RESUMO: Este artigo tem por escopo analisar algumas conexões do Direito Urbanístico com a teoria da complexidade de Edgar Morin, além de explorar estudos de diversos autores que trabalham com a temática da complexidade, relacionando estes escritos com o Direito Urbanístico. O Direito Urbanístico auxilia o entendimento da complexidade e da reforma do pensamento proposta por Morin, pois estas se apóiam fundamentalmente na junção dos mais diversos saberes, nos mesmos moldes deste ramo da ciência jurídica, como exposto no estudo, pois se trata de uma área interdisciplinar do Direito. Ademais, a ligação dos saberes também é fonte da ética abordada por Morin.
Palavras-chave: Direito Urbanístico. Teoria da complexidade. Interdisciplinaridade.
SUMÁRIO: Introdução. 1 O Direito e a complexidade exposta por Edgar Morin. 2 Complexidade urbana. Considerações finais. Referências.
Introdução
Nos dias atuais muitos estudos pautam em fazer uso da interdisciplinaridade para analisar o Direito. Este estudo utiliza da epistemologia da complexidade e parte das ideias da reforma do pensamento de Edgar Morin para compreender o Direito Urbanístico.
Em relação ao principal autor citado neste artigo, Edgar Morin nasceu no ano de 1921, na cidade de Paris, França. Aos dez anos perde sua mãe. E, ainda na infância, é atraído pela literatura e cinema. Durante a segunda guerra, adere à resistência francesa, quando troca o sobrenome Naum por Morin. Posteriormente à guerra, trabalha como redator de jornais. Nesta época escreve “O homem e a morte”, que dá início à sua sabedoria transdisciplianar, com conhecimento em etnografia, psicanálise, história das religiões, história das ideias e filosofia, entre outras. Na sequência, viaja pela América Latina, onde se embevece pela cultura. Após estudos em biologia e cibernética, envolve-se em movimentos estudantis na França. Nas três décadas seguintes trabalha nos seis volumes de “O método”, considerada sua grande obra. É chamado pelo governo francês para trabalhar na reforma do ensino secundário e universitário deste país pelo seu notável saber interdisciplinar (CARVALHO e ASPIS, 2011). Morin (2006, p. 13-14) auxilia na compreensão da complexidade ao explicar:
O que é a complexidade? A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com os trações inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza... Por isso o conhecimento necessita ordenar os fenômenos rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é, selecionar os elementos da ordem e da certeza, precisar, clarificar, distinguir, hierarquizar... Mas tais operações, necessária à inteligibilidade, correm risco de provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do complexus; e efetivamente, como eu o indiquei, elas nos deixaram cegos.
Ademais, a presente pesquisa bibliográfica possui uma abordagem qualitativa, onde o processo e seus significados são os objetivos de abordagem, os quais não podem ser traduzidos em números. A espinha dorsal de uma pesquisa remonta à base ontológica. Esta reflete a crença do pesquisador quanto ao mundo que o cerca e sobre o que pode ser compreendido sobre o mesmo. Esta pesquisa possui um caráter interpretativista da esfera social, onde se considera que a realidade é subjetiva, holística e complexa (HIRSCHMAN, 1986). A essência da crítica interpretativista concentra-se no objetivismo acentuado e, até mesmo, restringente do funcionalismo. Neste contexto, as ações interagem entre si, de forma a dar sentido ao mundo (VERGARA e CALDAS, 2005). O interpretativismo está mais associado à pesquisas qualitativas, termo o qual é utilizado para cobrir uma vasta gama de abordagens e métodos oriundos de diversas disciplinas de pesquisa (TEIXEIRA et al, 2012). Este paradigma foi empregado na presente pesquisa porque configura, em última análise, no entendimento do imbricamento do Direito Urbanístico com a complexidade de Morin. Dessa forma, com suporte nesta abordagem, este trabalho possui análise e interpretação dos dados à luz da epistemologia da complexidade.
Para tanto, no presente estudo, de cunho exploratório, buscou-se informações qualitativas, por meio de análise bibliográfica. Além do jurista, filósofo e sociólogo Edgar Morin, a discussão foi realizada por meio da análise das obras de autores variados. Em suas entrevistas aos meios de comunicação, de forma espontânea, Morin faz uso de ideias presentes em seus livros para responder as diversas perguntas dos entrevistadores. Deste modo, as suas entrevistas configuram uma fonte muito rica de consulta para a compreensão da complexidade. Algumas destas entrevistas concedidas à mídia brasileira também subsidiaram o presente estudo.
Nesta pesquisa, os mais variados autores, estão dispostos para “conversarem juntos”, mesmo havendo, algumas vezes, certas diferenças de concepções epistemológicas. Isto foi executado porque se acredita, com base na epistemologia da complexidade, que a relação dialógica é imprescindível para construir um ambiente de crescimento intelectual.
Dessa forma, esta pesquisa se justifica pela contribuição que pode dar como fonte de conhecimento científico para contribuir com a epistemologia da complexidade, além de corroborar com a compreensão de uma visão alternativa do Direito Urbanístico.
1 O Direito e a complexidade exposta por Edgar Morin
A incompreensão nas relações entre as pessoas e entre estas e o meio em que estão inseridas é marcante. Esta incompreensão se inicia nas relações simples entre os indivíduos, passa pela família, pelo trabalho e atinge até mesmo os povos. Esta problemática decorre principalmente do desconhecimento ou desconsideração da complexidade. Nesse viés, Morin (2015, p. 80) propõe que: “A compreensão intelectual necessita apreender o texto e o contexto, o ser e o seu meio, o local e o global, juntos”. O meio, então, não pode ser eficientemente abordado de maneira afastada dos indivíduos e de outras esferas do conhecimento. Destarte, o Direito Urbanístico, por versar – e disciplinar – sobre o ordenamento do solo urbano, possuir caráter interdisciplinar, além de abarcar temas de áreas como cível, administrativo, ambiental, entre outros, pode facilitar a resolução do problema do conhecimento levantado pelo referido sociólogo.
Um dos motivos de se tratar nesta pesquisa o Direito Urbanístico Brasileiro e não de outro país e também o motivo de se escolher como grande pensador do trabalho Morin, ao invés de outro filósofo ou jurista, configura a conexão que este possui com o Brasil, além de suas obras, como se observa no trecho de sua entrevista concedida (MORIN, 2000, Não paginado), à TV Cultura, em visita ao Brasil:
Sabe, não procurei e não procuro algo especial. Eu encontrei. E encontrei no Brasil. Meus primeiros encontros no Brasil foram para mim... eu diria um encanto. (...) E encontrei no Brasil essa civilização. Encontrei, é claro, um país de uma grande diversidade, mas um país que me encantava porque o que caracterizava, por exemplo, Rio e São Paulo era diferente do que caracterizava Natal e Belém. Eu sempre vi esta diversidade. E também é um país onde encontrei, pessoalmente, uma acolhida mais agradável ainda por não se limitar à minha pessoa, mas pelas idéias que defendo. Há um entendimento das minhas idéias... no Brasil. Portanto, evidentemente, fiz muitas amizades, amizades muito queridas e profundas. E, se me permite, considero o Brasil uma segunda pátria, se ele quiser me acolher.
E ainda, para compreender a complexidade é importante verificar a dimensão histórica. Não se pode olvidar que no contexto histórico e evolutivo, nesta passagem da modernidade para a pós-modernidade, houve implicações na sociedade. Lyotard (1984) estipula que a partir do final da década de 1950 está em curso a era pós-moderna, embora com um ritmo diferente de país para país. Desta época em diante, a direção da nova pesquisa é ditada pela possibilidade de seus eventuais resultados serem traduzíveis em linguagem de computador. Neste contexto, o usuário do conhecimento deve possuir os meios de traduzir para essa linguagem o que quer. A hegemonia dos computadores possui um conjunto de prescrições que determinam que as declarações sejam aceitas como declarações de conhecimento. A informatização das sociedades mais desenvolvidas permite destacar certos aspectos da transformação do conhecimento e seus efeitos sobre o poder público e as instituições civis, de difícil percepção a partir de outros pontos de vista.
Lyotard (1984) parte da premissa de que o acesso aos dados constitui a prerrogativa de especialistas de todos os setores, de forma que a classe dominante é a classe de tomadores de decisão. Afirma ainda que, na atualidade, a classe dominante não é mais composta da classe política tradicional, mas de uma camada de líderes empresariais, de gestores de alto nível e de chefes das principais organizações profissionais, de trabalho, políticas e outras. Nesse ambiente, com o domínio das telecomunicações, são previlegiadas certas classes de declarações, cuja predominância caracteriza o discurso da instituição em questão.
Dentro desta discussão, Morin (2015) propõe o pensamento complexo para religar os mais diversos saberes, sem, no entanto, negar a importância dos especialistas. Aventa um pensamento organizador, que separa e religa. Este pensador se destaca pelo estudo da complexidade, em que desenvolve uma epistemologia que coloca esta forma de compreender o mundo no centro de grandes desafios da atualidade, como a educação e a ética. Conforme Silva (2011) explica, Morin repete a todo momento que a premissa constitui que não se pode reformar as instituições sem antes reformar o pensamento.
Brito e Ribeiro (2003) escrevem sobre a modernização na era de incertezas, em que criticam as teorias do desenvolvimento calcadas nos pressupostos da modernidade e situam algumas alternativas que pregam a possibilidade de uma nova teorização sobre o desenvolvimento. Para este fim, explicam que se faz necessário compreender a modernidade. Entendem por modernidade um cenário de compressão do tempo e do espaço pelos homens modernos que, ao prometer transformação por outro lado, coloca em constante ameaça o próprio homem e suas realizações. Acreditava-se que a modernidade, com a ciência e a técnica, daria garantias ao progresso, tendo o mercado e o Estado como aliados e organizadores da sociedade, os quais deveriam atuar para realizar a vocação inovadora do homem moderno que, sem as amarras da tradição, transformaria para si e para enriquecer a nação.
E ainda, na modernidade acreditava-se que a ciência seria quem forneceria ao homem um amparo moral e ético, contra a perda de sentido proveniente do desencantamento do mundo. Hodiernamente, de maneira geral caiu a promessa de realização de um futuro virtuoso, com base na razão, no progresso, no individualismo, na igualdade e na ciência, derivados de um entendimento filosófico, num complexo processo de tomada de consciência histórica do homem moderno. Isto deriva de um processo que resulta em transformações, no pensamento e no nível histórico, a ponto de se colocar em xeque as próprias instituições modernas. O juízo de desenvolvimento era tido como um elemento modernizador pautado no progresso e aprimoramento da técnica.
Brito e Ribeiro (2003) entendem que as mudanças que estão ocorrendo têm uma função mais estética, sem gerar mudanças profundas para a construção de um novo estilo de vida. Nesse sentido, o pensamento social contemporâneo está dominado pela ideia de crise, com o colapso das narrativas otimistas de mudança social. E mais, com seu desenrolar, a modernização industrial foi guiada pela dinâmica do ideal econômico, cujo resultado foi o aumento da produtividade e a maximização do lucro. Como consequências da modernidade têm-se insegurança, perigo e a sociedade de risco, onde o impacto da globalização, as mudanças na vida cotidiana e pessoal e o surgimento da sociedade pós-tradicional ultrapassam a modernidade ocidental e alcançam o mundo todo.
O pós-modernismo surge como uma concepção de homem e de organização singulares, onde a organização é menos a expressão do pensamento planejado e da ação calculada e mais uma ação defensiva a forças intrínsecas ao corpo social que ameaçam constantemente a estabilidade da vida organizada. Portanto, o mito do desenvolvimento amparado nas dimensões ilimitadas do crescimento, por meio das atividades econômicas que acabaram por gerar riscos individuais e globais em nome de um progresso que prometia generalizar-se a toda humanidade através do avanço da ciência e da técnica, não se realizou. E a implantação do desenvolvimento, nas diversas esferas da sociedade, está além de modismos da administração, como algumas inovações gerenciais (MENDES, 2004). Neste diapasão despontam a teoria da complexidade e o Direito Urbanístico, entre outros ramos do Direio, na salvaguarda da sustentabilidade.
Ademais, usualmente, na Antiguidade o homem guiava suas ações com base no místico, após a Revolução Industrial pelo mercado e, no século passado, pela ciência normal clássica. Mas nenhuma dessas abordagens, por si só, na atualidade, impera como solução da ampla gama de problemas da sociedade e, até mesmo, como explicação total da realidade. Nesse viés, entende-se que a busca da compreensão da complexidade – tratada não apenas como teoria ou epistemologia, mas como ontologia – pode coabitar a razão humana para existir, complementarmente ao mercado e à ciência.
Cembranel (2015) explorou a base de dados Scientific Electronic Libraly Online (SCIELO), filtrando artigos com o termo Edgar Morin, encontrando na área temática de sociologia cinco artigos e na área temática de gestão quatro artigos. Nota-se que, à exceção de um artigo relacionado à gestão, prevaleceu como metodologia a revisão bibliográfica. Tal fato corrobora com a ideia de que a pesquisa bibliográfica pode ser produtiva em relação ao tema complexidade.
Além disso, os processos sociais e econômicos evoluem rumo à estruturações mais complexas e apresentam infinitos caminhos de desenvolvimento (NAVEIRA, 1998). A produção acelerada de necessidades na atual economia global e a poluição tem gerado sérias consequências para o meio ambiente e os indivíduos. Isso se mostra altamente imbricado na sustentabilidade, nas suas várias faces.
Entre suas análises relativas à complexidade, Morin (2015) parte das consequências éticas do circuito das ciências. Afirma que a verdade, a solidariedade e a responsabilidade são engendradas de forma abstrata, ou seja, excessivamente teórica e impalpável. Simplifica com o exemplo de que estes princípios não podem ser impostos aos indivíduos (MORIN, 2015, p. 132). O caminho alternativo seria pelas experiências vividas, em uma religação ao cosmos, com a compreensão da grande narrativa.
De maneira bastante sucinta, a grande narrativa inclui o ser humano em uma imensa história, que inicia com o nascimento do universo há bilhões de anos. Depois o nascimento do sol e o nosso planeta, passando pelo surgimento da vida, o desenvolvimento dos mamíferos e a ramificação dos primatas que deu origem aos bípedes. Na sequência, a aventura da “hominização” – a formação do homem, até os indivíduos de hoje, que passaram da pré-história à globalização atual (MORIN, 2015).
Este pensamento que abrange a interiorização de que os indivíduos fazem parte da natureza, religa e traz solidariedade. Morin (2015, p. 133) mostra o problema do oposto que impera:
Mas o que destrói essa solidariedade e esta responsabilidade? É a degradação do individualismo em egoísmo e, simultaneamente, o modo compartimentalizado e parcelar no qual vivem não apenas os especialistas, técnicos e experts, bem como os que se encontram compartimentalizados nas administrações e escritórios. Se perdemos de vista o olhar do conjunto, o do local no qual trabalhamos e, bem entendido, o da cidade em que vivemos, perdemos ipso facto o sentido da responsabilidade: exercitamos simplesmente um mínimo de responsabilidade profissional em nossas tarefas. (...) Enquanto não tentarmos reformar esse modo de organização do saber, todos os discursos sobre a responsabilidade e a solidariedade serão vãos.
A partir destas considerações se pode inferir, ao menos provisoriamente, que as políticas urbanas estão imbricadas com a complexidade dentro do Direito Urbanístico. Isto porque quando se apresentam as normas urbanísticas como imprescindíveis, mas sem um enfoque interdisciplinar, os indivíduos terão a tendência de não compreender o Direito Urbanístico como parte de suas vidas e, por consequência, não seguir corretamente os preceitos por mais éticos que pareçam.
Morin (2015) é categórico ao afirmar que a tendência à redução afasta a compreensão entre os indivíduos. Isto ocorre entre diversos âmbitos sociais, como povos, sociedades e as pessoas em geral. Sem a compreensão impera a desordem. Desta forma, a compreensão, que abrange o pensar de maneira complexa, ao invés de linear e apenas especializada, está no cerne da ética da epistemologia complexa. De acordo com Morin (2015, p. 136): “a reforma do pensamento conduz a uma reforma de vida que é necessária ao bem-viver”.
Em meados do século XIX, a sofisticação que o conhecimento tinha alcançado levou ao questionamento da milenar explicação mágica do mundo, em que reinava muitas vezes a compreensão irracional da realidade. Então surgiram novas teorias objetivas para explicar a relação do ser humano com a realidade e entre elas se destaca o embate entre o materialismo e o idealismo. Em primeiro plano, pode-se dizer que no idealismo o elemento primordial é a ideia ou o pensamento. Já no materialismo a única realidade é a matéria em movimento, que compõe tanto uma pedra como um animal, produz tanto o som como a consciência. Porém, existem também várias formas de compreender o materialismo. No materialismo mecanicista o mundo é um conjunto de coisas acabadas, onde impera o determinismo, no qual o homem é produto passivo da matéria. O pensamento se reduz à secreção do cérebro e o homem é diminuído às necessidades orgânicas elementares como comer e beber. No materialismo dialético o mundo é um complexo de processos, de forma que a consciência no homem tem duplo papel: ela é determinada, mas também reage, determinando, pois não é pura passividade. A consciência que se tem do determinismo liberta o homem através da ação deste sobre o mundo. Neste pode-se dizer aqui que as ideias são forças ativas (ARANHA e MARTINS, 1986). No estudo que se segue nas próximas páginas, se extrapolam os paradigmas citados neste parágrafo e se explora a compreensão dialógica do homem e do universo, a qual é empreendida por Morin, que assume a presença necessária e complementar de processos e instâncias antagônicas.
A grande narrativa, descrita por Morin (2015), corrobora com a compreensão da condição humana, ou seja, o entendimento do homem como indivíduo-espécie-sociedade, onde um produz outro, como bem define e sintetiza o autor. Esta condição humana, por sua vez, dá sentido à ética ambiental. Auxilia na “interiorização” do pensamento de que preservar o meio ambiente é imprescindível, pois todos compartilham uma origem comum, na origem do cosmos e da vida. Nesse viés, o ensino e a cobrança das normas positivadas, por si só, não possui a mesma eficiência que a compreensão da complexidade do ambiente urbano. O Direito Urbanístico, além de se constituir em uma ferramenta de resolução de conflitos e desenvolvimento nas cidades, configura um campo de estudo amplamente interdisciplinar e complexo, como se verifica neste artigo, com muitos assuntos que tratam diretamente ou tangenciam esta temática.
2 Complexidade urbana
Em artigo acadêmico, Vargas e Cervi (2012) sistematizaram que, a partir da reforma inicial da universidade, a lição de Morin é no sentido que a reforma do pensamento consiga se estender em uma ética de solidariedade que auxilie no senso de responsabilidade e cidadania.
Hodiernamente, as ciências jurídicas, assim como as demais ciências humanas, estão partindo para o estudo das relações sociais sem reverenciar as verdades absolutas. O Direito não se limita à um receituário pronto para todas as mazelas sociais, prescrevendo a solução apenas de aplicar a lei ao caso concreto. Marin (2011) afiança: “Enfim, o direito rompeu com o cartesianismo, com o racionalismo e encontrou-se num novo locus das ciências do espírito”. Defende que o Direito ultrapasse o Positivismo Ortodoxo e que se desenvolva, em suas, palavras, uma “pedagogia da alfabetização ecológica”.
Escreve Marin (2011, p. 130):
Isso é percebido, também, na Ciência Jurídica. O processo de simplificação do conhecimento é notória e, infelizmente, crescente. A compreensão crítica do direito não cresce, muito pelo contrário, retrocede. O período é de consolidação da objetificação, da simplificação, da técnica, da burocratização. A cultura manuelesca, que impera no ensino jurídico, faz com que se proliferem as sínteses, os resumos, os esquemas, os quadros sinópticos, enfim, a redução da compreensão do Direito à busca de informações sintéticas e minimizadas que não traduzem a profundidade e a reflexão necessárias à construção de um conhecimento crítico e não repetidor das velhas estruturas do passado. As obras clássicas dão lugar aos manuais simplórios. O exame dos institutos dá lugar à análise acrítica da norma.
A nova realidade e consequente aplicabilidade atual do Direito podem ser mais bem compreendidas por esta explanação de Naveira (1998, p. 71):
Mas, ao longo do século XX, a ciência atualizou a sua visão clássica de uma realidade em permanente equilíbrio para uma visão de uma realidade sujeita, sim, a perturbações – mas que tendia naturalmente a retornar ao equilíbrio. Nessa nova etapa, a palavra-chave eficiência foi substituída pela palavra eficácia. Não bastava mais fazer bem-feito, era preciso agora que este bem-feito fosse adequado às circunstâncias vigentes. Era preciso fazer a coisa certa de um modo “suficientemente certo” enquanto ainda fosse tempo, de nada adiantando fazer certo a coisa errada, ou fazer a coisa certa tarde demais. Atributos como flexibilidade e criatividade adquiriram mais importância que a mera eficiência.
Ainda neste sentido, Morin (1997, p. 19) exprime a reforma do pensamento:
Sim, precisa-se de ideias externas, críticas e contestações de fora, mas é fundamental, sobretudo, reflexão interna. A reforma virá do interior através do retorno às fontes do pensamento europeu moderno a problematização; hoje, não basta problematizar o homem, deve-se problematizar a ciência, a técnica, o que acreditávamos ser a razão e era com frequência uma abstrata racionalização.
A reforma do pensamento é necessária por dois fatores principalmente, como elucida Morin (1997). Primeiro, pressão superadaptativa de acomodação entre ensino, pesquisa, demandas econômicas, técnicas e administrativas. Tal adaptação, contudo, pode ser sinônimo de perda de capacidade inovativa, por afastar a cultura humanista. Segundo, compartimentação e disjunção entre a cultura científica e a cultura humanista, pois uma visa a teoria e a outra a reflexão, sem uma ligação adequada.
Morin (1997) ainda aduz a busca da transdisciplinaridade, para a reforma do pensamento, pois o saber contemporâneo é disperso. Para isso, o autor informa que se faz necessário trocar o pensamento que separa por um pensamento que une, além da substituição da rigidez da lógica clássica por uma dialógica que abrange conceitos complementares e, até mesmo, antagônicas. A reforma do pensamento é intrinsicamente profunda, paradigmática, de organização do conhecimento, como esclarece Morin (1997, p. 19):
A reforma do pensamento permitirá frear a regressão democrática que suscita, em todos os campos da política, a expansão da autoridade dos experts, especialistas de todos os tipos, estreitando progressivamente a competência dos cidadãos, condenados à aceitação ignorante das decisões dos pretensos conhecedores, mas de fato praticantes de uma inteligência cega, posto que parcelar e abstrata, evitando a globalidade e a contextualização dos problemas. O desenvolvimento de uma democracia cognitiva só é possível numa reorganização do saber, a qual reclama uma reforma do pensamento capaz de permitir, não somente a separação para conhecer, mas a ligação do que está separado.
Nesse sentido, observe a questão da gestão das grandes cidades. Nestas regiões, as políticas urbanas possuem uma complexidade ainda maior, pois se intensificam os problemas ambientais, de mobilidade, de moradia, entre outros.
Considerações finais
Um ponto que merece destaque é a grande variedade de autores que se fez imprescindível citar para embasar o estudo. Embora Morin tenha sido destaque por força de sua sugestão de reforma do pensamento, muitos outros autores de áreas diversas foram citados nesta pesquisa.
O pensamento científico que aflorou no século XVII, embora tenha dado origem ao método cartesiano, que fundamentou a ciência clássica, contribuiu para fundar as bases da epistemologia complexa do século XX e XXI, pois como se observa no disposto neste artigo, principalmente em Morin, a complexidade não nega os conhecimentos científicos, ao contrário, propõe religá-los e, ainda, considera outros conhecimentos.
O Direito passa por um processo em que necessita cada vez mais o pensamento complexo para solucionar as questões a que se propõe. Administração pública, gestão, inovação e ética geral são alguns exemplos de esferas as quais o Direito se relaciona, como se verifica no artigo.
Então, o Direito Urbanístico auxilia o entendimento da complexidade e da reforma do pensamento proposta por Morin, pois estas se apóiam fundamentalmente na religação dos mais diversos saberes, nos mesmos moldes deste ramo da ciência jurídica, como exposto no estudo. Ademais, a religação dos saberes também é fonte da ética abordada por Morin.
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Mestre em Desenvolvimento. Especialista em Docência do Ensino Superior. Bacharel em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PARCIANELLO, João Carlos. Algumas conexões entre o direito urbanístico e a teoria da complexidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2024, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65028/algumas-conexes-entre-o-direito-urbanstico-e-a-teoria-da-complexidade. Acesso em: 23 nov 2024.
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