Resumo: A finalidade deste trabalho é realizar um estudo sobre a delegação do poder de polícia da Administração Pública, especificamente acerca da controvérsia sobre a constitucionalidade da delegação do poder de polícia para as pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta. Isso é feito majoritariamente por meio da análise de julgados que impactaram substancialmente a matéria e pela revisão doutrinária acerca do tema através da visão do pensamento clássico e do contemporâneo. Conclui-se, então, que a delegabilidade do poder de polícia administrativo nas circunstâncias do caso concreto analisado (recurso extraordinário 633.782/MG), ou seja, delegação a uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público em regime não concorrencial mediante lei específica, pavimentou o caminho para a superação clássica sobre o tema.
Palavras-chave: Direito Administrativo; Poder de Polícia; Delegação.
Abstract: The purpose of this work is to carry out a study on the delegation of police power from the Public Administration, specifically regarding the controversy over the constitutionality of the delegation of police power to legal entities governed by private law that are part of the indirect Public Administration. This is done mainly through the analysis of judgments that substantially impacted the matter and through the doctrinal review on the topic through the vision of classical and contemporary thought. It is concluded, then, that the delegation of administrative police power in the circumstances of the specific case analyzed (extraordinary appeal 633.782/MG), that is, delegation to a legal entity under private law providing a public service under a non-competitive regime under a specific law , paved the way for classical overcoming on the subject.
Keywords: Administrative Law; Police Power; Delegation.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 1.1. A jurisprudência e a delegação do poder de polícia. 1.2. A doutrina e a vertente da superação do entendimento clássico da delegação do poder de polícia.
Introdução:
O presente artigo, apresenta como base a análise do recurso extraordinário 633782 de Minas Gerais, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, em 23/10/2020, repercussão geral – tema 532, de relatoria do Ministro Luiz Fux, com a maioria do Plenário seguindo o seu voto, fixando a tese no sentido:
É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial. (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020, online)
A repercussão geral do tema desdobra-se da necessidade da formação de segurança jurídica e estabilização dos contornos constitucionais da controvérsia da delegação do poder de polícia administrativo a pessoas jurídicas de direito privado, a ser repetida pelos tribunais do Brasil.
Em meio a tal cenário, o presente estudo de caso concreto pretende sobretudo apresentar o debate sobre a temática da delegabilidade do poder de polícia administrativo, contrapondo a divergência doutrinária como também a evolução da jurisprudência nos Tribunais e ao final sustentar uma posição crítica em relação ao objeto do artigo.
1. Desenvolvimento:
1.1 A jurisprudência e a delegação do poder de polícia
O caso concreto estrutura-se a partir da delegação do poder de polícia da Administração Pública, porém antes de adentrar neste ponto central é necessário a conceituação do poder polícia da Administração Pública, este sendo conceituado pelo ordenamento jurídico no artigo 78 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), senão vejamos:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. (BRASIL, 1966, online)
Buscando uma melhor compreensão do poder de polícia administrativo, aclarando a letra de lei, a doutrina em sua interpretação clássica, apresenta a partir dos ensinamentos do ilustre jurista Hely Lopes Meirelles o poder de polícia com a concepção no seguinte sentido: “O poder de polícia é a faculdade discricionária que se reconhece à Administração Pública, de condicionar e restringir o uso e gozo dos bens e direitos individuais, especialmente os de propriedade, em benefício do bem-estar da coletividade”. (1966, p. 80)
Dessa forma, é observado que o poder de polícia administrativo apresenta uma limitação social dos administrados, disciplinando direitos, interesses ou liberdade, recebendo um papel de protagonismo a qual busca a mediação entre as tensões da liberdade individual dos indivíduos quando entram em confronto com o interesse público.
Esta limitação é fundamentada no princípio da predominância do interesse público sobre o privado, a Administração Pública detém um verdadeiro poder-dever de restringir os direitos individuais que desarmonizarem com os interesses da coletividade.
Em consonância, é o entendimento do doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello:
(...) atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhe os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo. (2013, p. 851 e 853).
Com passar do tempo o conceito do poder de polícia administrativo passou por aprimoramentos em consequência do desenvolvimento das relações sociais e a necessidade pública em acompanhar a dinamicidade da sociedade, a qual constantemente vem se modificando.
A partir dessa perspectiva, uma parcela da doutrina percebendo essa nova realidade social buscou uma conceituação, caracterizando uma concepção contemporânea e moderna ao poder de polícia administrativo, conforme os ensinamentos do jurista Gustavo Binenbojm:
No âmbito das transformações político-jurídicas, o poder de polícia foi redefinido como sendo a ordenação social e econômica que tem por objetivo conformar a liberdade e a propriedade, por meio de prescrições ou induções, impostas pelo Estado ou por entes não estatais, destinadas a promover o desfrute dos direitos fundamentais e o alcance de outros objetivos de interesse da coletividade, definidos pela via da deliberação democrática, de acordo com as possibilidades e os limites estabelecidos na Constituição. (2016, p. 329).
Não objetivando esgotar o estudo do poder de polícia, a partir da breve explanação de sua conceituação com a visão clássica e a contemporânea, o presente artigo trabalhará na controvérsia acerca da constitucionalidade da delegação do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta.
Inicialmente, em âmbito jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 817.534 de Minas Gerais, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 10/11/2009, pela segunda turma, a qual deu origem ao presente recurso extraordinário analisado, versou em sentido a tese que somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, concluindo que os atos relativos à legislação e sanções seriam indelegáveis as pessoas jurídicas de direito privado.
Neste acórdão do Superior Tribunal de Justiça o caso concreto discute se a sociedade de economia mista municipal, Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTras), pessoa jurídica de direito privado, pode exercer poder de polícia de trânsito, incluindo a competência para aplicação de sanção administrativa, qual seja: multas de trânsito.
No julgado o C. STJ concluiu que o poder de polícia da Administração Pública é concretizado com fundamento no poder de império estatal, desta forma, não podendo ser delegado para pessoas jurídicas de direito privado por ser uma atividade típica do Estado.
O Tribunal Superior subdividiu o poder de polícia em quatro fases, denominando-os como “ciclo de polícia”: I- ordem de polícia; II- o consentimento de polícia; III- a fiscalização de polícia e IV- a sanção de polícia.
Para o entendimento desta subdivisão os ensinamentos do jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto são precisos na conceituação dos “ciclos de polícia”:
A ordem de polícia é o preceito legal básico, que possibilita e inicia o ciclo de atuação, servindo de referência específica de validade e satisfazendo a reserva constitucional (art. 5º, II), para que se não faça aquilo que possa prejudicar o interesse geral ou para que se não deixe fazer alguma coisa que poderá evitar ulterior prejuízo público. (...) O consentimento de polícia, em decorrência, é o ato administrativo de anuência que possibilita a utilização da propriedade particular ou o exercício da atividade privada(...) Segue-se, no ciclo, a fiscalização de polícia, a função que se desenvolverá tanto para a verificação do cumprimento das ordens de polícia, e não apenas quanto à observância daquelas absolutamente vedatórias, que não admitem exceções, como para constatar se, naquelas que foram consentidas (...) Finalmente, falhando a fiscalização preventiva, e verificada a ocorrência de infrações às ordens de polícia e às condições de consentimento, desdobra-se a fase final do ciclo jurídico em estudo, com a sanção de polícia (...) (2014. p. 440-444)
Superando o entendimento do conceito dos ciclos de polícia, o posicionamento do STJ versou no sentido que somente o consentimento de polícia e a fiscalização de polícia podem ser delegadas para particulares, sendo estas consideradas atividades de apoio.
Em contrapartida, aqueles referentes à legislação e sanção derivam do poder de coerção do Estado, sendo, portanto, atividade típica indelegável: “somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público” (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2009, online).
De mesmo modo, é o entendimento de Rafael Maffini, convergindo no sentido de que só seria possível a delegação a particulares de atos materiais de preparação do poder de polícia administrativo:
É necessário salientar que é possível a transferência a particulares, desde que se o faça com regularidade licitatória e contratual, de atos materiais de preparação do poder de polícia propriamente dito (ex.: expedição de tíquetes de parquímetros, o ato de fotografar veículos em controladores eletrônicos de velocidade, o ato material de vistoriar um veículo para fins de licenciamento etc.). O que não é possível é a transferência a particulares da prática de atos administrativos – dotados de cunho decisório, portanto – de polícia administrativa (ex.: o licenciamento de veículos automotores, a decisão quanto à autuação de trânsito, a decisão quanto à apreensão de veículo, a decisão quanto à demolição de obra irregular etc.). Trata-se, pois, de atividade estatal indelegável a particulares. (2009, p. 75).
Notou-se também no voto do Ministro Relator Mauro Campbell Marques a existência de uma preocupação que a ampliação da delegação do poder de polícia poderia causar uma brecha para o cometimento de desvio de finalidade pública, perseguindo interesses particulares em detrimento ao interesse público. Senão vejamos: “No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecadação.” (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2009, online).
Apesar da substancialidade da tese firmada pelo STJ, em impugnação pelo recurso extraordinário 633782/MG, o Supremo Tribunal Federal adotou posicionamento diverso, fixando a tese no sentido da possibilidade da delegação do poder de polícia.
Na visão do Relator do recurso extraordinário, Ministro Luiz Fux, mais importante em limitar as entidades com competência de execução do poder de polícia e as respectivas sanções, é identificar as melhores vertentes racionais, perseguindo a finalidade pública.
Em seu voto, o Ministro Relator expõe:
Nesse seguimento, é forçoso concluir que mais relevante do que restringir os possíveis atores estatais com competência para o exercício do poder de polícia e, por conseguinte, para a aplicação de sanções, é identificar caminhos para uma melhor racionalização e sistematização do direito punitivo estatal, que também se materializa através desse poder da Administração. O papel ordenador, regulatório e preventivo do poder de polícia é que deve ganhar o devido destaque no cenário atual, ainda que poder de polícia seja exercido por pessoas integrantes da Administração Pública e constituídas sob o regime de direito privado. (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020, online)
De acordo com o voto do Ministro Relator, a circunstância da Constituição Federal outorgar a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista possuindo como objeto específico a prestação de serviços públicos típico estatal, fundamenta por consequência lógica a delegação dos instrumentos pertinentes à busca da finalidade pública do serviço delegado, caso contrário ocorreria uma inviabilização de seu objeto.
Também é o entendimento de Gustavo Binenbojm, exemplificando a necessidade da prática de atos de império para alcançar a finalidade pública:
A despeito de sua natureza jurídica de direito privado, isso não é obstáculo per se a que elas exerçam certos atos e funções que um dia foram tidos como exclusivos do Estado. Tanto assim que se reconhece com certa tranquilidade, que as empresas estatais praticam atos de império no âmbito de licitações e concursos públicos, por imperativo do art. 37, II e XXI, da Constituição de 1988. Se as estatais se sujeitam ao regime jurídico de seleção de pessoal e de fornecedores, faz sentido que elas exerçam algum nível de autoridade. O processo licitatório e os atos relativos ao concurso público são tipicamente de Estado e aproximam-se da sua lógica de império. Daí se reconhecer, inclusive, o cabimento de mandado de segurança contra atos de autoridade praticados por empresas estatais. (2016. p. 273)
Outro ponto argumentativo é o fato de a empresa possuir capital majoritariamente estatal, de atuação própria do Estado, atuando em regime de monopólio de mercado, viabilizando a delegação do poder de polícia.
Como a sociedade de economia mista não objetiva lucro e atua de forma monopolizada, a estatal não desestabiliza o mercado comprometendo a concorrência.
Também é o entendimento de José Vicente dos Santos de Mendonça:
(...) o desempenho de atividade em regime não concorrencial é um dos requisitos a serem observados para a delegação do poder de polícia à estatais. Caso contrário, a estatal poderia indevidamente criar regras delimitadoras da liberdade capazes de comprometer a concorrência. (2009. p. 110-114)
Finalizando seu voto, o Ministro Relator conclui que somente a ordem de polícia, fase do ciclo de polícia, seria indelegável, porque a competência legislativa é privativa aos entes públicos. Nas palavras do Relator:
A única fase do ciclo de polícia que, por sua natureza, é absolutamente indelegável: a ordem de polícia, ou seja, a função legislativa. Os atos de consentimento, de fiscalização e de aplicação de sanções podem ser delegados a estatais que, à luz do entendimento desta Corte, possam ter um regime jurídico próximo daquele aplicável à Fazenda Pública. (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020, online)
Desta forma, encampando a tese vitoriosa do Ministro Relator, votaram no mesmo sentido os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Tofolli, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, sendo vencidos os Ministros Edson Fachin e Marco Aurélio. Fixando a seguinte tese: constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial. (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020, online)
1.2 A doutrina e a vertente da superação do entendimento clássico da delegação do poder de polícia
A controvérsia da delegabilidade do poder de polícia administrativo é palco de amplos debates doutrinários e jurisprudenciais, em contexto doutrinário há o predomínio da doutrina clássica pelo entendimento da indelegabilidade do poder de polícia a entes privados. Conforme o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho:
(...) a delegação não pode ser outorgada a pessoas da iniciativa privada, desprovidas de vinculação oficial com os entes públicos, visto que, por maior que seja a parceria que tenham com estes, jamais serão dotadas da potestade (ius imperii) necessária ao desempenho da atividade de polícia. (2009, p. 77).
No ponto, assevera o Ministro Luiz Fux, em seu voto no recurso extraordinário 633782/MG, que a indelegabilidade é sustentada em quatro principais pilares argumentativos:
A lógica da indelegabilidade do exercício do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado se fundamenta, basicamente, em quatro pilares argumentativos: (i) ausência de autorização constitucional; (ii) indispensabilidade da estabilidade do serviço público para o seu exercício; (iii) impossibilidade de delegação da prerrogativa da coercibilidade, atributo intrínseco ao poder de polícia, por ser atividade típica de Estado, e (iv) incompatibilidade da função de polícia com finalidade lucrativa. (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020, online)
Porém, o cenário apresenta uma forte corrente doutrinaria contemporânea para uma superação deste entendimento clássico. Senão vejamos as doutrinas que acompanham com essa vertente:
Também há vozes no sentido da possibilidade de delegação do poder de polícia a particulares que não integram a Administração Pública. Como exemplo, cf. PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Regulação, Fiscalização e Sanção: fundamentos e requisitos da delegação do exercício do poder de polícia administrativa a particulares. Belo Horizonte: Fórum, 2013; BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação: transformações político jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 285; GARCIA, Flávio Amaral; FREITAS, Rafael Veras de. Portos brasileiros e a nova assimetria regulatória: os títulos habilitantes para a exploração da infraestrutura portuária. (MOREIRA, 2014, p. 247)
Essa concepção de aproximação do regime jurídico de direito administrativo aplicável à Fazenda Pública para empresas públicas e sociedade e economia mista prestadoras de serviço público em regime não concorrencial e de capital majoritariamente estatal é uma realidade doutrinária e jurisprudencial que é construída pela vanguarda administrativista. Assim, ilustra Alexandre Santos de Aragão em perfeita exemplificação:
A vedação da atribuição de poder de polícia a pessoas privadas tem sido atenuada quando essa pessoa privada é integrante da Administração Pública Indireta. O exemplo mais comum são as empresas públicas municipais às quais têm sido atribuídas competências de polícia administrativa de trânsito, a exemplo da guarda municipal do Município do Rio de Janeiro, que é uma empresa pública, considerada constitucional pelo Tribunal de Justiça sob o argumento da autonomia do Município de escolher os meios pelos quais exercerá as suas funções e pelo fato de essas pessoas privadas estarem de qualquer forma sujeitas à supervisão do ente público. (2012, p. 193)
Em mesmo sentido é o entendimento de Diógenes Gasparini:
A regra é a indelegabilidade da atribuição de polícia administrativa. Seu exercício sobre uma dada matéria, serviço de táxi, por exemplo, cabe ao Município que o realiza com seus recursos pessoais e materiais, pois é a pessoa competente para legislar. Embora essa seja a regra, admite-se a delegação desde que outorgada a uma pessoa pública administrativa, como é a autarquia, ou a uma pessoa governamental, como é a empresa pública. (...) (grifos nossos) (2012, p. 187)
Desse modo, é observado que o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário 633782/MG reproduz a voz de uma vertente doutrinária contemporânea, acompanhando a realidade social e o dinamismo em criar soluções que pacifiquem a ordenação social.
Conclusão:
A delegabilidade do poder de polícia administrativo nas circunstâncias do caso concreto (Recurso Extraordinário 633.782/MG), ou seja, delegação a uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público em regime não concorrencial mediante lei específica, pavimentou o caminho para a superação clássica sobre o tema, criando precedente no sentido da aplicação da tese em casos concretos análogos.
O entendimento fixado desafia as correntes clássicas, apresentando uma linha de raciocínio que deverá ser tratada como majoritária a partir do julgamento do recurso extraordinário.
Porém, é preciso tomar cuidado com interpretações extensivas, a Suprema Corte em sua decisão a todo momento desenvolveu a tese ao entorno das entidades da Administração Pública Indireta, seja uma Sociedade de Economia Mista, Empresa Pública ou até mesmo uma Fundação Pública, dessa forma, o Supremo em momento algum fixou tese no sentido da delegabilidade do poder de polícia a particulares.
Outra restrição de extrema importância seria a necessidade de a pessoa jurídica de direito privado ser prestadora de serviço público, atuando em regime não concorrencial, essa delimitação cria uma proteção para o objetivo da finalidade pública, para que essa delegação não seja utilizada como fator de favorecimento à particulares em detrimento dos administrados.
O Ministro Relator Luiz Fux no voto condutor do acórdão apresentou uma linha argumentativa prestigiando um pensamento administrativo contemporâneo, quebrando amarras conceituais que engessam a busca da finalidade pública e consequentemente o bem coletivo.
Essa delegação do poder de polícia inclusive poderia ser embasada na teoria dos poderes implícitos, quando se concede a órgão ou entidade determinada função, também confere, implicitamente, os meios e instrumentos necessários ao objetivo a consecução dessa atividade.
Importante destacar também a tese do Superior Tribunal de Justiça, mesmo sendo uma tese contrária a adotada pelo Supremo Tribunal Federal, enriqueceu os debates construindo uma linha de raciocínio argumentativa de relevância, em especial desenvolvendo o entendimento do ciclo de polícia.
Por fim, é importante salientar que o estudo da delegação do poder de polícia é um debate amplo que não será esgotada com este precedente, o julgado colocou o debate do tema no centro das atenções de constitucionalistas e administrativistas aclarando o entendimento de como a atual composição da Corte Suprema irá se comportar diante de novas problemáticas análogas e fomentando o debate acadêmico da matéria.
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Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), OAB/RJ nº 229.353, Pós-graduado em Direito Público pela PUC/MG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WATZL, Pedro Passo. Constitucionalidade da delegação do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração pública indireta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67161/constitucionalidade-da-delegao-do-poder-de-polcia-a-pessoas-jurdicas-de-direito-privado-integrantes-da-administrao-pblica-indireta. Acesso em: 04 dez 2024.
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