que são percebidos como sendo de pouca relevância em termos de lesividade social (Rodrigues, 2012).
No âmbito do Direito Romano, há registros de antigas discussões entre jurisconsultos que já indicavam como caminho a ser percorrido a desconsideração de causas ou delitos de pequena magnitude, em face do parco relevo jurídico de determinados conflitos penais (Fialho, 2023).
No sistema romano-germânico, a aplicabilidade do princípio da insignificância torna-se cada vez mais viável, embora não possa abranger todas as infrações penais devido à rigidez da lei escrita (Fidélis; Fidélis, 2021). Desse modo, estabelecer regulamentações para abranger toda a variedade de interações sociais diuturnas seria excessivamente complexo (Cintra, 2011). Assim, esse princípio concentra-se principalmente na proteção de bens jurídicos e na seleção de casos de menor relevância social (Mendes, 2022).
No Brasil, a decisão judicial de maior relevo nesta temática é atribuída ao Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 84.412 (Rodrigues, 2012). Essa corte desempenha um papel fundamental na revisão de processos que envolvem decisões anteriores, propiciando reflexões e novas maneiras de pensar a utilidade do Direito Penal.
É importante destacar que, para compreender adequadamente a aplicação do princípio da insignificância no Brasil, não basta apenas considerar decisões judiciais, mas é essencial, que essas decisões estejam fundamentadas em fatos e estejam de acordo com a Constituição Federal de 1988 (Fidélis; Fidélis, 2021). Isso garante a conformidade desse princípio com a legislação, especialmente no que diz respeito ao princípio da necessária proteção de bens jurídicos.
1.2 Novos bens jurídicos
O Direito Penal desempenha um papel essencial na proteção da sociedade, particularmente no que diz respeito à salvaguarda de bens jurídicos que são de grande relevo ético-social (Fidélis; Fidélis, 2021). A ingerência do legislador se dá principalmente no estabelecimento de delitos e sanções para aqueles que violam a lei e prejudicam os bens mais caros à comunidade (Mendes, 2022).
A compreensão dos conceitos relacionados aos bens jurídicos, no âmbito do Direito Penal passou por um processo de evolução ao longo dos anos, visando permitir interpretações mais precisas sobre eles (Cintra, 2011). Essa evolução possibilitou o desenvolvimento de um registro técnico-dinâmico por meio da documentação e uma investigação mais rigorosa das leis (Mendes, 2022).
Em épocas antigas, as infrações eram frequentemente abordadas sob uma perspectiva cultural e cosmológica, relacionadas às crenças divinas. Muitas vezes, ofensas às divindades eram vistas como crimes, e a resolução desses casos envolvia compensações devidas pelas infrações, de acordo com as práticas da Idade Média.
No período do mercantilismo, que marcou o fim da era medieval, houve uma mudança de entendimento, que se concentrava em delimitar as partes envolvidas nos conflitos privados, com o intuito de preservar o patrimônio e os direitos do indivíduo.
Do século XVI ao século XVIII, durante o período do absolutismo, observou-se que os delitos não possuíam um conteúdo delimitado, já que eram punidos com fundamento na voluntariedade do monarca. As punições eram vistas como uma forma de reforçar o respeito à autoridade real e eram aplicadas com severidade, refletindo a necessidade de demonstrar um respeito ao soberano.
Durante o período denominado de Iluminismo, o Direito Penal clássico lança suas bases humanistas, e passa-se a construir um conceito de bem jurídico cuja tônica é a pessoa. Assim, os bens jurídicos individuais ganham protagonismo, sendo que o Direito Penal vai se dirigir à proteção dos interesses mais relevantes do sujeito, como a vida, a integridade corporal e o patrimônio.
No entanto, com a globalização, inicia-se um período de repartição de riscos, é a denominada sociedade de risco, em que bens jurídicos coletivo e supraindividuais, como o meio ambiente e a ordem tributária passam a ser objeto de teorização na doutrina jurídico-penal a fim de se estabelecer novos delitos ou maneiras diversas de responsabilização penal, advindos dos novos riscos inerentes a forma como a sociedade se estrutura na contemporaneidade.
No contexto atual do Direito Penal, observa-se a proteção de bens supraindividuais e coletivos, ao lado da clássica proteção de interesses individuais, utilizando-se por vezes da técnica da incriminação de perigos de natureza abstrata. Além disso, a lei penal vigente pode responsabilizar diretamente pessoas jurídicas, que cometam crimes ambientais, verbi gratia, algo impensável até pouco tempo atrás (Fialho, 2023).
Nesta seara, esta pesquisa selecionou para debater o princípio da insignificância os crimes contra a ordem tributária, regulados pela Lei nº 8.137/1990, e o crime de apropriação indébita previdenciária, artigo 168-A do Código Penal, cujo bem jurídico protegido possui natureza eminentemente supraindividual.
2 Os Crimes contra a Ordem Tributária
O Estado desempenha um papel fundamental como gestor das políticas públicas, exercendo um controle organizacional abrangente sobre a sociedade, com foco no desenvolvimento de atividades financeiras, econômicas e administrativas (Fidélis; Fidélis, 2021). Esse controle tem o propósito regulatório, de manter a harmonia nas interações humanas em busca do bem comum (Mendes, 2022).
Para cumprir esses objetivos, cabe ao Estado a obrigação de estabelecer uma organização voltada para a geração de receitas para suas finanças públicas, por meio de suas estruturas governamentais (Moura; Teixeira, 2022). Essa máquina estatal é responsável, por planejar a alocação dinâmica dos recursos públicos, para atender todas as necessidades da sociedade e atingir plenamente os objetivos estabelecidos (Machado, 2010).
Nesse contexto, os processos relacionados à tributação podem ser classificados em fiscais e extrafiscais. Os tributos fiscais têm como principal finalidade a obtenção de receitas, por meio dos agentes políticos do Estado, sendo designados como impostos. Já os tributos extrafiscais visam direta intervenção, tanto no âmbito social quanto econômico, com o propósito de arrecadar mais recursos, como é o caso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), por exemplo.
É importante ressaltar que os tributos representam a forma precípua de financiamento do Estado, por isso não podem ser considerados espécies de sanções por alguma violação legal. Portanto, desde o início, os tributos são percebidos como obrigações a serem cumpridas tanto por particulares quanto pelo Estado, que tem que dar a eles a destinação devida (Moura; Teixeira, 2022).
2.1 Condutas incriminadas pela Lei nº 8.137/90
Ao discutir as condutas conforme o artigo 1º da Lei nº 8.137/90 é fundamental destacar, que a mera falta de pagamento de tributo não configura um crime (Mendes, 2022). No entanto, é necessário que o contribuinte forneça à fazenda pública uma declaração que especifique os fatos geradores, os períodos previstos em lei e cumpra com as obrigações contábeis necessárias (Fidélis; Fidélis, 2021).
A sonegação de tributos ocorre quando um agente, na qualidade de sujeito passivo de obrigação, deixa de recolher, no prazo legal, o valor do imposto ou contribuição social, que foi descontado ou cobrado. Essa conduta é definida pelo artigo 2º da Lei 8.137/90. Fraudes desapercebidas ou negligenciadas, durante o processo de recolhimento de tributos, como redução de pagamento ou supressão, podem resultar na configuração do crime de sonegação (Mendes, 2022).
A supressão de tributos, que envolve a ocultação de pagamentos, pode ocorrer, por exemplo, em transações de grande volume de produtos com demanda de mercado, muitas vezes sem a devida emissão de notas fiscais ou a obtenção de alvarás. Na redução, o agente realiza recolhimentos parciais, não cumprindo suas obrigações de maneira completa, buscando obter vantagens.
Uma forma de fraude associada à inadimplência está descrita no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, que se refere à ocultação de informações, com o propósito de fornecer declarações falsas às autoridades fazendárias. É importante notar, que a ocultação se enquadra na conduta omissiva, enquanto a prestação de declaração falsa é uma conduta comissiva perante as autoridades fazendárias, que são responsáveis por receber e registrar todas as declarações dos contribuintes.
O inciso III destaca a ocorrência de fraude, na falsificação ou alteração de notas fiscais, relacionadas a vendas, faturas, duplicatas e outros documentos relacionados a operações tributárias. A falsificação envolve a criação de um documento, que não reflete a realidade das operações tributáveis (Moura; Teixeira, 2022). Já a alteração de documentos implica a modificação total ou parcial de conteúdos relacionados às operações tributárias.
O artigo 2º, inciso I, desta lei, apresenta semelhanças com o artigo 1º da mesma lei, especialmente no que se refere à jurisprudência, que considera a presença do dolo quando o agente deixa de pagar total ou parcialmente um tributo no momento devido (Mendes, 2022).
A apropriação indébita fiscal, conforme mencionado acima, configura um crime quando o agente demonstra recorrência em não cumprir a obrigação de recolher um determinado tributo, seja ele descontado ou cobrado ativamente. Quando o dolo está presente, o crime é consumado de acordo com o estabelecido no artigo 2º, inciso I, devido à falta de respeito pelo prazo de vencimento no pagamento dos tributos, seja ele descontado ou ativamente cobrado.
No entanto, não há punição, quando o valor total devido é pago (Fialho, 2023). A pena e outras obrigações são extintas, incluindo a possibilidade de parcelamento (Moura; Teixeira, 2022). Esse processo de extinção da punibilidade ocorre automaticamente quando a dívida é quitada, e qualquer registro de delito é cancelado (Fidélis, Michelli; Fidélis, Monique, 2021).
Segundo Costa (2005), o delito do artigo 2º, inciso III, é considerado um crime que pode ser cometido de forma deliberada por um contribuinte ou por qualquer pessoa disposta a realizar tais atos.
De acordo com Baltazar Junior (2017), o delito do artigo 2º, inciso IV, apresenta uma brecha relacionada a incentivos fiscais, categorizando uma conduta de omissão ao não aplicar o incentivo fiscal quando a lei exige, ao mesmo tempo em que pode resultar em uma conduta comissiva, que requer a presença do dolo. Nesse contexto, o autor ilustra que a consumação do crime ocorre quando vence o prazo estabelecido, e esse prazo pode ser aplicado ou ter sua aplicação suspensa caso haja discordância.
As condutas descritas no artigo 3º da Lei nº 8.137/90 são denominadas como crimes funcionais, ou seja, são cometidos por funcionários ativos, que desempenham suas atividades profissionais na Fazenda. Observa-se que, o inciso I destaca a má-fé do funcionário, como por exemplo, quando ele extravia, deixa de utilizar, ou omite um documento ou livro fiscal considerado oficial (Mendes, 2022).
Segundo Baltazar Junior (2017), o artigo 3º, inciso II, estabelece um delito cuja consumação se dá já pela exigência ou solicitação de benefício ilegítimo ou, ainda, com o aceite de promessa de proveitos espúrios em virtude de não realizar o lançamento ou a cobrança de um tributo, ou quando a cobrança é efetuada de forma parcial, independentemente de o funcionário ter agido efetivamente ou recebido uma vantagem indevida. Nesse sentido, deve ser interpretado como espécie de corrupção passiva ou concussão (artigos 316 e 317 do Código Penal). Esse entendimento é fundamental para regulamentar as atividades dos funcionários públicos, que atuam no setor administrativo (Fidélis; Fidélis, 2021).
Por sua vez, do artigo 3º, inciso III da mesma lei, incrimina o funcionário público que tem interesse direto em obter vantagens pessoais, por meio do uso da administração pública, principalmente na administração Fazendária, a consumação do crime ocorre por meio de ações, que visam a promoção de interesses privados por parte do funcionário da Fazenda, espécie do delito de advocacia administrativa constante no Código Penal; esse fato revela a necessidade de consolidar a legislação penal em que, por vezes, as condutas são incriminadas por duas legislações diferentes, tendo o julgador que recorrer a critérios de resolução de antinomia aparente no momento de aplicação da norma.
2.2 O crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP)
A prática de condutas proibidas por lei, que envolvem infrações relacionadas à seguridade social, pode resultar em crimes. As sanções são aplicadas quando ocorrem ações intencionais, que violam a legislação, inclusive em caso de conduta omissiva (Mendes, 2022).
A Seguridade Social, conforme estabelecida na Constituição Federal brasileira de 1988, no artigo 194, abrange três áreas principais: saúde, assistência social e previdência. Essa integração visa a ações práticas, tanto por parte das autoridades públicas, quanto de toda a sociedade, para garantir os direitos sociais (Moura, 2000).
Dentro da Seguridade Social, a Previdência Social é uma das áreas que envolve diversos crimes previdenciários, como a falsificação de documentos em face da previdência, conforme previsto no artigo 297 do Código Penal, que trata da falsificação total ou parcial ou alteração de documento público verdadeiro. Além disso, destaca-se a apropriação indevida de coisa alheia, conforme definido no artigo 168-A do Código Penal. Também é importante mencionar a sonegação de contribuições sociais, prevista nos artigos 337-A, § 3º e § 4º do Código Penal, bem como outros crimes relacionados, como o estelionato.
Dentre estes, a apropriação indébita em relação às contribuições previdenciárias é considerada um crime direto contra a previdência (Monteiro, 2000), sendo enquadrada no âmbito do Direito Penal Tributário, uma vez que as contribuições representam uma das espécies de tributo. Quando alguém desconta essas contribuições, mas não as repassa conforme exigido por lei irá ser configurado o tipo penal descrito no artigo 168-A do Código Penal.
2.3 O princípio da insignificância em relação ao bem jurídico supraindividual
O princípio da insignificância é aplicado quando os danos causados pela conduta criminosa são mínimos ou inexistentes, e não há um interesse público relevante na persecução penal. Nesses casos, o Estado pode optar por não processar o infrator criminalmente. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando se trata de valores muito baixos em crimes financeiros ou quando não há uma ofensa substancial a um bem jurídico.
A aplicação desse princípio é complexa e sujeita a interpretações variadas. A jurisprudência e a doutrina buscam definir critérios, para determinar quando uma conduta é insignificante, levando em consideração diversos fatores, como o valor envolvido, a ausência de dano relevante e a ausência de periculosidade social. No entanto, essa análise é feita caso a caso e pode variar entre os tribunais (Fialho, 2023).
Recentemente foi exarado o seguinte acordão pelo Supremo Tribunal Federal (STF):
1. É aplicável o princípio da insignificância no sistema penal brasileiro desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: ‘a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada’ (HC 84.412, ministro Celso de Mello). 2. Na presença desses quatro vetores, o princípio da insignificância incidirá para afastar, no plano material, a própria tipicidade da conduta diante da ausência de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. 3. A insignificância, princípio que afasta a tipicidade da conduta, especialmente nos crimes patrimoniais, não deve ser tida como regra geral, a se observar unicamente o valor da coisa objeto do delito. Deve ser aplicada, segundo penso, apenas quando estiver demonstrado nos autos a presença cumulativa dos quatro vetores objetivos […]. (Brasil, 2021).
No contexto dos crimes contra a ordem tributária, existe um debate sobre a aplicação do princípio da insignificância. Em algumas situações, quando os valores envolvidos são muito baixos e não representam, uma ameaça à arrecadação tributária, a Fazenda Pública pode optar por não iniciar a execução fiscal. No entanto, essa decisão é complexa e pode variar dependendo das circunstâncias do caso (Rodrigues, 2012).
A aplicação desse princípio na área tributária busca evitar que o sistema penal seja usado de forma excessiva para punir sonegações fiscais de menor relevância, concentrando os esforços em casos que representem ameaças mais substanciais à ordem tributária.
Nesse sentido, já reconheceu a incidência do princípio da insignificância quanto aos crimes tributários federais o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que sintetizou a tese no tema 157:
Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. (Brasil, 2009).
Em resumo, o princípio da insignificância é uma ferramenta importante para evitar a criminalização de condutas de mínima relevância. No entanto, sua aplicação exige análise detalhada das circunstâncias de cada caso, e a interpretação desse princípio pode variar entre os tribunais e no contexto de diferentes tipos de crimes. Apesar disso, já há um posicionamento bastante robusto no STJ que determina sua adoção quando o débito tributário não ultrapassar o valor de vinte mil reais quanto a tributos federais. A mesma tese tem sido adotada quanto aos tributos estaduais:
Habeas Corpus - crime contra a ordem tributária - atipicidade - princípio da insignificância. ICMS. Tributo estadual. Leis estaduais regulando a matéria. Adoção do mesmo parâmetro definido pelo STJ no Recurso Especial representativo de controvérsia n. 1.112.748. Possibilidade. Julgamento afetado em razão da matéria à terceira seção. Constrangimento ilegal manifesto. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. (Brasil, 2020).
Em seu voto o relator argumenta que:
[...] não há como deixar de aplicar o mesmo raciocínio aos tributos estaduais, exigindo-se, contudo, a existência de norma reguladora do valor considerado insignificante, mesmo porque, como cediço, valores ínfimos já não são cobrados por estados e por municípios, em razão da inviabilidade do custo operacional. (Brasil, 2020, p. 10).
Quanto à aplicação do princípio da insignificância, em casos de crimes de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do Código Penal), o tema é mais controverso se comparado com os crimes contra a ordem tributária. No caso do artigo 168-A, a proteção dos bens jurídicos envolvidos pode ser considerada de maior relevância, uma vez que está relacionada à seguridade social e ao bem-estar social da população.
Portanto, o STF já chegou a decidir contra a aplicação do princípio da insignificância nesses casos, uma vez que danos ou desvios mesmo em pequenos valores, podem ter impactos mais significativos na seguridade social (Fidélis; Fidélis, 2021). Vide ementa da decisão colacionada abaixo:
Habeas Corpus. Penal. Apropriação indébita previdenciária. Não repasse à previdência social do valor de R$ 7.767,59 (sete mil setecentos e sessenta e sete reais e cinquenta e nove centavos). Inviabilidade da aplicação do princípio da insignificância: alto grau de reprovabilidade da conduta e ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado. Ordem denegada. (Brasil, 2012).
Isso pode ser visto como uma medida para proteger o sistema de seguridade social e evitar que contribuições importantes sejam prejudicadas. A supressão de contribuições previdenciárias, mesmo que em pequenos valores, pode prejudicar o sistema como um todo e o atendimento aos direitos dos segurados.
Essa discordância na interpretação do princípio da insignificância destaca a complexidade do sistema legal e como a aplicação de princípios pode variar de acordo com o contexto. O STF e outros tribunais têm a prerrogativa de interpretar a lei e aplicar os princípios de acordo com as circunstâncias de cada caso.
Em resumo, a discordância em relação à aplicação do princípio da insignificância em crimes de apropriação indébita previdenciária pode ser baseada na importância dos bens jurídicos envolvidos e na necessidade de proteger o sistema de seguridade social. Isso pode resultar em uma interpretação diferente em comparação com crimes tributários da Lei n. 8.137/90, em que o princípio é aplicado de forma mais evidente.
CONCLUSÃO
Na análise feita por esta pesquisa, é seguro afirmar que o princípio da insignificância pode ser utilizado como causa de atipicidade da conduta, quando ela não resultar em danos graves ou significativos. No entanto, esse princípio não está diretamente regulamentado por lei, o que deixa espaço para interpretações várias.
A falta de critérios e parâmetros legais específicos para determinar o que constitui uma conduta insignificante, pode levar a complexas discussões e, às vezes, à lentidão na aplicação do princípio nos casos de crimes tributários. Isso ocorre porque a definição do que é "insignificante" pode variar de caso para caso.
A eficiência do Poder Judiciário pode se beneficiar do princípio da insignificância, como uma ferramenta útil a fim de concentrar recursos e esforços em questões mais significativas. No entanto, sua aplicação deve ser feita com disciplina e responsabilidade, para evitar erros ou falhas que possam prejudicar a justiça e a confiança da sociedade no sistema legal.
Destarte, ressalta-se a importância de continuar a aprimorar a conceituação e aplicação desse princípio, garantindo que ele cumpra seu papel de maneira equitativa e justa. Torna-se evidente que a questão da insignificância é complexa e tem sido objeto de discussões substanciais no contexto do Direito Penal Tributário.
Na hipótese dos de crimes tributários, a complexidade reside em garantir que as circunstâncias específicas de cada caso sejam consideradas, levando em conta fatores como a reprovabilidade do agente, a expressão da lesão jurídica e a necessidade de punição. Destaca-se também, a diferença na aplicação do princípio da insignificância entre os crimes tributários propriamente ditos e a apropriação indébita previdenciária, uma vez que neste último delito o STF já entendeu pela inviabilidade da caracterização da insignificância.
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VELOSO, Roberto Carvalho. A inexigibilidade de conduta diversa e a sua aplicação nos crimes contra a ordem tributária. Tese (Doutorado em Direito). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2008.
[1] Professor Doutor em direito penal pela USP, Coordenador do Curso de Direito, Centro Universitário de Jales (UNIJALES), Jales – SP; professor contratado da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
graduando do Curso de Direito pelo Centro Universitário de Jales (UNIJALES), Jales – SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PARINI, Humberto. O princípio da insignificância aplicado aos crimes tributários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/64174/o-princpio-da-insignificncia-aplicado-aos-crimes-tributrios. Acesso em: 22 nov 2024.
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