RESUMO: O presente artigo aborda o nepotismo póstumo no ordenamento jurídico brasileiro. Busca-se, ao longo da pesquisa, analisar a vedação ao nepotismo, bem como seus fundamentos jurídicos, além de realizar uma análise da definição do instituto e do entendimento dos Tribunais Superiores quanto à matéria. Destaca-se que a vedação ao nepotismo póstumo é aplicada às serventias extrajudiciais, aprofundando-se a temática com a análise de recente decisão do Conselho Nacional de Justiça e o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal. Espera-se que este artigo contribua para arrefecer o debate sobre o tema, bem como reafirme a necessidade de observância do princípio constitucional da moralidade administrativa em todas as esferas de Poder, inclusive em relação aos delegatários do serviço notarial e de registro.
Palavras-chave: nepotismo póstumo - princípio da moralidade - serventias extrajudiciais
ABSTRACT: This article addresses posthumous nepotism in the Brazilian legal system. Throughout the research, we seek to analyze the prohibition against nepotism, as well as its legal foundations, in addition to carrying out an analysis of the definition of the institute and the understanding of the Superior Courts regarding the matter. It is noteworthy that the prohibition against posthumous nepotism is applied to extrajudicial services, delving deeper into the topic with the analysis of a recent decision by the National Council of Justice and the understanding expressed by the Federal Supreme Court. It is hoped that this article will contribute to cooling the debate on the topic, as well as reaffirming the need to observe the constitutional principle of administrative morality in all spheres of Power, including in relation to delegates of the notarial and registration service.
Keywords: posthumous nepotism - principle of morality - extrajudicial services
INTRODUÇÃO
O princípio da moralidade administrativa está previsto no artigo 37, caput da Constituição Federal e deve reger a atuação da Administração Pública. Incorporar a moralidade nos atos praticados pela administração pública corresponde a uma mudança de conduta social que reflete nas práticas que denunciam o abandono pelos agentes públicos do compromisso de agir com vistas ao bem comum.
Nesse diapasão, o presente trabalho aborda a vedação ao nepotismo no Direito brasileiro, o qual tocou o solo brasileiro antes mesmo do que se imagina e parece estar enraizado na cultura brasileira não só na conduta de maus gestores, como da própria sociedade quando passa a tolerar essas práticas ou mesmo adota comportamentos distantes da moralidade.
Em suma, o presente artigo inicia o estudo analisando a vedação ao nepotismo no Direito Brasileiro, trabalhando o seu conceito e fundamentos jurídicos, as exceções relacionadas aos cargos políticos até alcançar a questão do nepotismo póstumo, tema central do presente estudo, relacionado às serventias extrajudiciais, analisando recente decisão monocrática do Conselho Nacional de Justiça e a posição dos Tribunais Superiores.
Ao final do presente artigo, espera-se contribuir para a reafirmação da necessidade de observância do princípio da moralidade em todas as esferas de Poder, incluindo os delegatários do serviço notarial e de registro.
A VEDAÇÃO AO NEPOTISMO NO DIREITO BRASILEIRO
A prática de nepotismo é mais antiga do que se pode imaginar. Na Itália, nos séculos XV e XVI os Papas tinham por costume (já que não tinham filhos) favorecer seus sobrinhos com títulos e cargos de autoridade, ocorrendo uma dinastia papal até ser promulgada a Bula Papal, documento que proibiu o nepotismo na Igreja Católica em 1692 (GASPARINI, 2008, p.78).
O nosso sistema jurídico veda a prática do nepotismo, o que é possível deduzir dos princípios que regem a Administração Pública, em especial do princípio da moralidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988. Ao agente público é imputado o dever de probidade que é:
[…] o primeiro e talvez o mais importante dos deveres do administrador público. Sua atuação deve, em qualquer hipótese, pautar-se pelos princípios da honestidade e moralidade, quer em face dos administrados, quer em face da própria Administração. Não deve cometer favorecimento nem nepotismo, cabendo-lhe optar sempre pelo que melhor servir à Administração. (CARVALHO FILHO, 2020)
Nessa trilha, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n° 7/2005 aplicada no âmbito do Poder Judiciário a fim de tornar expressa a vedação da prática do nepotismo na esfera administrativa dos órgãos judiciais. Além da vedação expressa, a resolução traz um rol de condutas que configuram nepotismo, de forma exemplificativa.
A Resolução n° 7 de 2005 do Conselho Nacional de Justiça reprovou, independentemente de previsão legislativa, a nomeação de parentes para cargos em comissão dentro do Poder Judiciário. Ora, os princípios constitucionais já eram suficientes para arbitrar a proibição ao nepotismo.
A prática de nepotismo corresponde a uma forma de improbidade administrativa, seu ato ilícito preceitua que o agente público vai realizar a nomeação em cargo em comissão ou função gratificada de cônjuge ou companheiro, parente em linha direta ou por afinidade, até o terceiro grau inclusive em prejuízo de nomear outro mais qualificado, pois o caráter de nomear um parente pelo agente é de preencher um interesse próprio, sem pensar no interesse público.
O Supremo Tribunal Federal expandiu o entendimento da proibição ao nepotismo a todos os Poderes da República por meio do Enunciado nº 13 de Súmula Vinculante, não obstante tal vedação já existir desde antes, com base no princípio constitucional da moralidade, que possui aplicabilidade direta e imediata.
Mesmo assim, a Resolução n. 7 de 2005 do CNJ foi objeto de Ação Declaratória de Constitucionalidade perante do Supremo Tribunal Federal (ADC n° 12), na qual o STF rechaçou qualquer entendimento contrário à constitucionalidade do ato normativo, conforme se depreende da ementa a seguir transcrita:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE "DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS". PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios "estabelecidos" por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo "direção" nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça. (ADC 12, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 20-08-2008, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-01 PP-00001 RTJ VOL-00215-01 PP-00011 RT v. 99, n. 893, 2010, p. 133-149) (grifos nossos)
Importante destacar que o entendimento do STF se fundamentou no reconhecimento do caráter normativo primário da Resolução, bem como da aplicabilidade direta e imediata dos princípios que regem a atuação da Administração Pública, na qual se inclui o Poder Judiciário (função atípica), insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal também editou uma Súmula Vinculante para vedar o nepotismo na Administração Pública com fundamento nos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. (SÚMULA N° 13 STF)
Dos precedentes representativos, extrai-se que a prática do nepotismo em qualquer dos Poderes é ilícita, corrompendo a moralidade administrativa e demais princípios constitucionais republicanos contidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988. Sendo assim, a proibição é extraída diretamente da Carta Magna, sem necessidade de lei ordinária para instituir a vedação ao nepotismo:
I — Embora restrita ao âmbito do Judiciário a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II — A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. III — Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF/1988. [RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008, Tema 66.]
Também, em 2021, foi incluído o inciso XI, no artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa (LIA). O artigo faz alusão aos atos que constituem ato de improbidade por ofensa aos princípios da Administração Pública e violação dos deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade.
Em relação aos cargos políticos, o STF ao julgar a Reclamação n° 7.590 estabeleceu que os cargos políticos são caracterizados como um "múnus governamental", característica que não está presente nos cargos de natureza administrativa. Deste modo, nos casos de nomeação para cargo político, não é suficiente para a caracterização do nepotismo a mera relação de parentesco com o agente público:
Reclamação – Constitucional e administrativo – Nepotismo – Súmula vinculante nº 13 – Distinção entre cargos políticos e administrativos – Procedência. 1. Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual “troca de favores” ou fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do Poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13. 4. Reclamação julgada procedente. 4. Reclamação julgada procedente. (STF, Rcl 7590, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30.9.2014)
Contudo, não foi afastada de forma absoluta a possibilidade de configuração do nepotismo em relação aos cargos políticos, caso em que a análise será realizada individualmente, no caso concreto, a fim de impedir a “troca de favores” ou a fraude à lei, bem como a inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE 13. 1. Reclamação em que se impugna ato de nomeação de filho do Prefeito Municipal de Mesquita/RJ para o cargo de secretário municipal. 2. O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante 13 de cargos públicos de natureza política, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral. Precedentes. 3. Não há nos autos prova inequívoca da ausência de razoabilidade da nomeação, de modo que esta deve ser impugnada por via que permita dilação probatória. 4. Inaplicabilidade da sistemática da repercussão geral (tema 1.000) à impugnação de ato administrativo. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STF, st Rcl 29033 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 17.9.2019)
Em suma, a nomeação em cargos políticos é a exceção à vedação ao nepotismo, mas se no caso concreto houver fraude à lei, nepotismo cruzado, falta de capacidade técnica e/ou idoneidade moral para ocupar o cargo, será confirmada a incidência da Súmula Vinculante n° 13.
Não obstante, cabe destacar que está pendente de julgamento importante tema no STF que aborda a problemática exposta e será decidida no Recurso Extraordinário n° 1.133.118, que teve a repercussão geral reconhecida pela Suprema Corte:
Tema 1000: Discussão quanto à constitucionalidade de norma que prevê a possibilidade de nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante, para o exercício de cargo político.
Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 2º, 18, 29, 30, inc. I, 37, caput, 39 e 169 da Constituição da República, a constitucionalidade de norma que prevê a possibilidade de nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante, para o exercício de cargo político.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI 4.627/2013, QUE MODIFICOU A LEI 3.809/1999 DO MUNICÍPIO DE TUPÃ SP. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM ÂMBITO ESTADUAL. PROVIMENTO DE CARGOS PÚBLICOS. GRAU DE PARENTESCO. AGENTES POLÍTICOS. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE 13. PRINCÍPIOS REPUBLICANOS DA MORALIDADE, IMPESSOALIDADE, IGUALDADE E EFICIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SEGURANÇA JURÍDICA. MANIFESTAÇÃO PELA REPERCUSSÃO GERAL. (RE 1133118 RG, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14-06-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-123 DIVULG 20-06-2018 PUBLIC 21-06-2018)
No plenário virtual, o Relator, Ministro Luiz Fux, afirmou, em seu pronunciamento, quanto à insegurança jurídica enfrentada na temática envolvendo a nomeação de parentes do agente público para os cargos ditos políticos que:
Vê-se, assim, que a indefinição acerca da constitucionalidade da nomeação de parentes do nomeante para cargos de natureza política tem provocado grande insegurança jurídica. Tanto o administrado quanto o poder público desconhecem a real legitimidade de diversas nomeações a cargos públicos até que haja um pronunciamento definitivo do poder judiciário. O resultado prático é de comprometimento do adequado desenvolvimento de agendas políticas pretendidas pelos indicados e, consequentemente, do funcionamento eficiente da administração. (Plenário Virtual, Brasília, 24 de maio de 2018).
O tema ainda está pendente de julgamento, podendo ser a oportunidade do Supremo Tribunal Federal alterar seu entendimento, ou ainda, consolidar o atualmente em vigor, o mesmo que verifica-se no voto do Ministro Ayres Britto no Tema nº 66:
Então, quando o art. 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC 12, porque o próprio Capítulo VII é Da Administração Pública enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como por exemplo, os de Secretário Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do art. 37. Somente os cargos e funções singelamente administrativos — é como penso — são alcançados pela imperiosidade do art. 37, com seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir do âmbito da nossa decisão anterior os secretários municipais, que correspondem a secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e ministros de Estado, no âmbito federal. [RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, voto do min. Ayres Britto, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008, Tema 66.]
Dessa forma, pode-se afirmar que o entendimento é de que a regra seria a vedação ao nepotismo. A exceção ocorre no caso de nomeação em cargo político, onde poderá ser afastada a aplicação da Súmula Vinculante n° 13 do STF, considerando a natureza do cargo. Entretanto, o princípio da moralidade ainda incide na situação fática, se a nomeação se der com prejuízo para a Administração, em atendimento apenas aos interesses pessoais do agente público, ela poderá ser revista, sendo realizado o melhor para o interesse público.
O NEPOTISMO PÓSTUMO E A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
O nepotismo póstumo ocorre nos casos das serventias extrajudiciais, quando ocorre falecimento do titular do serviço notarial ou de registro e um parente assume a titularidade da serventia interinamente.
A vedação ao nepotismo póstumo foi expressamente prevista no Provimento do CNJ n° 77 de 07 de novembro de 2018, alterado recentemente pela redação do Provimento do CNJ n° 149, de 30 de agosto de 2023, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial, que consiste na consolidação de todos os atos normativos do Corregedor Nacional de Justiça sobre os serviços notariais e de registro.
O novo dispositivo encontra-se no capítulo II (Da designação de Interinos, Seção I – Das Disposições Gerais), pois o §2° do artigo 1° do Provimento 77 foi transcrito na íntegra, mas agora compondo o parágrafo segundo do artigo 66, conforme segue:
Art. 66. Declarada a vacância de serventia extrajudicial, as corregedorias de Justiça dos estados e do Distrito Federal designarão o substituto mais antigo para responder interinamente pelo expediente.
§ 1.º A designação deverá recair no substituto mais antigo que exerça a substituição no momento da declaração da vacância.
§ 2.º A designação de substituto para responder interinamente pelo expediente não poderá recair sobre cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau do antigo delegatário ou de magistrados do tribunal local.
As decisões sobre a caracterização de nepotismo póstumo em cartórios expedidas pelos Tribunais Superiores tem fundamento na expressa vedação contida nos provimentos do CNJ, também estende-se a aplicabilidade da súmula vinculante n° 13 do STF aos serviços notariais e de registro, mesmo que possuam caráter privado, uma vez que no artigo 236 da Constituição Federal de 1988 dispõe que a atividade cartorária é realizada por delegação do Poder Público, subordinando-se aos princípios da Administração Pública: “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
O Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso em Mandado de Segurança n° 63.160-RJ, aplicou o disposto no §2° do artigo 1° do Provimento CNJ n° 77/2018 e por unanimidade proferiu decisão que reconhece configurado o chamado Nepotismo Póstumo em relação à nomeação do filho de titular da Serventia Extrajudicial falecido e que passa ser responsável temporário pelo expediente da mesma serventia extrajudicial:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. REVOGAÇÃO DE ANTERIOR DESIGNAÇÃO DE FILHO DO FALECIDO DELEGATÁRIO PARA RESPONDER INTERINAMENTE PELA SERVENTIA. NEPOTISMO PÓSTUMO. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. ATO DO CORREGEDOR-GERAL DO TJ/RJ QUE SE ACHA EM CONSONÂNCIA COM A META 15 E COM O PROVIMENTO 77 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA DO CNJ. RETROATIVIDADE NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU DE ABUSO DE PODER DO CORREGEDOR ESTADUAL. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO QUE DENEGOU A SEGURANÇA. 1. Não se vislumbra padeça o acórdão estadual de qualquer dos vícios descritos no art. 489, § 1º, do CPC/2015, na medida em que o órgão julgador, embora denegando a ordem, apreciou com suficiente motivação as teses suscitadas pelo autor, concluindo, no entanto, por desacolhê-las. 2. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado pelo recorrente contra alegado ato ilegal do Corregedor-Geral da Justiça do TJ/RJ, consistente na Portaria 1.092, de 9/5/2019, editada com fundamento na Meta 15 e no Provimento 77, ambos da Corregedoria Nacional de Justiça, por meio da qual se revogou a Portaria 1.938, de 9/9/2016, da mesma Corregedoria fluminense, que havia nomeado o impetrante como responsável interino pelo expediente do Cartório do 1º Ofício de Justiça de Campos dos Goytacazes/RJ, após o falecimento de seu genitor, ex-delegatário da serventia. 3. Com efeito, a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, em sua Meta 15, adotada no I Encontro de Corregedores do Serviço Extrajudicial, realizado em 07 de dezembro de 2017, deliberou por “Realizar levantamento detalhado da existência de nepotismo na nomeação de interinos no serviço extrajudicial, revogando os atos de nomeação em afronta ao princípio da moralidade”. 4. Em desdobramento, a mesma Corregedoria Nacional fez editar o Provimento n. 77, de 7/11/2018 (referendado pelo Plenário do CNJ em 9/4/2019), que passou a dispor “sobre a designação de responsável interino pelo expediente de serventias extrajudiciais vagas”(art. 1º), Documento: 1979841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/02/2021 Página 1 de 7 prevendo o seu artigo 2º, parágrafo 2º, o seguinte: "A designação de substituto para responder interinamente pelo expediente não poderá recair sobre cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau do antigo delegatório ou de magistrados do tribunal local". 5. A teor das informações prestadas pela apontada autoridade coatora (fls. 34/55), constata-se que a revogação da designação do recorrente se deveu à conclusão de que sua manutenção, como interino, à frente de serventia antes titularizada por seu falecido pai, importaria em nepotismo, ainda que em modo póstumo, com afronta ao princípio da moralidade, na linha de orientação ditada pelo CNJ, conclusão chancelada pelo acórdão local. 6. Nada obstante os serviços notariais e de registro sejam exercidos em caráter privado, assim o são por delegação do Poder Público (art. 236 da CF), atraindo, por isso, a permanente fiscalização do Poder Judiciário e do próprio CNJ (art. 103-B, § 4º, III, da CF), além de subordinarem-se aos princípios regentes da administração pública (art. 37 da CF). 7. No tocante ao princípio da moralidade administrativa, EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR assim leciona: "Com vistas ao propósito de instituir um Estado de Direito, ornamentado por um semblante democrático e social, o constituinte de 1988 resolveu erigir a moralidade a princípio cardeal da Administração Pública (art. 37, caput), sem prejuízo de que, no rol dos direitos individuais (art. 5º, LXXIII), aquela tenha sido arrolada como causa justificadora do ajuizamento de ação popular, agora com a adjetivação de administrativa" (Direito administrativo contemporâneo - temas fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 68). 8. Ainda em solo doutrinário, exsurge especificamente realçada a incompatibilidade entre a prática do nepotismo e o postulado da moralidade. Nesse sentido, SÍLVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA refere como "exemplo da efetividade do princípio da moralidade nas relações administrativas a Súmula vinculante 13 do STF" (Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 77). Do mesmo modo, RAFAEL CARVALHO REZENDE OLIVEIRA dá como exemplo de reverência ao axioma constitucional da moralidade administrativa a "vedação do nepotismo constante da Súmula Vinculante 13 do STF" (Curso de direito administrativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 41). 9. Para a designação de interino, o requisito legal da antiguidade ainda se encontra vigente, a teor do aludido art. 39, § 2º, da Lei nº 8.935/94. No entanto, por meio de posterior exegese da Corregedoria Nacional do CNJ, em acréscimo ao requisito legal da antiguidade, passou-se a exigir do interessado um concomitante pressuposto negativo, consistente na ausência de nepotismo em relação ao anterior delegatário, em desenganada sintonia com o princípio constitucional da moralidade. Essa inovação, advinda da interpretação feita pela Corregedoria Nacional, é que acarretou na revogação da anterior designação do impetrante para responder interinamente pelo cartório outrora delegado a seu pai, pois embora fosse ele o substituto mais antigo, guardava parentesco imediato Documento: 1979841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/02/2021 Página 2 de 7 com tal delegatário. 10. Por derradeiro, diversamente do sustentado pelo autor recorrente, não há falar em indevida aplicação retroativa das novas restrições emanadas do CNJ, eis que não se tratou, na espécie, de invalidar sua atuação pretérita como interino. Ao invés, por intermédio do ato administrativo impetrado, dotado de eficácia ex nunc, apenas se promoveu a necessária correção de hipótese que passou a ser tida por irregular pela Corregedoria Nacional de Justiça (com o aval, repita-se, do Plenário do CNJ), não se podendo, por certo, invocar direito adquirido fundado em ato administrativo (Portaria nº 1.938/2016) posteriormente tido por afrontoso à letra constitucional. 11. Nesse panorama, pois, não se descortina qualquer traço de ilegalidade ou de abuso de poder na atitude do Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cuja autoridade, ao revogar a interinidade até então exercida pelo impetrante, nada mais fez senão dar fiel cumprimento às novas diretrizes positivadas pela Corregedoria Nacional de Justiça, às quais se acha hierarquicamente vinculada. 12. Recurso ordinário a que se nega provimento. (Recurso em Mandado de Segurança nº 63.160 – RJ, relator min. Sérgio Kukina. Data do julgamento 02/02/2021).
O Relator, Ministro Sérgio Kukina, afirmou que, além da restrição dada pelo Conselho Nacional de Justiça, vedando a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau do antigo delegatário ou de magistrados do Tribunal local, como interinos em Serventias Extrajudiciais e o requisito legal da antiguidade para designação deles (artigo 39, §2°, Lei dos Cartórios: Lei n° 8.935/94), o princípio constitucional da moralidade é plenamente aplicada no caso concreto e sempre deve ser observado, independentemente da atividade desenvolvida ser de caráter privado, pois o serviço cartorário faz parte das serventias delegatárias de serviço público.
O princípio da moralidade tem suma importância na temática. Quando da vedação à prática de nepotismo, seja na modalidade simples, ou nas mais complexas de serem identificadas, como é o caso do nepotismo cruzado, entende-se que o ato em si deve ser aferido no caso concreto. Mesmo no que tange à exceção da vedação, como o caso da nomeação para exercer cargo político, é perseguido o desvio ético do agente público nomeador, que deixa de lado o interesse público, para satisfazer suas necessidades pessoais.
Claro que, de certo modo, podem haver casos em que o indivíduo (cônjuge, companheiro ou de determinado grau de parentesco) tenha a capacidade técnica necessária para desenvolver a atividade. Ocorre que as exceções já foram inseridas no ordenamento e são analisadas no caso a caso pelo próprio Poder Judiciário.
O controle de moralidade externo para barrar o nepotismo é fundamental, a fim de se enfrentar os costumes culturalmente enraizados em nossa sociedade, o que não é uma tarefa fácil, mas o Poder Judiciário tem apresentado julgados onde medidas vêm sendo tomadas, como no caso de relatoria do Ministro Kukina, que a Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro anulou a nomeação do filho do falecido titular de cartório em Campos dos Goytacazes.
Ora, se os princípios da Administração Pública aplicam-se aos cartórios – deve ser observada a moralidade -, também, estão sujeitos ao poder fiscalizatório e disciplinar do Poder Judiciário e do Conselho Nacional de Justiça.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, com relatoria da Ministra Rosa Weber, decidiu sobre a aplicabilidade da Súmula Vinculante n° 13 do STF em conjunto com o disposto do Provimento n° 77 de 2018 do CNJ, na temática envolvendo atividade notarial e registral, destacando que a atividade permanece apresentando uma natureza tipicamente estatal, uma vez que corresponde a um serviço público prestados por delegação do Poder Público:
Suspensão de segurança. Acórdão emanado do STJ que anulou a Portaria nº 586/2000 do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Extinção de serventia extrajudicial. Hipótese autorizada pela Lei dos Cartórios (art. 44, caput). Ocupação irregular de serventia sem prévia aprovação em concurso público (CF, art. 236, § 3º). Hipótese de vacância. Nomeação de cônjuge do ex-titular da serventia para exercer a delegação interinamente. Nepotismo póstumo. Violação do princípio da moralidade administrativa e do conteúdo da Súmula Vinculante 13/STF. Suspensão concedida. Agravo Interno prejudicado. 1. O ingresso nas atividades notariais e registrais pressupõe a prévia aprovação em concurso público (CF, art. 236, § 3º). Precedentes. 2. Consabido que os notários e registradores não são servidores públicos em sentido estrito, mas particulares em colaboração com o Poder Público (ADI 2.602, Red. do acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 24.11.2005, DJ 31.3.2006; RE 842.846, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 27.02.2019, DJe 13.8.2019). As atividades notariais e registrais, contudo, não perdem sua natureza tipicamente estatal pelo fato de serem executadas por particulares. Cuida-se de serviços públicos, realizados por meio de delegação do Poder Público, sujeitos, por isso mesmo, ao poder fiscalizatório e disciplinar do Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º) e do Conselho Nacional de Justiça (CF, art. 103-B, § 4º, III) e subordinados à observância dos princípios gerais da Administração Pública (CF, art. 37, caput). 3. Conforme o teor da Súmula Vinculante 13/STF e na linha do que dispõe o Provimento CNJ nº 77/2018, incompatível com a moralidade administrativa a designação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, do antigo delegatário ou de magistrados do tribunal local, para ocuparem a função de substituto interino. 4. Aplicável o entendimento consolidado na Súmula Vinculante 13/STF mesmo em relação a atos praticados anteriormente a sua publicação, pois a proibição do nepotismo na Administração Pública, em quaisquer de suas modalidades, resulta de vedação decorrente diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. Precedentes. 5. Grave risco de violação do princípio do concurso público (CF, art. 236, § 3º), do postulado da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput) e da ordem pública (Lei nº 12.016/2009, art. 15, caput) apto a autorizar a suspensão dos efeitos da decisão impugnada. 6. Suspensão de segurança concedida. Agravo interno prejudicado. (SS 5594 MC-AgR, Relator(a): ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 03-11-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 08-11-2022 PUBLIC 09-11-2022)
Em suma, nas palavras da Ministra, é incompatível com o princípio da moralidade administrativa a designação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, do antigo delegatário ou de magistrados do tribunal local, para ocuparem a função de substituto interino.
No caso concreto, foi objeto de deliberação o risco de lesão à ordem pública e administrativa pela outorga de titularidade de serventia extrajudicial à viúva do ex-titular, sem a devida realização de concurso público, violação aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública (artigo 37, caput, CF de 1988). O que pode ser deduzido, nesse caso, que a designação foi um privilégio concedido pelo grau de parentesco, não da indicação por capacidade técnica, dentre outros requisitos que poderiam justificar tal medida.
Ainda, a viúva do ex-tabelião assumiu interinamente a delegação extrajudicial em 1994, do Cartório do 4° Ofício de Notas da Comarca de Parnaíba/PI. Mesmo assim, o ato de nomeação, em que pese ter ocorrido antes da edição da Súmula Vinculante n° 13 do STF e do Provimento n° 77/2018 do CNJ, continua sendo inválido, pela violação ao princípio da moralidade com a desnecessidade de previsão específica em lei. Ora, a vedação à prática de nepotismo decorre do próprio texto constitucional, diante dos princípios administrativos do artigo 37, em especial do princípio da moralidade administrativa.
Deste modo, a prática de nepotismo pode ocorrer nas serventias extrajudiciais, mesmo no caso de falecimento do seu titular e por isso a denominação nepotismo póstumo.
A DECISÃO DO CNJ NO PROCESSO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N. 0001389-44.2023.2.00.0000 E A POSIÇÃO DO STF
Contrariando a exposição que até o presente momento vinha sendo defendida como o posicionamento atual sobre nepotismo póstumo na jurisprudência dos Tribunais Superiores e do entendimento do próprio Conselho Nacional de Justiça, com especial rigor à aplicação ao princípio da moralidade administrativa, em 1° de dezembro de 2023, o CNJ exarou uma decisão monocrática em que autorizava a nomeação da filha do antigo titular de serventia de forma interina.
A decisão foi proferida no Procedimento de Controle Administrativo n° 0001389-44.2023.2.00.0000 de relatoria do Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho. No caso, foi impugnada a Portaria de Interinidade n° 20 que designava substituto mais moderno para responder pelo 1º Ofício do Tabelionato de Notas, de Protesto de Títulos e Registro de Imóveis da comarca de Campina Grande/Paraíba.
No caso concreto, a requerente foi designada pelo seu pai, o então delegatário, para atuar como oficial substituta em 1981. Com o falecimento do titular, em 2022, ela requereu à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Paraíba (CGJPB) sua designação como responsável pelo serviço, uma vez que atuava como substituta mais antiga da serventia. Contudo, o pedido não foi atendido, sendo nomeado outro substituto.
Na fundamentação foi observado o entendimento presente na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1.183, bem como a dificuldade de observar o período máximo de seis meses de vacância das serventias extrajudiciais. Assim, para o Conselheiro, o caso concreto demonstrou a consolidação dos efeitos da designação sob regime jurídico anterior e impossibilidade de manutenção de forma indefinida da substituta como interina, no contexto da decisão do STF. Outro aspecto abordado foi a experiência adquirida no exercício das atividades notariais e registrais adquirida ao longo de dez anos pela requerente que respondia pela serventia, fato que constituiria atributos indispensáveis para a manutenção da qualidade e eficiência dos serviços prestados.
Tais fundamentos levaram ao reconhecimento do pedido pleiteado pela requerente, em especial atenção ao cumprimento do prazo máximo estabelecido aos substitutos não concursados de seis meses. O dispositivo da decisão trouxe a seguinte redação:
a) declarar a nulidade da Portaria de Interinidade n. 20, de 27 de junho de 2022, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Paraíba;
b) determinar à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Paraíba que promova a designação de Ivana Borborema Cunha Lima para responder interinamente pelo 1º Ofício do Tabelionato de Notas, de Protesto de Títulos e Registro de Imóveis da comarca de Campina Grande, na qualidade de substituta mais antiga;
c) determinar à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Paraíba a observância do limite temporal de 6 (seis) meses estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade de autos n. 1.183 para a interinidade ora deferida, observada a modulação de efeitos atribuída à decisão mencionada pelo julgamento dos Embargos de Declaração à ADI; e
d) determinar ao Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba que, em cumprimento ao § 3º do art. 236 da Constituição da República, promova a abertura de novo concurso público para o provimento do 1º Ofício do Tabelionato de Notas, de Protesto de Títulos e Registro de Imóveis da comarca de Campina Grande e de todas as serventias que remanescem vagas no Estado, na medida do possível, no prazo de 6 (seis) meses a contar da data de sua intimação desta decisão.
O dispositivo afastou a aplicação da súmula vinculante n° 13 (STF) e do Provimento nº 77/2018 do próprio CNJ, não considerando o princípio da moralidade administrativa, nem verificando a ocorrência de nepotismo (póstumo) no caso concreto. Tal decisão abre um precedente para autorizar que continue ocorrendo a sucessão familiar nas serventias extrajudiciais, com a nomeação de parentes de antigos titulares.
Ao considerar que de fato alguns parentes de titulares atuaram em serventias com elevado grau de experiência e formação, porém a alteração que surgiu expressamente, de acordo com os princípios constitucionais, ocorreram para frear tais práticas, em que pese possam parecer “inocentes” vão de encontro aos que o sistema jurídico tenta construir.
Para Alice Barroso de Antonio (2009, p. 25), de certa forma, ao considerar que todo laço consanguíneo dentro da Administração Pública corresponde ao ato de nepotismo, seria mais um obstáculo à “reafirmação da família”. Ela acredita que é preconceituosa a presunção de que todo parente de agente público nomeado em cargo de comissão ou função de confiança só alcançou tal cargo em virtude do vínculo familiar. Ao acreditar que todos os parentes de agentes públicos são corruptos, portanto não podem ser indignos da nomeação, pode-se afastar pessoas competentes para atuarem e colaborarem com a Administração Pública e, com isso, “constituir-se-á uma sociedade em que ser parente de autoridade pública seja mácula impeditiva ao acesso à Administração Pública, mesmo nas hipóteses previstas em lei.”
Ora, a moralidade e probidade administrativa devem ser prioridade para sustentar um caminhar de uma sociedade honesta. Pequenos atos que destoam dessa realidade precisam ser afastados, dando espaço à segurança jurídica e privilegiando-se a moralidade e impessoalidade. Nesse diapasão, o concurso público ainda é a principal porta de entrada para o serviço público.
A Administração Pública não pertence àqueles que a administram, mas sim ao povo, tratando-se de coisa pública. Logo, as engrenagens precisam girar corretamente para que os administrados, cidadãos, tenham a adequada prestação de serviço público em consonância com os valores que regem o próprio Estado Democrático de Direito.
O bem comum se sobressai, deste modo, ao interesse individual, que dará espaço à manutenção do interesse público. A coletividade é quem será privilegiada. Ao escolher o caminho do serviço público, o agente público se compromete com o bem servir e faz um pacto com a moralidade, passando a representar a Administração Pública, e essa investidura é um compromisso assumido com o Estado de servir a população.
Nesse diapasão, o STF afastou a decisão monocrática do Conselho Nacional de Justiça, aplicando o Provimento do CNJ e Súmula Vinculante da própria Suprema Corte, tudo conforme o entendimento outrora consolidado:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. NOMEAÇÃO DE INTERINO. NEPOTISMO. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A nomeação de interino que possui vínculo familiar, até o terceiro grau, com o titular falecido da Serventia afronta as normas que disciplinam a designação de interinos, em franca contrariedade ao artigo 2º, §§ 1º e 2º, do Provimento 77/2018-CNJ (redação mantida pelo art. 66, §2º, do Provimento 149/2023). 2. A vedação ao nepotismo é consequência lógica da norma insculpida no caput do artigo 37 da Constituição Federal, em obediência, notadamente, aos princípios da moralidade e da impessoalidade. 3. Recurso de agravo a que se nega provimento. (MS 39631 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 07-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 07-05-2024 PUBLIC 08-05-2024)
Ao afastar a decisão do Conselho Nacional de Justiça em fase de Controle Administrativo, o Supremo Tribunal Federal reafirmou os princípios da moralidade e impessoalidade (artigo 37, caput, CF), confirmando que o nepotismo é consequência lógica da norma do artigo mencionado.
O Ministro Alexandre de Moraes declara expressamente a afronta às normas a designação de interinos com grau de parentesco com o antigo titular. O Provimento n°149/2023 do CNJ manteve o teor da redação dos parágrafos do artigo 1° do Provimento n°77/2018 e tal dispositivo veda a possibilidade de indivíduos com vínculo familiar do antigo delegatário assumirem a interinidade da serventia.
Das disposições que vedam o nepotismo não podem ser relativizadas, além de que a aplicação decorre da Constituição Federal, independentemente de norma regulamentadora, os julgados dos tribunais sempre apontaram esse entendimento de voltar o olhar para a própria Carta Magna, não restando dúvidas sobre o respeito aos princípios constitucionais administrativos, orientando todos os atos da Administração.
Nesse sentido, o Ministro ainda comenta que, do ponto de vista da moralidade, não encontra respaldo o privilégio de alguns indivíduos de conseguir chegar ao título de substituto mais antigo por designação do antigo titular, que por conferir grau de parentesco, facilitou a ascensão dos seus protegidos. Por esse motivo, no caso sob julgamento, não há direito à nomeação da filha como interina da serventia em que o pai falecido era o titular.
Reafirma que não há como justificar a impossibilidade de aplicação retroativa dos Provimentos do CNJ no que tange à vedação ao nepotismo, pois a sua não observância afronta o texto constitucional.
O controle e fiscalização exercido pelo próprio Poder Judiciário e pelo Conselho Nacional de Justiça são fundamentais para que a vedação ao nepotismo no Direito Brasileiro continue sendo aplicado, bem como na prática tais atos sejam corrigidos e coibidos.
O espaço da Administração Pública deve ser preenchido com diversidade, como uma forma de representação da pluralidade observada no nosso país. Os espaços devem ser preenchidos por parcela de muitos, a realidade de apenas um grupo, determinadas famílias ascendendo em altos cargos deve ser combatido.
A vedação ao nepotismo está em constante discussão nos Tribunais, inclusive com pendência de julgamento do Tema nº 1.000 do STF, o que irá trazer maior segurança jurídica para o tema.
Não obstante, a decisão monocrática do CNJ que se acabou de analisar pode abrir caminho para novos casos que busquem afastar a não aplicação da vedação ao nepotismo, o que merece atenção e acompanhamento do tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a vedação ao nepotismo é extraída diretamente do texto constitucional, do princípio da moralidade, de aplicação direta, imediata e integral, sem necessidade de regulamentação legislativa. Contudo, a Resolução n° 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça que previu a aplicação no âmbito do Poder Judiciário e a Súmula Vinculante n° 13 do Supremo Tribunal Federal que expandiu a aplicação da vedação ao nepotismo a todos os Poderes, trouxeram maior segurança jurídica ao tema, afastando qualquer interpretação em contrário.
Da mesma forma, o CNJ ainda publicou dois Provimentos, n° 77/2018 e nº 149/2023, que atualizou o primeiro, mais uma vez reconhecendo a vedação ao nepotismo, inclusive o chamado nepotismo póstumo.
Os recentes julgados firmaram entendimento pela possibilidade de aplicação da Súmula Vinculante n° 13 do STF aos serviços notariais e de registro, mesmo que possuam caráter privado, uma vez que no artigo 236 da Constituição Federal dispõe que a atividade cartorária é realizada por delegação do poder público, se subordinando aos princípios da administração pública.
Também foi reconhecida a expressa vedação ao nepotismo póstumo no Provimento n° 77 do CNJ (atualizado pelo de n° 149) e a aplicação do princípio constitucional da moralidade, presente no artigo 37, caput, CF, ressalvando que nem seria necessária norma específica prevendo a vedação ao nepotismo em razão da vedação ser extraída do texto constitucional.
Contrariando o exposto até então neste artigo, a decisão monocrática do CNJ, proferida no Procedimento de Controle Administrativo n° 0001389-44.2023.2.00.0000, tendeu a abrir um precedente para autorizar a sucessão familiar nos cartórios, com a nomeação de parentes de antigos titulares de serventias.
Acertadamente, o STF derrubou a decisão do CNJ ao julgar o Agravo Interno julgado em 07-05-2024.
Deste modo, verifica-se que as decisões judiciais têm privilegiado o princípio da moralidade e reafirmado a vedação ao nepotismo, o que contribui para a consolidação da moralidade e probidade administrativa que devem estar presentes no agir da Administração Pública que prioriza o interesse público.
REFERÊNCIAS
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_________. PORTAL CNJ. RESOLUÇÃO N° 7, de 18 de outubro de 2005. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/187>. Acesso em: 03 de jul 2024.
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_________. PORTAL STF. SÚMULA VINCULANTE 13, de 21 de agosto de 2008. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/187>. Acesso em: 03 jul 2024.
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_________. PORTAL STF. Tema nº 66. Recurso Extraordinário nº 579.951. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 20-8-2008. DJE de 24-10-2008. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=2600331&numeroProcesso=579951&classeProcesso=RE&numeroTema=66>Acesso em: 04 jul 2024.
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2020.
GASPARINI, Diógenes. Nepotismo Político In: ADRI, Renata Porto, PIRES, Luis Manoel Fonseca, ZOCKUN, Maurício. Corrupção, ética e moralidade. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
Graduada em Direito e laureada na Universidade da Região da Campanha (Urcamp) em Bagé-RS (2013). Pós-graduada em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul (ESMAFE-RS) em 2015. Pós-graduada em Direito Tributário pela Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul (ESMAFE-RS) em 2016. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera em 2016. Atualmente, Analista Judiciária da Justiça Federal do Rio Grande do Sul .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, PRISCILA GOULART GARRASTAZU. Nepotismo Póstumo: uma análise do instituto e da jurisprudência dos Tribunais Superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul 2024, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65881/nepotismo-pstumo-uma-anlise-do-instituto-e-da-jurisprudncia-dos-tribunais-superiores. Acesso em: 21 nov 2024.
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