LETÍCIA LOURENÇO SANGALETO TERRON[1]
(orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa objetiva uma análise crítica do benefício da saída temporária e sua efetividade no âmbito da ressocialização dos egressos do sistema carcerário do Estado de São Paulo. Para tanto, no seu desenvolvimento, utilizou-se do método dedutivo, através de pesquisas legislativas e doutrinárias acerca da saída temporária, além da análise de dados estatísticos sobre a reincidência no estado de São Paulo. Isso porque, apesar de possuir a finalidade de dar início ao processo de ressocialização dos presos, retornando-os ao convívio social de forma digna, a realidade nos mostra um cenário diferente, visto que na grande maioria dos casos, os egressos não recebem um aparato eficiente para sua reeducação. Por fim, demonstrou-se que para obter efetividade, não basta conceder o benefício de maneira isolada, sendo essencial que o Estado garanta que o preso já tenha iniciado seu processo de reeducação dentro do estabelecimento prisional e esteja psicologicamente preparado para retornar ao convívio social, assegurando, desta forma, as finalidades da medida.
PALAVRAS-CHAVE: Saída temporária. Ressocialização. Lei de Execução Penal. Reeducação.
ABSTRACT: The present research aims at a critical analysis of the benefit of temporary release and its effectiveness in the context of the resocialization of those released from the prison system in the State of São Paulo. To this end, in its development, the deductive method was used, through legislative and doctrinal research on temporary departure, in addition to the analysis of statistical data on recidivism in the state of São Paulo. This is because, despite having the purpose of starting the process of resocialization of prisoners, returning them to social life in a dignified way, reality shows us a different scenario, since in the vast majority of cases, inmates do not receive an apparatus efficient for their re-education. Finally, it was demonstrated that to be effective, it is not enough to grant the benefit in isolation, it is essential that the State ensures that the prisoner has already started his re-education process within the prison establishment and is psychologically prepared to return to social life, thus ensuring the purposes of the measure.
KEYWORDS: Temporary release. Resocialization. Penal Enforcement Law. Re-education.
1 INTRODUÇÃO
A saída temporária, conhecida popularmente como “saidinha”, é palco de polêmicas no sistema prisional do Brasil. De um lado, grande parte da sociedade questiona sua efetividade e apoiam sua abolição, de outro, os juristas ressaltam a importância do benefício no processo de ressocialização dos presos, surgindo assim a problemática ora abordada.
Nesse contexto, sobreveio o Projeto de Lei nº 2253/2022, visando alterar a Lei de Execução Penal, tendo como principal objetivo extinguir o benefício da saída temporária, com exceção dos casos de frequência em locais de estudo. A justificativa para extinguir o benefício seria o aumento da criminalidade, principalmente o aumento de crimes contra o patrimônio durante os períodos em que os presos se encontram em gozo do benefício.
Desta forma, o ponto central desta pesquisa é analisar a efetividade do benefício da saída temporária na ressocialização dos egressos nos moldes atuais, especificamente no Estado de São Paulo. Para tanto, visa-se expor os índices de reincidência criminal e a necessidade de políticas públicas dentro dos estabelecimentos prisionais.
Nota-se que a adoção de medidas drásticas como a extinção do direito à saída temporária evidencia a desinformação acerca da realidade do sistema prisional brasileiro. Assim, observa-se a necessidade de outras análises acerca da temática, visando uma reforma na aplicação do benefício de modo a priorizar sua principal finalidade: a ressocialização do apenado de forma digna.
No desenvolvimento deste trabalho foi aplicado o método dedutivo, tendo como objetivo avaliar a aplicação da saída temporária e seu alcance em suas finalidades, além de demonstrar a importância de políticas públicas voltadas a recuperação dos apenados. Para alcançar tais objetivos, foram realizadas pesquisas legislativas, de posições doutrinárias acerca da saída temporária e dados estatísticos sobre a reincidência no estado de São Paulo.
2 CONCEITO E FUNÇÕES DA PENA
A pena consiste em sanção penal, imposta pelo Estado na execução de uma sentença em face do indivíduo condenado pela prática de um delito. Trata-se, portanto, da consequência da prática de uma infração penal cometida por aquele indivíduo, consistente na privação ou restrição de bens jurídicos, imposta após o devido processo legal por um órgão jurisdicional competente.
Noronha (1991, p. 217) assevera que “a pena é retribuição, é privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em face do ato praticado”.
Em síntese, existem três importantes teorias que abordam as funções da pena: teoria retributiva, teoria preventiva e teoria mista.
A teoria retributiva, como o próprio nome demonstra, está atrelada aos preceitos da retribuição, sendo uma resposta ao mal causado pela infração com o mal da sanção penal, gerando um alerta ao criminoso acerca de seu comportamento ilícito, produzindo uma aflição corretiva, a qual deve ser na mesma proporcionalidade da gravidade do delito cometido. Portanto, a função retributiva não possui qualquer finalidade social, mas sim, apenas a punição do indivíduo, trazendo a ideia de justiça.
As teorias preventivas procuram um fim utilitário para a punição. Se subdividem em outras duas: prevenção geral e prevenção especial.
Na prevenção geral, o objetivo da sanção é de intimidar os demais cidadãos com a sua aplicação, evitando o cometimento de novos delitos. Essa função pode ser considerada “como uma coação psicológica sobre todos os cidadãos” (Albergaria, 1996). Possui duas acepções: positiva e negativa. A vertente negativa preconiza a prevenção através da intimidação da coletividade por meio da ameaça da sanção. Desta forma, uma vez aplicada a pena ao infrator, servirá como uma coação psicológica à sociedade como um todo, desestimulando a prática delituosa. Por outro lado, a vertente positiva defende a função integradora ou estabilizadora da pena que, ao ser aplicada, incorpora na consciência coletiva a necessidade de se respeitar determinados bens jurídicos, buscando-se reafirmar o sistema normativo e sua vigência.
Já na prevenção especial, diferente do previsto na prevenção geral, o foco é o indivíduo delinquente, e não a coletividade, com o intuito de evitar que reincidam. Conforme a classificação proposta por Luigi Ferrajoli (2002), é possível dividir a prevenção especial em prevenção especial positiva, que confere à pena a função positiva de corrigir o apenado; e prevenção especial negativa, que atribui à pena a função negativa de eliminar ou, no mínimo, neutralizar o apenado.
Assim, na prevenção especial positiva, visa-se a reeducação do condenado para que não cometa novas infrações penais, preconizando a finalidade ressocializadora da pena. Já na prevenção especial negativa, o foco é a neutralização do infrator, impedindo-o de cometer novos delitos através de sua retirada do convívio social, bem como intimidando-o para evitar a reincidência.
Por fim, a teoria mista é, em síntese, uma combinação das teorias absolutas e relativas. Para a teoria mista, a pena atua tanto como uma retribuição ao condenado pelo cometimento do delito, ante o desrespeito as determinações legais, quanto uma forma de prevenir a realização de novos delitos, tanto da forma geral, atingindo a sociedade como um todo, como na forma específica, sob o agente delituoso.
Para Noronha (2000, p. 223), "As teorias mistas conciliam as precedentes. A pena tem índole retributiva, porém objetiva os fins da reeducação do criminoso e de intimidação geral. Afirma, pois, o caráter de retribuição da pena, mas aceita sua função utilitária".
Destarte ressaltar que o Código Penal Brasileiro adotou a teoria mista, conforme se depreende de seu artigo 59:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (BRASIL, 1940, art. 59).
Portanto, é necessário que, ao falar sobre a aplicação de penas, estas não devem ser observadas apenas em caráter de punição do indivíduo, mas sim, deve ser levado em consideração sua recuperação.
3 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A SAÍDA TEMPORÁRIA
A privação da liberdade é uma das sanções penais adotada pelo Código Penal, consistindo na limitação do direito de ir e vir do condenado, recolhendo-o em estabelecimento prisional, visando uma futura reinserção na sociedade e sua reeducação, para prevenir a reincidência.
Desta forma, encerrada a fase instrutória, julgada procedente a ação penal, total ou parcialmente, é necessário a execução do título executivo judicial, ou seja, é preciso “cobrar” do condenado o resgate de sua dívida com a sociedade, e assim, transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução (Marcão, 2023).
A legislação prevê três tipos de pena privativa de liberdade: reclusão, detenção, e prisão simples, sendo as duas primeiras cabíveis em decorrência da prática de crimes e a última aplicada a contravenções penais.
Além disso, também são previstos diferentes regimes de cumprimento, podendo ser fechado (presídio de segurança máxima); semiaberto (colônia agrícola, industrial ou equivalente) e aberto (casa de albergado ou similar), conforme estabelece o artigo 33, §1º do Código Penal.
Logo, compete ao juiz, ao proferir a sentença condenatória que condene o réu à pena privativa de liberdade, estabelecer o regime inicial de seu cumprimento, considerando a quantidade da pena aplicada e as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, inciso III do Código Penal.
As penas privativas de liberdade deverão ser executadas de maneira progressiva, transferindo o condenado de um regime mais rigoroso para um regime menos rigoroso, desde que preencha os critérios exigidos, conforme disciplina o §2º do artigo 33 do Código Penal. Segundo os ensinamentos de Nucci (2024, p. 289): “como parte da individualização executória da pena – fruto do princípio constitucional da individualização da pena – deve haver progressão de regime, representando uma forma de incentivo à proposta estatal de reeducação e ressocialização do sentenciado.”.
Trata-se, portanto, de uma medida política criminal, servindo de estímulo ao condenado durante o cumprimento de sua pena, visto a possibilidade de, aos poucos, retornar ao convívio social, bem como reduzir a possibilidade do condenado vir a reincidir.
O direito à progressão de regime também se encontra previsto no artigo 112 da Lei de Execução Penal, o qual, apontando o critério objetivo, determina o cumprimento de, no mínimo, um sexto da pena no regime anterior e, como critério subjetivo, que o preso demonstre ter bom comportamento.
No que diz respeito ao benefício da saída temporária, nos termos do artigo 122 da LEP, os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento prisional, sem vigilância direta e sem escolta, nos casos de visita à família; para frequência a curso supletivo profissionalizante e de instrução do segundo grau ou superior, na comarca do juízo da execução; e para participação de atividades que concorram para o retorno ao convívio social (Brasil, 1984).
A saída temporária visa o gradual retorno do egresso a sociedade, atuando como um instrumento do sistema progressivo de cumprimento de pena e de reintegração social, ou seja, essencial para efetivar as finalidades da pena.
Neste sentido, disserta Nucci (2023, p. 218):
Cuida-se de benefício de execução penal destinado aos presos que cumprem pena em regime semiaberto, como forma de viabilizar, cada vez mais, a reeducação, desenvolvendo-lhes o senso de responsabilidade, para, no futuro, ingressar no regime aberto, bem como para dar início ao processo de ressocialização.
Portanto, é concedida pelo juiz da execução penal, observados os requisitos contidos no artigo 123 da LEP.
O primeiro requisito estabelecido trata-se do comportamento adequado, ou seja, pelo mérito do preso, que será analisado por informações da administração penitenciária. O egresso que possuir falta disciplinar devidamente apurada, não se concederá o benefício.
O segundo requisito é objetivo: o cumprimento de, no mínimo, um sexto da pena, no caso de condenados primários e um quarto, caso seja reincidente. Cumpre ressaltar que, caso o condenado inicie sua pena diretamente no regime semiaberto, somente poderá pleitear o benefício após um ano de cumprimento, diferente daqueles que ingressam no regime semiaberto por progressão, advindo do regime fechado, que após cumprir neste um sexto do total da pena, pode obter a saída temporária de imediato (Nucci, 2024).
O terceiro e último requisito diz respeito a compatibilidade do benefício com os objetivos da pena, ou seja, se é compatível com os aspectos de reeducação e ressocialização.
Ressalta-se ainda recente alteração legislativa no §2º do art. 122 da LEP, que vedou a concessão do benefício e de trabalho externo sem vigilância direto ao condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa.
Desta forma, cumpridos os requisitos legais, o condenado terá o direito ao benefício da saída temporária, lembrando que só faz jus aquele que se encontrar cumprindo pena no regime semiaberto, segundo o texto legal. Neste sentido, cumpre mencionar a decisão proferida no julgamento do HC 489.106/RS, do Superior tribunal de Justiça:
Ao apenado em regime semiaberto que preencher os requisitos objetivos e subjetivos do art. 122 e seguintes da Lei de Execuções Penais, deve ser concedido o benefício das saídas temporárias. Observado que o benefício da saída temporária tem como objetivo a ressocialização do preso e é concedido ao apenado em regime mais gravoso — semiaberto —, não se justifica negar a benesse ao reeducando que se encontra em regime menos gravoso — aberto, na modalidade de prisão domiciliar —, em razão de ausência de vagas em estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto. STJ, HC 489.106/RS, 6ª T., rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 13-8-2019, DJe de 26-8-2019.
Quanto à competência para concessão do benefício, prevista no art. 66, IV, c/c o art. 123, caput, da LEP, cabe privativamente ao juiz da execução da pena autorizar a saída temporária do egresso, que deve ser concedida ou negada de forma motivada. Ademais, é necessário prévia oitiva do Ministério Público e da administração penitenciária, conforme a previsão legal.
Cumpre mencionar ainda que, diante das diversas polêmicas versando sobre o benefício, sobreveio o Projeto de Lei nº 2253/2022, visando alterar a LEP, tendo como principal objetivo extinguir o benefício da saída temporária, com exceção dos casos de frequência em locais de estudo, além de dispor acerca da monitoração eletrônica dos presos e prever a realização de exame criminológico para a progressão de regime.
Em breve síntese, durante a tramitação do referido Projeto de Lei, o presidente da república vetou o fim das saídas temporárias. Entretanto, seu veto foi derrubado por 314 votos a 126 na Câmara, com 2 abstenções; e por 52 votos a 11 no Senado, com 1 abstenção. Assim, os trechos que haviam sido vetados serão promulgados e passarão a fazer parte da Lei 14.843, de 2024, que trata da saída temporária dos presos.
4 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
A definição legal do termo “reincidência criminal” está definida no art. 63 do CP, o qual define que “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.” (Brasil, 1940).
Conforme anteriormente exposto, incontestável que a natureza da pena busca, além da ressocialização, a prevenção, visando evitar que os condenados reincidam, estando em conformidade com os objetivos da saída temporária. Entretanto, a execução da pena privativa de liberdade e a aplicação do benefício, nos moldes atuais, não têm cumprido com efetividade a redução da reincidência criminal.
É recorrente a percepção coletiva de que a maioria dos egressos que, após saírem dos estabelecimentos prisionais após o cumprimento da pena, voltam a delinquir em pouco tempo.
Existem poucos estudos científicos e levantamentos de dados acerca do tema em nosso país, prevalecendo no debate público estimativas sem o devido embasamento. O que predomina no âmbito acadêmico é a preocupação em compreender os fatores sociais que dificultam a reinserção social do egresso do sistema prisional, constituindo tema de estudo muito relevante (Mariño, 2002; Bitencourt, 2004).
Todavia, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) publicou no ano de 2022 um relatório prévio de estudo inédito sobre a reincidência criminal no Brasil. Para o estudo, foram definidos diferentes conceitos de indivíduos reincidentes e de reincidência. O relatório foi formulado a partir do estudo de 979 mil presos e tem como linha temporal de análise do período de 2008 até 2021 (Secretaria Nacional de Políticas Penais, 2022).
Segundo o estudo realizado, considerou-se como medida de referência a definição de reincidente sendo indivíduo que tenha dado qualquer entrada nos estabelecimentos prisionais após saída por decisão judicial, fuga ou progressão de pena, sendo tal definição a que mais reflete o fenômeno da reincidência.
O estudo revelou que no período de 2010 a 2021, a porcentagem de internos que reincidiram no sistema prisional brasileiro é de 42,5%. Tratando-se especificamente do estado de São Paulo, os resultados são ainda piores, visto que a porcentagem de reincidentes atingiu 46,8%.
Constata-se, assim, a insuficiência do sistema penal brasileiro na reeducação e ressocialização dos egressos. Neste contexto, a concessão do benefício da saída temporária pode acabar fomentando a reincidência criminal, visto que não há preocupação em reeducar o egresso antes de conceder a saída do estabelecimento prisional sem vigilância direta.
No estado de São Paulo, nota-se o reflexo da concessão do benefício antes de se garantir a reeducação dos apenados: detentos que não retornam à penitenciária de origem, detentos capturados em flagrante delito ou descumprindo as regras previstas em lei a serem cumpridas durante o usufruto do benefício.
No ano de 2023, durante o período da saída temporária de fim de ano, a Polícia Militar do estado de São Paulo efetuou a prisão de mais de 700 detentos que foram beneficiados com a medida, sendo 631 infratores que descumpriram as regras previstas em lei para permanecer nas ruas no período. Além destes, outros 81 detentos comtemplados com benefício foram presos após serem flagrados cometendo algum tipo de crime (Governo do Estado de São Paulo, 2024).
Já na primeira saída temporária de 2024, também no estado de São Paulo, 32.395 egressos foram beneficiados com a medida e 1.438 não retornaram à penitenciária de origem, segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) (Gazeta do Povo, 2024).
Portanto, nos moldes atuais, a execução da pena e, consequentemente, a concessão da saída temporária, apresentam diversas falhas, sendo ineficazes às suas finalidades, qual seja, a ressocialização do condenado, impactando diretamente no fenômeno da reincidência.
5 POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS A RECUPERAÇÃO DOS EGRESSOS
A recuperação, no que diz respeito aos egressos do sistema penitenciário, abrange a transformação e crescimento pessoal do apenado, reeducando-o para regressar ao meio social como um cidadão útil, evitando assim a reincidência.
Neste sentido, ressalta-se as palavras de Beccaria (2007, p. 101):
É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todo os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência.
Entretanto, os estabelecimentos prisionais têm se mostrado ineficazes neste contexto, visto as diversas dificuldades enfrentadas, como a superlotação carcerária, insalubridade, violência, falta de presídios próprios para a progressão de regime de pena, dentre outros.
Cada vez mais a desestruturação do sistema prisional vem gerando um descrédito na prevenção e reabilitação dos condenados, os quais sequer possuem um tratamento digno e benefícios que fazem jus. Por mais que o Brasil possua uma legislação que garanta ao condenado sua recuperação e reinserção na sociedade, na prática, o trabalho se torna mais difícil de ser executado.
Ademais, a falta de políticas públicas do Estado também contribui para a realidade do sistema prisional brasileiro, conforme o entendimento de Caetano (2017, p. 01):
O sistema penitenciário no Brasil é o retrato fiel de uma sociedade desigual, marcada pela ausência de políticas sociais para o enfrentamento das situações específicas da questão social, bem como pela falta de seriedade política na constituição da cidadania para milhares de homens e mulheres presos. A legislação em si é letra morta, sem o desenvolvimento de políticas sociais distributivas e universalizantes, principalmente para os extratos de baixa renda, que na maioria passam a compor uma parcela da população penitenciária brasileira.
No Estado de São Paulo não é diferente. Os estabelecimentos prisionais enfrentam dificuldades em suprir a demanda e realizar efetivamente a ressocialização dos seus condenados. Apesar disso, este tem avançado significativamente na implementação de políticas públicas consistentes em ações focadas na ressocialização dos presos.
Tendo em vista o sistema prisional convencional falho, caracterizado por abusos dos direitos humanos e condições precárias de detenção, além dos altos índices de reincidência, as novas alternativas de administração prisional têm se mostrado eficazes na recuperação dos detentos, oferecendo um tratamento mais humanizado e eficiente.
Visto isso, o Estado de São Paulo vem se tornando exemplo nacional na execução de políticas públicas voltadas a ressocialização dos condenados.
A título de exemplo, cita-se a Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania, órgão da Secretaria da Administração Penitenciária, criada a partir do decreto nº 54.025/2009, a qual possui atualmente 140 Unidades de Reintegração Social em todo o Estado de São Paulo, as quais operam os Programas de Penas e Medidas Alternativas, e de Atenção ao Egresso e Família, além de outros projetos executados em Unidades Prisionais (Secretaria da Administração Penitenciária, 2024).
Em um relatório divulgado no ano de 2021, o órgão apresentou diversos dados de seus programas, comprovando a grande eficiência de suas ações na reintegração dos egressos do sistema penal. Segundo o relatório, os Programas de Penas e Medidas alternativas, considerando os anos de 2002 a 2021, apresentou um índice de reincidência de apenas 7,7% (Secretaria da Administração Penitenciária, 2021).
Portanto, a implementação de políticas públicas pelo Estado voltadas a recuperação e ressocialização denotam grande efetividade, podendo alterar e transformar a realidade atual do sistema carcerário, além de impactar na diminuição da criminalidade na sociedade.
Os altos índices de reincidência estão diretamente ligados as falhas do sistema carcerário brasileiro, onde pouco faz em relação a reeducação dos condenados.
No que diz respeito a saída temporária, nota-se que, tratando-se de um benefício que visa a ressocialização do condenado, garantir a sua recuperação através das políticas públicas é primordial para que ao usufruir do benefício, o apenado não acabe divergindo a sua finalidade principal.
A saída temporária de fato contribui para a execução do fator ressocializador da pena, fornecendo um retorno gradativo do condenado ao convívio familiar e social.
Entretanto, não basta apenas fornecer a saída temporária aos encarcerados de maneira isolada, mas sim, é necessário oferecer condições para que estes, antes de tais saídas, efetivem sua recuperação, a fim de integrar outra vez a sociedade.
As políticas públicas de recuperação e reintegração social são se suma importância para que o apenado tenha condições de retornar com dignidade a sociedade, com o discernimento e as condições necessárias para que não torne a reincidir.
Desta forma, não se deve discutir alterações legislativas acerca da extinção do benefício da saída temporária, mas sim, atuar na implementação de ações e medidas que atuem em conjunto com a concessão do benefício, para que juntos possam atingir a finalidade ressocializadora da pena, garantindo a dignidade dos egressos do sistema penal.
5 CONCLUSÃO
Através da presente pesquisa, foi possível notar que as saídas temporárias não vêm demonstrando efetividade em ressocializar e reeducar os apenados no estado de São Paulo. Isso porque, além dos altos índices de reincidência no estado, nas oportunidades de exercer o direito de usufruir do benefício, diversos são os casos de detentos que voltam a delinquir durante a liberdade desvigiada ou que acabam não retornando aos estabelecimentos prisionais.
Observou-se uma falha no sistema carcerário, tendo em vista que poucas são as iniciativas aplicadas durante a privação de liberdade dos apenados que auxiliem na sua recuperação. Desta forma, os egressos não possuem o suporte necessário para retornar a sociedade com novas oportunidades de vida, o que contribui para que voltem a delinquir, inclusive durante o período de fruição do benefício.
Diante das dificuldades enfrentadas nesse contexto, em uma tentativa de superá-las, sucedeu-se a aprovação da PL 2253/2022 que extinguiu a saída temporária, permitindo-a apenas nas hipóteses de saída para estudos. Tal iniciativa denota o desconhecimento da sociedade e dos próprios legisladores acerca da realidade do sistema carcerário brasileiro, tendo em vista que, apesar de apresentar falhas, o benefício se trata de um instituto importante na execução da pena, sendo que sua extinção será mais um obstáculo à sobrevivência dos apenados. Portanto, cada vez menos a legislação se preocupa com o apenado e com a finalidade da pena de prevenção dos delitos, visando apenas a finalidade de repressão do indivíduo delituoso.
Ademais, o presente artigo traz a importância das políticas públicas voltadas a recuperação dos egressos dentro dos estabelecimentos prisionais, especialmente quando aplicadas anteriormente a concessão do benefício. Não se pode esperar que apenas as saídas temporárias atinjam, por si só, a finalidade de reintegrar os apenados.
Ante todo o exposto, conclui-se que o benefício da saída temporária deve ser mantido na legislação, porém, estruturado com base na preparação do egresso no decorrer do cumprimento de sua pena, priorizando assim o estudo, o trabalho e o contato e convivência com seu núcleo familiar de forma constante.
Nota-se, por fim, a evolução do estado de São Paulo no que diz respeito a implementação de políticas públicas voltadas a recuperação dos egressos, tornando-se um exemplo nacional no âmbito da ressocialização dos apenados. Tais medidas refletem de forma positiva não apenas na sociedade como um todo, mas também nas perspectivas individuais e no futuro dos egressos do sistema penitenciário.
REFERÊNCIAS
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[1] Professora orientadora. Doutora em Direito e professora no Curso de Direito do Centro Universitário de Jales – UNIJALES. E-mail: [email protected].
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BOLOGNA, Ana Julia Possebom. A saída temporária no âmbito da ressocialização dos egressos do Estado de São Paulo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2024, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66802/a-sada-temporria-no-mbito-da-ressocializao-dos-egressos-do-estado-de-so-paulo. Acesso em: 11 dez 2024.
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