Resumo: O sistema prisional brasileiro enfrenta desafios estruturais e operacionais que comprometem seu papel de reintegração social. A falta de políticas eficazes voltadas à reabilitação e ao desenvolvimento pessoal, social e profissional dos apenados resulta em um ciclo de reincidência criminal e exclusão. Este artigo tem como objetivo analisar as dificuldades encontradas no processo de ressocialização dos detentos e a ineficiência das políticas públicas atuais. O estudo aborda a história do sistema prisional nacional e internacional, discutindo as falhas da Lei de Execução Penal (LEP) e os obstáculos enfrentados pelos presos, como superlotação, condições inadequadas e estigma. Além disso, explora como iniciativas voltadas à educação, capacitação profissional, trabalho e cultura podem contribuir para a reintegração social, diminuindo as chances de reincidência e promovendo uma reintegração mais eficiente. O artigo visa, assim, propor soluções viáveis para transformar o sistema prisional, oferecendo aos apenados uma oportunidade real de recomeço.
Palavras-chave: Presos. Ressocialização. Educação. Trabalho. Cultura.
Abstract: The Brazilian prison system faces structural and operational challenges that hinder its role in social reintegration. The lack of effective policies aimed at rehabilitation and the personal, social, and professional development of inmates leads to a cycle of criminal recidivism and exclusion. This article aims to analyze the difficulties in the reintegration process of detainees and the inefficiency of current public policies. The study addresses the history of the national and international prison systems, the flaws of the Penal Execution Law (LEP), and the obstacles faced by prisoners, such as overcrowding, inadequate conditions, and stigma. Furthermore, it explores how initiatives in education, professional training, work, and culture can contribute to social reintegration, reducing recidivism chances and fostering a more efficient reintegration. The article ultimately proposes viable solutions to transform the prison system, offering inmates a real opportunity for a fresh start.
Keywords: Prisoners. Reintegration. Education. Work. Culture.
1 INTRODUÇÃO
O sistema prisional brasileiro enfrenta uma série de problemas estruturais e operacionais que comprometem seu objetivo de reintegrar os presos à sociedade de forma produtiva e sustentável. Entre as maiores dificuldades, destaca-se a falha em fornecer um ambiente que propicie a ressocialização e a reabilitação dos apenados, perpetuando um ciclo de exclusão e reincidência que impacta diretamente a segurança pública e a coesão social. O problema central deste estudo é a ineficácia do sistema prisional brasileiro em promover a reintegração dos detentos à sociedade, devido à falta de políticas adequadas que visem à reabilitação e ao desenvolvimento pessoal, profissional e social dos apenados.
O objetivo geral deste artigo é analisar os desafios enfrentados pelo sistema prisional brasileiro, com foco nas dificuldades de ressocialização dos detentos e na ineficiência das políticas atuais que visam sua reintegração social. Este estudo busca discutir as principais barreiras enfrentadas no processo de ressocialização e explorar soluções viáveis que possam contribuir para uma reintegração mais eficaz.
Os objetivos específicos deste estudo são, primeiramente, retratar brevemente a história do sistema prisional em âmbito nacional e internacional, oferecendo uma visão contextual que ajude a compreender como o sistema atual foi moldado e como outros países enfrentam desafios semelhantes ou desenvolvem soluções alternativas. Em seguida, busca-se abordar os principais pontos da Lei de Execução Penal (LEP), com foco em seu papel no ordenamento do sistema prisional brasileiro, especialmente em relação às diretrizes para a ressocialização dos presos e os direitos fundamentais garantidos durante o cumprimento da pena.
Além disso, pretende-se analisar as falhas do sistema prisional e as principais dificuldades enfrentadas pelos presos, discutindo problemas como a superlotação, as condições inadequadas de infraestrutura, a falta de assistência social e psicológica, e o estigma enfrentado pelos egressos ao tentarem reingressar na sociedade.
Por fim, o estudo explora a ressocialização dos presos na sociedade por meio da educação, capacitação profissional, trabalho e cultura, destacando como iniciativas nessas áreas podem contribuir significativamente para a redução da reincidência criminal, ao promover habilidades, conhecimentos e valores que aumentem as chances de reintegração social e profissional.
Ao tratar desses aspectos, este artigo visa fornecer uma análise aprofundada das barreiras e desafios que impedem uma ressocialização efetiva, contribuindo para o debate de políticas públicas mais humanizadas e eficientes, que possam realmente transformar o sistema prisional brasileiro e oferecer aos apenados uma chance real de recomeço na sociedade.
A metodologia aplicada nesta pesquisa, é uma revisão bibliográfica mista com estudo de caso, tendo como método de pesquisa dados qualitativos, referências de dados coletados em sites oficiais do Governo, livros de doutrinadores e estudiosos. A pesquisa tem como o meio exploratório utilizado, quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa é desenvolvida com base em material já realizado, principalmente de registros institucionais, leis e documentos oficiais. A pesquisa foi desenvolvida por meio de estudo de caso de documentos que analisam sobre a dificuldade da ressocialização de presos na sociedade. A pesquisa dedicou-se a atender os preceitos éticos e legais, tendo como base do artigo os diversos autores estudados, prezando a boa informação e comunicação, a partir de dados públicos que estão disponíveis para qualquer cidadão.
2 BREVE HISTÓRIA DO SISTEMA PRISIONAL
A privação de liberdade como medida punitiva remonta aos povos primitivos, que aplicavam castigos repressivos baseados em vingança, incluindo práticas de tortura. Segundo Michel Foucault, as formas de punição variavam entre culturas e civilizações, até o surgimento das primeiras prisões. No Egito, por volta de 1700 a.C., já existiam cativeiros destinados a manter escravos sob custódia. Contudo, até o século XV, o encarceramento era visto apenas como uma forma de custódia temporária até que o indivíduo fosse submetido à punição correspondente.
Durante a Idade Média, a ideia de prisão como punição começou a se consolidar. Nesse período, membros do clero que falhavam em suas obrigações eram obrigados a se isolar em celas, onde meditavam e buscavam arrependimento. Em Roma, foi construído o Hospício de San Michel, a primeira instituição penal destinada ao encarceramento de jovens considerados “incorrigíveis” pela sociedade.
A primeira prisão com a proposta de acolher criminosos, no entanto, surgiu em 1550, em Londres, conhecida como House of Correction (Casa da Correção). Já em 1596, a Holanda introduziu a privação de liberdade como pena oficial com a construção do Rasphuis, prisão destinada a jovens infratores. Esse modelo de encarceramento gradativamente substituiu a pena de morte, tornando-se a principal medida repressiva e punitiva.
O primeiro Código Penal brasileiro, de 1830, discriminava negros escravizados e cidadãos livres, mesmo que ambos cometessem os mesmos crimes. Somente em 1890, com um novo Código Penal, as penas perpétuas foram abolidas e foi estabelecido o limite máximo de 30 anos de prisão. Atualmente, a privação de liberdade é a pena mais comum no Brasil e no mundo, com o país contabilizando 1.381 presídios, segundo o Depen.
Nos últimos anos, o sistema prisional no Brasil tem sido amplamente criticado e gerado discussões intensas. A lotação excessiva, a violência entre presos e a alta taxa de reincidência expõem a ineficiência do modelo punitivo atual. Nesse contexto preocupante, destaca-se a necessidade de explorar alternativas focadas na ressocialização dos indivíduos privados de liberdade (OLIVEIRA, 2021).
3 LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEI Nº 7.210 DE 1984)
Entre as inúmeras leis que complementam o Código Penal, está a Lei de Execução Penal (LEP 7210/84), norma que rege o cumprimento das penas no Brasil, estabelece diretrizes e garantias tanto para o Estado quanto para o condenado, com o objetivo de promover a ressocialização e a integração social do apenado.
Desde sua promulgação, a lei tem como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, a reinserção social e a prevenção de reincidência criminal, ao mesmo tempo em que visa a garantir a proteção da sociedade e o respeito às normas jurídicas.
A harmônica integração social do condenado, conforme preceitua o artigo 1º da Lei de Execução Penal, é um dos princípios centrais que orientam a execução penal, determinando que a pena deve ser cumprida com o intuito de “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 1984).
Em outras palavras, a execução penal deve, idealmente, ir além do caráter punitivo e estabelecer bases para a reinserção social, preparando o condenado para o retorno ao convívio social de forma a reduzir as chances de reincidência.
No âmbito da doutrina, estudiosos como Rogério Greco e Guilherme de Souza Nucci defendem que a reintegração do condenado à sociedade exige condições adequadas de cumprimento da pena, que preservem sua dignidade e favoreçam seu desenvolvimento social, psicológico e moral.
Segundo Greco, a execução penal deve buscar o equilíbrio entre a punição e a recuperação, objetivando transformar a passagem do condenado pelo sistema carcerário em um período de reflexão e crescimento pessoal, que possa resultar em uma vida sem práticas criminosas após o término da pena.
A LEP, em seu artigo 10 e 11, reforça que a assistência ao condenado é direito inalienável, abrangendo assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Essas garantias têm o propósito de oferecer ao condenado não apenas o atendimento de suas necessidades básicas, mas também meios para seu desenvolvimento como cidadão ( BRASIL, 1984).
O artigo 11 também complementa essa perspectiva, estabelecendo que a assistência ao preso será prestada conforme um planejamento orientado pela individualização da pena, o que implica avaliar cada caso para oferecer o suporte adequado ao condenado ( BRASIL, 1984).
Essa individualização é essencial para uma reintegração social efetiva, pois considera as particularidades do indivíduo e as necessidades específicas que possam contribuir para seu desenvolvimento pessoal.
O trabalho, segundo a legislação, contribui para o processo de recuperação do condenado, pois oferece a ele meios de autossustento, disciplina e formação profissional que poderão ser úteis após o cumprimento da pena. A educação, igualmente, é tratada como um direito essencial, que visa ao desenvolvimento integral do apenado e à ampliação de suas oportunidades ao fim da pena.
Outra condição relevante para a harmônica integração do condenado é o respeito aos direitos humanos, que a Lei de Execução Penal busca assegurar no âmbito do cumprimento da pena.
O artigo 40 da LEP determina que “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”, refletindo a importância de preservar os direitos fundamentais do apenado e de promover uma execução penal que, além de punitiva, seja voltada para a recuperação e o respeito à dignidade ( BRASIL, 1984).
Por fim, o artigo 112 da LEP trata da progressão de regime, que consiste em um mecanismo de estímulo ao condenado, permitindo a transferência de um regime mais rigoroso para outro mais brando, desde que sejam atendidos requisitos de ordem temporal e de comportamento ( BRASIL, 1984).
Em resumo, a Lei de Execução Penal busca equilibrar os interesses sociais de punição e controle com o objetivo de reintegrar o condenado ao convívio social. A partir das disposições legais e do apoio doutrinário, entende-se que uma execução penal bem estruturada e voltada para a humanização da pena, a educação, o trabalho e o respeito à dignidade e individualidade do condenado pode promover sua harmônica integração social, reduzindo os índices de reincidência e fortalecendo a função social da pena.
4 FALHAS DO SISTEMA PRISIONAL
A crise no sistema prisional brasileiro é profundamente marcada por graves violações dos direitos fundamentais dos detentos e pela precariedade generalizada das condições de encarceramento. Entre os problemas mais críticos, destaca-se a superlotação das celas, uma situação que ocorre em diversos estabelecimentos penais, os quais frequentemente abrigam um número de detentos muito superior à sua capacidade projetada.
Esse cenário, por sua vez, não apenas compromete a convivência entre os internos, mas também intensifica o risco de conflitos e violência entre eles. Além disso, a superlotação cria barreiras para que as autoridades mantenham a ordem e a segurança dentro das unidades prisionais, dificultando ainda mais a gestão desses ambientes.
Ademais, somando-se a esse grave quadro de superlotação, a falta de assistência médica adequada representa outro aspecto alarmante da realidade prisional. Muitos detentos não dispõem de acesso regular aos cuidados de saúde, o que favorece a disseminação de doenças infecciosas, além de agravar a condição daqueles que já possuem doenças crônicas.
Consequentemente, a ausência de serviços médicos no sistema prisional não só representa uma violação clara dos direitos humanos, como também contribui para a desumanização dos encarcerados, que ficam sem uma assistência essencial para sua sobrevivência e bem-estar.
Outro problema de extrema relevância é a constante violação da dignidade humana dentro das unidades prisionais. As condições insalubres das celas, aliadas à falta de higiene e ao acesso limitado a itens básicos, como água potável e alimentos, reforçam um ambiente opressor que desrespeita os princípios fundamentais de dignidade e respeito à pessoa humana.
Essas condições degradantes tornam o ambiente prisional um espaço onde a degradação física e mental dos detentos é contínua, criando obstáculos significativos para qualquer iniciativa de reintegração social. Assim, a realidade das prisões brasileiras revela-se incompatível com o ideal de recuperação e reabilitação dos presos, o que impede a criação de uma trajetória de reabilitação e retorno à sociedade.
O papel da mídia também agrava a situação, como afirma Capez (2012), ao difundir informações sensacionalistas e, por vezes, distorcidas sobre crimes e detentos. Esse tipo de cobertura gera uma visão negativa e estigmatizante sobre os encarcerados, influenciando a opinião pública a adotar posições punitivistas e reforçando o preconceito contra aqueles que cumprem pena. Essa influência midiática dificulta ainda mais a ressocialização dos detentos, pois cria um ambiente social desfavorável à aceitação deles na sociedade após o cumprimento da pena.
Convém ainda citar que o sistema carcerário brasileiro também sofre com problemas estruturais de ordem social, política e econômica que impedem avanços significativos na ressocialização dos presos. A escassez de investimentos em programas de educação, capacitação profissional e assistência psicológica, além da falta de políticas públicas para o acompanhamento pós-cárcere, torna incoerente qualquer proposta de reintegração.
Diante dessa estrutura precária, os objetivos de ressocialização e reintegração dos detentos tornam-se praticamente inalcançáveis, o que evidencia que, nas condições atuais, o sistema prisional no Brasil é incapaz de cumprir seu papel de recuperação e reinserção dos presos na sociedade.
Além disso, as condições de vida dentro das prisões brasileiras são caracterizadas por violações constantes à dignidade humana e pelo descumprimento do que é estabelecido na Lei de Execução Penal. A realidade dos presídios abrange celas superlotadas, uma infraestrutura inadequada e serviços de saúde e higiene extremamente limitados.
Esses fatores se combinam para criar um ambiente altamente degradante e desumano. Tais problemas decorrem, em grande medida, da ausência de investimentos adequados e de uma gestão ineficaz do sistema penitenciário, fatores que agravam ainda mais a situação dos detentos e dificultam qualquer possibilidade real de recuperação.
Em relação às condições das prisões no Brasil, dados do Banco Nacional de Monitoramento das Prisões indicam que, em 2018, o país tinha 602.217 pessoas privadas de liberdade, distribuídas entre os sistemas estadual e federal. Contudo, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aponta que o Brasil possui apenas 400.000 vagas no sistema penitenciário. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registrava cerca de 341.037 mandados de prisão em aberto. Dessa forma, o país enfrenta uma grave escassez de espaço, especialmente para presos do regime fechado.
Nesse contexto, uma das medidas que o governo implementou para reduzir a superlotação é a concessão de prisão domiciliar para casos específicos, como para idosos e pessoas com problemas graves de saúde. Essa estratégia busca aliviar a pressão sobre as unidades prisionais ao retirar delas detentos que poderiam cumprir pena em regime menos rígido. Contudo, na prática, essa medida tem se mostrado insuficiente para resolver o problema de maneira efetiva.
A concessão de prisões domiciliares, embora válida, é realizada em uma escala limitada, o que não é capaz de compensar o excesso de presos nas penitenciárias e, assim, pouco contribui para a melhora significativa das condições prisionais.
Portanto, fica evidente que, sem mudanças estruturais mais amplas e profundas, o sistema prisional brasileiro continuará incapaz de proporcionar um ambiente adequado para a ressocialização e a recuperação dos indivíduos encarcerados, perpetuando um ciclo de marginalização e reincidência criminal.
Essas prisões de prisões domiciliares não ocorrem em escala suficiente para reduzir significativamente o número de presos nas unidades superlotadas, e muitos detentos que poderiam ser elegíveis permanecem encarcerados por falta de recursos ou processos administrativos demorados.
O Brasil possui um dos maiores índices de encarceramento no mundo, fato que está diretamente relacionado às políticas punitivistas adotadas ao longo dos anos. No entanto, o alto número de prisões não tem refletido uma redução proporcional na criminalidade. Pelo contrário, as condições precárias dos presídios e a falta de programas de reabilitação contribuem para uma elevada taxa de reincidência. Sem alternativas eficazes de reintegração, os indivíduos que deixam a prisão frequentemente retornam ao crime, perpetuando um ciclo que impacta tanto a sociedade quanto o próprio sistema penitenciário.
Portanto, enquanto medidas pontuais, como a prisão domiciliar, são válidas, elas não são suficientes para resolver as questões estruturais do sistema carcerário brasileiro. A crise demanda soluções mais abrangentes e de longo prazo, incluindo reformas no sistema de justiça, investimentos em infraestrutura e a criação de programas de reabilitação que favoreçam a reintegração social dos presos.
5 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO NA SOCIEDADE
A realidade das prisões no Brasil está distante do que a nossa legislação prevê. Embora existam normas estabelecidas para garantir uma convivência digna e promover a ressocialização dos presos, elas são muitas vezes ignoradas por falta de políticas públicas eficazes e pela negligência com o cumprimento das leis. Esse descaso faz com que o objetivo de reintegrar os condenados à sociedade raramente se concretize.
O sistema penitenciário não cumpre seu papel de reabilitação, o que faz com que a pena privativa de liberdade perca seu caráter de reintegração social. Nas prisões, os detentos enfrentam humilhações e violações de seus direitos, o que prejudica sua dignidade. Esse ambiente, longe de proporcionar educação ou reabilitação, muitas vezes contribui para que o indivíduo retorne ao crime, em vez de se reintegrar à sociedade.
Para que a ressocialização seja possível, é essencial que as regras previstas em nosso sistema legal, especialmente na Lei de Execução Penal, sejam aplicadas de fato. Essa lei inclui medidas de assistência aos presos que, se implementadas, ajudariam a criar um ambiente mais adequado para a recuperação e a reintegração dos indivíduos encarcerados.
O Código Penal brasileiro fundamenta-se em três pilares principais: retribuição, prevenção e educação. No contexto da pena privativa de liberdade, além dos aspectos retributivos e preventivos, busca-se também um caráter educativo.
Isso é particularmente relevante, pois as penas no Brasil não são perpétuas, o que significa que o indivíduo, após cumprir sua punição (que serve tanto para reparar o mal quanto para prevenir a criminalidade), deverá ser reintegrado à sociedade. Assim, a educação no sistema prisional se torna essencial para essa reintegração.
Uma política carcerária que funcione precisa garantir dignidade aos presos em todos os aspectos, desde a oferta de atividades físicas até o acesso a programas de qualificação profissional. O objetivo é que eles tenham oportunidades de aprendizado e desenvolvimento de habilidades úteis para o mercado de trabalho.
A educação e a profissionalização são fundamentais nesse processo. Quando os presos têm acesso à educação e a cursos profissionalizantes, eles se tornam mais preparados para conseguir emprego após cumprir suas penas. Isso, por sua vez, facilita o reingresso na sociedade, oferecendo a eles uma nova chance de construir uma vida longe do crime.
Entre 2007 e 2013, o governo federal brasileiro lançou programas para melhorar o sistema penitenciário, focando especialmente em oportunidades de trabalho para os detentos. Um dos principais projetos foi o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado em 2007, que visava à integração de diversas áreas e ações para fortalecer tanto a segurança pública quanto o sistema prisional. Esse programa reuniu 94 iniciativas coordenadas entre 14 ministérios e organizadas em eixos principais de segurança e reintegração social.
Um dos objetivos centrais do Pronasci era modernizar tanto as instituições de segurança pública quanto o sistema penitenciário. Parte desse esforço de modernização incluía a criação de 41 mil novas vagas em prisões até 2011, principalmente em unidades para jovens entre 18 e 24 anos. A ideia era que essas novas unidades oferecessem as condições básicas para facilitar a reintegração social dos presos, promovendo um ambiente mais adequado para a recuperação e o desenvolvimento pessoal dos detentos.
Para alcançar esse objetivo de reintegração, as novas unidades prisionais foram projetadas para contar com infraestrutura voltada ao aprendizado e à qualificação profissional, incluindo salas de aula, laboratórios de informática e bibliotecas. Esses espaços educativos foram planejados com o intuito de ajudar os detentos a adquirirem conhecimentos e habilidades que poderiam facilitar seu retorno ao convívio social e ao mercado de trabalho após o cumprimento da pena (MACHADO, B. A.; SLONIAK, M. A., 2015).
Para que a ressocialização dos detentos seja realmente eficaz, é imprescindível que essa reintegração seja construída com base em três pilares essenciais: a educação, a capacitação profissional e o trabalho. Cada um desses pilares desempenha um papel crucial na preparação dos presos para uma vida produtiva e livre do crime após o cumprimento de suas penas (DICK, 2021).
O primeiro pilar, que é a educação, visa aumentar o nível de escolaridade dos detentos, proporcionando a eles não apenas conhecimentos básicos, mas, em alguns casos, até mesmo a possibilidade de obter o ensino médio ou técnico. Muitas pessoas privadas de liberdade não conseguiram completar seus estudos antes de serem encarceradas.
Assim, por meio de programas educacionais nas unidades prisionais, é possível reduzir essa defasagem educacional significativa. Esse acesso à educação é, portanto, essencial para que os detentos possam vislumbrar novas possibilidades de vida e, assim, afastar-se das atividades criminosas.
O segundo pilar, a capacitação profissional, é igualmente fundamental para preparar os detentos com habilidades técnicas que possam ser úteis no mercado de trabalho. Cursos de qualificação, como carpintaria, informática, culinária e outras áreas, contribuem para que os presos desenvolvam competências específicas que aumentam suas chances de empregabilidade. Além disso, essa capacitação não só oferece uma ocupação durante o cumprimento da pena, mas também proporciona conhecimentos práticos que poderão ser utilizados após a saída da prisão.
O terceiro e último pilar, que se refere ao trabalho, tem como objetivo inserir o detento em atividades laborais enquanto ainda está no sistema prisional. A ideia é que, após adquirirem a formação e a capacitação necessárias, os presos possam exercer atividades que simulam as condições do mercado de trabalho. Isso pode ocorrer, por exemplo, por meio de oficinas de produção ou através de contratos de trabalho vinculados a empresas que colaboram com o sistema penitenciário. Esse envolvimento prático no trabalho permite ao detento desenvolver a disciplina, o comprometimento e a responsabilidade que são necessários para manter um emprego no futuro.
Portanto, esses três pilares – educação, capacitação profissional e trabalho – formam uma estrutura completa e integrada. Ao combinar o aprendizado teórico, as habilidades práticas e a experiência de trabalho, o sistema penitenciário oferece ao detento uma oportunidade concreta de se reintegrar à sociedade. Dessa forma, ele pode ter melhores condições para conseguir um emprego e, consequentemente, reconstruir sua vida em liberdade.
5.1 Ressocialização através da educação
A educação possui o poder de transformar vidas e, assim, a realidade de um país. Contudo, para que essa transformação ocorra, é essencial que o Estado assuma sua responsabilidade, implementando políticas públicas que promovam a igualdade de acesso à educação e ao mercado de trabalho. Apenas dessa maneira será possível oferecer uma oportunidade real de ressocialização para os apenados ( OLIVEIRA, 2021).
A educação é fundamental para a ressocialização dos apenados, pois oferece um caminho para a mudança social ao promover a alfabetização, o ensino fundamental e médio, além de oportunidades de educação profissionalizante. No sistema prisional, a educação deve ter como finalidade socializar e humanizar os apenados, permitindo que desenvolvam habilidades de diálogo, pensamento crítico, respeito e construção de novas oportunidades.
A ausência de acesso à educação e a atividades abrangentes no ambiente prisional pode resultar em altos índices de reincidência e retorno ao crime. Contudo, práticas educativas bem-estruturadas, como a escolarização, favorecem a inclusão dos apenados no universo letrado e contribuem para reduzir sua condição de marginalização.
Para que a ressocialização via educação seja efetiva, é necessário que o Estado assuma um papel ativo na criação e manutenção de políticas que assegurem o acesso igualitário à educação formal e a programas de qualificação profissional dentro dos presídios.
Essas políticas devem contemplar desde o ensino básico até o ensino superior, bem como cursos técnicos que sejam alinhados com as demandas do mercado de trabalho. Além disso, é essencial que haja um acompanhamento pedagógico e psicológico constante, de modo a adaptar o processo educacional às realidades e necessidades específicas dos indivíduos privados de liberdade.Somente por meio de uma abordagem educacional inclusiva e acessível será possível proporcionar uma real oportunidade de ressocialização para os apenados.
Portanto, a educação no sistema prisional não deve ser vista apenas como uma atividade temporária, mas como um processo que permite continuidade fora da prisão. É importante que o indivíduo privado de liberdade demonstre interesse pelos estudos oferecidos, tendo a iniciativa de aprender e adquirir conhecimentos para sua vida educacional. A educação em espaços de privação de liberdade é complexa e enfrenta diversos obstáculos, como a falta de salas de aula em todos os presídios. No entanto,negar a importância da educação nesse contexto é um perigo, pois é por meio dela que essas pessoas podem adquirir dignidade e transformar suas vidas.
5.2 Ressocialização através do trabalho e da capacitação profissional
O trabalho no sistema prisional desempenha um papel fundamental na reintegração social dos presos, contribuindo para o seu processo de reabilitação. Além de ser uma forma de disciplina e ressocialização, o trabalho proporciona ao detento o aprendizado de novas habilidades e a possibilidade de desenvolver responsabilidades.
Através do trabalho, o preso tem a oportunidade de refletir sobre suas ações, contribuindo para sua transformação interna e, ao mesmo tempo, se preparando para a reintegração à sociedade, com a expectativa de uma reinserção mais digna e produtiva.O trabalho do preso no sistema penitenciário brasileiro pode ser realizado tanto de forma interna quanto externa, sempre levando em consideração as habilidades e condições do detento.
No tocante ao trabalho interno é realizado dentro das instalações do presídio e é obrigatório para os condenados à pena privativa de liberdade, conforme o artigo 31 e seguintes da Lei de Execução Penal (LEP). As atividades desempenhadas pelos presos podem variar, abrangendo funções como auxiliar de construção, reforma, cozinha e lavanderia. A carga horária não pode ser inferior a 6 horas nem superior a 8 horas diárias, com descanso garantido aos domingos e feriados.
A LEP também estabelece disposições especiais para a execução do trabalho, como no caso dos presos com mais de 60 anos, que podem ser designados a atividades laborais adequadas à sua idade e condição física, mediante solicitação. A normativa assegura que o trabalho dentro do sistema prisional deve ser uma oportunidade para a reabilitação e preparação para a reintegração social do detento. Dessa forma, além de servir como uma forma de punição, o trabalho tem um caráter educativo, proporcionando aprendizado e desenvolvimento de habilidades que podem ser aplicadas no futuro, fora das grades.
Já no que tange o trabalho externo, previsto no artigo 36 da LEP, é restrito a presos em regime fechado e está vinculado a serviços ou obras públicas, ou ainda a atividades realizadas por entidades privadas. A execução dessa modalidade de trabalho exige que sejam tomadas medidas para evitar fugas e garantir a disciplina. A autorização para o trabalho externo depende da aptidão do preso, de sua disciplina e do cumprimento de pelo menos 1/6 de sua pena.
Além disso, o trabalho para entidades privadas só pode ser realizado com o consentimento expresso do detento, e a autorização pode ser revogada caso o preso cometa um crime ou apresente comportamento inadequado.
A Lei nº 7.210 de 1984 estabelece a remição da pena, regulamentando as condições em que o detento pode reduzir o tempo de prisão. Para ser beneficiado com a remição, o preso deve estar cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto e realizar atividades como trabalho, estudo ou leitura. A remição pelo trabalho permite que o preso reduza um dia de sua pena a cada três dias trabalhados, mediante comprovação dos dias de serviço.
Além disso, conforme o artigo 29 da Lei de Execução Penal, o trabalho do preso é remunerado, de acordo com uma tabela estabelecida previamente, e o valor pago não pode ser inferior a três quartos do salário mínimo. Esse benefício busca incentivar a produtividade dentro do sistema prisional e proporcionar ao preso uma oportunidade de resgatar parte de sua pena enquanto adquire novas habilidades.
6 CULTURA NA RESSOCIALIZAÇÃO
O acesso à cultura no sistema prisional tem um papel fundamental na ressocialização dos presos, pois proporciona uma forma de expressão e reflexão sobre suas ações, ajudando no processo de autoconhecimento e mudança de comportamento.
Atividades culturais, como teatro, música, arte e literatura, permitem que os detentos desenvolvam habilidades sociais, emocionais e cognitivas, além de proporcionar uma forma de integração e inclusão social. Esses elementos contribuem para a redução da reincidência criminal ao oferecer novas perspectivas e oportunidades para o futuro dos presos.
O governo de Rondônia implementou a peça teatral "Bizarrus", encenada por reeducandos do sistema prisional, com o intuito de usar a cultura como ferramenta de reintegração social. O espetáculo, realizado em setembro de 2024 na Penitenciária Estadual Milton Soares de Carvalho, incentiva reflexões sobre escolhas e oportunidades na vida dos apenados. Além de entreter, o projeto promove autoconhecimento e redução da reincidência criminal, com apoio da Secretaria de Estado da Justiça, Tribunal de Justiça e outras instituições.
O projeto "Bizarros", que utiliza o teatro no contexto prisional, é um exemplo claro de como a cultura pode ser uma ferramenta poderosa na ressocialização dos presos. Ao permitir que os detentos compartilhem suas próprias histórias e se expressem artisticamente, o projeto oferece uma oportunidade de ressignificação pessoal, ajudando-os a se reconectar com suas emoções e traumas. Esse processo de autoexpressão através da arte é um meio eficaz de transformação interna, promovendo o autoconhecimento e a reflexão sobre suas vidas e escolhas.
Além disso, a prática cultural dentro do sistema prisional proporciona aos detentos a chance de desenvolver habilidades socioemocionais, como empatia, comunicação e trabalho em equipe. Ao aprenderem a se colocar no lugar do outro e a trabalhar juntos para alcançar um objetivo comum, os presos adquirem competências que são essenciais para sua reintegração social. O teatro, assim, funciona como uma ferramenta de socialização, preparando-os para uma convivência mais harmoniosa com a sociedade fora das grades.
Outro aspecto importante desse tipo de atividade cultural é a quebra dos estigmas negativos que cercam a população carcerária. Participar de um projeto artístico como "Bizarros" desafia a visão tradicional sobre os presos, mostrando que eles também são sujeitos capazes de criar, transformar e contribuir com a sociedade. Ao se apresentarem em palcos, como ocorreu na estreia da peça em 1997, os detentos conseguem acessar uma nova identidade, na qual o crime e a violência não são as únicas narrativas possíveis.
Portanto, iniciativas culturais, como o teatro, desempenham um papel essencial na reintegração social dos presos. Elas não apenas fornecem uma alternativa terapêutica para o tratamento de traumas e questões emocionais, mas também abrem portas para um novo futuro. A arte permite que os detentos se percebam além de sua condenação, oferecendo a oportunidade de reconstruir suas vidas e quebrar o ciclo da reincidência, proporcionando-lhes uma chance real de reintegração social e de mudança.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o sistema prisional brasileiro enfrenta desafios profundos que comprometem seu papel de reintegrar os apenados à sociedade de maneira produtiva e sustentável. A análise dos aspectos históricos e legislativos, das condições estruturais e da realidade cotidiana nas unidades prisionais revela uma série de obstáculos que dificultam a ressocialização, incluindo a superlotação, a falta de infraestrutura adequada e a ausência de políticas consistentes para promover a educação, a capacitação profissional e a assistência social e psicológica.
Esses problemas estruturais e operacionais não apenas dificultam a recuperação dos apenados, mas também perpetuam o ciclo de exclusão e reincidência, impactando negativamente a segurança pública e a coesão social.
Por outro lado, o estudo demonstra que iniciativas de ressocialização baseadas na educação, no trabalho e na cultura podem contribuir significativamente para a redução da reincidência criminal, ao desenvolver habilidades e valores que favorecem a reintegração social e profissional.
Dessa forma, este artigo ressalta a urgência de políticas públicas humanizadas e eficazes que tratem o sistema prisional brasileiro não apenas como um espaço de punição, mas como um ambiente de recuperação e desenvolvimento humano.
Portanto, a implementação de políticas de educação e capacitação nos presídios deve ser uma prioridade, visando proporcionar aos apenados as condições necessárias para recomeçar suas vidas de forma digna e construtiva. Fazer mudanças no sistema prisional é uma tarefa desafiadora, mas imprescindível para garantir uma sociedade mais segura, inclusiva e justa, na qual os direitos fundamentais de todos os cidadãos, incluindo os apenados, sejam respeitados.
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Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus de Porto Velho (2016/2021).Pós-graduado: LATO SENSU em DIREITO ADMINISTRATIVO E GESTÃO PÚBLICA pela Faculdade UNIBF (2020). Tecnólogo: em Serviços Jurídicos, Cartorários e Notoriais pela Universidade Pitágoras UNOPAR (2020). Servidor Público da Controladoria Geral do Estado de Rondônia. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Franklin. Uma análise do sistema prisional brasileiro: desafios da ressocialização de presos na sociedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2024, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67028/uma-anlise-do-sistema-prisional-brasileiro-desafios-da-ressocializao-de-presos-na-sociedade. Acesso em: 19 nov 2024.
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