MARCELO JOSÉ BOLDORI[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo aborda a decisão do acórdão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779, que estabeleceu o entendimento de que a alegação de legítima defesa da honra é inconstitucional, pois viola os princípios constitucionais do direito à vida, da dignidade humana, da não discriminação, dos princípios do Estado de Direito, da razoabilidade e da proporcionalidade. A alegação de legítima defesa da honra era utilizada pelos advogados nos tribunais, com o objetivo de reduzir a pena ou absolver o acusado nos casos em que o réu matava sua esposa em defesa de sua honra. Assim, surge a problemática no sentido de averiguar se referida decisão, violou ou não o princípio constitucional que norteia o Tribunal do Júri, qual seja a Soberania dos Veredictos. O presente estudo é justificado por ser um assunto recente, carecedor de estudos científicos. Para a realização desta pesquisa, empregou-se a abordagem qualitativa, recorrendo a obras de doutrina e outros artigos científicos já publicados, bem como analisou-se o acórdão da decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779 e as decisões jurisprudenciais sobre o tema.
Palavras-Chave: Legítima Defesa da Honra. Princípio Constitucional. Soberania dos Veredictos.
ABSTRACT: This article addresses the decision of the Federal Supreme Court in the judgment of the Claim of Non-Compliance with Fundamental Precept 779, which established the understanding that the claim of legitimate defense of honor is unconstitutional, as it violates the constitutional principles of the right to life, human dignity, non-discrimination, the principles of the rule of law, reasonableness and proportionality. The claim of legitimate defense of honor was used by lawyers in the courts, with the aim of reducing the sentence or acquitting the accused in cases where the defendant killed his wife in defense of his honor. Thus, the problem arises in order to determine whether or not this decision violated the constitutional principle that guides the Jury Court, namely the Sovereignty of Verdicts. The present study is justified because it is a recent subject, lacking scientific studies. To carry out this research, a qualitative approach was used, using works of doctrine and other scientific articles already published, as well as analyzing the ruling in the Claim of Non-Compliance with Fundamental Precept 779 and the jurisprudential decisions on the topic.
Keywords: Legitimate Defense of Honor. Constitutional Principle. Sovereignty of Verdicts.
1 INTRODUÇÃO
A legítima defesa da honra foi uma tese muito utilizada especialmente por causídicos em sede do Tribunal do Júri, a fim de buscar a absolvição/redução de pena do acusado pela prática de crimes cometidos dolosamente contra a vida, especificamente nos crimes de feminicídios. Por ter suas raízes nas Ordenações Filipinas, a sua construção refletiu muito da cultura e dos valores sociais que vigiam anteriormente.
No ano de 2020, tramitava perante o Supremo Tribunal Federal o Habeas Corpus nº 178.777, derivado de um caso de tentativa de feminicídio, onde o réu foi absolvido pela sustentação da tese da legitima defesa da honra. Assim a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal ao julgar o referido Habeas Corpus, com fundamento de que um novo julgamento lesaria o princípio da soberania dos veredictos, cassou decisão do Tribunal de primeira instância recursal que havia determinado a realização de novo júri.[2]
Nesse diapasão, o STF muda o seu entendimento através do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779, determinando que a tese legítima defesa da honra afronta a Constituição Federal de 1988, já que viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a proteção a vida e igualdade de gênero.
Diante disso, a pesquisa proposta, busca aprofundar o estudo sobre o tema, a fim de averiguar se o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental viola ou não o princípio da soberania dos Veredictos, uma vez que a nossa Carta Magna de 1988 prevê referido princípio como norteador das decisões do Tribunal do Júri, conforme previsto em sua redação no art. 5º, XXXVIII, “c” (Brasil,1988).
As decisões dos jurados são baseadas em livre convencimento através das provas e debates jurídicos apresentados pela acusação e defesa durante a Sessão do Tribunal do Júri, não podendo a decisão ser modificada pelo Juiz presidente do tribunal, sob pena de nulidade o que consagra a aplicação da Soberania dos Veredictos.
Assim, valendo-se de obras doutrinárias, decisões jurisprudenciais e outros artigos científicos publicados, utilizando-se o método de pesquisa qualitativo, o presente estudo visa discorrer inicialmente acerca do dos princípios constitucionais que regem o tribunal do júri, tendo como enfoque principal a Soberania dos Veredictos.
Posteriormente, aborda de forma breve a contextualização da legitima defesa da honra e a forma como era sustentada pelos advogados de defesa perante a sessão plenária do júri.
Por fim, apresenta uma análise da ADPF nº 779 à luz do princípio da soberania dos veredictos, o que faz buscando ponderar acerca da violação ou não do referido princípio pela decisão de inconstitucionalidade da tese.
Assim, se torna viável um estudo sobre o tema, tendo em vista a problemática a fim de averiguar se a decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779 do STF, de alguma forma, relativizou o princípio da Soberania dos Veredictos, uma vez que proibiu a sustentação da tese da Legitima Defesa da Honra no Tribunal do Júri.
A presente pesquisa justifica-se por tratar-se de tema recente, e, portanto, carecedor de aprofundamento de estudos científicos, uma vez que a decisão que origina a pesquisa proposta, foi proferida preliminarmente no ano de 2021.
Para a elaboração da presente pesquisa, utilizou-se o método qualitativo, valendo-se de obras doutrinárias e outros artigos científicos já publicados, assim como analisou-se o acórdão da decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779 e as decisões jurisprudenciais acerca do tema.
2 RESULTADOS E DISCUSSÕES
2.1 A SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO TRIBUNAL DO JÚRI
Existe uma grande divergência acerca do surgimento da Instituição do Tribunal do Júri. Muitos doutrinadores apontam que teve suas origens na Grécia e em Roma. No Brasil, teve sua origem em 1822 para tratar dos crimes de imprensa. O primeiro texto constitucional brasileiro a prevê-lo foi a Constituição de 1824, embora apenas cogitasse sobre a competência dos jurados para apreciar a matéria de fato, sem cuidar da organização ou competência e sem se referir ao Tribunal do Júri (Carvalho, 2014)
Atualmente nossa Carta Magna de 1988 traz a instituição do Tribunal do Júri, previsto em seu artigo o 5º, inciso XXXVIII, nos seguintes termos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (Brasil, 1988)
O Júri, por estar inserido no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos da Constituição Federal, não pode ser abolido, porque esse núcleo da Carta Maior é considerado, por ela própria, no art. 60, § 4º, IV como cláusula pétrea. (Brasil, 1988).
A plenitude de defesa – artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘a’, que é assegurado aos réus perante o Tribunal do Júri é a defesa perfeita, dentro obviamente, das limitações naturais dos seres humanos. A defesa plena não quer dizer, em hipótese nenhuma, o uso da mentira, métodos antiéticos ou ilegais (Nucci, 2015).
Além disso, a plenitude da defesa significa que a defesa regular não é suficiente, pois pode colocar em risco a liberdade do réu. Vejamos a opinião do renomado jurista Nucci (2014, p. 24):
O réu, no processo-crime comum, tem, como suporte, a defesa técnica, sem dúvida. Porém, se ela não atuar convenientemente, nem sempre precisará o juiz declarar o réu indefeso, nomeando-lhe outro advogado. Exemplificando: em alegações finais, o defensor levanta teses incompatíveis com a prova existente nos autos. Por uma questão de economia processual, buscando a celeridade do processo, vislumbrando o magistrado poder absolver o réu, sem se valer das teses ofertas pela defesa, assim deve agir. Não haveria sentido algum em se nomear outro defensor para corrigir um erro que o juiz pode fazer de ofício, bastando sentenciar.” [...] “Advogados que atuam no Tribunal do Júri devem ter tal garantia em mente: a plenitude de defesa. Com isso, desenvolver suas teses diante dos jurados exige preparo, talento e vocação. O preparo deve dar-se nos campos jurídico e psicológico, pois, se está lidando com pessoas leigas. O talento para, naturalmente, exercer o poder de convencimento ou, pelo menos aprende a exercê-lo e essencial. A vocação, para enfrentar horas e horas de julgamento com equilíbrio, prudência e respeito aos jurados e às partes emerge como crucial.
Esse princípio demonstra a intenção do legislador constitucional de privilegiar o Júri como garantia individual, pois se preocupa com a qualidade do trabalho do defensor do acusado, a ponto de estabelecer a qualidade da defesa dos autores de crimes que serão julgados pelo Tribunal Popular (Campos, 2015).
Ademais, no que tange ao Sigilo das Votações, além da Constituição Federal de 1988, há o artigo 485, caput, do Código de Processo Penal, que diz: “O juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial para proceder a votação”. O artigo 485, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal diz: "Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo". Essa é a solução para casos em que o Tribunal do Júri não tenha uma sala especial para votação. (Brasil, 1941).
Vejamos o que Nucci (2015, p. 29-30) explana:
Em primeiro lugar, deve-se salientar ser do mais alto interesse público que os jurados sejam livres e isentos para proferir seu veredicto. Não se pode imaginar um julgamento tranquilo, longe de qualquer pressão, feito à vista do público, no plenário de júri. Note-se que as pessoas presentes costumam manifestar-se durante a sessão, ao menor sinal de um argumento mais incisivo feito pela acusação ou pela defesa. Ainda que o juiz exerça o poder de polícia na sala e possa determinar a retirada de alguém espalhafatoso de plenário, é certo que, durante a votação, essa interferência teria consequência desastrosas. Imagine-se um julgamento perdurando por vários dias, com todos os jurados exaustos e a votação final sendo realizada à vista do público em plenário. Se uma pessoa, não contente com o rumo tomado pela votação, levantar-se e ameaçar o Conselho de Sentença, poderá influir seriamente na imparcialidade do júri, ainda que seja retirada – e até presa – por ordem do juiz presidente. Anular-se-ia um julgamento tão custoso para todos, por conta dessa invasão no convencimento.
Nesse diapasão, a Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, buscando consagrar o sigilo da votação, impôs a apuração dos votos por maioria sem a divulgação do quórum total (Nucci, 2015).
O princípio da Competência para Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a Vida, está positivado no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d” da Constituição Federal de 1988 e, também, no artigo 74, parágrafo 1º do Código de Processo Penal (Ramos, 2020).
Dentre os crimes elencados, como exemplo, de competência do Tribunal do Júri estão: homicídio (art. 121, §§1º e 2º, do Código Penal; induzimento, instigação ou auxilio do suicídio (art. 122 parágrafo único, do Código Penal); infanticídio (art. 123, do Código Penal) e aborto (art. 123 a 127 todos do Código Penal), seja na forma tentada ou na forma consumada, também, é da competência do Tribunal do Júri os crimes conexos praticados que possuam vínculo com os crimes dolosos contra a vida (Nucci, 2015).
Essa competência para melhor entendê-la é que seja mínima. Pois, existem posições doutrinárias que diz ser uma competência fixa, porém para Guilherme de Souza Nucci (2015, p. 35-38): “[...] o texto constitucional menciona ser assegurada a competência para os delitos dolosos contra a vida e não somente para eles.”
Por fim, tendo como enfoque principal, será abordado o Princípio da Soberania dos Veredictos o qual está tipificado na alínea “c” do artigo 5º da Constituição Federal no rol dos Direitos e Garantias Individuais (Brasil,1988).
A soberania dos veredictos emitidos pelos jurados, especialmente no Tribunal do Júri, é uma garantia que o legislador constituinte atribuiu aos jurados, visto que são obrigados a seguir apenas suas próprias convicções e não a lei, doutrina ou jurisprudência dos tribunais (Nucci, 2015).
Assim, a soberania dos veredictos do júri pode ser entendida como: “a impossibilidade de os juízes de carreira decidirem a causa em substituição aos jurados” (Bulos, 2018, p.1736).
Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima (2016, p. 1855) traz em sua obra que:
[...] Trata-se de uma competência mínima, que não pode ser afastada nem mesmo por emenda constitucional, na medida em que se trata de uma cláusula pétrea (CF, art.60, §4º, IV), o que, no entanto, não significa que o legislador ordinário não possa ampliar o âmbito de competência do Tribunal do Júri. É isso, aliás, o que já ocorre com os crimes conexos e/ou continentes. Com efeito, por força do art.78, inciso I, do CPP, além dos crimes dolosos contra a vida, também compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes conexos, salvo em se tratando de crimes militares ou eleitorais, hipótese em que deverá se dar a obrigatória separação dos processos.
Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p. 776) diz que: “A expressão soberania foi empregada no sentido de que a Instância Superior não pode condenar se o Júri absolveu e vice-versa”.
Nucci (2015) destaca que muitos apreciam a participação dos cidadãos no Judiciário, por meio do júri, por ser um meio de exercer a cidadania e a democracia, uma vez que a decisão tomada seria respeitada, considerando o princípio da soberania dos veredictos.
Leciona Mion (2020, p. 10) que:
[...] a peculiaridade do Tribunal do Júri consiste em ser um órgão do Poder Judiciário no qual o cidadão julga o mérito dos crimes dolosos contra a vida, ao contrário de todos os outros crimes, em que o magistrado é o responsável pela decisão sobre a existência material do delito e sua autoria. Para garantir que efetivamente os cidadãos julguem tais casos criminais, e, ao mesmo tempo, evitar que terceiros exerçam tal atividade – inclusive o Poder Judiciário –, o constituinte assegurou a soberania dos vereditos.
Fernando Capez (2015) define a soberania dos veredictos como a impossibilidade de o tribunal técnico modificar a decisão dos jurados pelo mérito. Afirma, ainda, que é um princípio relativo, haja vista que, no caso da apelação das decisões do Júri pelo mérito, se entender que a decisão dos jurados afrontou manifestamente a prova dos autos, o Tribunal pode anular o julgamento e determinar a realização de um novo.
Para Cezar Roberto Bittencourt (2020) a honra pode ser conceituada como um valor ideal, a estima, a reputação e a fama que temos na sociedade em que estamos inseridos.
O discurso que defende a legitimidade da defesa da honra remonta à era colonial do Brasil. Antigamente, a honra masculina era considerada um bem jurídico protegido pelo estado. Nas Ordenações Filipinas, um conjunto de leis que vigeram no Brasil antes da criação do Código Criminal do Império em 1830, um homem tinha o direito de matar sua esposa flagrada praticando o ato de adultério (Costa, 2022).
A nomenclatura “legitima defesa da honra” nunca teve amparo expresso na legislação. Tratava-se de uma tese defensiva utilizada pelos causídicos em sede de debates no Tribunal do Júri, nos casos de homicídio de mulheres por seus maridos, companheiros, namorados e ex-parceiros, podendo ser classificado atualmente como uma hipótese de feminicídio, buscando enquadrar a conduta típica como uma causa e excludente de ilicitude (Brasil,1940).
A tese mencionada baseava-se nos artigos 23, inciso II, e 25 do Código Penal (CP), que tratam da excludente de ilicitude da defesa legítima, conforme exposto a seguir:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
[...]
II - Em legítima defesa;
[...]
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (Brasil, 1940).
A essência jurídica da legítima defesa consiste na autorização dada pelo Estado para poder o agredido se defender de eventual agressão, dentro dos limites estabelecidos por lei, devendo a defesa ser determinada pela sua necessidade. Para o doutrinador Fernando Capez (2013, p. 309):
Em princípio, todos os direitos são suscetíveis de legítima defesa, tais como a vida, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a honra etc., bastando que esteja tutelado pela ordem jurídica. Dessa forma, o que se discute não é a possibilidade da legítima defesa da honra e sim a proporcionalidade entre a ofensa e a intensidade da repulsa. Nessa medida, não poderá, por exemplo, o ofendido, em defesa da honra, matar o agressor, ante a manifesta ausência de moderação. No caso de adultério, nada justifica a supressão da vida do cônjuge adúltero, não apenas pela falta de moderação, mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero.
Dessa forma, o Código Penal não apresenta um rol taxativo sobre quais situações são passiveis da legítima defesa, sendo, conforme doutrina majoritária todos os bens passiveis de proteção, observado se presentes os requisitos que a configura (Brasil, 1940).
De acordo com alguns doutrinadores, a defesa legítima da honra continua sendo válida nos tempos modernos. Segundo Beraldo Junior (2004), a legitima defesa da honra é válida, isso porque conforme a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X a honra deve ser reconhecida como direito (Toigo, 2010).
Para Beraldo Júnior (2004, p.1):
A legítima defesa consiste no uso dos meios necessários e se o ofendido julgava no momento de sua exaltação emocional e psicológica que, aquele era o meio necessário para a repulsa da ofensa e não era capaz de discernir se aquela repulsa era necessária ou se a melhor saída seria a separação litigiosa ou consensual, não há que se desclassificar a legitima defesa e puni-lo por homicídio qualificado, ou na melhor das hipóteses no homicídio privilegiado. O que deve ser analisado é núcleo do tipo penal, ou seja, repulsa a injusta agressão a honra, que caracteriza a legítima defesa.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2017, p. 159), qualquer bem jurídico relevante poderá ser protegido pela legítima defesa. O patrimônio, a honra, o próprio corpo são exemplos.
Há doutrinadores que se opõem a essa noção, dizendo que a evolução social levou ao abandono da tese de defesa legítima da honra e que o direito tende a acompanhar essa evolução. Devido ao fato de que a Constituição Federal de 1988 reconheceu com equidade os direitos de homens e mulheres, a tese de legítima defesa da honra perdeu sua força mostrando-se inconstitucional. Para tanto, demonstra Eluf (2007, p. 199):
A tese de legítima defesa da honra, que levou à absolvição ou à condenação a penas muito pequenas de autores de crimes passionais, já não é mais aceita em nossos tribunais. A honra do homem não é portada pela mulher. Honra, cada um tem a sua. Aquele que age de forma indigna deve arcar pessoalmente com as consequências de seus atos. Sua conduta não contamina o cônjuge [...] A tese de legítima defesa da honra é inconstitucional, em face da igualdade dos direitos entre homens e mulheres assegurada na Constituição Federal de 1988 – art. 5 º – e não pode mais ser alegada em plenário do júri, sob pena de incitação à discriminação do gênero.
Diante disso, a decisão do acórdão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, através da Arguição de Descumprimento Fundamental 779/2021, tornou a tese da legítima defesa da honra ilícita, sob o fundamento da violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os gêneros.[3]
2.3 ADPF nº 779/2021 DO STF
Em janeiro de 2021, o Partido Democrático Trabalhista propôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779, em relação aos artigos 23, II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e do artigo 65 do Código de Processo Penal, e também, caso a Corte entendesse necessário, ao art. 483, inciso III, §2º, do Código de Processo Penal, com o objetivo de que esses dispositivos fossem interpretados de acordo com a Constituição para excluir a tese jurídica da legítima defesa da honra ou, alternativamente, para que fosse declarada a sua não-recepção pela Constituição Federal de 1988 sem redução de texto, e para declarar a não -recepção de quaisquer interpretações que admitam a tese (Oliveira, 2021).
Os artigos 23, II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal abordam o excludente de ilicitude referente à legítima defesa, conforme detalhado a seguir:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
[...]
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes (Brasil, 1940).
Da mesma forma, a referida excludente de ilicitude é abordada pelo artigo 65 do Código de Processo Penal, conforme o dispositivo a seguir:
Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (Brasil, 1941).
Adiante, requereu, caso a Corte entendesse necessário, a interpretação do art. 483, III, §2º, do CPP, que trata da absolvição genérica – ou por “clemência” – no rito do Tribunal do Júri:
Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:
I – a materialidade do fato;
II – a autoria ou participação;
III – se o acusado deve ser absolvido;
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
[...]
§ 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado? (Brasil, 1941).
A referida ADPF se originou devido o processamento perante o STF do Habeas Corpus 178.777 oriundo do processo nº 0447.16.001025-5, do Juízo da Comarca de Nova Era, Minas Gerais, cuja tese da legítima defesa da honra foi arguida de forma subliminar pela defesa. O crime de feminicídio, em que não se concluiu a consumação por vontade alheia do réu, foi classificado como homicídio qualificado. O pronunciamento do conselho de sentença foi absolutório, mesmo diante da prova de autoria e materialidade e da confissão do réu.[4]
O mérito da questão foi centrado na soberania do Júri para absolver acusados, em geral, homens, de terem assassinado vítimas, em geral, mulheres, em razão de acolher a tese de legítima defesa da honra. Trazendo o pedido principal na inicial. Sobre o tema, Bitencourt (2017, p. 991) afirmou:
Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal precisa decidir se a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri é equivalente à soberania política nacional, no sentido do positivismo primevo, de poder fático que não encontra nenhum limite, ou se deve ser acolhida outra tese, que aqui se considera correta, por muito mais razoável, no sentido de que, superado o aguilhão semântico (Dworkin) de uma interpretação puramente literal, pautada em um silogismo cego avalorativo, se acolha uma interpretação sistemática com o direito fundamental à vida (art. 5º, caput), o princípio da proibição constitucional de preconceitos e discriminações de quaisquer naturezas (art. 3º, IV) e os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LIV, implícitos ao princípio do devido processo legal substantivo). Isso para que se entenda tal “soberania” com temperamento, por interpretação restritiva (redução teleológica), para entender que ela não legitima a adoção de teses de lesa-humanidade, manifestamente coisificadoras da pessoa humana, subordinando-a ao arbítrio de outra, como a horrenda, nefasta e anacrônica tese de lesa-humanidade da “legítima defesa da honra.
Conforme mencionado, o partido autor sustentou que o uso da defesa legítima da honra violaria os princípios fundamentais da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LIV, CF), do direito fundamental à vida (art. 5º, caput, CF), do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), do princípio da não discriminação (art. 3º, IV, CF) e do Estado Democrático de Direito (art. 1º, CF). Como atos do Poder Público, indicou as decisões do Tribunal do Júri, dos Tribunais de Justiça e da 1ª Turma do STF que acolheram a tese da legítima defesa da honra (Costa, 2022).
Assim sendo, o requerente propôs em sua manifestação a fixação da seguinte tese:
1. A “soberania dos veredictos” atribuída ao Tribunal do Júri pelo artigo 5º, XVIII, “c”, da Constituição Federal não lhe permite tomar decisões condenatórias ou absolutórias manifestamente contrárias à prova dos autos, no sentido de uma decisão que se divorcia completamente dos elementos fático-probatórios do processo e do Direito em vigor no país, à luz de argumentos racionais, de razão pública, condizentes com as normas constitucionais, convencionais e legais vigentes no país.
1.1. Assim, a absolvição da pessoa acusada por teses de lesa-humanidade, no sentido de violadoras de direitos fundamentais, como a chamada “legítima defesa da honra”, gera a nulidade do veredicto do Júri, por se constituírem enquanto arbitrariedade que não pode ser tolerada à luz do princípio do Estado de Direito, enquanto “governo de leis”, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, visto que todos que consagram a vedação do arbítrio em decisões estatais.
1.2. Não é compatível com os direitos fundamentais à vida e à não-discriminação das mulheres, bem como com os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade, qualquer interpretação de dispositivos infraconstitucionais que admita a absolvição de feminicidas (assassinos de mulheres) pela tese da “legítima defesa da honra”, por ela implicar em instrumentalização da vida das mulheres ao arbítrio dos homens, inclusive pela inadequação e desnecessidade do assassinato para proteção da honra de pessoa traída em relação afetiva, bem como a prevalência do bem jurídico vida sobre o bem jurídico honra e a completa arbitrariedade de entendimento em sentido contrário. [5]
Pela leitura da tese proposta, é possível identificar que além de excluir o cabimento da tese da legítima defesa da honra, o requerente buscou a fixação de entendimento no sentido de que a utilização da referida tese pela defesa fosse considerada causa de nulidade do veredito do Júri.[6]
Ainda, o Partido requereu a concessão de medida cautelar para que fosse atribuída interpretação conforme à Constituição Federal ou, alternativamente, a declaração de não recepção sem redução de texto, do disposto nos artigos 23, II, e 25 do Código Penal e do artigo 65 do Código de Processo Penal, e, subsidiariamente, do art. 483, III, §2º, do CPP, para considerá-los compatíveis com a Constituição Federal apenas quando não incluírem a tese da legítima defesa da honra. No mérito, requereu a confirmação da cautelar e a fixação de tese.[7]
Dessa forma processo foi distribuído ao Ministro Dias Toffoli que, em fevereiro de 2021, decidiu, de forma monocrática, por conceder parcialmente a medida cautelar para:
(i) firmar o entendimento deque a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF)”; (ii) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência, (iii) obstar à defesa que sustente, direta ou indiretamente, a legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como no julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.[8]
Em março de 2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou a decisão que concedeu a liminar. A decisão manteve o voto do relator e determinou que a tese da legítima defesa da honra ou qualquer interpretação que aceite a sua invocação deve ser considerada nula e que o uso da tese deve resultar na nulidade do ato e do julgamento (Costa, 2022).
O Ministro Gilmar Mendes em seu voto, deliberou que a proibição do uso da tese da legitima defesa da honra deveria ser estendida a todas as partes envolvidas, inclusive aos juízes, autoridades policiais e acusação, tal entendimento foi acolhido pelo Pleno. Assim sendo, o item (iii) do dispositivo passou a contar com a seguinte redação:
iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.[9]
Assim, considerando os votos prolatados, a tese da legitima defesa da honra tornou-se inconstitucional através do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF nº 779, sendo causa de nulidade do julgamento se arguida por qualquer autoridade mesmo que de forma indireta.
2.4 ADPF nº 779 À LUZ DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Conforme abordado anteriormente, nosso ordenamento jurídico confere aos cidadãos comuns os julgamentos de crimes dolosos contra a vida, sendo a decisão soberana em virtude do princípio constitucional da Soberania dos Veredictos (Brasil,1988).
Gustavo Badaró (2015, p. 651) explica que: “a soberania dos veredictos deve ser entendida como a impossibilidade de outro órgão judiciário substituir os jurados na decisão da causa”.
Considerando a inclusão do Júri no capítulo dos “direitos e garantias fundamentais” da constituição de 1988 e a diferenciação conceitual entre direitos e garantias individuais, a doutrina majoritária entende que o Tribunal do Júri se apresenta como uma garantia individual do acusado:
Situado no contexto dos direitos e garantias humanas fundamentais, convém explicitar qual seria realmente a posição constitucional do Tribunal Popular. Considerando-se direito individual aquele que declara situação inerente à personalidade humana (ex.: vida, liberdade, integridade física) e garantia individual aquela cuja finalidade é assegurar que o direito seja, com eficácia, fruído, observa-se, majoritariamente, na doutrina ser o Júri uma garantia (Nucci, 2020, p.1195).
A decisão da Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental nº 779 prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, trouxe grande discussão doutrinária, no que diz respeito se tal decisão violou o princípio da Soberania dos Veredictos ao tornar a tese da legítima defesa da honra inconstitucional, Luiza Nagib Eluf (2002, p.164), defende que:
Por sua vez, se a legitima defesa da honra não existe na lei, que somente admite a legítima defesa física, tampouco ela ocorre na vida real. Os motivos que levam o criminoso passional a praticar o ato delituoso têm mais a ver com sentimento de vingança, ódio, rancor, frustração sexual, vaidade ferida, narcisismo maligno, prepotência, egoísmo, do que com o verdadeiro sentimento da honra.
Já o doutrinador Paulo Queiroz (2021) argumenta que o Supremo Tribunal Federal restringiu a autoridade dos veredictos ao realizar o controle de constitucionalidade da tese mencionada, retirando do Tribunal do Júri e dos jurados a autoridade de avaliar a viabilidade de uma excludente de ilicitude:
O problema não é, portanto, se é possível falar de legítima defesa da honra (a defesa da honra é legítima), mas se uma ofensa à honra poderia legitimar um feminicídio ou qualquer outro delito grave (lesões corporais, maus-tratos, cárcere privado etc.). A resposta é definitivamente não, pois faltariam aí a necessidade e moderação exigidas pelo art. 25 do CP. Mas quem tem competência para rejeitar ou não a alegação é o Tribunal do Júri, não o STF, que, no caso, não declarou a inconstitucionalidade de lei alguma, e sim a inconstitucionalidade de uma tese concreta, restringindo a um tempo a soberania dos veredictos e a plenitude de defesa garantidos no art. 5°, XXXVIII, da Constituição.
Inicialmente, discute-se que a decisão cautelar do Ministro Relator da ADPF nº 779 e o posterior referendo concedido pelo plenário da corte não delimitam com precisão o que se está a proibir, sobretudo quanto ao uso indireto da legítima defesa da honra:
Pelo exposto, concedo parcialmente a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para:
[...]
(iii) obstar à defesa que sustente, direta ou indiretamente, a legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como no julgamento perante o tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. O Tribunal, por unanimidade, referendou a concessão parcial da medida cautelar para:
[...]
(iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento, nos termos do voto do Relator.[10]
Percebe-se que, além da proibição do uso direto da tese, quando o acusado e seu defensor dizem expressamente que o feminicídio se deu em legítima defesa da honra do réu, o Relator e seus pares proibiram, também, o uso indireto da tese, bem como de qualquer argumento que induza a ela (Caran, 2022).
A soberania dos veredictos é a alma do Tribunal do Júri, assegurando lhe efetivo poder jurisdicional e não somente a prolação de um parecer, passível de rejeição por qualquer magistrado de carreira. Ser soberano significa atingir o nível mais alto de autoridade, o poder absoluto, acima de qualquer outro (Nucci, 2014).
Vale ressaltar que princípios constitucionais não são absolutos não podendo-se ponderar qual preceito fundamental se sobrepõe a outro (Brasil,1988).
Além disso, o Supremo Tribunal Federal teria extrapolado suas funções nessa questão, pois o artigo 102 da Constituição Federal de 1988 não dá ao tribunal a autoridade de avaliar a constitucionalidade de teses defensivas (Brasil,1988).
Tal apontamento se torna mais relevante ao se considerar que a primeira proibição do uso da tese da “legítima defesa da honra” se deu por meio de decisão de um único Ministro:
Ignorou, contudo, a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri assegurada, igualmente, pelo texto constitucional, confundindo soberania, procedimento e competência. O Tribunal do Júri é constitucionalmente soberano para acatar ou recusar qualquer tese fático-jurídica submetida a seu crivo (inciso XXXVIII, alínea "a", do artigo 5º da CF). Em outros termos, a soberania do Júri é tão constitucional quanto a proteção da honra e do instituto da legítima defesa. São institutos constitucionais de mesma grandeza e a sua utilização não pode ser limitada ou reduzida, abstratamente, por nenhum tribunal, principalmente em decisão monocrática, mas podem e devem ser limitados ou afastados pelo confronto de outros institutos jurídicos no âmbito e no bojo do devido processo legal, segundo a mesma CF (inciso LV do artigo 5º). Aliás, é assim que funciona harmonicamente nosso ordenamento jurídico, que tem seus próprios mecanismos de controle de legalidade e de constitucionalidade dos meios e teses defensivas (Bitencourt, 2021).
No que se refere aos preceitos fundamentais violados por tais atos, indicou-se o direito fundamental à vida, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da não discriminação, os princípios do Estado de Direito, da razoabilidade e da proporcionalidade.
No que diz respeito a esse assunto, é criticado que os requerentes da ação cometeram três erros. A primeira é a violação do direito à vida. A conclusão é que, assim como a tese da legítima defesa da honra, qualquer argumento apresentado no Júri pode ser considerado ofensivo à vida, isso se deve ao fato de que o Júri é o órgão competente para julgar crimes dolosos contra a vida (Faria; Ravazzano, 2021).
O segundo, quanto a violação dos princípios da não discriminação, os princípios do Estado de Direito, da razoabilidade e da proporcionalidade:
A tese da legítima defesa da honra pode sim ser utilizada em defesa de mulheres que venham a encerrar a vida dos companheiros, o que não configuraria afronta a não discriminação; a violação aos princípios do Estado de Direito, de per si, abarcam quaisquer princípios do regime democrático e a mitigação ao direito de defesa representa, por conseguinte, ofensa ao Estado Democrático de Direito; por fim, a razoabilidade e proporcionalidade fazem parte da análise de mérito, também passíveis de serem arguidas em quaisquer delitos, notadamente nas defesas de crimes contra a vida e contra a incolumidade física, dolosos ou culposos (Faria; Ravazzano, 2021, p.6).
O terceiro, quanto a incoerência de se apontar o descumprimento de preceitos fundamentais enquanto propõe o descumprimento de outros preceitos, como a plenitude de defesa e a soberania dos veredictos (Faria; Ravazzano, 2021).
Dessa forma, é evidente que alguns membros da comunidade jurídica concordam que o princípio constitucional da soberania dos veredictos foi minado, e que o Supremo Tribunal Federal teria excedido sua jurisdição para tratar de um caso específico do Tribunal do Júri (Faria; Ravazzano, 2021).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No âmbito do Habeas Corpus 178.777, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal cassou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que havia determinado ao Tribunal do Júri a realização de novo julgamento do réu acusado de tentar matar a esposa e que fora absolvido sob a alegação de legítima defesa da honra, argumentando que um novo julgamento feriria o princípio da soberania dos veredictos.[11]
Assim, diante da decisão proferida ao admitir a absolvição de um acusado de feminicídio sob o fundamento de legítima defesa da honra e, impedir a realização de um novo julgamento com o intuito de preservar a soberania dos veredictos, agiu de forma coerente respeitando o princípio constitucional que norteia o Tribunal do Júri prevista em nossa Constituição Federal.
Ocorre que, através do julgamento da ADPF nº 779/2021, a Suprema Corte Brasileira mudou seu entendimento declarando inconstitucional a tese da legítima defesa da honra e estabelece que a utilização de tal estratégia defensiva em sede de Tribunal do Júri pode acarretar a nulidade do ato e do julgamento.
Diante da referida decisão torna-se evidente que o Estado ao tolher a sustentação direta ou indiretamente da tese legitima defesa da honra fere os princípios constitucionais da Soberania dos Veredictos, assim como a Plenitude de defesa, uma vez que o corpo de jurados é livre para julgar conforme sua convicção cabendo a eles decidir se a tese sustentada traz um discurso odioso, machista, etc...
Ademais, ressalta-se que a tese pode ser utilizada tanto para a defesa de homens quanto para a defesa de mulheres, sendo totalmente possível que a mulher cometa o homicídio em nome de sua honra.
Destaca-se, que os princípios constitucionais não são absolutos, ou seja, não se pode ponderar qual se sobrepõe a outro. Assim, mostra-se que a decisão proferida, apresenta-se incoerente, isso porque o STF argumenta o descumprimento de preceitos fundamentais enquanto propõe o descumprimento de outros preceitos, como é o caso da plenitude de defesa e da soberania dos veredictos.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor Orientador. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade do Contestado. Porto União. Santa Catarina. Brasil. E-mail: [email protected]
[2] STF-HC 178.777 – Relator. Min. Marco Aurélio – j. 29.09.2020 - 1ª T. – DJ de 14.12.2020.
[3] STF-ADPF 779 – Relator. Min. DIAS TOFFOLI– j. 15.03.2021. DJ de 20/05/2021.
[4] STF-HC 178.777 – Relator. Min. Marco Aurélio – j. 29.09.2020 - 1ª T. – DJ de 14.12.2020.
[5] STF-ADPF 779 – Relator. Min. DIAS TOFFOLI– j. 15.03.2021. DJ de 20/05/2021.
[6] STF-ADPF 779 – Relator. Min. DIAS TOFFOLI– j. 15.03.2021. DJ de 20/05/2021.
[7] STF-ADPF 779 – Relator. Min. DIAS TOFFOLI – j. 15.03.2021. DJ de 20/05/2021.
[8] STF-ADPF 779 – Relator. Min. DIAS TOFFOLI – j. 15.03.2021. DJ de 20/05/2021.
[9] STF-ADPF 779 – Relator. Min. DIAS TOFFOLI – j.15.03.2021. DJ de 20/05/2021.
[10] STF-ADPF 779 – Relator. Min. DIAS TOFFOLI, p. 31-32 – j. 15.03.2021. DJ de 20/05/2021.
[11] STF-HC 178.777 – Relator. Min. Marco Aurélio – j. 29.09.2020 - 1ª T. – DJ de 14.12.2020.
Graduanda em Direito pela Universidade do Contestado, Porto União. Santa Catarina. Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIDAL, Pâmela Aparecida. A relativização da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri frente à decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779 do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2024, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66664/a-relativizao-da-soberania-dos-veredictos-do-tribunal-do-jri-frente-deciso-da-arguio-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-779-do-stf. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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