Resumo: A Teoria das Janelas Quebradas, inicialmente desenvolvida no campo da criminologia, estabelece que pequenos sinais de desordem podem desencadear comportamentos mais graves e prejudiciais. Este artigo analisa como os princípios dessa teoria podem ser aplicados à administração pública, enfatizando a prevenção de "desordens administrativas" como irregularidades, nepotismo e apadrinhamento. Discute-se a importância de mecanismos de controle, como comissões disciplinares, e da transparência na gestão pública para garantir eficiência, confiança social e respeito aos direitos democráticos. Exemplos práticos e análises críticas reforçam a relevância dessa abordagem no fortalecimento das instituições públicas.
Palavras-chave: Teoria das Janelas Quebradas. Administração Pública. Gestão de Conflitos. Transparência na Administração. Nepotismo e Apadrinhamento. Controle Disciplinar. Eficiência Pública. Prevenção de Desordens. Ética no Serviço Público. Participação Social.
Sumário: 1 Introdução – A Teoria das Janelas Quebradas: Contexto e Fundamentos – 3 Transposição para a Administração Pública – 4 Princípios da Teoria Aplicados à Gestão Pública – 5 Casos de Sucesso e Exemplos Práticos – 6 Críticas e Limitações – 7 Conclusão – 8 Bibliografia.
1 - Introdução
A Teoria das Janelas Quebradas é um conceito originado na criminologia que enfatiza a relação entre desordem e criminalidade. Desenvolvida inicialmente pelos cientistas sociais James Q. Wilson e George L. Kelling[1], essa teoria sugere que sinais de desordem, como janelas quebradas ou grafites não removidos, podem levar ao aumento de atividades criminosas em uma comunidade. Assim, na visão do ilustre Mestre Juarez Cirino[2], “áreas negligenciadas indicariam redução ou ausência de controle social, estimulando comportamentos desviantes segundo a tese: quanto maior a decadência urbana, maior a criminalidade”. Apesar de seu foco original na segurança pública, a aplicação dessa teoria transcende o campo da criminologia, oferecendo insights valiosos para a administração pública.
Neste artigo, será explorada a pertinência da Teoria das Janelas Quebradas no contexto da gestão pública, destacando como a prevenção da "desordem administrativa" pode contribuir para uma gestão mais eficiente e transparente, além de reforçar a confiança da população nas instituições públicas.
2 - A Teoria das Janelas Quebradas: Contexto e Fundamentos
A Teoria das Janelas Quebradas foi popularizada em um artigo publicado em 1982, que defendia a ideia de que pequenas infrações ou sinais de negligência podem criar um ambiente que incentiva a ocorrência de crimes mais graves. Segundo os autores, a manutenção da ordem em pequenos aspectos é crucial para evitar a escalada da desordem.
Conforme discutido por Penteado Filho, "o crime deve ser analisado como um problema com sua face humana e dolorosa, aumentando o espectro de ação da criminologia para também incluir a vítima e as instâncias de controle social"[3]. Essa abordagem integra as bases da Teoria das Janelas Quebradas, ao sugerir que a desordem aparente pode ser um catalisador para infrações mais graves.
3 - Transposição para a Administração Pública
Na administração pública, "janelas quebradas" podem ser entendidas como pequenos atos de negligência, omissão ou corrupção que, quando não combatidos, comprometem a integridade e a eficiência da gestão. Exemplos incluem:
a) Irregularidades em processos licitatórios: Uma pequena falta de transparência em licitações pode abrir caminho para práticas de corrupção de maior escala.
b) Nepotismo e apadrinhamento: A tolerância a contratações baseadas em relações pessoais, em vez de mérito, enfraquece a confiança da população nas instituições.
c) Falta de manutenção de espaços públicos: A negligência com patrimônio público pode gerar percepção de abandono e estimular a deterioração social.
No passado não muito remoto vigia a administração patrimonialista, consubstanciada como um modelo de gestão pública que se caracteriza por ser ineficiente, corrupta e clientelista, uma vez que o administrador público afastado do princípio da impessoalidade, entendia ser o verdadeiro dono da máquina pública, agindo como proprietário de todos os bens estatais, em especial dos recursos públicos.
Tal modelo cedeu vez ao modelo burocrático, a figura do burocrata passa a ser mais profissional, com uma clara divisão entre o que é individual e privado e o que é público e de interesse coletivo, porém apesar de ter a pretensão de ser justa e honesta, não atinge seus objetivos por incapacidade de minimamente realizar controles e fiscalização.
Os dois modelos até então elencados, transparecem a ausência de comando, configuram desordem e inexistência de controle, estimulando comportamentos desviantes, tanto da população quanto dos servidores, ou seja, quanto maior a decadência na administração, maior a desídia, a corrupção e a inobservância de normas administrativas e de postura, que estabelecem o que é permitido e o que é proibido em um município e que visam garantir a ordem e a harmonia na convivência entre os moradores.
Em que pese ainda estarmos contaminados pelos modelos anteriores, hodiernamente vigora de forma concomitante em nosso ordenamento jurídico os modelos de administração pública gerencial[4] e administração pública consensual[5], que buscam solucionar os problemas descritos nos modelos anteriores de forma a não permitir a “quebra das janelas”.
4 - Princípios da Teoria Aplicados à Gestão Pública
4.1. Prevenção de Pequenas Infrações
Assim como na criminologia, a administração deve adotar uma postura proativa no combate às pequenas irregularidades. A implementação de sistemas de segregação de funções, controle interno e auditoria pode evitar que desvios menores se transformem em problemas graves.
4.2. Transparência como Ferramenta Preventiva
A publicidade dos atos administrativos, associada à participação social, é essencial para garantir a fiscalização cidadã e prevenir a desordem administrativa.
O princípio da publicidade exige que os atos do Poder Público sejam divulgados e tornados públicos (art. 37 da CRFB e art. 2.º da Lei 9.784/1999). A transparência dos atos administrativos está intimamente ligada ao princípio democrático (art. 1.º da CRFB), permitindo que a sociedade exerça controle social sobre as ações públicas. Uma Administração marcada pela obscuridade e sigilo é característica de regimes autoritários. No Estado Democrático de Direito, a publicidade dos atos governamentais é a regra, enquanto o sigilo constitui uma exceção.
4.3. Gestão de Conflitos e Comunicação Efetiva
A negligência na resolução de pequenos conflitos internos pode comprometer a harmonia organizacional, afetando a produtividade e a entrega de serviços públicos. Para mitigar esses problemas, é fundamental a adoção de boas práticas de gestão de recursos humanos e o fortalecimento dos mecanismos de controle disciplinar.
A administração pública deve assegurar que os servidores cumpram rigorosamente suas cargas horárias, adotando sistemas eletrônicos de controle de ponto e monitoramento. Esses mecanismos, além de evitar abusos, promovem a eficiência do serviço público e garantem a equidade no tratamento dos servidores.
A existência de uma comissão permanente para investigar e punir infrações cometidas por servidores é essencial. Essa comissão deve atuar com base na imparcialidade e no devido processo legal, garantindo que infrações sejam tratadas de maneira justa e exemplar, inibindo comportamentos inadequados e fortalecendo a confiança da população nas instituições.
O combate ao apadrinhamento político ou pessoal é um ponto crítico para manter a integridade da gestão pública. Contratações e promoções devem ser baseadas exclusivamente no mérito e na capacidade técnica dos servidores. A adoção de processos seletivos transparentes e de critérios objetivos é fundamental para evitar favorecimentos e garantir que os melhores profissionais ocupem cargos públicos, bem como evitar a desmotivação dos demais servidores.
5 - Casos de Sucesso e Exemplos Práticos
A cidade de Curitiba e o Portal da Transparência do Governo Federal são exemplos de aplicação bem-sucedida da Teoria das Janelas Quebradas na administração.
O Município de Curitiba é reconhecida por suas políticas urbanas inovadoras, especialmente na gestão de limpeza urbana e transporte coletivo. A cidade implementou um sistema de transporte integrado e priorizou a manutenção de espaços públicos, o que contribuiu para a melhoria da qualidade de vida e da percepção de segurança entre os moradores. Essas iniciativas refletem princípios alinhados à Teoria das Janelas Quebradas, ao enfatizar a importância da ordem e da manutenção urbana para prevenir a desordem social.
O Portal da Transparência, lançado em 2004[6], é uma ferramenta essencial para promover a transparência e prevenir irregularidades na administração pública. Ao disponibilizar informações detalhadas sobre gastos governamentais, contratos e transferências de recursos, o portal permite que cidadãos e órgãos de controle monitorem a aplicação dos recursos públicos, promovendo a accountability[7] e inibindo práticas corruptas. Essa iniciativa está em consonância com a Teoria das Janelas Quebradas, na medida em que a transparência atua como mecanismo preventivo contra a desordem administrativa.
Esses exemplos ilustram como a aplicação de princípios relacionados à Teoria das Janelas Quebradas pode contribuir para uma gestão pública mais eficiente e transparente, reforçando a confiança da população nas instituições.
6 - Críticas e Limitações
Embora a Teoria das Janelas Quebradas tenha seus méritos, há críticas sobre sua aplicação. Na administração pública, o excesso de burocracia e fiscalização pode gerar lentidão e descontentamento entre os servidores. Assim, é necessário equilibrar a prevenção de desordens com a eficiência administrativa.
7 - Conclusão
A Teoria das Janelas Quebradas oferece uma lente valiosa para analisar e melhorar a administração pública. Ao priorizar a resolução de pequenas falhas e o fortalecimento da ordem, os gestores podem promover um ambiente de confiança, eficiência e transparência. Entretanto, sua aplicação deve ser acompanhada de críticas construtivas e adaptações à realidade de cada instituição, garantindo que a busca pela ordem não comprometa os princípios democráticos e o bem-estar social.
8 - Bibliografia
SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia: Contribuição para Crítica da Economia da Punição. Curitiba: Tirant Lo Blanch, 2020.
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Oliveira, Rafael Carvalho Rezende, Curso de direito administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 8. ed. – Rio de Janeiro: Método, 2020;
GONÇALVES, A. O.; BILHIM, J. A. F.; GONÇALVES, R. S.; REZENDE, R. B.Prestação de Contas e Controle Social: Como o Processo Funciona. Revista de Contabilidade e Organizações, v. 15, n. 1, p. 1-13, 2021.);
[1] Essa teoria parte da premissa de que existe uma relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade.
A teoria baseia-se num experimento realizado por Philip Zimbardo, psicólogo da Universidade de Stanford, com um automóvel deixado em um bairro de classe alta de Palo Alto (Califórnia) e outro deixado no Bronx (Nova York). No Bronx o veículo foi depenado em 30 minutos; em Palo Alto, o carro permaneceu intacto por uma semana. Porém, após o pesquisador quebrar uma das janelas, o carro foi completamente destroçado e saqueado por grupos de vândalos em poucas horas. (PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2020)
[2] SANTOS, Juarez Cirino dos. Criminologia: Contribuição para Crítica da Economia da Punição. Curitiba: Tirant Lo Blanch, 2020. Pagina 95.
[3] PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2020). Pagina 32.
[4] O aparelho estatal foi reduzido e a “Administração Pública burocrática” foi substituída pela “Administração Pública gerencial” a partir da Reforma Administrativa instituída pela Emenda Constitucional 19/1998. Enquanto a administração Pública burocrática se preocupa com os processos, a Administração Pública gerencial é orientada para a obtenção de resultados (eficiência), sendo marcada pela descentralização de atividades e pela avaliação de desempenho a partir de indicadores definidos em contratos (ex.: contrato de gestão ou de desempenho). (Curso de direito administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 8. ed. – Rio de Janeiro: Método, 2020.Pagina 68.
[5] d) Consensualidade e participação: ao invés da atuação unilateral e impositiva da vontade administrativa, a decisão estatal deve ser construída, na medida do possível, a partir do consenso (exs.: mediação, acordos, parcerias) e da participação social (exs.: consultas e audiências públicas), o que garante maior legitimidade democrática à Administração. (Curso de direito administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 8. ed. – Rio de Janeiro: Método, 2020.Pagina 72.
[6]- https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2024/11/portal-da-transparencia-celebra-20-anos?utm_source=chatgpt.com
[7] o instrumento de controle em prestação de contas, na busca de adequações para a melhoria de desempenho na aplicação de recursos públicos. (GONÇALVES, A. O.; BILHIM, J. A. F.; GONÇALVES, R. S.; REZENDE, R. B.Prestação de Contas e Controle Social: Como o Processo Funciona. Revista de Contabilidade e Organizações, v. 15, n. 1, p. 1-13, 2021.)
graduado pela Universidade Moacyr Sreder Bastos. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Origenes Lessa. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil, Faculdade Arnaldo Janssen, FA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHO, Mauro Campos de. Teoria das Janelas Quebradas e Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2025, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67718/teoria-das-janelas-quebradas-e-administrao-pblica. Acesso em: 31 jan 2025.
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