RESUMO: A Lei n. 9.605/1998 surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com intuito de dispor, de forma mais específica, sobre a tutela ambiental nas esferas administrativa e penal. A citada legislação é rotineiramente alvo de críticas, seja por conter em seu texto diversas normas penais em branco, as quais dependem da edição de outras normas para que haja completude no tipo penal, seja pela utilização de redação técnica, a qual visa abarcar as peculiaridades da tutela do bem ambiental. No artigo 48 da aludida Lei, fora tipificado o crime de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, o qual é classificado como de aplicação subsidiária e visa resguardar a flora, pois não há outro dispositivo que enquadra a conduta ilícita como típica, e é objeto deste estudo.
Palavras-chave: Crime Ambiental. Impedir Regeneração. Delito Subsidiário.
ABSTRACT: The Law No. 9,605/1998 emerged in the Brazilian legal system in order to provide, in a more specific way, about environmental protection in the administrative and criminal spheres. This legislation is routinely criticized, either because it contains in its text several blank penal rules, which depend on editing other rules so that there is completeness in the penal type, as well as the use of technical writing, which aims to encompass the peculiarities of environmental protection. In article 48 of the aforementioned law, the crime of preventing or hindering the natural regeneration of forests and other forms of vegetation was typified, which is classified as a subsidiary application and aims to protect the flora when there is no other device that frames the unlawful conduct as typical and is the object of this study.
Keywords: Environmental Crime. Prevent Regeneration. Subsidiary Offense.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará a aspectos da Lei nº 9.605/1998, bem como a classificação e características do delito de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação.
Sabe-se que o direito penal é a ultima ratio, devendo ser aplicado em situações em que as demais esferas protetivas sejam incapazes de proteger o bem jurídico tutelado e, no caso, o meio ambiente.
Nesse contexto, a Lei n. 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, mostra- se como importante ferramenta para coibir tais condutas e atividades.
O objetivo geral deste estudo é, portanto, analisar as particularidades da Lei n. 9.605/98, a qual inseriu diversas inovações na seara penal no ordenamento jurídico brasileiro e, devido à escolha do legislador, possui como maioria de seus tipos penais crimes de menor potencial, ou seja, sujeitam-se à Lei n. 9.099/95.
Os objetivos específicos são expor as características próprias do crime previsto no artigo 48 da Lei n. 9.605/98, o qual se trata de dispositivo de aplicação subsidiária, cujo tipo penal abrange uma série de ações diversas.
Com o presente estudo, o problema que se pretende responder é se o crime tipificado no art. 48, da Lei n. 9.605/98 possui características próprias que o tornam de aplicação subsidiária.
Diante da problemática apresentada, levantou-se como hipóteses: a) o delito de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação engloba uma série de ações, visando abarcar condutas que não possuem tipo penal próprio, sendo de aplicação subsidiária; b) a redação utilizada pelo legislador possibilitou uma ampla proteção em favor da flora, demonstrando a evolução da consciência ambiental e o cumprimento do dever do Poder Público na preservação ambiental.
Esta temática está fundamentada no Direito Penal Ambiental e, para sua discussão no trabalho, foram utilizados com fontes de pesquisa: legislação, doutrinas, jurisprudências e periódicos relacionados à proposta deste artigo.
A pesquisa realizada identificou-se como básica, haja vista que foi executada através de material já publicado, composto por legislação, doutrinas, jurisprudências, periódicos referentes ao tema, entre outros.
O método adotado foi o dialético, realizando-se a análise a partir da confrontação de teses e teorias de variados autores, pautando-se no atual momento legal, histórico e social do país.
O presente trabalho está dividido em dois momentos: no primeiro, serão elencadas características acerca da Lei n. 9.605/98, após, será trazida a classificação do delito de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação e hipóteses de sua incidência.
2 A LEI N. 9.605/1998
Com a entrada em vigor da Lei n. 9.605/1998, o ordenamento jurídico brasileiro ganhou novo instrumento para prevenir a ocorrência do dano ao meio ambiente, haja vista que uma das finalidades do Direito Penal é proteger os bens jurídicos de elevada importância, em respeito ao Princípio da Intervenção Mínima. A mencionada legislação é considerada um grande marco na proteção ambiental, por esse motivo, é importante realizar uma breve análise de alguns dispositivos.
Lei n. 9.605/1998 trouxe inovações, pois concentrou em seu texto infrações administrativas e crimes, os quais abarcam condutas praticadas contra flora, fauna, poluição, entre outros, sendo ora elogiada e outrora criticada pela sintetização adotada, tendo em vista que as leis que regulam matéria ambiental são esparsas, não havendo regramento único que abarque todas as questões.
Trennepohl (2020) discorre sobre o tema:
Pode-se dizer que a Lei dos Crimes Ambientais inaugura um novo ramo do Direito Penal e/ou do Direito Ambiental, em razão do tratamento legislativo sistemático que se buscou com a penalização dos crimes contra o meio ambiente.
A aplicação desencontrada de multas e punições contra os atentados ao meio ambiente encontrou consolidação na nova lei, pelo fato de reunir, num mesmo diploma, crimes contra a fauna, a flora, a prática de poluições, e até mesmo infrações contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, fatos estes que residiam esparsos em diversos textos de lei.
Um ponto que se faz necessário abordar é o disposto no artigo 2º da aludida lei, que dispõe que o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la, incidirá nas sanções do regramento.
Outro tema de relevância é a responsabilização da pessoa jurídica, trazida no artigo 3º, da citada norma:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
A sobredita disposição acerca da previsão da responsabilização da pessoa jurídica é controversa, havendo correntes doutrinárias que entendem em sentido contrário, afirmando que não há como imputar a prática de crime para uma empresa, pois se trata de ente fictício, não havendo como auferir sua responsabilidade através da teoria da culpabilidade, como ocorre nos crimes praticados por particulares.
Podem-se citar três correntes predominantes sobre o tema, conforme ensinamento de Oliveira (2017):
Não obstante a doutrina divergir, é possível vislumbrar três posicionamentos quanto à responsabilidade penal das pessoas jurídicas:
1º) o art. 225, § 3º, da CF não prevê responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois apenas dispõe que as condutas praticadas pelas pessoas físicas ensejam responsabilidade penal e as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, responsabilidade administrativa, sem prejuízo da responsabilidade civil de reparar o dano;
2º) a pessoa jurídica é uma ficção, uma abstração legal (teoria da ficção de Savigny e Feuerbach) e por isso não pode cometer crimes (“societas delinquere non potest”). Sendo uma ficção, é desprovida de vontade e de consciência, logo não age com dolo ou culpa (não pratica conduta criminosa dolosa ou culposa) nem tem culpabilidade (porque não tem imputabilidade que é a capacidade mental de entender, nem potencial consciência da ilicitude que é a possibilidade de saber que a conduta praticada é proibida). E, se não tem o pressuposto da culpabilidade, não pode sofrer pena;
3º) a pessoa jurídica é um ente real (teoria da realidade ou da personalidade real de Otto Gierke) com vontade e existência próprias. Assim sendo, praticam condutas socialmente reconhecíveis e atuam com culpabilidade social (expressão utilizada pelo STJ), logo podem sofrer penas compatíveis com a sua natureza (restritivas de direitos e multa).
Em que pese a discordância existente, a jurisprudência brasileira admite a responsabilização da empresa, visto que se considera o disposto na Carta Maior e na legislação ordinária, sendo necessário apenas o preenchimento de dois requisitos: o delito ter sido praticado por decisão do representante legal, representante contratual ou por decisão do órgão colegiado da pessoa jurídica, e a decisão deve ter sido tomada em benefício ou no interesse da pessoa jurídica, como decidido no REsp n. 889.528/SC:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso especial provido.
No mais, outra situação que gerou debates sobre o dispositivo legal em estudo, diz respeito à necessidade da dupla imputação (a pessoa jurídica ser denunciada junto com a pessoa física), entendimento empossado no julgado acima citado.
Por um longo período, a jurisprudência entendia que se fazia necessária a responsabilização dupla, não podendo a pessoa jurídica figurar sozinha no polo passivo de uma ação penal. Todavia, em 2013, no julgamento do RE nº 548.181, da 1ª Turma do STF adotou um novo posicionamento:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
1. O art. 225,§ 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta.
3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.
Desse modo, havendo possibilidade da responsabilização de pessoas físicas e jurídicas, a legislação estabeleceu reprimendas diversas, de acordo com o tipo do ente punido, sendo: a) para pessoas jurídicas: multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade; b) para pessoas físicas: privativa de liberdade, multa e restritiva de direitos.
Por fim, outro ponto a ser suscitado é a preocupação da lei com a reparação do dano causado, sendo verificadas diversas passagens que incentivam a reparação e até mesmo condicionam a extinção da punibilidade à comprovação desta reparação, evidenciando, assim, que a finalidade da norma não é só a punição, mas também a prevenção geral e o efeito dissuasório.
Oliveira (2017) aponta a importância de ressaltar que a Lei de Crimes Ambientais, antes de punir, preocupa-se com a reparação ou ao menos com a compensação do dano ambiental. Por tal razão, alguns dos institutos da Parte Geral da Lei nº 9.605/1998 estão relacionados com tal reparação ou compensação ambiental. A reparação constitui atenuante de pena (art. 14, II); para concessão do sursis especial, previsto no art. 78, § 2º, do Código Penal, é necessário que haja ocorrido a reparação do dano ambiental, comprovada por laudo pericial (art. 17). Na sentença penal condenatória, o juiz criminal pode fixar valor de indenização para reparação do dano ambiental (art. 20) – trata-se de novidade introduzida no sistema processual penal brasileiro pela Lei nº 9.605/1998 –. No caso de suspensão condicional do processo (art. 28), a declaração de extinção da punibilidade depende da comprovação da reparação do dano, constatada mediante laudo pericial. Não havendo a reparação, o processo suspenso é retomado até a sentença final, salvo a reparação não ter sido realizada por alguma impossibilidade e comprovado que ainda assim o acusado tomou todas as providências necessárias à reparação integral do dano (art. 28, V).
Após o brevíssimo apanhado de algumas particularidades deste diploma legal, passaremos à análise do delito de impedir ou dificultar a regeneração de florestas e demais formas de vegetação.
3.O ARTIGO 48 DA LEI N. 9.605/1998
O artigo 48, da Lei n. 9.605/1998 tipifica o delito de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, cominando a pena de seis meses a um ano de detenção e multa.
Como se vê, trata-se de crime contra a flora somente, e o texto normativo engloba conduta ampla, não estipulando quais são as formas de impedir ou dificultar a regeneração, além de utilizar os dizeres demais formas de vegetação, traduzindo- se em um delito de grande incidência.
Na prática, são comuns defesas de infratores ambientais afirmando que a conduta lesiva, seja desmatamento ou incêndio, por exemplo, não fora causada por eles, mas sim por terceiro. Todavia, após o ato danoso, a natureza, por vezes, consegue se regenerar, desde que não haja empecilhos para seu curso natural, mas, havendo, estaremos diante da figura típica em estudo.
Em seu livro Direito Penal do Ambiente, Prado (2019) traz a classificação deste
delito:
Bem jurídico e sujeitos do delito: protege-se, de igual modo, o ambiente, em particular o patrimônio florestal cujo equilíbrio se encontra ameaçado pela impossibilidade de regeneração natural das florestas e demais formas de vegetação.
Podem ser sujeitos ativos da referida contravenção quaisquer pessoas (delito comum).
Sujeito passivo é, de maneira direta, a própria coletividade. Indiretamente, protege-se também o proprietário ou possuidor das áreas danificadas.
Tipicidade objetiva e subjetiva: figuram como núcleos do tipo os verbos impedir e dificultar. Impedir nada mais é do que obstar, não permitir; dificultar é tornar difícil, árduo, penoso.
Por regeneração natural, entende-se o ato ou efeito de tornar a gerar, de reproduzir o que estava destruído, dar nova vida, vivificar, reconstituir, restaurar.
A regeneração protegida pelo tipo é a natural, assim entendida como a espontaneamente produzida, independentemente da ação humana (florestamento, reflorestamento ou reposição florestal).
[...]
Constituem objetos materiais as florestas, e demais formas de vegetação (cerrados, manguezais etc.).
Classificação: delito simples, comum, de resultado, comissivo ou omissivo e de ação múltipla.
O tipo subjetivo é composto pelo dolo.
Consumação e tentativa: o momento consumativo se verifica com a efetivação das condutas de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação. A tentativa é admissível, mas de difícil configuração.
A definição técnica de floresta trazida pelo IBGE (2002) é:
O conjunto de sinúsias dominado por fanerófitos de alto porte, e apresentando quatro estratos bem definidos: herbáceo, arbustivo, arvoreta e arbóreo. Deve ser também levada em consideração a altura, para diferenciá- la das outras formações lenhosas campestres.
Sirvinskas (2010), citando Prado (1998)[1] e Carvalho (1999)[2], assim diferencia os conceitos de floresta e vegetação:
Floresta é “um tipo de vegetação, formando um ecossistema próprio, onde interagem continuamente os seres vivos e a matéria orgânica e inorgânica presentes”. Vegetação, por seu turno, “abrange todas as formações vegetais de uma localidade, como os cerrados, os campos limpos, os manguezais e demais vegetações litorâneas, as caatingas e, inclusive, as próprias florestas.
Nesse norte, denota-se que a norma penal, ao inserir demais formas de vegetação no tipo incriminador, passou a abarcar condutas lesivas contra variadas formas de vegetação, tais como manguezais, cerrado, capoeira, configurando o respectivo delito quando não há outra tipificação que englobe uma vegetação específica.
Podem-se observar julgados que apontam a configuração deste delito em diferentes situações, tais como AgRg no REsp n. 1.497.163/SC, Apelação Criminal n. 5003474-07.2018.4.04.7115/RS. Apelação Criminal 1.368.013/4/SP e Apelação Criminal n. 2878/SE:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 48 DA LEI N. 9.605/1998. IMPEDIMENTO DE REGENERAÇÃO DAS FORMAS NATURAIS DE VEGETAÇÃO. MANGUE. OBRIGAÇÃO DE CONSERVAÇÃO TRANSFERIDA AO OCUPANTE DO IMÓVEL CONSTRUÍDO EM ÁREA IRREGULAR. SÚMULA 7/STJ. INOCORRÊNCIA.
I - De início, registro não ser a hipótese dos autos atrativa do óbice da Súmula 7/STJ, pois, ao contrário do alegado pelo ora agravante, o quadro fático já se encontra delineado no r. acórdão. Cinge-se a contravérsia em definir se o fato de o recorrente manter construção em unidade de conservação ambiental, mesmo não a tendo construído e após comunicado pela fiscalização do ICMBIO, constitui conduta típica prevista no art. 48 da Lei 9.605/98. II - O delito tipificado no art. 48 da Lei 9.605/98, pelo qual foi o agravante condenado em primeira instância, visa punir quem impede ou dificulta a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação. Nessa toada, irrelevante a existência de prova acerca de ser ou não o agravante causador primeiro do obstáculo à regeneração do habitat natural, ou seja, o construtor da casa edificada no interior da unidade de conservação. III - In casu, a permanência e a manutenção da edificação construída em área sensível, após reiterados alertas sobre a situação irregular, é o que configura o delito. Com efeito, responde pelo crime previsto no art. 48 da Lei 9.605/98,
o agente que, mesmo não sendo construtor da obra, deixa de promover ou impede a regeneração da vegetação natural destruída em decorrência dela. Precedentes. Agravo regimental desprovido.
PENAL. IMPEDIR OU DIFICULTAR A REGENERAÇÃO NATURAL DE FLORESTAS E DEMAIS FORMAS DE VEGETAÇÃO. ART. 48 DA LEI 9.605/98. PRELIMINAR. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CRIME PERMANENTE. MÉRITO. MATERIALIDADE COMPROVADA. IN DUBIO PRO REO. NÃO CABIMENTO. DOLO DEMONSTRADO. I. Preliminar 1. O delito previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem do prazo prescricional. Prescrição não implementada. II. Mérito 1. Não se faz necessário laudo pericial quando a amplo conjunto probatório é suficiente para demonstrar a materialidade delitiva. Além dos depoimentos de testemunhas e do registro fotográfico do local, o próprio réu admitiu que construiu casa de veraneio em área de preservação permanente, sem a devida autorização legal, impedindo ou dificultando a regeneração natural da APP. 2. Não há se falar na aplicação do princípio in dubio pro reo, tendo em vista que as provas demonstraram que o apelante tinha consciência da ilicitude de sua conduta. O réu referiu textualmente que conhecia as observações feitas pelo seu sogro de que a construção deveria respeitar certo limite legal, restando claro que sabia da necessidade de se observar a legislação ambiental para promover qualquer tipo de edificação no local. 3. Improvimento do recurso defensivo.
CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE – ARTS. 38, CAPUT, 39 E 48 DA LEI Nº 9.605/98 – AGENTE QUE, MEDIANTE EMPREGO DE FOGO, DESTRÓI FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, CORTA ÁRVORES DELA E AINDA IMPEDE E DIFICULTA A REGENERAÇÃO NATURAL DE VEGETAÇÃO TIPO “CAPOEIRA” EXISTENTE AO LADO E NAS PROXIMIDADES DE MANANCIAIS – CONFIGURAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE DESCRIMINANTE PUTATIVA OU ERRO DE PROIBIÇÃO, NOS TERMOS DOS ARTS. 20, § 1º, PRIMEIRA PARTE, E 21 DO CP – HIPÓTESE: Pratica os crimes dos arts. 38, caput, 39 e 48 da Lei nº. 9.605/98 o agente que, mediante emprego de fogo, destrói floresta considerada de preservação permanente, corta árvores dela e ainda impede e dificulta a regeneração natural de vegetação tipo “capoeira” existente ao lado e nas proximidades de mananciais. É impossível o reconhecimento de eventual descriminante putativa ou erro de proibição, nos termos dos arts. 20, § 1º, primeira parte, e 21 do CP, se o réu já havia sido advertido anteriormente a cerca da vedação de desmatamento no local, estando perfeitamente ciente das condutas ilícitas que praticava, e inexistem circunstâncias que autorizem a suposição de legitimidade da ação.
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL (ART. 48 DA LEI Nº 9.605/98). CORTE E ATERRAMENTO DE MANGUEZAL. IMPEDIMENTO DA REGENERAÇÃO DA VEGETAÇÃO. PRÁTICA DELITIVA COMPROVADA POR PROVAS DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS. APELO MINISTERIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O corte do mangue está tipificado no art. 26, “a”, da Lei nº 4.771/65. Com o advento da Lei nº 9.605, de 12.02.1998, referida conduta passou a ser considerada crime. Todavia, a lei vigente à época da consumação dos delitos era a de nº 4.771/65, que tipificava tal conduta como contravenção. Ora, a Justiça Federal não é competente para o julgamento de contravenções, ainda quando conexas com crimes federais, em conformidade com a Súmula nº 38 do STJ, devendo a apreciação deste delito em particular ser afastada. 2. O aterro do mangue configura a conduta de ‘impedir a regeneração da vegetação’, não sendo mero exaurimento do delito de destruição da vegetação, mas se tratando de crime permanente, razão pela qual se aplica, in casu, o art. 48 da Lei nº 9.605/98. Comprovação da prática delitiva por meio de copiosas provas documentais e testemunhais. 3. A deposição de lixo pelos apelados não restou suficientemente comprovada nos autos, devendo ser afastada a suposta prática de tal delito que lhes fora imputada, provavelmente efetuada pela maré. 4. Apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal conhecida e provida. Sentença “a quo” reformada.
Denota-se que, pelos exemplos citados, as condutas de comprar e continuar utilizando imóvel construído em área de preservação permanente, realizar aterro em manguezais, utilizar área desmatada de reserva legal para pecuária ou agricultura, apesar de serem distintas, resultam no mesmo dano ambiental, de obstar que o meio ambiente se recupere de um evento lesivo ocorrido no passado, perpetuando o dano e, até mesmo, transformando o meio ambiente natural de forma permanente.
Assim, verifica-se que a responsabilização deste infrator é de suma importância, a fim de que não seja validada a utilização de imóvel degradado, que não cumpre sua função social ambiental.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a pesquisa, estudou-se a Lei n. 9.605/1998, que dispõe sobre sanções administrativas penais, verificando que esta inovou ao trazer a responsabilidade penal da pessoa jurídica, além de ser um dispositivo legal que ressalta a importância da reparação ambiental e não apenas a busca da penalização.
A aludida Lei, em seu bojo, traz uma seção de crimes contra a flora, especificando a proteção à floresta considerada de preservação permanente, ao Bioma da Mata Atlântica, às Unidades de Conservação, às plantas ornamentais públicas ou de propriedade alheia, entre outras.
Na sequência, adentrou-se no estudo do tipo penal previsto no artigo 48 da Lei
n. 9.605/98, sendo verificado que se trata de delito que visa proteger a flora, classificado como delito simples, comum, de resultado, comissivo ou omissivo e de ação múltipla e permanente, que se configura com as condutas de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação.
Perscrutando os julgados a respeito do referido delito, notou-se que os dizeres ‘’demais formas de vegetação’’ abarcam uma pluralidade de tipos de vegetação, sendo que o uso, pelo legislador, de uma expressão de compreensão ampla, outorgou características próprias ao tipo penal estudado, que passou a ser utilizado quando não houvesse um crime específico que se enquadrasse na conduta lesiva.
Observou-se que as condutas que impedem ou que dificultam a regeneração podem ser notadas em copiosas formas, bastando que a ação ou omissão do degradador esteja obstando a recuperação autônoma da natureza em virtude de algum dano por ela sofrido, como exemplo, cita-se um indivíduo que pratica o referido tipo penal ao construir em área já degradada que poderia se recompor naturalmente e alguém que adquiriu um imóvel já construído em local passível de regeneração, pois o núcleo do tipo abarca justamente a conduta de quem não deixa o meio ambiente se recuperar de forma natural e não a conduta de ter causado o dano.
Restou constatado que é possível a configuração do delito quando se dificulta ou impede a regeneração em manguezais, área de preservação permanente, área de reserva legal e não apenas na densa vegetação da floresta.
Ademais, nas ementas colacionadas, restou verificado que a atividade de aterrar, utilizar a área para pecuária, agricultura ou empreendimentos turísticos, também pode caracterizar a figura penal em estudo.
Nesse contexto, o tipo penal estudado surge como soldado de reserva, sendo um delito de aplicação subsidiária e que resguarda o meio ambiente de distintas maneiras.
Posto isso, conclui-se que a evolução da proteção jurídica dada ao meio ambiente avançou em grandes proporções, visto que atualmente se pune na ultima ratio do direito o infrator que obsta a regeneração natural de vegetações, não bastando não degradar o meio ambiente, mas devendo-se proporcionar condições adequadas para que as formas de vegetação naturais danificadas possam se regenerar, alcançando assim a finalidade da norma constitucional e assegurando, de forma efetiva, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e para as futuras gerações.
5.REFERÊNCIAS
. Casa Civil. Lei nº 9.605, de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências. Brasília, DF: 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 18 de jul. 2021.
. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental em recurso especial. Crime ambiental. Art. 48 da Lei n. 9.605/1998. Impedimento de regeneração das formas naturais de vegetação. Mangue. Obrigação de conservação transferida ao ocupante do imóvel construído em área irregular. Súmula 7/STJ. Inocorrência. AgRg no Resp n. 1.497.163, rel. Min. Felix Fischer, 19/04/2019. Portal STJ. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC& sequencial=82693689&num_registro=201403024861&data=20180427&tipo=5&form ato=PDF. Acesso em: 19 set. 2021.
. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Processual penal. Recurso especial. Crimes contra o meio ambiente. Denúncia rejeitada pelo e. Tribunal a quo. Sistema ou teoria da dupla imputação. REsp n. 889.528/SC, rel. Min. Felix Fischer, 17/04/2007. Portal STJ. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC& sequencial=3050098&num_registro=200602003302&data=20070618&tipo=5&format o=PDF. Acesso em 5 set. 2021.
. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. Recurso extraordinário. Direito penal. Crime Ambiental. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Condicionamento da ação penal à identificação e à persecução concomitante da pessoa física que não encontra amparo na Constituição da república. RE 548.181, rel. Min. Rosa Weber, 06/08/2013. Portal STJ. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7087018. Acesso em 03 ago. 2021.
. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Crimes contra o meio ambiente – arts. 38, caput, 39 e 48 da lei nº 9.605/98. Agente que, mediante emprego de fogo, destrói floresta considerada de preservação permanente, corta árvores dela e ainda impede e dificulta a regeneração natural de vegetação tipo “capoeira” existente ao lado e nas proximidades de mananciais – configuração – impossibilidade de reconhecimento de descriminante putativa ou erro de proibição, nos termos dos arts. 20, § 1º, primeira parte, e 21 do cCP– hipótese. Apelação 1.368.013/4, rel. João Morenghi, São Paulo, 09/12/2003. Portal E-SAJ TJSP. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3864724&cdForo=0. Acesso em 08 set. 2021.
. Tribunal Regional Federal. Região, 4. Penal. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação. Art. 48 da lei 9.605/98. Preliminar. Prescrição. Inocorrência. Crime permanente. Mérito. Materialidade comprovada. In dubio pro reo. Não cabimento. Dolo demonstrado. Apelação Criminal n. 5003474-07.2018.4.04.7115/RS, rel. Des.Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Porto Alegre, 03/03/2021. Portal da Justiça Federal da 4º Região. Disponível em: https://eproc.trf4.jus.br/eproc2trf4/controlador.php?acao=acessar_documento_public o&doc=41614873828868871193315721791&evento=40400188&key=04167ed46ea33d1747f0c13e0c74c9929555b453de818645a241131a6cb73027&hash=06a80e97c9 10391b5f51f4ab8f51de98. Acesso em 08 set. 2021.
. Tribunal Regional Federal. Região, 5. Penal e processo penal. Apelação criminal. Crime ambiental (art. 48 da Lei nº 9.605/98). Corte e aterramento de manguezal. Impedimento da regeneração da vegetação. Prática delitiva comprovada por provas documentais e testemunhais. Apelo ministerial conhecido e provido. Apelação Criminal n. 2878/SE, rel. Des. Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, Recife, 29/08/2005. Portal TRF5. Disponível em: https://www4.trf5.jus.br/processo/200205000101113. Acesso em 08 set. 2021.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. 2. ed., Rio de Janeiro, 2004. Disponível em <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv4730.pdf> Acesso em 25 de set. 2021.
OLIVEIRA, Fabiano Melo G. Direito Ambiental. 2. ed., Barueri: Grupo GEN, Editora Método, 2017.
PRADO, Luiz Regiz. Direito Penal do Ambiente. 7. ed, Barueri: Grupo GEN, Editora Forense, 2019.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do meio ambiente. 4. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
TRENNEPOHL, Terence. Manual de direito ambiental. 8. ed., São Paulo : Saraiva Educação, 2020.
Especialista em Direito Ambiental pela Escola da Magistratura do Estado de Rondônia - EMERON. Graduada em Direito pela São Lucas Educacional. Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, ISADORA GONÇALVES TENÓRIO. O delito de impedir ou de dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65912/o-delito-de-impedir-ou-de-dificultar-a-regenerao-natural-de-florestas-e-demais-formas-de-vegetao. Acesso em: 21 nov 2024.
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