FELIPE BOARIN L’ASTORINA
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como foco a polêmica instalada ante a cultura do demandismo e a nova vertente instituída pelo CPC atual que introduz um sistema multiportas de solução de controvérsias, pelo qual a sociedade dispõe de um tribunal multiportas que conduz, de acordo com a natureza do conflito, a um meio adequado e eficaz ao deslinde do conflito. Tal tribunal multiportas coaduna-se com uma justiça plural e menos conservadora, oportunizando uma solução frente a uma explosão de demandismo pela qual passa a justiça brasileira e conferindo contornos de maior acessibilidade e inclusão à parcela da sociedade que se encontra à margem e excluída do procedimento jurisdicional tradicionalmente consagrado e arraigado por adjudicar uma solução e substituir a vontade das partes em função da vontade de um sujeito estranho ao processo. Tal sistema busca viabilizar métodos adequados de solução de litígios, buscando mitigar os impactos sofridos pelo Judiciário brasileiro perante a exacerbada demanda de ações que são intentadas antes que se procure um diálogo entre as partes. O problema da judicialização é típico de países que no passado se pautaram pela “civil law”, em detrimento da “common law”. Tal vertente brasileira prioriza um plexo de leis para que se derrogue a solução jurídica, outorgando a vitória de um litígio. A tese defendida neste trabalho consubstancia-se na mudança de um paradigma da judicialização de litígios por uma sistemática que enfoque o sistema brasileiro de tratamento de litígios como um organismo em que as partes são tratadas como vetores essenciais à solução das demandas, disponibilizando-as métodos adequados à solução de cada conflito. Tal porta do Poder Judiciário não deve ser a única para solucionar uma demanda, tutelando-se aqui um leque de comportamentos anteriores ao litígio em si que podem mitigar e minimizar processos lentos e morosos, combatendo-se a cultura do demandismo e proporcionando ao jurisdicionado reduzir custos, tempo e desgastes pelos quais passam ao escolher uma via judicial cujo resultado na maioria das vezes não vem ao encontro dos interesses das partes e acaba por sepultar as tentativas de conciliação e mediação entre estas, o que vem a produzir contendas. O presente trabalho, assim, utilizou-se do método de pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, analisando-se as últimas teses e legislações acerca da temática do sistema multiportas de solução de conflitos. Desse modo, o estudo se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório e analítico-descritivo, tendo como foco a polêmica instalada pela instauração de um sistema multiportas no ordenamento jurídico brasileiro e sua consequente aplicabilidade, face à ruptura com o modelo superado de jurisdição como única via de solução de conflitos e sua repercussão em meio a uma crise por que passam as instituições e Poderes da República, especialmente o Judiciário, que se encontra asfixiado por demandas. Procura contribuir com aqueles que se interessam pela mesma temática, servindo de fonte de leitura acadêmica e aplicando as fontes de pesquisa para os profissionais do Direito e/ou áreas afins.
Palavras-chave: Sistema multiportas. Aplicabilidade. Conciliação. Litígios.
ABSTRACT: The present work focuses on the controversy installed before the culture of demand and the new strand established by the current CPC that introduces a multiport system of dispute settlement, by which the company has a multiport courts that leads, according to the nature of the conflict, to an adequate and effective means of demarcating the conflict. Such a multiport court is consistent with a pluralistic and less conservative justice, providing a solution to an explosion of demand through which the Brazilian justice system passes, and giving a more accessible and inclusive profile to the part of the society that is marginalized and excluded from the procedure traditionally enshrined and rooted in adjudicating a solution and replacing the will of the parties according to the will of a subject foreign to the process. Such a system seeks to provide adequate methods of dispute settlement, seeking to mitigate the impacts suffered by the Brazilian Judiciary in the face of the exacerbated demand for actions that are attempted before a dialogue between the parties is sought. The problem of judicialization is typical of countries that in the past have been guided by civil law, to the detriment of common law. This Brazilian aspect prioritizes a set of laws to derogate the legal solution granting the victory of a litigation to a party over the defeat of the opposing party in the lawsuit. The thesis defended in this work is based on the change of a paradigm of the litigation judicialization by a system that approaches the Brazilian system of litigation as an organism in which the parties are treated as vectors essential to the solution of the demands, making them available to the solution of each conflict. Such a door of the Judiciary Power should not be the only one to solve a lawsuit, guarding here a range of behaviors prior to the litigation itself that can mitigate and minimize slow and slow processes, fighting the culture of demand and giving the jurisdiction to reduce costs, time and wear and tear they pass through when choosing a judicial route whose outcome most often does not meet the interests of the parties and ends up bury the attempts of conciliation and mediation between them, which is producing disputes and disagreements. The present work, therefore, used the method of bibliographical, doctrinal and jurisprudential research, analyzing the last theses and legislations on the thematic of the multiport system of conflict resolution. Thus, the study is characterized as a bibliographic research of an exploratory and analytical-descriptive character, focusing on the polemic installed, the establishment of a multiport system in the Brazilian legal system and its consequent applicability, due to the rupture to the model overcome jurisdiction as the only way of solving conflicts and their repercussion in the midst of a crisis that passes through the institutions and Powers of the Republic, especially the Judiciary that suffocates by demands. It seeks to contribute to those who are interested in the same subject, serving as a source for academic reading and applying the sources of research to law professionals and / or related areas.
Key-words: Multi-doors system. Aplicability. Conciliation. Litigation.
O sistema multiportas encartado pelo ordenamento jurídico brasileiro e introduzido pelo CPC/15 é um sistema em que a justiça encaminha determinados conflitos a uma “porta” diferente da usual. Embora este seja um caminho denominado “alternativo”, tem-se defendido a tese de que tal “iter” ou procedimento nada mais é que o caminho mais adequado à solução do conflito.
Nesse sentido, o caminho concebido até então pelo ordenamento jurídico como mais viável para a solução do conflito por um terceiro investido no cargo de juiz, o qual se denomina jurisdição contenciosa, vem dando lugar paulatinamente a meios ou métodos em que o foco maior serão as partes do conflito, como se observa nos meios “alternativos” de composição de conflitos.
Este trabalho está pautado numa perspectiva de que a justiça não mais pode ser vista como um simples “balcão” de demandas/conflitos, em que as partes muitas vezes encaram os conflitos como “verdadeiras batalhas” que na verdade poderiam ser solucionadas pela atuação de uma justiça mais humana, cooperativa, conciliadora, participativa, inclusiva, que dá voz e vez ao diálogo, à conversa, ao consenso, ao acordo entre as partes.
Desse modo, buscando frear e desestimular a crescente judicialização de conflitos, uma verdadeira gana e gosto pelo simples desejo de litigar e de se processualizar os conflitos, é que o vertente trabalho vem a trazer à tona um estudo em que se encarte de forma definitiva a busca por uma justiça que se abra ao deslinde de litígios por métodos diferentes dos usuais, pois a justiça e os tribunais não servem apenas de palco para atores se digladiarem, contrariamente, constituem-se em vetores potencializadores de soluções de demandas.
Portanto, busca-se com o presente trabalho, uma pesquisa realizada por meio do método dedutivo-indutivo, abordar os aspectos favoráveis e desfavoráveis à implantação do sistema multiportas no Brasil. Procura-se envidar esforços para entender o porquê de sua implantação, ainda que deveras tardia, em solo brasileiro. Tem-se, no decorrer dos capítulos, uma fundamentação e análise da inserção de tal sistema na justiça brasileira, empreendendo dissecar tal tema como forma de entender que não se trata de “alternativos jurisdicionais”, como outrora se concebia.
Nos demais capítulos, busca-se empreender até se chegar ao capítulo denominado considerações finais ao âmago do tema, o qual se denomina múltiplas portas ou sistema multiportas, possibilitando o alcance da justiça em meio à crise instalada em nosso Poder Judiciário, que se vê abarrotado de demandas às quais diversas vezes não consegue dar uma resposta adequada.
Dessa forma, arrematando o que se vem preconizando em nosso novel diploma processual civil de 2015, o Estado atua de forma a promover sempre que possível a solução consensual dos conflitos, o que se traduz em todo o processo civil à luz do olhar constitucional do processo, a constitucionalização do processo, reafirmando princípios como razoável duração do processo, celeridade, eficiência, entre outros, que buscam em última análise incutir, sob a ótica processualista inaugurada pelo novo CPC, a desjudicialização das relações interpessoais.
Portanto, equivalentes jurisdicionais como a mediação, a conciliação e a arbitragem, são medidas adequadas às soluções dos conflitos, em meio a litígios que versem sobre direitos disponíveis. Conforme moderna visão constitucional do processo, a solução mais razoável e adequada nem sempre será proferida pelo juiz que preside a lide, fazendo as vezes de uma sentença entre as partes tais métodos compositivos.
2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO APLICADOS AO SISTEMA MULTIPORTAS
O CPC/15 inaugurou uma nova visão constitucional do Processo Civil, ao passo que a principiologia constitucional ganhou contornos de destaque com a edição do CPC/15. O legislador veio dar maior protagonismo aos princípios constitucionais dentro do próprio CPC, inclusive trazendo explicitamente no texto do CPC/15 que as normas do processo civil serão regidas pela Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, o CPC/15 acolhe uma gama de todos os princípios explicitados na CF/88, internalizando dentro do processo a função de promover uma prestação jurisdicional plena e funcional. Tal fato evidencia que o CPC/15 dispõe de diversos mecanismos de alcance do direito em uma temática anteriormente deixada em segundo plano, qual seja, a inserção de um capítulo destinado a tratar dos meios consensuais de resolução de litígios.
Os princípios têm um papel fundamental nessa configuração mais dinâmica e desburocratizada do processo civil em que se privilegiam aspectos mais pertinentes à consecução da justiça em detrimento do mero formalismo processual, outrora bastante presente no CPC/73.
Neste sentido, observa-se uma empreitada de se incutir ao processo civil princípios subjacentes ao que se preestabelece na própria carta magna de 1988, destinando-se a potencializar juridicamente o alcance jurisdicional da própria lei. Assim, o processo se torna não um óbice aos jurisdicionados para que se alcance a real e verdadeira justiça, mas um instrumento de que se valem os cidadãos para que alcancem o fim colimado, não necessariamente por meio de demandas, litígios morosos.
Daí é que se entende a noção macro e universal dos princípios como normas de caráter geral que não estão no processo como regras entabuladas de forma obrigatória e que condicionam o sujeito àquele seu parecer, mas como normas de aspecto geral que influenciam, direcionam, norteiam e instrumentalizam o processo de forma tal que podem ser chamadas de normas-princípio.
O CPC/15 traz em seu texto explicitamente que as partes devem colaborar para a obtenção da justiça, inclusive advogados, juízes, auxiliares da justiça e todos que têm participação no processo, de uma maneira geral. Nesse sentido, a judicialização dos litígios deixou de ser uma regra em nosso regramento processual civil atual, passando a ser muitas vezes uma exceção em meio a tantos modos de se possibilitar uma resposta mais célere aos embates entre sujeitos que deságuam num conflito.
Passamos à compreensão de que o conflito em seu sentido lato ou amplo exige solução em tempo razoável, hábil e adequado para que as partes adéquem a necessidade ao instrumento pelo qual conferiram a confiança e a certeza de que veriam seus direitos acolhidos. Daí se infere que o litígio levado ao conhecimento do magistrado nem sempre é a melhor ou mais adequada maneira de se pôr fim a uma demanda. Conforme o art. 4º do CPC/15, as partes têm o direito de obter em um prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º, CPC/15).
Nesse sentido, o novel diploma legal consubstancia uma mudança de paradigma adotada pelo CPC atual de adotar um sistema inaugurado pelos norte-americanos com a denominação de sistema multiportas, traduzindo-se na aplicação de um conjunto de microssistemas processuais com a finalidade de implantar na justiça várias alternativas de se reduzir o número de controvérsias levadas ao Poder Judiciário, dando-se ênfase à mediação, à conciliação, à arbitragem, à negociação direta, bem como a outros meios de dissolução de litígios.
Outrossim, levando-se em conta o uso de meios alternativos, está-se buscando também, de forma plena e eficaz, reduzir o número de demandas, visto que algumas vezes recorrer à jurisdição e protelar tais demandas consiste simplesmente em abarrotar o já combalido Poder Judiciário.
O princípio da razoável duração do processo confere aos jurisdicionados uma solução rápida de suas demandas. Por sua vertente constitucional, verifica-se que tal princípio está encartado no art. 6º, CPC/15, conforme se prevê que todos os sujeitos devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Além da duração razoável do processo, premissa esta para todo e qualquer ato processual, deve-se levar em conta que tal premissa também está no cerne do nosso ordenamento jurídico.
Podemos verificar que se pode fazer uma correlação entre a razoável duração do processo e a celeridade, uma vez que esses princípios comungam uma mesma ideia da busca pela máxima efetividade da justiça.
A própria carta constitucional evoca o princípio da razoável duração do processo, ao estabelecer que, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (CF/1988, art. 5º, LXXVIII, incluído pela EC 45/2004). Ratificando o texto constitucional, o CPC/15 veio a corroborar esse pressuposto constitucional, conforme supramencionado, e dentro das normas fundamentais do processo civil, consigna que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil” (CPC, art. 1º).
A solução do mérito da causa demanda nesse sentido uma série de medidas visando a uma integral satisfação das partes. A decisão que torna o direito desproporcional, desmedido em relação a uma parte, causa uma dicotomia entre o que se pleiteia e o que se recebe ou o que deixa ambas as partes insatisfeitas, não é a maneira apropriada ou adequada a consubstanciar o fim almejado pelo direito. Tanto é assim que atualmente utilizar-se de um sistema multiportas deixou de ser exceção em nosso ordenamento jurídico, com a criação de câmaras de conciliação e de julgamento, tribunais de conciliação e o aperfeiçoamento de métodos autocompositivos como a mediação, a arbitragem e a conciliação de conflitos.
Neste interim, podemos também evocar que às partes é dado participar comportando-se de acordo com a boa-fé, conforme se depreende do art. 5º, CPC/15, isto é, as partes devem se comprometer a agir conforme as convenções éticas e posturas, o que nos faz remeter à boa-fé predita.
Nesse sentido, O CPC/15 reverberou a regra delimitada pelo Código Civil, trazendo do direito material para o processual uma regra segundo a qual os comportamentos de todos os sujeitos processuais devem estar pautados na boa-fé em sua vertente, pois, objetiva. Claramente, esse princípio também é um norte para todo o processo civil brasileiro, vez que disciplinará e trará as diretrizes pelas quais todos os sujeitos processuais devem zelar por uma conduta/postura ética, proba e moral, a partir de uma regra ou preceito originário da premissa de que é vedado às partes o comportamento contraditório, ou seja, o “venire contra factum proprium”.
De sorte que a má-fé subjetiva ou conduta dolosa sempre foi alvo de reprimendas tanto no direito público como no direito privado, uma vez que o uso de artimanhas, simulacros, disfarces, consiste numa conduta tanto quanto dolosa e que não hoje se deve punir exemplarmente.
Convém se distinguir e delimitar que a boa-fé objetiva situa-se no plano da confiança no outro e que não se deve frustrá-la, em outras palavras, age com comportamento adequado aquele que não excede, desvirtua ou abusa de suas posições jurídicas. Já a boa-fé subjetiva compreende aquele comportamento segundo o qual o sujeito acredita estar agindo em boa-fé em sua real convicção, fruto de uma fé interna de que se age conforme a boa-fé.
Sendo assim, cabe trazer brevemente as linhas gerais sobre as quais se funda o princípio da boa-fé objetiva, conceituando-se cada instituto jurídico que ampara, edifica e traz as bases de tal princípio.
Em um primeiro momento, merece destaque a “exceptio doli”, ou seja, a exceção que tem a pessoa para paralisar o comportamento de quem age dolosamente contra si. Em seguida, explicitamos o conceito do “venire contra factum proprium”, o qual, conforme já fora exposto, constitui-se na vedação a um comportamento contraditório. Em meio a tais conceitos, surge o instituto da “supressio”, que se consubstancia na supressão de determinada posição jurídica de alguém que se crê firme ou absolutamente não passível de exercício posteriormente. Finalmente, o “tu quoque” traduz-se numa ideia de que as partes não devem exercer posição jurídica oriunda de uma violação da norma jurídica por ela mesma patrocinada.
Esse dever das partes de agir com postura íntegra, ética, conforme as diretrizes de uma boa conduta e sem ludibriar outrem, pode ser relacionado à cooperação das partes entre si, pois em uma última análise as partes estão em posições contrárias, mas não são adversárias ou inimigas umas das outras, tendo em vista que buscam um objetivo comum que é o de solucionar a lide.
Assim, após discorrer brevemente sobre institutos tão importantes e relevantes para o ordenamento jurídico, e por que não para o Processo Civil moderno, vez que o processo civil atual traz de forma intrínseca uma gama de princípios que visam resguardar as partes de comportamentos abusivos, contraditórios, vexatórios, supressores de direitos e garantias fundamentais as quais permeiam e norteiam o processo, passa-se à discussão de um outro princípio, relevante para o presente momento, que se consubstancia no contraditório como uma garantia de que tenham as partes direito de serem oportunizadas a se manifestar dentro do processo em tempo hábil para que possam exercer a sua defesa.
O contraditório se reflete ou se desdobra em outros princípios/regras as quais se têm como basilares no direito moderno, traduzindo-se na ideia de que é vedado ao juiz proferir decisões em surpresa, dando-se aos sujeitos prazo para se manifestarem. Também se desdobra no princípio em que as partes devem ser comunicadas sobre quaisquer alterações no estado do processo ou sobre manifestações de outras partes.
Conforme a lição de que resultam duas exigências deste princípio: “dar ciência aos réus, executados e interessados, da existência do processo, e aos litigantes de tudo o que nele se passa; e a de permitir-lhes que se manifestem, que apresentem suas razões” (GONÇALVES, 2016, p. 66), acentua o artigo 10 do Código de Processo Civil: “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício” (GONÇALVES, 2016, p. 67). Logo, afirma o autor que “se veda, assim a decisão-surpresa, em que o juiz se vale de fundamento cognoscível de ofício, que não havia sido anteriormente suscitado, sem dar às partes oportunidade de manifestação” (GONÇALVES, 2016, p. 67). A par dos significados extraídos do referido princípio, impõe salientar que se apresenta de forma implícita na citação das partes e intimações de atos processuais.
Passemos agora ao princípio da dignidade da pessoa humana, utilizado na fundamentação e motivação de diversos atos processuais, que se configura como um pilar fundamental dos princípios contidos na carta magna de 1988. Tal princípio é uma consagração do ideal de justiça e respeito aos direitos humanos encartados na carta magna de 1988, pois se traduz em uma garantia às partes de que sejam proporcionados todas as garantias e direitos inerentes ao ser humano em toda sua complexidade e completude.
Dignidade humana é um conceito abrangente, multifacetado, e ao mesmo tempo em que repercute em todas as esferas de nosso ordenamento jurídico, também influencia o processo civil brasileiro em todas as etapas de sua concepção, desde a fase pré-processual até o seu término, inclusive no que tange aos diversos mecanismos de dissolução de conflitos.
Nesse sentido, dignidade humana não se confunde com outros princípios, pois é um princípio sui generis que desemboca em todos os outros princípios, garantindo às partes que sejam tratadas de forma isonômica, imparcial, sem favorecimentos, discriminações e privilégios, respeitando-se suas diferenças e acautelando-se quanto as suas particularidades em um processo que deve primar pela paridade de armas e pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
O princípio da eficiência, que veio ao encontro de um processo portador de maior agilidade, com o mínimo de recurso possível alcançar a máxima efetividade, também se conforma com os parâmetros idealizados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A ampla defesa requer, em linhas gerais, que as partes devem possuir paridade de armas na defesa de seus direitos, necessitando de um apoio ou amparo técnico para que não se vejam usurpadas de seus direitos. Outrossim, confere ao sistema uma proteção às injustiças e decisões tomadas sem que se possa dar às partes a possibilidade de usufruir de um arcabouço de instrumentos legais, técnicos e jurídicos e o auxílio de um profissional da área para evitar que seus direitos sejam feridos.
O princípio da publicidade e da fundamentação das decisões pressupõe que as decisões devem ser tornadas públicas e que todas as decisões em última análise possuem uma necessária fundamentação, preferencialmente com uma motivação para que se esclareça suas razões.
A mediação e a conciliação foram alçadas à condição de normas fundamentais balizadoras e norteadoras da atividade estatal na solução de controvérsias. A regra do art. 3º representa não apenas uma simples norma estabelecida pelo legislador, mas possui uma conotação ampla sob o contexto de uma política pública a ser implantada pelo Poder Público a instalar uma cultura da não judicialização dos litígios e de estímulo aos meios autocompositivos e do sistema multiportas, preconizados por medidas como a mediação e a conciliação.
O processo civil brasileiro também preconiza que a mediação e a conciliação devem seguir princípios estabelecidos no texto processual civil, o qual passamos a analisar em conformidade com os novos parâmetros introduzidos pelo sistema multiportas de resolução de conflitos.
2.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO SISTEMA MULTIPORTAS DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS
O princípio da independência está encartado no Código de Ética e preconiza que a atuação de conciliadores e mediadores deve pautar-se pela independência de seus atos sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para o seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexigível. Esse princípio está relacionado com a atuação do conciliador e do mediador. Os referidos auxiliares da justiça não poderão sofrer pressões externas, sejam das partes, do juiz, do advogado ou de qualquer outro sujeito do processo.
Em linhas gerais, o princípio da imparcialidade consiste em dizer que conciliadores e mediadores deverão ser imparciais, ou seja, neutros com a situação apresentada pelas partes envolvidas. Em outras palavras, o conciliador e o mediador, em regra, não podem atuar se conhecer uma das partes, visto que a neutralidade na condução do procedimento será comprometida.
Já no que tange ao princípio da autonomia da vontade, também chamado de voluntariedade ou consensualismo processual, este preconiza que quem tem o poder de resolver a questão ou o impasse são as pessoas envolvidas, submergidas na situação, isto é, a decisão ou veredicto final cabe às partes. Afinal, são as partes envolvidas que devem, por meio de conciliadores ou mediadores, chegar a um consenso para que sua questão seja sanada, sem a atuação de um terceiro para interferir na decisão tomada.
Em alusão ao princípio da autonomia da vontade, consigna-se que
o princípio da autonomia da vontade aplica-se, inclusive, à definição das regras procedimentais, a serem observadas pela conciliação e pela mediação (art. 167, §4º, CPC) e permite às partes escolher de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação (GONÇALVES, 2016, p. 301).
Assim sendo, há uma construção celebrada mutuamente entre as partes, andando de mãos dadas com os interesses e os anseios destas e respeitando-se a autonomia da vontade de cada uma delas.
Passa-se ao exame do princípio da confidencialidade, o qual, a partir de sua conceituação e definição, propugna que as partes devem ser respeitadas na colheita das informações durante as sessões de mediação e de conciliação, o CPC protege o direito das partes de se ter suas informações protegidas pelo sigilo, ou seja, defender as informações de qualquer tipo de vazamento ou que elas venham a ser conhecidas por outrem. A relevância desse princípio é demonstrar o dever dos conciliadores e mediadores em guardar segredo do que for revelado na sessão de mediação ou de conciliação.
Acerca desse princípio, com fulcro no Enunciado 56 da ENFAM: “nas atas das sessões de conciliação e de mediação, somente serão registradas as informações expressamente autorizadas por todas as partes” (GONÇALVES, 2016, p. 301). Vale salientar que se o princípio em análise for violado, o mediador ou conciliador sofrerá a sanção de exclusão do cadastro de conciliadores e mediadores, conforme preestabelece o art. 173, do CPC de 2015.
Relativamente ao princípio da oralidade, este traduz a ideia de que as sessões de conciliação ou de mediação devem ser executadas ou realizadas por negociações de forma oral e sem regras formais.
Na esteira de que o processo civil está primando o conteúdo em detrimento da forma dos atos processuais, nota-se que o CPC/15, atentando para esta tendência, vem se pautando pela instrumentalidade das formas, ou seja, imprimindo uma maior informalidade ao processo, conforme se traduz que “as negociações, sugestões e discussões havidas no Centro são feitas oralmente, sem regras formais ou cerimoniais, que poderiam constranger os participantes. Não há prévia fórmula legal a ser observada” (GONÇALVES, 2016, p. 301).
Consoante consubstancia o princípio da decisão, este é corolário das decisões tomadas nas sessões de conciliação ou de mediação e corrobora a tese de que o procedimento condutivo da conciliação e da mediação deve ser conduzido pelas partes, que em comum acordo e consenso deverão decidir a questão trazida para a sessão.
O princípio da decisão informada constitui-se, conforme ANEXO III da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, “no dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido” (GONÇALVES, 2016, p. 300). Esse princípio também possui uma posição de destaque no sistema de conciliação e de mediação de conflitos. Sabe-se que o princípio da autonomia da vontade é um dos princípios que norteiam a atuação da mediação e da conciliação e os sujeitos envolvidos nos debates, acrescente-se a isso que o legislador definiu que o princípio da decisão informada também deve nortear os parâmetros estabelecidos pela conciliação e pela mediação, uma vez que, para que sejam consideradas válidas e para que reflitam a real vontade das partes, essas decisões precisam ser livres e desembaraçadas, ou seja, elas não podem estar influenciadas pelas opiniões de outras pessoas, tampouco baseadas na falta de conhecimento da própria parte sobre o âmbito e as consequências de suas decisões.
Para tanto, sem comprometer sua imparcialidade, o mediador deve prestar esclarecimentos claros e suficientes para as partes sobre as circunstâncias fáticas e jurídicas que envolvam cada uma de suas decisões ao longo de toda mediação.
No que concerne ao princípio do empoderamento do indivíduo, constitui-se em “dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição” (GONÇALVES, 2016, p. 300).
Nesse sentido, os legisladores que elaboraram a predita legislação em vigor alteraram sobremaneira o antigo enquadramento legal e jurisprudencial que somente avocavam e delegavam o juiz a possibilidade de conferir uma decisão ao litígio, assumindo as partes papel fundamental no processo e a elas oportunizando a função de compor os litígios de forma autônoma com o auxílio de conciliadores e de mediadores, que serão apenas fios condutores para que suas controvérsias sejam dirimidas. Assim, o princípio em vertente compartilha a tese de que a constitucionalização do processo civil é primordial à satisfação das partes que compõem o litígio como verdadeiros protagonistas de suas demandas.
Com fulcro no princípio da validação, consigna-se que é o “dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como seres humanos merecedores de atenção e respeito” (GONÇALVES, 2016, p. 300). Institui-se, assim, uma maior humanização do processo de resolução de disputas. Esse princípio preconiza a necessidade de reconhecimento mútuo de interesses e sentimentos. A participação de um terceiro neutro ao conflito no decorrer do processo norteia cada parte para que tome consciência dos seus interesses, sentimentos, necessidades, desejos e valores, e para que cada uma venha a entender como e por que algumas das soluções ventiladas satisfazem ou não os seus anseios.
A validação de sentimentos consiste em identificar os sentimentos que a parte desenvolveu em decorrência da relação conflituosa e abordá-los como uma consequência natural de interesses legítimos que a parte possui. Ou seja, reitera o aspecto psicológico e emocional aplicados ao deslinde e ao desenrolar dos procedimentos encartados pelo sistema processual civil por meio dos métodos alternativos de solução de conflitos.
Ademais, outro mandamento nuclear relevante a processos autocompositivos consiste no princípio da consciência relativa ao processo. Segundo esse princípio, as partes devem compreender as consequências de sua participação no processo autocompositivo, bem como a liberdade de encerrar a mediação a qualquer momento. Como corolário, por esse princípio recomenda-se que as partes sejam estimuladas a tratar a autocomposição como uma efetiva oportunidade para que se comuniquem de forma franca e direta, pois considerando a confidencialidade do que se é debatido, em mediação, elas só têm a ganhar com essa comunicação aberta.
Adiante, o princípio da competência é aquele pelo qual se estabelece o sujeito competente para presidir as audiências de conciliação ou de mediação. Tal princípio, atualmente, está em desuso no ordenamento jurídico nacional, visto que as partes podem, livremente, escolher o mediador ou o conciliador que atuará em relação ao seu litígio (MARINONI, 2016, p. 294). Conforme assevera o autor, devem estar conscientes das habilidades e capacidades desses terceiros. Ele também destaca que o conciliador ou o mediador escolhido pelas partes não precisa estar inscrito no cadastro do tribunal, nem ter se submetido a curso de capacitação anterior. Nesse sentido, Marinoni (2016, p. 295) ressalta, de forma expressa, que:
o que o qualifica é a confiança das partes (como reconhece expressamente o art. 9º da Lei nº 13.140/2016). As partes, podem, também, escolher mais de um conciliador ou mediador para seu litígio. Não havendo escolha por acordo das partes, o conciliador ou o mediador será nomeado pelo juiz, observada a distribuição aleatória, alternada e equitativa entre os especialistas cadastrados, observada a formação específica de cada um.
Esses profissionais não precisam ter qualificação técnica prévia, bastando que sejam escolhidos pelas partes para desempenho de seu ofício, ou seja, a opção por escolher mediador e conciliador é das partes que se dispõem ao processo. Nesse sentido, o que as partes precisam é que se tenha confiança, submeta-se ao crivo de que se pode entregar a controvérsia a alguém, mas o eleito deve se revestir de um caráter, uma postura que agrade a ambas as partes.
O princípio da duração razoável do processo enumera, conforme o art. 4º do CPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (Art. 4º, CPC). Marinoni (2016, p. 149), em alusão a tal princípio, se refere ao direito à tutela tempestiva preconizando que:
O direito à duração razoável do processo não constitui e não implica direito a processo rápido ou célere. As expressões não são sinônimas. A própria ideia de processo já repele a instantaneidade e remete ao tempo como algo inerente à fisiologia processual. A natureza necessariamente temporal do processo constitui imposição democrática, oriunda do direito das partes de nele participarem de forma adequada, donde o direito ao contraditório e os demais direitos que confluem para organização do processo justo ceifam qualquer possibilidade de compreensão do direito ao processo com duração razoável simplesmente como direito a um processo célere. O que a Constituição e o novo Código determinam é a eliminação do tempo patológico – a desproporcionalidade entre a duração do processo e a complexidade do debate da causa que nele tem lugar. O direito ao processo justo implica direito ao processo sem dilações indevidas, que se desenvolva temporalmente dentro de um tempo justo.
Destarte, o autor remete a ideia de duração razoável do processo a uma atividade satisfativa do Estado que respeite os trâmites legais e que, na medida do possível, funcione conforme o rito processual inerente à demanda, seu desenvolvimento dentro de um lapso temporal com o mínimo de justeza e razoabilidade.
O direito fundamental à razoável duração do processo constitui princípio redigido como cláusula geral. Ele impõe um estado de coisas que deve ser promovido pelo Estado – a duração razoável do processo. Ele prevê no seu suporte fático termo indeterminado – duração razoável – e não comina consequências jurídicas ao seu não atendimento. Seu conteúdo mínimo está em determinar: a) ao legislador, a adoção de técnicas processuais que viabilizem a prestação da tutela jurisdicional dos direitos em prazo razoável (por exemplo, previsão de julgamento antecipado parcial do mérito, art. 356 CPC, e a previsão do aproveitamento sempre que possível das formas processuais, conforme arts. 188, 276, 277 e 282, §1º, CPC), a edição de legislação que reprima o comportamento inadequado das partes em juízo (litigância de má-fé e contempto f court, conforme arts. 77 e 79 a 81 do CPC) e regula minimamente a responsabilidade civil do Estado por duração não razoável do processo; b) ao administrador judiciário a adoção de técnicas gerenciais capazes de viabilizar o adequado fluxo dos atos processuais, bem como organizar os órgãos judiciários de forma idônea (número de juízes e funcionários, infraestrutura e meios tecnológicos); c) ao juiz, a condução do processo de modo a prestar a tutela jurisdicional em prazo razoável, inclusive com a adoção de técnicas de gestão capazes de dispensar intimações para a prática de atos processuais (calendário processual, art. 191, CPC), e com a adoção de uma ordem cronológica para julgamento das causas (art. 12, CPC).
O princípio da vedação à decisão surpresa consubstancia, por força da compreensão do contraditório como direito de influência, o regulamento de que em todas as decisões definitivas do juízo se apoiem tão somente em questões previamente debatidas pelas partes, isto é, sobre a matéria debatida anteriormente pelas partes. Em outras palavras, veda-se o juízo de “terza via”. Há a proibição de decisões-surpresa (Verbot der Überraschungsentscheidungen). O direito ao contraditório promove a participação das partes em juízo, tutelando-se a segurança jurídica do cidadão nos atos jurisdicionais do Estado: as partes têm o direito de confiar que o resultado do processo será alcançado mediante material previamente conhecido e debatido. Essa nova ideia de contraditório, como facilmente se percebe, acaba alterando a maneira como o juiz e as partes se comportam diante da ordem jurídica que deve ser interpretada e aplicada para a solução do caso concreto. Nessa nova visão, é absolutamente indispensável que tenham as partes a possibilidade de pronunciar-se sobre tudo o que pode servir de ponto de apoio para a decisão da causa, inclusive quanto àquelas questões que o juiz pode apreciar de ofício (art. 10º, CPC). Fora daí há evidente violação à colaboração e ao diálogo no processo, com afronta inequívoca ao dever judicial de consulta e ao contraditório. Essa exigência, de um lado, encontra evidente respaldo no interesse público de chegar-se a uma solução bem amadurecida para o caso levado a juízo, não podendo ser identificada de modo nenhum como uma providência erigida no interesse exclusivo das partes. Isso porque o debate judicial amplia necessariamente o quadro de análise, constrange ao cotejo de argumentos diversos, atenua o perigo de opiniões preconcebidas e favorece a formação de uma decisão mais aberta e ponderada. Funciona, pois, como um evidente instrumento de democratização do processo. De outro, reforça a confiança do cidadão no Poder Judiciário, que espera legitimamente que a decisão judicial leve em consideração apenas proposições sobre as quais pode exercer o seu direito a conformar o juízo.
Como uma forma de sublinhar, contextualizar e arrematar os princípios que norteiam o sistema multiportas, viemos aqui por meio da doutrina citar “ipsis literis”, de forma que se possa concluir a importância de tais princípios à luz da nova percepção introduzida pelo sistema multiportas, frente ao processo de desaceleração e de frenagem da judicialização de demandas. Como bem ensina Marinoni (2016, p. 293):
Princípios da Conciliação e da Mediação. Devem submeter-se aos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. O art. 2º da Lei 13.140/2016 fala, ainda, nos princípios da isonomia das partes, da busca do consenso e da boa-fé. Por independência e imparcialidade, tem-se a ideia de que o mediador e o conciliador devem atuar como terceiros imparciais, sujeitando-se às mesmas causas de impedimento e suspeição impostos ao juiz (arts. 144-145, CPC). A autonomia da vontade (ou voluntariedade) significa que as partes devem ser livres para optar pelos métodos consensuais de solução de controvérsia, não podendo ser constrangidas a tanto. A confidencialidade implica o sigilo de toda informação obtida pelo conciliador ou mediador ou ainda pelas partes, no curso da autocomposição, com exceção de prévia autorização das partes. A oralidade e a informalidade devem informar os procedimentos da autocomposição, evitando-se formalismos desnecessários e burocráticos. A decisão informada (ou consentimento informado) importa a prerrogativa das partes de obterem informações suficientes a respeito da mediação e da conciliação, e de seus direitos, deveres e opções frente a esses métodos, de modo que a eleição dessas técnicas seja a mais consciente possível. O princípio da isonomia das partes significa que a mediação deve ser suficientemente atenta à necessidade de equalizar o nível existente entre as partes. A busca pelo consenso constitui explicitação da própria ideia de autocomposição. O princípio da boa-fé, por fim, impõe a promoção de um estado de confiança entre todos os participantes da mediação.
Em análise apertada, destaca-se dos princípios que norteiam a atuação do mediador e do conciliador sua autonomia, ou seja, a independência na tomada de decisões, estendida às partes que possuem autonomia para com o auxílio do mediador, conciliador e/ou árbitro também decidir livremente sobre suas questões. A participação dos mediadores e dos conciliadores deve ser livre de quaisquer suspeições e impedimentos, ou seja, não se admite que conciliadores e mediadores tenham algum propósito ou ligação para com as partes que possam desvirtuar seu papel de compor o litígio de forma isonômica e imparcial, alterando sua finalidade/objetivo de atuar com imparcialidade e isonomia, ajudando e conduzindo as partes a uma melhor decisão que vá ao encontro do interesse público e visando apenas ao comum interesse das partes.
A questão central da mediação e da conciliação é a busca por uma solução que vá ao encontro dos anseios das partes, isto é, que busque trazer ao conflito em si paz social, equanimidade, equilíbrio entre o que as partes pleiteiam e agilidade quanto ao que se busca, para que o direito não se perca, prescreva ou se torne inviável para uma das partes ou para ambas, com o seu perecimento.
3 ABORDAGEM GERAL APLICADA AO SISTEMA MULTIPORTAS DE SOLUÇÃO DE LITÍGIOS
A doutrina e a jurisprudência, de forma cristalina e acertada, aboliram a expressão meios alternativos e adotaram uma nova nomenclatura, qual seja, meios adequados. Adequados, sim, porque não há uma discriminação entre os meios de solução, sejam eles processuais ou extraprocessuais. Há, então, uma mudança de paradigma com a alteração e elevação a uma nova categoria de direitos alcançados. Entre os quais, a Constituição Federal garante aos cidadãos a razoável duração do processo. No entanto, o processo civil, buscando aprimorar e inserir no cenário da desjudicialização de litígios, bem como soluções consensuais e céleres, inovou ao estabelecer a inserção da mediação e da conciliação como meios, reservando dispositivos legais para discipliná-los. Daí adveio o estímulo que faltava para a real implantação de várias portas pelas quais os jurisdicionados podem se utilizar para chegar ao deslinde de seus conflitos, sem que necessariamente tenha que se ater a uma resposta do Poder Judiciário.
Assim, é que a devida solução do conflito não possui um caminho mais viável que outro, pois os meios não importam, desde que se encontrem os fins. Nesse sentido, observamos o princípio que norteia a instrumentalidade/instrumentalismo do processo, a forma não é importante, desde que o conteúdo da decisão possa se revestir de uma justiça para ambas as partes do embate.
Ampliando, inovando, construindo novos alicerces, o CPC/15 realmente foi ao encontro de uma sistemática inovadora e atual, pois o tema é altamente relevante nos dias atuais, diante dos anseios da população por uma justiça mais célere e dos custos arcados pelo Judiciário com a alta demanda de litígios.
Cordialidade, reciprocidade, consensualidade, todos estes vocábulos se aplicam ao que se costuma entender por autocomposição. Porém, o que é autocompor? Métodos ou soluções amigáveis? O Judiciário sempre foi palco de disputas judiciais, o que ocasionou/motivou a mudança de uma cultura da judicialização e do litígio pelo bel-prazer de se pleitear a vitória em detrimento da derrota da outra parte, ou seja, por mero capricho ou vaidade de vencer uma luta em termos processuais.
Agora, não se concebe mais o processo como simplesmente instrumento de vingança pessoal, uma máquina judiciária toda não pode ser mais movimentada meramente pelo deleite de alguém querer obter uma vingança privada de outrem ou por questões que atingem um foro tão íntimo que poderiam ser resolvidas pelos sujeitos do processo, sem a interferência do Estado-Juiz.
Portanto, uma solução amigável de litígios está imbricada e umbilicalmente atrelada ao dever de cooperação entre as partes, possibilitando suplantar por meio do emprego de técnicas de mediação e conciliação desavenças que perdurariam por anos e anos nos tribunais pátrios.
O capítulo II do NCPC de 2015, inclusive, põe em evidência a cooperação não só dos sujeitos do processo, como também dos órgãos do Poder Judiciário. Dentro desse contexto, conforme lição de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 297):
os procedimentos de mediação e de conciliação também são aplicáveis aos litígios públicos. Nesse campo, porém, é possível o emprego das técnicas para, se for o caso, a celebração de termo de ajustamento de conduta (em que o objetivo é apenas a oferta de prazo para a correção do comportamento ilegal – art. 5º, §6º, Lei nº 7.347/1985), ou ainda para a solução de conflitos envolvendo exclusivamente órgãos e entidades da administração pública.
De outro modo, podemos inferir que o sistema multiportas possui interpenetração em toda a sistemática processual civil. A litigância no direito público também exige que os órgãos atuem segundo os ditames estabelecidos pelo direito processual civil no que tange aos mecanismos de desjudicialização dos litígios, os quais permitem aos órgãos públicos celebrar acordos e convenções para que vejam suas demandas em prazo razoável dirimidas.
Na esteira desse raciocínio, dá-se azo para que as partes possam estabelecer as regras que permeiam o processo de conciliação e de mediação, promovendo acordos para que se disponham as regras de preferência, o que pode aclarar e possibilitar a resolução da demanda. Nessa linha de raciocínio, Marinoni (2016, p. 293), com relação ao procedimento, arremata que:
“as partes podem pactuar as regras da mediação e da conciliação, já que o objetivo desses métodos é alcançar o melhor resultado para seu interesse (art. 166, § 4º, CPC). Obviamente, porém, essa liberdade não pode implicar restrição a direito fundamental, nem violar a ordem pública. Os arts. 14 a 31 da Lei 13.140/2016 instituem as regras gerais aplicáveis ao procedimento de mediação.”
O CPC/2015 dá oportunidade para que as partes também celebrem negócio jurídico processual, uma forma de flexibilizar e abrandar regras procedimentais, estabelecendo, no que couber, aquilo que for mais conveniente e viável às partes. A celebração de negócio jurídico processual ganha contornos mais evidentes e um especial realce nos meios pacíficos de resolução de conflitos. Isto porque, confere a possibilidade de as partes estabelecerem um verdadeiro arcabouço de regras, instituindo-se um princípio da autonomia da vontade (art. 190, CPC/15), podendo ser estabelecidos acordos com relação ao profissional a dirigir o procedimento, quantidade, o número de sessões e inclusive sua duração.
3.1 CONCEITO DE CONCILIAÇÃO
Conciliação é a colaboração de um terceiro imparcial na tentativa de se obter a autocomposição do litígio. Nesta modalidade de meio alternativo de resolução de conflitos não há uma situação pontual entre as partes, geralmente oriunda de uma relação que não se trata de um vínculo afetivo, como se observa no direito de família. Esse terceiro possui papel ativo da autocomposição, podendo sugerir soluções para o conflito. O papel do conciliador é mais presente do que o do mediador, na medida em que sua função é sugerir alternativas para a resolução do litígio. Por outro lado, sua finalidade não é a de examinar todo o contexto do problema, devendo cingir-se à solução do conflito que lhe é submetido (solução especificada do conflito).
A lei 13.140/15 veio a dispor sobre a mediação e a autocomposição no âmbito da Administração Pública. Trata-se de uma lei que veio a possibilitar o enfoque da autocomposição no âmbito da Administração Pública, bem como assinalar os meios consensuais de solução de controvérsias, especialmente a mediação, conforme se estabelece em seu art. 1º, Lei 13.140/15 que “Esta lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública” (art. 1º, Lei 13.140/15).
Mais adiante, a Lei 13.140/15, em seu art. 1º, parágrafo único, traz em seu texto uma definição: “considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (art. 1º, parágrafo único, Lei 13.140/15).
Ademais, a Lei 13.140/15 preconiza alguns princípios que devem reger a mediação, norteando-a como meio extrajudicial de solução de controvérsias, em seu art. 2º, enumerando-se os seguintes princípios: imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.
Imparcialidade do mediador entende-se como sendo aquele princípio que confere ao terceiro investido no cargo ou função de mediador tratar as partes com isonomia e não as discriminar, ou seja, possuir a qualidade de ser equânime e condigno com suas funções, sem privilégios. Inclusive, dispõe a Lei 13.140/15 que “Aplicam-se ao mediador as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz” (Art. 5º, Lei 13.140/15).
A isonomia entre as partes conjuga-se com o princípio da imparcialidade do juiz, traduzindo a característica da igualdade ou paridade entre as partes, as quais serão tratadas pelo mediador com justiça e imparcialidade.
A oralidade se refere a uma característica absorvida da Lei dos Juizados Especiais, o que se observa com a primazia das relações entre as partes por meio da celeridade e da informalidade, privilegiando-se relações sem formalismos e sem a burocracia típica de um processo comum.
A informalidade, como princípio da mediação, reside intrinsecamente a oralidade, pois está ínsito e compreendido no princípio da oralidade, fazendo parte de seu próprio significado e sentido.
A autonomia da vontade das partes é um princípio compatível com aquilo que traduz o empoderamento das partes para a tomada de decisão e o alcance da resolução do litígio, envolvendo os atores da querela em uma tomada de posicionamento que procure tornar o método extrajudicial de mediação o mais breve e compatível com a vontade das partes.
A busca do consenso nada mais é do que um princípio que autoriza as partes a procurar uma solução que se direcione ao encontro daquilo que aquelas entendem ser a mais compatível e ponderada aos interesses que por ventura vieram a entrar em conflito. A busca pelo consenso, portanto, é um caminho pelo qual as partes procuram resolver os conflitos de forma consensual ou em comum acordo.
A confidencialidade é um princípio segundo o qual as partes devem primar por uma solução sigilosa e confidencial, ou seja, o meio extrajudicial da mediação de litígios se orienta por um processo privado e que não deve se tornar público, acessível para terceiros, pelo menos em um primeiro momento devendo-se guardar sigilo entre as partes.
A boa-fé na solução de conflitos consubstancia o caráter construtor de uma solução que não se desvirtue do interesse de possibilitar as partes que tragam relações de cordialidade e lealdade, o que requer a maior clareza e objetividade entre as partes possível.
Consiste na inclusão de um terceiro imparcial para auxiliar na negociação das partes. Sua finalidade é colaborar para que as partes cheguem, por sua própria iniciativa, a um acordo. O mediador não deve, em regra, sugerir soluções para o problema das partes, mas auxiliá-las a encontrar, sozinhas, tais soluções. Para tanto, deve ajudar a restabelecer o diálogo entre as partes, para que elas possam encontrar os pontos de divergência e consigam resolver sua controvérsia.
Convém destacar que “a mediação é a atividade de facilitação da comunicação entre as partes, objetivando uma compreensão mais apurada acerca dos contornos da situação controvertida, propiciando aos envolvidos não apenas diferentes ângulos de análise, mas, também, a posição de protagonistas da solução consensual” (MARCATO, 2018, P. 134).
Nesse sentido, interpretando-se a própria definição de mediação, “extrai-se do próprio conceito de mediação uma série de diretrizes essenciais à sua prática; contudo, com vistas ao objeto restrito desse estudo, cabe destacar o elemento da autonomia da vontade (ou da voluntariedade, da autodeterminação)” (MARCATO, 2018, P. 134).
Nesse sentido, “fica claro, portanto, que o princípio da voluntariedade permeia não apenas as escolhas relacionadas ao procedimento de mediação quando já em curso, mas, e principalmente, a própria adesão à técnica mediadora” (MARCATIO, P. 135). Reside aí significativa característica da mediação que confere empoderamento e poder decisório às partes. Logo, a mediação abarca em si um aspecto de autonomia às partes e que já haja entre elas uma relação, um vínculo preexistente.
Portanto, a mediação se reveste de um método adequado de solução de demandas/conflitos que prevê a participação de um terceiro estranho a lide. A mediação é um método extrajudicial de solução de conflitos em que uma terceira pessoa é um mediador escolhido pelas partes envolvidas no conflito, atuando como facilitador da interação e do diálogo entre as partes.
Em que pese tal conceito, Aristóteles (1987, s. p.) estabelece por meio de uma vertente filosófica que:
“O juiz estabelece a igualdade. É como se houvesse uma linha dividida em partes desiguais e ele retira a diferença pela qual o seguimento maior excede a metade para acrescentá-la menor. E quando o todo foi igualmente dividido, os litigantes dizem que receberam “o que lhes pertence”, isto é, receberam o que é igual.”
Na conformidade do pensamento de Aristóteles, pressupõe-se que a mediação serve como um mecanismo para realizar uma igualdade entre as partes, pretendendo demonstrar uma visão da justiça equânime, equitativa, igual, que se encontra num meio-termo, dando a cada um o que lhe é de direito.
Com efeito, a análise histórica de Aristóteles nos remete a uma imprecisa noção do direito e da justiça, fenômenos estes que à época do filósofo ainda enveredavam por caminhos embrionários e se revestiam num direito natural e não sistematizado, o que explica a influência determinante da filosofia em sua estrutura.
A mediação é um sistema também utilizado no Brasil e inspirado na experiência norte-americana. São três os fatores que a recomendam: a) economia de tempo e dinheiro; b) controle do processo pelas partes; c) obtenção de acordos mais satisfatórios. Economia de tempo e de dinheiro, pois há uma redução de custos, uma vez que as partes não precisam arcar com a burocracia de um processo judicial em que se deve pagar as custas processuais e os honorários advocatícios dos advogados, bem como com outras despesas que envolvem pagamento de taxas e emolumentos oriundos da justiça. Outra questão é a economia do tempo em que as partes não precisam se submeter à questão dos prazos processuais e do lapso temporal que envolve o Poder Judiciário para que as decisões judiciais sejam proferidas como despachos, sentenças, acórdãos, decisões interlocutórias e o tempo despendido para que as partes produzam provas e compareçam às audiências.
As partes, em razão da possibilidade de mediação, podem garantir que elas tenham as rédeas do processo, oportunizando que estas sejam as próprias controladoras ou administradoras de seus próprios processos. Assim, as partes têm o seu protagonismo e a faculdade de se sub-rogarem como detentoras de poder de definir de forma autocompositiva qual o destino que o processo deverá tomar diante das suas posturas. Assim, a postura das partes é determinante para a satisfação destas e de seus interesses em comum acordo, proporcionando que a decisão tomada por elas seja revestida por uma justiça e uma equidade que se fosse adjudicada pelo juiz não teria o condão de satisfazer plenamente as partes, pois o mandamento do juiz propugna a vitória ou a satisfatividade a uma parte e a derrota ou a sucumbência para a outra parte.
Daí advém que o processo judicial é mais moroso e menos célere que a alternativa da mediação, que se reveste de uma função mais harmônica e oportuniza as partes serem as próprias protagonistas do processo. Assim, com a metodologia empregada pelas partes no sistema denominado multiportas, especialmente a mediação em que um mediador já determinado e conhecido pelas partes, trata apenas de estabelecer um vínculo ou canal de mediação, equalizando as discussões e os atritos entre as partes, mas sem se imiscuir decisivamente no embate ou no debate, tendo papel apenas de ouvir e estabelecer a conexão entre as partes.
A mediação concretiza e preconiza a nova ideia de justiça multiportas de resolução de conflitos e o princípio da atipicidade, pois, como assevera Costa e Silva (2009, p. 24 apud DIDIER; ZANETI, 2018, p. 38): “Agora o direito de acesso aos tribunais é um direito de retaguarda, sendo seu exercício legítimo antecedido de uma série de filtros”. Nesse sentido, o autor empreende uma análise pormenorizada desse filtro que antecede a tutela jurisdicional propriamente dita, reforçando seu pensamento no sentido de que:
“a busca pela tutela dos direitos adequada, tempestiva e efetiva, exige a adequação do acesso à tutela, ocorrendo uma passagem necessária da justiça estatal imperativa, com a aplicação do Direito objetivo como única finalidade do modelo de justiça, para a aplicação da justiça coexistencial, uma mending justice (uma justiça capaz de remendar o tecido social), focada na pacificação e na continuidade da convivência das pessoas, na condição de indivíduos, comunidade ou grupos envolvidos” (CAPPELLETI, 2010, p. 183-200 apud DIDIDER; ZANETI, 2018, p. 39).
A mediação reflete esse novo modelo de justiça que preza pela celeridade para que as partes não tenham que esperar pela decisão adjudicada do juiz, constituindo-se um remédio adequado para curar questões antes que sejam submetidas ao crivo do Poder Judiciário.
A mediação é deveras importante enquanto consectário de uma justiça plural e síncrona, abalizando e sinalizando às partes a possibilidade em si mesmas de autocomporem demandas envolvendo interesses transacionáveis e disponíveis, declarando por elas próprias, com a intervenção/mediação de um terceiro imparcial, o direito mais adequado para cada caso concreto.
Podemos observar no CPC/15, principalmente no capítulo X, que trata das ações de família, um impulso do legislador para que seja adotada a mediação em ações que versem sobre o direito de família, o que vislumbra inovação e progresso ao adjudicar as partes soluções resolutivas apoiadas na decisão de ambas as partes da demanda e que envolvem o melhor interesse do menor, caso possuam filhos, resguardando a família e a harmonia das relações familiares.
Nesse sentido, conforme se depreende do artigo 694, CPC: “nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação” (CPC/15, art. 694). Tal dispositivo corrobora a orientação do legislador e a intenção da lei para que as partes em comum acordo busquem acolmatar seus litígios por meio de uma solução consensual.
As ações de que trata o capítulo supratranscrito também convergem com os métodos autocompositivos e flexibilizam tais meios de resolução de demandas ao introduzir que, no seu art. 696, CPC: “a audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito” (art. 696, CPC/15). Em seu art. 694, parágrafo primeiro, CPC, restitui importante disciplina em função do que se preambula que: “A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar” (art. 694, CPC/15).
Com isto, busca-se salvaguardar os direitos daqueles que procuram a mediação como meio oportuno e adequado para submeter suas demandas a um tratamento singular, por meio de um plexo de técnicas e profissionais competentes e preparados para estabelecer entre as partes um diálogo.
A arbitragem consubstancia-se em um meio alternativo de resolução de conflitos pelo qual se valem as partes de um terceiro imparcial. Mecanismo este que autoriza ao terceiro imparcial a certificação do direito, na hipótese de sua existência, dando contornos à forma de sua exata satisfação. Reside a diferença da jurisdição estatal por ser uma atividade privada, tendo por característica o fato de ser realizada somente pela vontade expressa dos envolvidos no conflito, ou prevista em contrato antecedente (GONÇALVES, 2014, p. 165).
Conforme traduz a Lei de Arbitragem, reside neste instituto jurídico uma possibilidade de se eleger um árbitro ou terceiro que irá por fim a um litígio, circunscrevendo-se a certa ou denominada natureza de demanda, segundo aponta expressamente em seu art. 1º “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1º, Lei 9.307/1996).
Com isso, a Arbitragem traduz-se numa prerrogativa tanto dos particulares em um litígio envolvendo direito patrimonial disponível quanto da Administração Pública, que se pode valer da Arbitragem, expressando tal possibilidade a Lei 9.307/96: “A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1º, parágrafo primeiro, Lei 9.307/96).
A arbitragem possui diversas modalidades pelas quais as partes podem submeter seus direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, submeter seu litígio ao juízo arbitral, entendimento capitaneado pelo art. 3º da referida Lei, o qual salvaguarda que “as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral” (art. 3º, Lei 9.307/96).
O instituto da arbitragem inclusive sufragou as partes uma maior independência e autonomia as partes, avocando-as a possibilidade, conforme art. 13, § 4º “as partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável” (art. 13, §4º, Lei 9.307/96).
Ademais, observa-se outras modalidades afetas ao instituto da arbitragem, as quais foram ramificações da arbitragem original que foram sendo desenvolvidas em decorrência da necessidade da sociedade de se valer de uma gama maior de mecanismos pelos quais se pudessem dirimir os conflitos, ampliando-se o leque daqueles que se dispõem a submeter as suas demandas a arbitragem.
Neste sentido, uma outra vertente denominada por arbitragem baseball ou de última oferta (final-offer), o que, segundo Gonçalves (2014, p. 165-166), “é aquela que tem por base os posicionamentos finais expostos pelos envolvidos em conflito, que outorgam ao árbitro o poder de decidir entre uma delas, sendo-lhe defeso concluir por uma terceira alternativa, ainda que intermediária”. Nesse sentido, a arbitragem baseball, ou final-offer, limita o poder de escolha do árbitro e, consequentemente, sua discricionariedade, restringindo seus poderes decisórios na medida em que confere às partes a prerrogativa de ofertarem cada qual sua posição.
Cumpre mencionar, em obra que perfaz estudo acerca dos meios autocompositivos, sob a perspectiva de uma justiça conciliativa, que Adda Pellegrini Grinover refere-se ao que ela denomina de “fundamentos da Justiça conciliativa” (GRINOVER apud GONÇALVES, 2014, p. 218): “para a autora, a justiça conciliativa, baseada em modelos autocompositivos ou não adversariais, possui três fundamentos básicos: o funcional, o social e o político”. Nos dizeres da supracitada autora, a justiça, em meio a uma situação de crise, especificamente por sua inacessibilidade, custo e morosidade, reproduz o fundamento de busca pela justiça, com a decorrente desobstrução do Judiciário, pela atribuição da solução de certos litígios a instrumentos que buscam a autocomposição (GONÇALVES, 2014, p. 218-219).
No que tange ao fundamento social, a supramencionada autora estabelece que a justiça conciliativa perfilha o entendimento de que consiste em sua função de pacificação social. No entanto, ressalta que, geralmente, a pacificação social não é alcançada pela sentença prolatada num processo judicial, que se limita a impor, de forma autoritária, a regra para o caso concreto, e que, na maioria das vezes, não é bem aceita pelo vencido (GONÇALVES, 2014, p. 219).
Ao passo que o fundamento político das vias conciliativas pormenoriza que a participação popular na administração da justiça é o reduto de tal fundamento, por meio da colaboração ativa do corpo social nos procedimentos autocompositivos, seja pela utilização do processo e demais meios de solução de controvérsias como veículos de participação democrática, seja pela intervenção de leigos na função conciliativa (GONÇALVES, 2014, p. 219).
Nas palavras de Carlos Alberto Carmona, a arbitragem é um meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, com a intenção de encontrar a solução para um conflito, por meio de uma convenção de arbitragem.
A convenção de arbitragem é a maneira pela qual as pessoas exteriorizam sua vontade de se submeter à arbitragem. São espécies da convenção de arbitragem a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Nas palavras de Marinoni, 2016 (p. 148):
“A ordem jurídica brasileira reconhece a possibilidade de pessoas capazes solucionarem seus litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis mediante arbitragem (art. 3º, §1º, CPC, art. 1º Lei 9397/96). O Supremo Tribunal Federal entende que essa previsão é constitucional, STF, Pleno, AgRg na SE 5206/EP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12.12.2001, DJ 30.04.2004, p.29: “Lei de Arbitragem (L.9307/1996): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte – incluído o do relator – que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória – dada a indeterminação de seu objeto – e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, consequentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9307/1996 (art. 6º, parágrafo único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, IX do CPC; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade – aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem, que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos da de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).” Submetida determinada questão cuja solução deve ser arbitral ao Poder Judiciário por conta da existência de convenção de arbitragem, tem o interessado de arguir a existência de convenção na contestação (art. 337, X, CPC), sob pena de sua omissão implicar aceitação da jurisdição e renúncia ao juízo arbitral (art. 337, §6º, CPC). Da decisão que rejeita no todo ou em parte a alegação de convenção de arbitragem cabe agravo de instrumento (art. 1015, III, CPC). Da decisão que acolhe, extinguindo o processo, cabe apelação (art. 1009, CPC).”
Nesse sentido, a arbitragem é uma forma “alternativa” de solução de conflitos pela qual as partes elegem um árbitro, imparcial, que profere uma decisão, tendo ampla utilização em julgados, conforme se verifica da doutrina e jurisprudência.
Cláusula compromissória é aquela que deve ser estipulada por escrito e inserta num determinado contrato. Pode ser firmada separadamente, porém referindo-se ao contrato principal. Dessa forma, as partes comprometem-se a submeter litígios que possam no futuro surgir com relação àquele contrato.
Compromisso arbitral é aquele também expresso por escrito, porém sem a necessidade de manifestação anterior, podendo ser firmado pelas partes, declarando a vontade de que o litígio/conflito já surgido, envolvendo direito patrimonial disponível, deverá ser solucionado por meio de arbitragem.
4 JUSTIÇA MULTIPORTAS (MULTI-DOOR DISPUTE RESOLUTION)
No que tange ao CPC/15, vê-se um nítido estímulo ao Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos, conforme se depreende que “desde a exposição de motivos do então Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, ainda lá em 2010, havia a promessa de estímulo à solução multiportas de conflitos” (MARCATO, 2018, P. 132). Some-se a isso o fato de que o Novo Código de Processo Civil contém em seu bojo a promessa de um sistema multiportas, além de incorporar a direção das normas da Resolução nº 125/CNJ, solidificando o uso dos meios consensuais de resolução de disputas (MARCATO, 2018, P. 132-133).
A necessidade de adequação da tutela dos direitos não se dá apenas na forma judiciária. O CPC/15 reconhece que, muitas vezes, a forma adequada para a solução do litígio pode não ser a jurisdicional. É por isso que o seu art. 3º reconhece a arbitragem (§1º) e declara que é dever do Estado promover e estimular a solução consensual dos litígios (§§2º e 3º). Nessa linha, o Código corretamente não alude à arbitragem, à conciliação e a à mediação e a outros métodos como meios alternativos, mas simplesmente como métodos de solução consensual de conflitos. Embora tenham nascido como meios alternativos e solução de litígios (alternative dispute resolution), o certo é que o paulatino reconhecimento desses métodos como os meios mais idôneos em determinadas situações (como, por exemplo, a mediação para conflitos familiares, cuja maior idoneidade é reconhecida pelo próprio legislador, no art. 694, CPC) fez com que se reconhecesse a necessidade de alteração da terminologia para frisar semelhante contingência. Em outras palavras: de métodos alternativos passaram a métodos adequados, sendo daí oriunda a ideia de que o sistema encarregado de distribuir a justiça não constitui um sistema que comporta apenas uma porta, contando sim com várias portas (multi-door dispute resolution), cada qual apropriada para um determinado tipo de litígio.
4.1 DA SOLUÇÃO CONSENSUAL NO SISTEMA MULTIPORTAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
O novo código tem como compromisso promover a solução consensual do conflito, sendo uma das suas marcas a viabilização de significativa abertura para a autonomia privada das partes – o que se manifesta não só no estímulo a que o resultado do processo seja fruto de um consenso das partes (art. 3º, § § 2º e 3º, CPC), mas também na possibilidade de estruturação contratual de determinados aspectos do processo (negócios processuais, art. 190 CPC, e calendário processual, art. 191, CPC). O juiz dirigirá o processo com a incumbência de promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais (art. 139, V, CPC). Os conciliadores e mediadores judiciais são auxiliares do juízo cujas atribuições estão disciplinadas nos arts. 165 a 175, CPC.
A despeito de se ter apenas um caminho para se alcançar a resposta, derivado aí de uma imposição do Estado, de forma a romper com a inércia jurisdicional, vindo as partes a pleitear o direito a uma tutela jurisdicional, os participantes de um litígio se sub-rogam no direito de se investirem como próprios “juízes” de suas demandas. Tal perspectiva manifesta-se por meio de uma possibilidade conferida às partes de não esperarem pelo Estado, mas contribuírem umas com as outras para que tenham seu bem da vida resguardado plenamente.
O sistema multiportas reveste-se dessa faceta de possibilitar o envolvimento das partes como prolatoras de suas próprias decisões, de forma compartilhada, dialogada, discutida, consensual.
No momento em que o conflito se dissolve por uma composição amigável de litígios, a letargia judiciária e o contencioso entre as partes substitui-se por uma justiça mais dinâmica e envolta por uma retomada maior de ações que visem ao desenrolar de um conflito a carrear técnicas suficientes a capitanear uma resolução amigável de conflitos.
Neste diapasão, o sistema de resolução de conflitos instituído pela hierarquização de um trinômio autor, réu e juiz vem sistematicamente sendo substituído por um mecanismo mais flexível e democrático em que a litigiosidade dá lugar a restauração das relações conflituosas, proporcionando-se reconstituir o tecido social fragmentado e recompor querelas e dissabores entre as partes.
O Direito em si dicotomiza muitas vezes e provoca o rompimento de pessoas ou categorias, instituindo diversos fatores decompositores de relações entranhadas de pequenos fragmentos que levam a deixar a sociedade num colapso de interesses.
Em contraposição a este Direito que subjuga e hierarquiza as relações sociais, estimulando a segregação social, somado ao despreparo daqueles que são formados para defender as causas sociais e os direitos das pessoas, mas que preparados tão somente a reivindicarem em juízo, treinados ao litígio, está o Direito que fomenta a não litigiosidade, contornando as situações conflituosas com técnicas atenuantes e eficazes de dissolução de conflitos.
4.2 DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS
Conflitos são, em norma jurídica, questões afetas à seara do direito entre as partes, ou seja, o direito em discussão, o embate, o entrave pelo qual as partes passam em determinada relação jurídica decorrente de uma trama em sociedade que culminou em uma disputa.
O vocábulo judicializar ou tornar judicial é a qualidade ou qualificação dada a uma querela levada ao Estado, apta a movimentar o aparelho Estatal. A necessidade de judicializar um conflito é exercida pela provocação do Poder Judiciário pela parte que se vê ferida ou ameaçada da perda de um direito, o que será decidido de forma não consentânea pelo juízo daquela comarca.
Embora fosse uma regra procurar o Poder Judiciário e movimentar toda uma máquina estatal incluindo diversos ônus e dissabores decorrentes de um processo muitas vezes lento, moroso, desgastante e deveras prejudicial ao já combalido e engessado sistema processual civil vigente anteriormente ao CPC/73, tal movimentação da máquina judiciária a mais das vezes reduzia infinitamente a possibilidade de que as partes alcançassem um resultado útil do processo dentro de um prazo razoável e com a certeza de que o direito dito pelo juiz fosse o melhor para ambas as partes.
A competência conferida ao juiz para pôr termo ao litígio há muito é objeto de questionamentos, visto que as partes, maiores interessadas na postura ágil e resolutiva da justiça, podem, a partir de uma postura ativa entre ambas, compor o litígio com uma abertura de negociações ou por mera renúncia de um direito em favor do outro. Aqui também se pode culminar a realização de um mútuo acordo por meio de tratativas em que as partes manifestem o interesse em fornecer mútuas concessões, abrindo mão de alguns pontos controvertidos para que seja com base neste mútuo acordo encontrada uma alternativa para solucionar a lide.
Com isso, urge notar que a sistemática do Novo Código de Processo Civil busca romper com a centralização das demandas no Poder Judiciário e suscitar o debate acerca de novas possibilidades de se romper com a visão arcaica e ultrapassada que vigeu anteriormente para notar que não há um método principal de resolução de conflitos.
Neste momento de ativismo judicial e excesso de demandas causando o abarrotamento e a morosidade do Poder Judiciário, não há alternativa mais viável do que a utilização de mecanismos que freiem a crise instalada no Poder Judiciário com o uso indiscriminado e abusivo da jurisdição e sua incapacidade de encampar as soluções desejadas dentro de um prazo razoável.
A crise que assola o Poder Judiciário com ênfase no abarrotamento de demandas oriundas de tribunais inferiores que cria uma massificação e multiplicação de processos sem que se tenha uma sentença a curto prazo, gerando desconforto para todos os sujeitos do processo, tem causado um descontentamento em todas as instâncias que clamam por uma justiça mais efetiva e célere.
4.3 A IDEIA DE QUE A JURISDIÇÃO É A ÚNICA VIA PARA A SOLUÇÃO DOS LITÍGIOS
A jurisdição na lição dos processualistas civis é exercida por um magistrado investido no cargo, ou seja, pauta-se pela investidura daquele que é o único que possui a faculdade de substituir a vontade das partes em uma demanda. A jurisdição é exercida por um juízo imparcial e que possui um prévio estabelecimento em seu exercício, sendo vedado que as partes escolham o juiz para aquela causa ou que ele seja concebido após ingresso em juízo, ou seja, o juiz é natural ou constitucional, predeterminado por lei.
Nessa perspectiva, a função jurisdicional é indelegável, ou seja, não pode sofrer delegação por parte do Estado e do Poder Judiciário. Aplica-se tal postulado aos juízes que sequer podem cogitar delegar a outros magistrados, a outros poderes, ou até mesmo a particulares, as funções que lhes foram outorgadas pelo Estado, uma vez que compete ao Estado a distribuição e convém ao juiz exercitá-las.
No que tange à inevitabilidade da jurisdição, o juiz tem a imposição a si próprio de exercer a função jurisdicional por meio de uma decisão judicial, substituindo a vontade das partes. A provocação consubstanciada por meio do princípio de que há inércia jurisdicional, tendo as partes o dever de instigar o exercício jurisdicional, preestabelece que as partes têm de admitir o exercício jurisdicional e que mesmo contra a sua vontade subsumem a demanda ao decisório emanado pelo magistrado. Tal característica do princípio jurisdicional da inevitabilidade também compromete o juiz que não se furte de pronunciar o direito, nem mesmo alegando lacuna ou obscuridade da lei, vedando-se o “non liquet” em seu ofício jurisdicional.
Posto o princípio da indeclinabilidade ou da inevitabilidade da jurisdição, postula o princípio da inafastabilidade da jurisdição, também conhecido como aquele que confere o controle jurisdicional, propugna que nos ditames do art. 5º XXV da constituição federal “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
A indeclinabilidade ou inevitabilidade, a inércia, a investidura e a inderrogabilidade aplicam-se a todas as demandas, quer elas sejam contenciosas ou não. Há ainda que se ventilar a possibilidade de se aplicar o princípio da inquisitoriedade nas causas de jurisdição voluntária ou graciosa.
Neste caso de jurisdição graciosa ou voluntária, não há que se confundir com meios alternativos ou autônomos de solução de conflitos, uma vez que aqui não há o Estado abarcando as relações entre as partes, como uma figura central, mas as partes em si buscam através do diálogo solucionar o litígio.
Assim, quebra-se o paradigma de que o único caminho ou “iter” viável à concretização da solução de um litígio consubstancia-se apenas naquele que leva aos caminhos do Poder Judiciário às partes para estabelecer uma relação triangular, qual seja, autor, réu e o Estado-juiz como interlocutor de uma decisão que via de regra traduz-se numa solução muitas vezes fora do tempo razoável e objeto de inúmeros e infindáveis recursos procrastinando a solução do feito.
Nesse sentido, os conflitos oriundos de uma jurisdição contenciosa tornam o processo em si moroso, até mesmo pelas deficiências técnicas, humanas, estruturais e comportamentais inerentes ao ser humano, que busca a todo custo a retomada de uma discussão por se estabelecer um sem-número de recursos através dos quais as partes podem rediscutir a matéria em âmbito ou instâncias superiores, o que vem tornar soluções possivelmente viáveis em batalhas judiciais travadas com fundamento em teses jurídicas que respaldam suas contestações, embargos, apelações, agravos por instrumento, reconvenções, entre outros meios dialéticos de se rebater um argumento na doutrina jurídica.
A lide temerária também é uma questão bastante controvertida que atinge a processualística civil costumeiramente utilizada nos processos em que, em função de alguma razão, a questão tornada a pauta do processo obviamente deriva de uma questão ilegal ou ilícita tomada a cabo por uma das partes, tendo como expressão, manifestação, em exemplo prático, a junção do advogado de uma das partes com o seu cliente, para que por meio do instrumento processual obtenham vantagem indevida, falseando a verdade e conduzindo por meio de uma indução o juiz ao erro de fato ou de direito, circunstanciando o juiz a alteração dos fatos inverídicos.
Tal prática ilícita e irregular também pode se traduzir em um das problemáticas que permeiam a jurisdição em sentido amplo ou lato, vez que com a instalação de lides temerárias constrói-se um simulacro em que um dos polos da demanda se sub-roga num direito lastreado em falsidades ou inverdades e que vão trazer consequências drásticas caso isso não seja evidenciado a tempo de se promover a interrupção de tal prática fraudulenta.
Tal contexto no qual se insere a atividade jurisdicional reproduz um cenário político, social, econômico, sociocultural e costumeiro por que passa nosso país, que enfrenta uma crise moral, ética, política e social, elevando-se as taxas de corrupção e a sensação de que muitas vezes até mesmo os instrumentos pelos quais foram legítimos protetores dos interesses de uma sociedade mais justa, igualitária, harmônica e com justiça social, são utilizados como mecanismos de fraude, as quais podem ser evitadas ou minimizadas, caso se tenha uma sistemática introdução de um sistema multiportas que não seja tradutor de uma vitória ou de uma derrota, mas a vitória da democracia e do Estado Democrático de Direito.
5 O SISTEMA MULTIPORTAS SOB A ÓTICA DO DIREITO COMPARADO
Os processos alternativos de resolução de conflitos possuem algumas peculiaridades, quais sejam, eficiência, confidencialidade, competência e imparcialidade do terceiro facilitador do diálogo (SALES; SOUSA, 2014, p. 380). A prática desses mecanismos ganhou uma maior visibilidade nos Estados Unidos durante a década de 1970, quando o então presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, W. Burger, apontou para a exigência do emprego dos processos de negociação e de arbitragem (SALES; SOUSA, 2014, p. 379).
No ano de 1976, realizou-se uma Conferência nos Estados de Minnesota, nos Estados Unidos, mais conhecida como a “Pound Conference”, onde foi salientada a crise na Administração da Justiça e a insatisfação da população norte-americana com o Poder Judiciário, sendo demonstrados vários meios (alternativos) de composição de conflitos, os quais tinham por fundamento o poder de determinação das partes envolvidas e a comunicação e ficaram conhecidos como ADR’s – Alternative Dispute Resolutions (Meios alternativos de resolução de conflitos) (SALES; SOUSA, 2014, p. 379).
Entretanto, as cortes americanas iniciaram a usufruir dos ADR’S como uma forma de atender a eficiência processual e a qualidade do exercício do acordo como prevenção de litígios.
Em países europeus, em alusão à prevenção de litígios, especialmente na Inglaterra, onde a prática é comum, estabelece-se diversas etapas pelas quais se deve respeitar e, restando infrutíferas as etapas de negociação e de mediação, aí sim recorrer-se-á a chamada jurisdição estatal:
“esta possibilidade é comum na Inglaterra, onde se popularizou a utilização da chamada cláusula de resolução de disputas em multicamadas, que, combinando mecanismos de ADR (alternative dispute resolutions), estabelece a necessidade de que a tentativa de resolução da disputa seja feita, inicialmente, por meio de negociação entre as partes, posteriormente por meio de mediação, e, somente em não havendo sucesso nessas duas tentativas, por meio de ação judicial” (ANDREWS, Neil, 2012, P. 281)
Neste sentido, a resolução de disputas em países como a Inglaterra se vale de uma justiça restaurativa e participativa, evidenciando-se a tendência jurídica mundial e o direito comparado de se avocar às partes a defesa e resolução de seus próprios interesses.
Neste diapasão as multicamadas por que passam as demandas na justiça previnem uma possível litigiosidade excessiva nestes países que procuram incutir uma cláusula de resolução de disputas, por meio da qual as partes podem se utilizar de uma combinação de mecanismos de ADR’s (alternative dispute resolutions) ou meios alternativos de resolução de conflitos para que se previna uma possível ação judicial.
O direito comparado é campo fértil para que se possa enveredar por uma análise mais profunda e pormenorizada do Sistema Multiportas de Solução de Conflitos, e no caso específico dos países que adotaram alternativas a fim de se prevenir as ações judiciais, com o fito de reduzir de forma sensível o número excessivo de ações que abarrotam os tribunais de todos os países em escala global.
Adentrar no sistema jurídico destes países, verificando-se as técnicas mais utilizadas para se chegar a uma solução para o conflito constitui-se de interessante estudo que focaliza não só o aspecto jurídico intrínseco a estas sociedades, como também as nuances culturais, políticas, filosóficas, sociais e sociológicas.
Como fora pormenorizado, os processos de inclusão das formas não convencionais ou alternativas de solução de conflitos veio a se espraiar em escala mundial e global, decantando uma quantidade capaz de construir soluções amigáveis e pacíficas de soluções para as demandas entabuladas pelas partes.
5.1 O SISTEMA MULTIPORTAS SOB A ÓTICA DO DIREITO DE FAMÍLIA
Diferentemente de outros ramos do direito, o direito de família envolve uma carga emocional e psicológica entre as partes que reclama uma decisão mais ponderada, guardando as peculiaridades de cada questão, seja ela um casamento, divórcio, guarda de filhos, entre outras.
O CPC/15 privilegiou os métodos autocompositivos nas causas de família, priorizando o consenso entre aqueles formadores da relação conjugal ou união estável, com vistas a priorizar a família, entidade familiar que constitui a base da sociedade. Por se tratar de uma área em que as partes possuem amplo liame e conexão tanto familiar quanto emocional, o conflito envolvendo a família constitui-se em um contexto de maior proximidade e afetividade entre as partes, denotando uma maior possibilidade de alcançar a tão almejada conciliação por meio de acordos propostos pelas partes, já sabedoras das dificuldades e conflitos por que passam.
Tendo em vista o vínculo preexistente entre os atores da relação familiar, quais sejam marido e esposa, e o vínculo afetivo extremamente presente nas relações familiares, surge aí um desafio maior para a justiça, por meio da qual se vale de mediadores para facilitar o diálogo entre as partes, ou de conciliadores para que se permita às partes o afloramento de debates e ideais, empreendendo esforços e dando sugestões para que os caminhos da conciliação sejam permeados e efetivos.
O tratamento adequado de um conflito sob a ótica de um direito comparado, tem-se, posto a crise pela qual se enfrenta o monopólio estatal de jurisdição e sua estrutura precária e deficiente, a construção de um sistema multiportas, ao qual tem imposto aos operadores do direito refletir e repensar o atual sistema e buscar novas ferramentas de substituição ao modelo antigo em que se originava uma relação triangular, estado-juiz, autor e réu, e que hoje se alça a uma relação plural em que todos os sujeitos são autores e protagonistas de um direito que busca dinamizar, dialogar e maximizar as possibilidades de uma tutela justa e efetiva frente aos anseios de um estado democrático de direito e de uma sociedade multifacetada.
6 DOS CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO CONSENSUAL DE CONFLITOS
Os CEJUSC’s, mesmo com sua implementação em 2010, se mostram como mecanismos de solução de conflitos com baixa abrangência nos poderes judiciários estaduais (MARZINETTI; MIGUEL, 2018, p. 23), dado que ainda desestimulam e desembocam numa sobrecarga de processos na justiça estadual.
O art. 165 estipula que os tribunais devem criar centros judiciários de solução consensual de conflitos, aos quais caberá a realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e o desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição (REDONDO, Garcia, 2016, p. 220).
O art. 167 do CPC admite o exercício não somente de mediadores e conciliadores judiciais, como também de câmaras privadas de conciliação e de mediação (REDONDO; Garcia, 2016, p. 221). Todos devem se inscrever em cadastro nacional e em cadastro de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal, a quem compete manter o registro dos profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
É possível que a conciliação e a mediação sejam feitas por um profissional que não seja da área de atuação e mediante trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal (art. 167, §1º). Vem-se adotando, conforme dispõe o CNJ, a criação de núcleos permanentes de métodos consensuais de solução de conflitos, como meio de se solidificar no Judiciário brasileiro o sistema de múltiplas portas, oportunizando ao jurisdicionado estrutura física e pessoal adequados para incentivar, orientar e realizar composições. Conforme acentua o § 1º do art. 165, as normas do Conselho Nacional de Justiça definirão a composição e a organização dos centros judiciários de solução consensual de conflitos.
Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos ou CEJUSC’s funcionam como unidades do Poder Judiciário que vêm a recepcionar os jurisdicionados interessados, atendendo-os de forma humana e particularizada, inclusive dispondo de um setor de cidadania, onde será inaugurado o primeiro contato do jurisdicionado com o Centro, ambientando-o e familiarizando-o. Tal Centro oferece o amparo e o suporte necessários para que o cidadão tenha informações sobre onde poderá encontrar uma solução para o seu problema e por qual caminho deverá seguir, se o da conciliação ou o da mediação.
Nesse sentido, o usuário do serviço, ao chegar ao centro judiciário, noticiará qual a sua necessidade ou demanda, o qual será instruído sobre as características, vantagens, desvantagens da mediação e da conciliação, com audiências determinadas na fase pré-processual, se assim for do seu desejo, ou será encaminhado a outros setores para que possa solucionar a sua demanda.
Convém asseverar que em apenas duas hipóteses as audiências de conciliação e mediação não serão realizadas, conforme assegura o art. 334, § 4º: se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual (inciso I), ou quando o direito não admitir a autocomposição (inciso II). Quanto à dispensa da audiência por vontade das partes, é essencial a unanimidade de vontades no sentido da não realização. Expressamente corroborando, reverberando e taxativamente ratificando tal dispositivo, conjugando-se o art. 319, VII c/c o art. 334, § 5º, CPC/15, a audiência somente não será realizada se todas as partes livremente expressarem a vontade de dispensá-la. Nessa mesma vertente, em caso de litisconsórcio, o desinteresse na concretização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes (art. 334, §6º, CPC/15).
A escolha pela dispensa da audiência é que deve vir expressa e manifesta, e ao contrário, o interesse ou vontade pela sua realização não obriga a que as partes declarem, em sentido inverso à dispensa, já que que esta decorre de lei, conforme expediente estipulado e regrado pelo padrão do procedimento múltiplas portas ou justiça multiportas de solução de conflitos e litígios.
A justiça multiportas retroalimenta e compartilha de uma manifestação de justiça coparticipava e plural, realinhando as partes como co-autoras de uma perspectiva ampla e afirmadora de valores, sublinhando métodos mais eficazes e alinhados com uma realidade de sociedade em que se busque uma aliança e pacificação social e de conflitos.
As técnicas ampliam a capacidade jurídica e os meios pelos quais as partes podem contornas seus conflitos, o que fortalece e revigora amplamente os Centros Judiciários de Resolução de Conflitos “Cejusc’s” e as relação sociais que sofrem rupturas por meio das antigas decisões proferidas por meio do modelo antigo de justiça em que se sub-rogava as decisões ao Estado-Juiz, unilateralizando os destinos do processo, o que vai gerar intensos desgastes e aborrecimentos para ambos em função de uma sobrecarga emocional e psíquica adjudicando-se vencedor e vencido.
Nesse caso, o autor tem de indicar na petição inicial seu desinteresse (art. 319, VII, c/c art. 334, §5º, CPC/15), e o réu indicar seu desinteresse na autocomposição por meio de petição, invocada com dez dias de antecedência, a contar da data da audiência (art. 334, §5º, CPC/15).
A Resolução nº 125/10 do Conselho Nacional de Justiça implantou a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos. Através dessa política de desjudicialização dos conflitos, objetiva-se oferecer às partes novos caminhos para que se valham de processos alternativos ou não conflitivos de solução de controvérsias, ensejando uma busca pelos meios mais eficazes e menos tortuosos para que as partes autocomponham seus conflitos.
7 DESAFIOS, EMPECILHOS E A IMBRICADA ESTRUTURA JURÍDICA QUE NÃO PERMITEM ÀS PARTES BUSCAR ALTERNATIVAS SENÃO A JUDICIÁRIA E O SISTEMA MULTIPORTAS
O excesso de procrastinação, a morosidade, a aplicação de decisões conflitantes, divergentes e que não respeitam a similitude e a coerência do caso concreto aplicado ao direito, colocam em xeque os métodos convencionais que se encontram arraigados e incrustados no sistema jurídico pátrio. Nem sempre o meio melhor para mim será o melhor para você. Como se vê, na vida real as pessoas querem aplicar um método universal para todo e qualquer problema, sem considerar suas particularidades.
Em uma analogia com a vida real, nem sempre as necessidades e as expectativas geradas se aplicam a todas as pessoas. Existem pessoas que se satisfazem com pouca coisa, outras querem mais para satisfazer seus anseios pessoais. Há pessoas que não se interessam se estão participando ou não do processo de construção das suas vidas e outras pouco se importam.
Assim, conforme preceitua o dispositivo processual civil inserto no art. 2º: “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Esse princípio costumeiramente aplicado pela doutrina reafirma aquilo que se traduz de princípio da demanda ou princípio dispositivo em sentido material. Demandar implica provocar a jurisdição para que o juiz, após o estímulo das partes, aplique o direito ao caso concreto, ou seja, o chamado impulso oficial.
No entanto, o princípio da demanda pode ser horizontalizado ou esgarçado em duas ideias básicas que o compõem em duas vertentes: o aforismo nemo iudex sine actore traduz a necessidade de pedido da parte para que se inicie o processo; o ne procedat iudex ex officio concerne à amplitude que se deve outorgar aos poderes do juiz, uma vez já instaurado o processo (MARINONI, 2016, p. 145). Busca-se mitigar esse princípio com soluções pacíficas, harmoniosas e com a conjugação de ambas as partes em um processo de autocomposição de conflitos.
Quanto ao impulso oficial, a marcha do processo pode se dar por meio das partes ou por meio do juiz. O princípio beneficia ou privilegia que seja dado ao juiz a prerrogativa de dar impulso ao processo, conforme foi consagrado e cristalizado no nosso país. No entanto, há que se relativizar tal princípio, pois há aqueles métodos adequados que vão de encontro ao impulso oficial, dando às partes a oportunidade de se porem como verdadeiros juízes de suas demandas.
8 O PROTAGONISMO/ATIVISMO JUDICIAL E OS REFLEXOS SOBRE O SISTEMA MULTIPORTAS
O ativismo judicial é tendência no panorama jurídico atual. Com a crescente crise e o afundamento das instituições, o Poder Judiciário vem ganhando um protagonismo crescente e interferindo nas demais searas, quais sejam, o Poder Legislativo, bem como o Poder Executivo, para suprimir e frear desmandos e abusos, bem como controlar o desenfreado e corriqueiro conflito existente entre poder público e particulares.
O ativismo judicial se observa em diversas situações que envolvem a atuação do Poder Legislativo (comunidade política), que não atende de forma prestativa e eficiente as demandas sociais, ocorrendo muitas vezes uma lacuna em setores públicos como a saúde, a educação, a segurança, daí se observando a necessidade de o cidadão arguir a intermediação ou a intercessão do Poder Judiciário para que tenha suas demandas resolvidas e absorvidas.
Nesse sentido, a mobilização da musculatura jurídica para sanar questões de políticas públicas e sociais realça uma dicotomia entre a disciplina constitucional e a realidade fática observada no meio social.
Resta claro e evidente que o ativismo judicial é uma tentativa mais contundente de o Judiciário abarcar questões constitucionais. Diferentemente do ativismo judicial, o fenômeno da judicialização processual encerra significado diverso que tangencia a superprodução ou massificação de ações na justiça, sujeitando a justiça à proliferação de demandas (a explosão da litigiosidade).
Como bem se observa, a judicialização processual é um fenômeno intrínseco ao sistema jurídico brasileiro, uma vez que a justiça ainda é o mecanismo mais recorrido para solução, beirando à cultura do litígio. A via adjudicativa da jurisdição estatal, portanto, consubstanciado pela inafastabilidade do poder judiciário, ainda é a forma mais comum de acesso à justiça.
Conforme assevera Marzinetti (2018, p. 50): “Diante disso se percebe haver na literatura especializada uma tendência relevante a realizar tal conexão entre a ideia de acesso à justiça e a ideia de acesso ao Poder Judiciário”. Ainda segundo esse autor, “O tema em pauta ainda possui, como se nota, a vinculação do princípio de direito fundamental de acesso à justiça atrelada à ideia de inafastabilidade da jurisdição, exposta na Constituição Federal” (MARZINETTI, 2018, p. 57).
Outrossim, até mesmo os meios adequados para solução de conflitos ou métodos autocompositivos, muitas vezes pressupõem a jurisdição para que se iniciem. A audiência de conciliação ou mediação se dá muitas vezes de forma processual, após a citação das partes.
O protagonismo das cortes superiores se espraia para além das questões jurídicas, atingindo o campo político e o próprio noticiário policial. Juízes capitaneando operações de combate à corrupção e às mazelas e desmandos oriundos das outras esferas de poder como o legislativo e o executivo contribuem para isso.
Tal panorama sociopolítico brasileiro contribui para esse crescente protagonismo judicial, uma vez que o noticiário televisivo encontra-se repleto de notícias atinentes ao arcabouço e ao contexto jurídico, focalizando e trazendo à tona a atuação judicial em pleno vapor como verdadeiros “messias” ou “salvadores da pátria”, diante da desordem que assola e se imiscui em diversos segmentos sociais.
Tal crise gerada por fatores sociais, políticos e econômicos pode desembocar em um ativismo judicial sem precedentes, o que poderá repercutir de forma negativa em nosso país, com o agravamento da crise inclusive do Poder Judiciário, já abarrotado e encharcado por demandas.
Diante desse cenário adversarial e conflituoso por que passa a justiça e contextualizando-se com a descrença populacional nos demais poderes, evidencia-se que o Poder Judiciário ocupa, mesmo que com alguns casos de corrupção e escândalos entre juízes e desembargadores, é a instância que ainda possui certa credibilidade diante da população brasileira.
Recentemente, realizando um paralelo com a temática ora analisada, pode-se destacar que os ministros do STF se veem assoberbados de processos e que muitos deles versam sobre questões insignificantes ou de menor repercussão que poderiam obter uma solução antes mesmo de movimentarem a musculatura e os tecidos judiciários estatais.
Isto é, a cultura do litígio em vez de significar uma saída para a pacificação social, vem se consubstanciando numa saída pouco viável e inócua em torno da crise que perpassa os poderes legislativo, judiciário e executivo. Acentuam-se erros judiciários que vêm a aclarar e evidenciar a falibilidade de magistrados em torno de sua atuação jurisdicional. Entretanto, a cultura de litígios vem sendo refutada e amenizada por uma onda de acesso à justiça ou a efetivação do acesso à justiça são realidades já cristalizadas ao menos em outros países, conquanto no Brasil ainda estejam em processo embrionário ou inicial.
9 A DESCONFIANÇA NA JURISDIÇÃO E NO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO
A crise por que passa o Poder Judiciário pode ser nitidamente observada e manifestada através daqueles que mais precisam e se utilizam dele, o jurisdicionado, buscando pacificar ou minimizar seus conflitos. No entanto, a evolução da legislação processual brasileira, nitidamente expressas com a adoção da Lei de Arbitragem e as Leis que regulamentam a mediação e a conciliação, bem como não se pode esquecer a instituição dos Juizados Especiais nos âmbitos estaduais e federais e o CPC/15, que configuram uma ruptura com o antigo regime adotado pelo Judiciário brasileiro.
O atual panorama normativo e jurídico brasileiro nos conduz a uma trilha no caminho das soluções alternativas (ou extrajudiciais) de conflitos, gerando uma quebra com o monopólio Estatal. Tal dinâmica outrora impossível de se imaginar, já que o empoderamento do Estado era nítido para solucionar os conflitos, depositando uma enorme parcela de confiança em sua competência de por fim aos conflitos de uma complexa sociedade, mostrou-se inoperante na medida em que foram surgindo conflitos de diversas naturezas e graus de complexidade nas sociedades que em uma maior reflexão dos juristas seria melhor resolvido de forma autônoma e consensual entre as partes.
No entanto, buscando reduzir a autotutela dos indivíduos e a decisão tomada de forma unilateral, o que é observado ainda na legítima defesa e na manutenção da posse, menção feita ao art. 1210 do CC, o que inclusive gera o direito de sequela e de defesa da propriedade por meio da força, o Estado foi a solução encontrada para retirar a decisão dos conflitos das mãos da sociedade e colocar o Estado imparcial, isonômico e soberano.
Superada esta etapa da resolução de conflitos por meio da força e do mais forte subjugando o mais fraco, veio conforme assinalado o Estado protagonizar o centro de todos os litígios.
Posteriormente, contribuindo com a redução de demandas veio a se disponibilizar métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, possibilitando-se o alcance de uma justiça concatenada com os anseios da sociedade, em que se busca uma maior assunção de poderes as partes.
Por consequência, realiza-se uma filtragem das querelas que por meio de um juízo arbitral, conciliação, mediação ou demais métodos extrajudiciais, logrando-se uma maior redução dos problemas enfrentados pelo Judiciário.
Segundo levantamentos estatísticos e opiniões dos mais amplos setores sociais, evidencia um descrédito em relação às instituições e ao Poder Judiciário. Conforme a opinião externada pelos jurisdicionados, não se deixa qualquer dúvida do impacto da crise do judiciário diante da sociedade (MARZINETTI, 2018, p. 86):
“De maneira geral, os entrevistados consideram que o Judiciário presta um serviço público lento, caro e difícil de utilizar. Para 88% dos entrevistados o Judiciário resolve os conflitos de forma lenta ou muito lentamente, 77% disseram que os custos para acessar o Judiciário são altos ou muito altos e 67% dos entrevistados acreditam que o Judiciário é difícil ou muito difícil para utilizar. Outros três problemas apontados pelos entrevistados são a falta de honestidade (64% dos entrevistados consideram o Judiciário nada ou pouco honesto), a parcialidade (61% dos entrevistados acreditam que o Judiciário é nada ou pouco independente) e a falta de competência para solucionar os casos (56% da população entrevistada classificam o Judiciário como nada ou pouco competente) (Fundação Getúlio Vargas, 2014, p. 13).”
À guisa de tais dados, restaura-se uma vez mais a falta de condições e a capacidade física, estrutural e de recursos humanos para que o Judiciário venha a comportar tamanho afluxo de demandas judiciais, conforme apontado pelo estudo da Fundação Getúlio Vargas.
Tamanho volume de trabalho é de tal forma um dos principais problemas que afetam o desenvolvimento de um maior desempenho do judiciário brasileiro, mas, conforme aponta a pesquisa, não só isso, mas a improbidade e a falta de moralidade no trato com as questões que batem às portas do Judiciário vêm deixando insatisfeitos e revoltados alguns jurisdicionados. Some-se a isso o fato de que o Judiciário brasileiro e o sistema que abarca as questões atinentes às demandas ainda dependem de uma estrutura mais ampla e eficaz e de profissionais treinados para que possam acolher tais demandas, encaminhando-se aquelas que não necessitam serem judicializadas para uma outra via ou alternativa mais adequada, através de métodos como a mediação, a conciliação e a arbitragem. Observa-se, conforme acentua Gonçalves (2014, p. 231), que
“a cultura demandista ainda é preponderante nos dias atuais. Em grande parte, isso é devido ao ensino jurídico brasileiro, que perpetua há dezenas de anos o que se denominou de arquétipo da judicialização, formando uma espécie de modelo cristalizado que se manifesta por um conjunto regular e uniforme de práticas jurídicas e sociais, ainda que de forma inconsciente.”
Nesse sentido, os profissionais e operadores do direito formados nas faculdades e universidades jurídicas absorvem a cultura do demandismo antes de ingressarem em suas profissões, o que acentua a problemática da judicialização exacerbada no Brasil. Tal fato se observa na medida em que as faculdades de direito não possuem ainda uma cadeira optativa ou obrigatório sobre os meios consensuais de resolução de conflitos.
Percebe-se ainda hoje que o ensino jurídico nas faculdades de nosso país forma profissionais prontos para demandar em juízo, peticionar, opor recursos, contrarrazoar e realizar audiências de instrução e julgamento, mas não foram preparados devidamente para realizarem acordos, convenções, conciliações e mediações.
Tal fato sintetiza e ilustra a atual situação do ensino jurídico no país, que forma profissionais em direito, como magistrados, promotores, defensores públicos, advogados, procuradores e desembargadores, entre outras classes relacionadas ao labor jurídico sob o viés da tríade juiz, autor e réu, trinômio este que dita uma série de controvérsias e infindáveis querelas judiciais.
À medida que novas demandas versando sobre mesma questão de direito vem a adentrar as portas do Poder Judiciário, muitos recursos são despendidos para que a solução de um processo venha a ser encontrada com a sentença de um juiz.
Atualmente, o problema das questões repetitivas ou que versem sobre mesma questão jurídica foi mitigado pelo instituto do IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – que dá ao juiz um amplo instrumento de redução de custos e de tempo com matérias que permeiam o mesmo campo jurídico, resolvendo-se a uma só vez um sem número de demandas.
Mesmo assim, ainda há uma grave questão com o custo do processo. Tal custo em si é bastante alto tanto para as partes, com o custeio de advogados e outras providências, quanto para a própria justiça que vai movimentar sua máquina judiciária, utilizando-se de recursos específicos para que cada ação seja colocada em pauta e resolvida dentro de um prazo que muitas vezes não é razoável para as partes.
Assim, abarrotam-se e congestionam-se milhares de processos e pilhas de atividades a serem desenvolvidas por juízes e auxiliares da justiça, que diante de tal volume de trabalho não conseguem dar conta de tamanhos afazeres, gerando insatisfação aos jurisdicionados e uma série de problemas ao Estado-Juiz.
9.1 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO
O princípio do acesso à justiça possui como pilar a Constituição Federal e o Código de Processo Civil, primando pelo direito do cidadão de obter da justiça uma ampla e irrestrita satisfação dos seus direitos fundamentais por meio da garantia de acesso às instituições que compõem o Poder Judiciário, reduzindo e amenizando possíveis transtornos, obstruções, ruídos entre jurisdicionados e a justiça em si mesma.
A eficácia vertical dos direitos fundamentais aplica-se às relações entre a Administração Pública e os particulares, tendo como fundamento que os direitos dos particulares/jurisdicionados não serão transgredidos, sob hipótese alguma. Tal fato possibilita aos particulares, sob a ótica constitucional, resguardar direitos inerentes a sua própria condição de ser humano, como saúde, educação, dignidade da pessoa humana, trabalho, saúde, lazer, salário mínimo, livre arbítrio, contraditório e ampla defesa, proibição de condutas que violem sua intimidade e vida privada, entre outros direitos.
O princípio da dignidade da pessoa humana permeia todas as relações intrínseca e extrinsecamente, vertical e horizontalmente, uma vez que repercute em todas as esferas dos outros direitos inerentes ao indivíduo, servindo de vetor jurídico fundamental e baliza para uma sociedade plural que confira aos indivíduos a máxima efetividade dos direitos humanos.
A efetiva aplicação da dignidade da pessoa humana na esfera dos direitos a uma adequada e justa solução dos conflitos requer dos setores e atores uma congregação de esforços no sentido de proporcionar ao cidadão ao qual a tutela efetivamente será prestada que se veja amparado por um verdadeiro plexo de mecanismos jurídicos capazes de suportar e efetivar o alcance de sua dignidade como pessoa humana, servindo como supedâneo processual para que os jurisdicionados se vejam imbuídos e dotados de um poder resolutório imanente a sua própria condição humana.
O princípio do acesso à justiça tem também como um de seus pilares a tutela em tempo razoável, ou seja, a decisão da justiça deve se revestir em tempo hábil para que não haja o perecimento do direito. Neste sentido, o acesso à justiça de nada adiantaria se o direito em questão fosse dado em tempo inábil a sua fruição pelas partes, porquanto a tutela jurídica justa deve ser dada em um tempo que possa ser usufruído integralmente pelas partes.
Daí deriva-se a importantíssima disciplina inaugurada pelas tutelas provisórias insertas no CPC/15, classificadas como tutelas de urgência e de evidência, que buscam antecipar a tutela dada as partes em um processo, conferindo uma satisfação antecipada dos efeitos do objeto pedido pela parte ou simplesmente a proteção ao direito posto em juízo e a garantia de que não pereça. Tutelas de cognição sumária amplificam e potencializam o exercício da justiça e o viés democrático-jurídico de um ordenamento jurídico, prezando pelo fornecimento da tutela devida a cada situação ao jurisdicionado.
As tutelas provisórias assim corroboram o compromisso da justiça em fornecer as partes uma tutela adequada e ao tempo em que precisam, possibilitando-se aqueles que tem pressa e urgência que seus direitos sejam realmente garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, baseada em uma cognição sumária, sem que se incorra em perdas ou perecimento devido a natureza do direito e não apenas exaurindo o direito, que se estabelece com o provimento jurisdicional por meio da sentença e o princípio da livre convicção motivada afeto aos mecanismos que o juiz possui para dar seu veredicto.
Assegurando-se de modo que o direito posto em juízo não seja prejudicado pelo decurso excessivo do tempo ou pela necessidade urgente da parte em ver seu direito contemplado, está-se garantindo em última análise a proteção e a garantia de que os direitos fundamentais daquele que está, por exemplo, prestes a ser acometido de uma doença incapacitante ou que leve ao óbito acaso não receba seu medicamento em tempo para curá-lo, seja resolvido pela satisfação com a entrega do medicamento aquele que precisa.
A satisfação do direito fundamental à saúde, contemplando um dos vetores essenciais à vida em sociedade, possui estreita ligação com o direito à própria existência digna, possuindo o Estado como um de seus maiores propulsores e garantidores de tais direitos à coletividade.
Além da questão das tutelas antecipadas ou tutelas de urgência, as quais foram há pouco tempo palco de intensas e profundas mudanças em função de sua nova sistematização pelo CPC/15, disponibiliza-se novos modelos de tutelas provisórias como evidência e urgência, respaldando-se as partes que disponham de maior celeridade e agilidade para que tenham suas querelas resolvidas pela justiça.
Assim, com essa menor morosidade da justiça como um todo por meio desse sistema de tutelas provisórias busca-se instrumentalizar e prover as partes de um maior aparato para que possam utilizar-se de forma a garantir o efetivo acesso à justiça, pareando-se as armas entre as partes e diminuindo-se o tempo a ser atingido que muitas vezes por inúmeras movimentações ocasionariam o perecimento do direito.
A desobstrução da justiça passa pelo acesso amplo e digno do cidadão aos aparelhos estatais para que possa debelar as questões em juízo, seja por meio da cognição sumária, seja através dos meios alternativos de solução de controvérsias.
Além do que, a dispensa de custas judiciais e de ônus de sucumbência, casos em que se preconiza um maior alcance da justiça para todos os cidadãos, o que se observa por meio do instituto da Ação Popular e demais ações voltadas a proteger os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, derroga prerrogativas importantes para que a população realmente se empodere das condições máximas de acesso à justiça, qualificando-as a pleitear em juízo seus direitos e ampliando o acesso ao Poder Judiciário e as benesses que dele se tem direito.
9.2 A TERCEIRA ONDA DE ACESSO À JUSTIÇA APLICADA AO SISTEMA MULTIPORTAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
A justiça tem passado por uma grande reforma em todos os seus aspectos e sentidos do termo. Nesse sentido, a decisão do juiz ou a solução adjudicada não é mais a única via a ser contornada ou o caminho a ser perseguido pelas partes.
As “ondas” renovatórias de acesso à justiça de Bryant Garth e Mauro Capelletti vieram para ser uma alternativa à população mais necessitada e que precisa de uma assistência e auxílio para demandarem em juízo. A primeira “onda” renovatória de acesso à justiça é aquela que garante a assistência judiciária gratuita à população mais carente. Ou seja, a classe menos abastada da população terá direito a ingressar em juízo por meio da isenção das custas judiciais a serem custeadas pelos órgãos públicos, conforme apontam Mauro Capelletti e Bryant Garth. A primeira onda renovatória de acesso à justiça está relacionada ao obstáculo econômico ao acesso à justiça que impede e protrai a participação da população mais desfavorecida de adentrar as portas do judiciário.
Nesta via de acesso à justiça é sabido que a camada populacional mais carente não dispõe de recursos financeiros suficientes, situação diametralmente oposta ocupa grandes empresas, bancos e multinacionais que dispõem de grandes escritórios de advocacia e um grande aporte de recursos financeiros a sua disposição para que ingressem em juízo.
Assim, o judiciário muitas vezes exclui pessoas pobres por meros formalismos ou questões econômicas, além do que, mesmo aqueles que se sentem premidos da necessidade de ingressar em juízo, desistem por questões burocráticas outras que permeiam esse processo judicial.
Conforme preconizam e prelecionam os supracitados autores, “na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa” (GARTH; CAPELLETTI, 1988, p. 12). Pelo exposto, os autores constatam a realidade de muitos dos quais não dispõem de uma defesa técnica e que, sem a qualificação técnica e o apoio técnico necessário, veem-se à margem da justiça, residindo aí uma discriminação e uma discrepância de tratamento, uma vez que a função da justiça também é a de mitigar as desigualdades existentes na sociedade, pondo em situação de paridade de armas e com igualdade de condições de discutir em juízo partes muitas vezes com uma dicotomia financeira e técnica que beira ao abismo.
Assim, a primeira onda renovatória de acesso à justiça inovou ao dar voz aos mais necessitados e proporcionar aos mais carentes finalmente pleitear sua demanda sem que comprometessem seu mínimo existencial, possibilitando-lhes viver com a dignidade da pessoa humana que a própria Carta Magna lhes garante, como também usufruir do amparo que a própria Constituição Federal predetermina ao conferir os direitos de ampla defesa, contraditório, inafastabilidade da jurisdição, e do princípio de acesso à justiça amparado inclusive pelo CPC/15.
Além disso, a primeira onda renovatória de acesso à justiça garante aos hipossuficientes econômico e financeiramente o direito fundamental de acesso à justiça e o direito à gratuidade judiciária insculpidos e preconizados pelo CPC/15, o qual consubstancia e reforça as garantias constitucionais já defendidas de amplo e irrestrito acesso à justiça, a dignidade da pessoa humana, o princípio da máxima efetividade da justiça e das leis, os direitos fundamentais e os próprios direitos humanos a que não se deve negar a nenhum indivíduo o gozo de seus direitos.
A segunda onda renovatória de acesso à justiça discute os direitos difusos e coletivos, aqueles espraiados por toda a sociedade e que se vinculam a uma ideia de pluralidade de pessoas que gozam de tais direitos. Segundo pontuam Garth e Capelletti (1988, p. 18), sem sombra de dúvidas, “o segundo grande movimento no esforço de melhorar o acesso à justiça enfrentou o problema da representação dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais, diversos daqueles dos pobres”.
A noção de processo civil e de acesso à justiça até este momento concebia um processo apenas com a dualidade de duas partes, ou seja, autor e réu, direitos individuais, o que excluía a possibilidade de múltiplas partes envolvidas na demanda, direitos coletivos ou difusos, ou uma pluralidade de sujeitos discutindo um mesmo direito em juízo. Esse tipo de demanda era inimaginável à época, pois não seria razoável e concebível que um direito coletivo fosse sistematicamente discutido em juízo.
Na lição de Capelletti e Garth (1988, p. 19),
“direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.”
Assim, não obstante a demanda fosse composta por um número indeterminado, pluralidade ou coletividade de sujeitos, a demanda composta por um conglomerado de pessoas não recebia o devido e adequado tratamento, uma vez que regras procedimentais e de competência, somadas a atuação do juiz não cooperavam para uma solução deste tipo de litígio. Tenha-se como exemplo uma empresa de telefonia, ou uma empresa de medicamentos, ou uma grande multinacional fabricante de um determinado produto que foi comercializado com defeito para uma ampla gama de consumidores, demandas estas que não se referem a apenas duas partes na demanda, mas a um contingente populacional sem nenhum tipo de liame entre uns e outros individualmente, mas que necessariamente estão vinculados juridicamente pelo dano que sofreram.
Nesse sentido, o uso de ferramentas que atendam aos danos coletivos, como a ação civil pública ou a ação popular, compõem uma importante alternativa para se maximizar e potencializar o acesso à justiça por meio de sujeitos indeterminados, em danos ambientais por exemplo, que invocam e envolvem um número indeterminado de sujeitos, exemplo atual consubstanciado no desastre de Mariana pela empresa Samarco, que afetou tanto o meio ambiente da região, devastando e poluindo rios, lagos e mares, bem como causou dano patrimonial às pessoas que residem ou que tiram o sustento de atividades como a pesca e o cultivo.
Neste caso, um dano coletivo de repercussões humanas, naturais, patrimoniais, envolvendo sujeitos indeterminados, requer o que predispõe a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, buscando proteger, ressarcir e recompor as famílias das vítimas, em vista da violação de inúmeros direitos, dentre os quais moradia, saúde, trabalho, e punir os sujeitos envolvidos no desastre, empresa e administradores, possibilitando aos familiares uma recomposição por danos morais e materiais. Indenização, ressarcimentos e pagamento de pensões às famílias que perderam seus entes queridos foram naturalmente concedidas, algumas pelo acesso individual à justiça, outras por meio de ações que englobam uma enorme gama de indivíduos, por meio de instrumentos processuais adequados à celeridade e necessidade daqueles sujeitos.
Os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme supracitado, pertencem à segunda onda renovatória do acesso à justiça, ampliando o conceito primário de que o direito possui apenas duas partes antagônicas na lide, autor e réu, dualidade que está superada pela atual implantação da tutela dos direitos difusos e coletivos.
A implantação de um sistema multiportas de resolução de conflitos veio a suplantar a ideia de que a medida adjudicativa seria o único mecanismo de solução de controvérsias. A terceira onda renovatória de acesso à justiça proporcionou a incursão de um enfoque multidisciplinar e interdisciplinar de acesso à justiça, abarcando novos métodos resolutivos capazes de suplantar a antiga visão estática e unitária de acesso à justiça.
A terceira onda é aquela que também confere maior poder diretivo aos juízes e os colocam como uma figura que atue proativamente e não apenas se restrinja a prolatar as sentenças, participando do processo por meio da inserção de proposições e alternativas para que as partes possam encontrar uma situação que concilie e atenda aos interesses de ambas as partes.
A mediação, conciliação e a arbitragem surgem como meios não só adequados como eficazes à solução do litígio. O que vai determinar qual meio a ser adotado será a natureza da discussão, os interesses das partes e o vínculo jurídico e emocional entre as partes, além, é claro, do que elas entenderem ser o mais viável. Desse modo, na lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 25), ressalta-se que:
“O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas.”
A reflexão do autor sobre a terceira onda renovatória de acesso à justiça perfilha-se na tese da prevenção aos conflitos, ou seja, prevenir as partes para que os conflitos subjacentes à sociedade moderna sejam evitados, ou seja, ocorra uma precaução de modo a evitar que novas demandas sejam interpostas na justiça. A prevenção de que trata o autor assume papel decisivo nesse novo modelo de justiça que pretende impedir que o acesso ao Judiciário se torne uma questão apenas burocrática e desmedida, impertinente ao acesso à justiça como uma multiplicação de querelas judiciais.
A justiça contempla uma ampla gama de mecanismos e varia de acordo com o tipo de querela em torno da qual orbita o interesse das partes e o interesse jurídico envolvido. A necessidade de se adaptar a justiça ao tipo de litígio busca suplantar a tese de que o “juiz é a boca da lei”, sendo o único e exclusivamente competente para dar uma resposta que declare o direito a ser aplicado ao caso concreto.
Outrossim, vislumbra-se uma rediscussão em torno de que a justiça restaurativa é aquela mais satisfativa e profícua às partes, ora respaldando uma câmara arbitral, conciliação e mediação, ora reverberando tomadas de decisões anteriores pelas partes por meio de negociações diretas ou de uma renúncia, por exemplo, em que as partes se sub-roguem de suas competências e busquem por meio de uma rodada de debates alavancar uma decisão que seja a mais interessante e adequada aos seus anseios.
Na lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 26), podemos averiguar desse novo modelo de processo e procedimento, contextualizado no sistema de acesso à justiça entabulado pela terceira onda renovatória de acesso à justiça e insculpido atualmente, que:
“O tipo de reflexão proporcionada por essa abordagem pode ser compreendido através de uma breve discussão de algumas das vantagens que podem ser obtidas através dela. Inicialmente, como já assinalamos, esse enfoque encoraja a exploração de uma ampla variedade de reformas, incluindo alterações nas formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso de pessoas leigas ou para profissionais, tanto como juízes quanto como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios. Esse enfoque, em suma, não receia inovações, radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera da representação judicial” (GARTH; CAPPELLETTI, 1988, p. 26).
A questão abordada pelos autores nos conduz a uma reflexão que vai muito além do processo civil, oportunizando uma visão do direito como meio social e jurídico para ser muito mais do que uma ferramenta para deslinde de uma querela, mas como um grande sistema jurídico conglobado, harmônico e equilibrado que permite a sociedade buscar e promover a harmonia e a paz social, independentemente de quais sejam os seus propósitos, intuitos ou finalidades, oportunizando o reequilíbrio e a restauração das relações sociais ou por meio de um enfoque de prevenção/precaução, desencorajando as partes a buscarem vencedores e vencidos.
Neste enfoque de justiça, o acesso é dado a termos um conjunto de sistemas jurídicos predispostos a tornar os vícios de que nos acostumamos a observar agora suplantados por disposições mais elásticas e flexíveis, como se pode observar daquilo que chamamos de Câmaras arbitrais, mediação e conciliação de conflitos, arbitragem entre grandes empresas e envolvendo o direito público. O ordenamento jurídico é que vai se adequar aos interesses das partes, adequar-se ao bem da vida ao qual as partes perseguem, alterando-se a dicotomia em que as partes se sentiam enclausuradas a uma decisão proclamada e outorgada por uma via única, problematizando e reavivando-se novos casos levados à justiça.
Preconiza-se ativar um acesso à justiça delineado por princípios, pela dignidade da pessoa humana, pelos valores de uma sociedade livre, justa, com livre iniciativa, pelo pluralismo que existe entre as diversas relações sociais impregnadas de questões interpessoais que podem, por meio da prevenção de medidas afora daquelas tradicionais, evitar o acúmulo de demandas, adjudicando-se às partes papel fundamental em sua construção social como ator e protagonista de sua vida.
A vida em si demanda uma coexistência social equilibrada e harmônica entre todos que fazem parte deste sistema social de controle ou de prevenção de conflitos que é o ordenamento jurídico e as leis que regem tais relações, se o conflito for tratado como uma oportunidade de reequilíbrio e recondução a uma vida em sociedade, de forma a amparar os direitos fundamentais, sociais e coletivos das pessoas, não mais será devido recorrer-se a um acesso à justiça que estimule, gravite e imponha as partes saírem de uma longa e desgastante tessitura jurídica abarrotada de papéis, assinaturas, recursos, incidentes que as levem a contemplar ao final um texto jurídico envolto por teses jurídicas as quais não são compreensíveis às partes leigas e que no final das contas vai apenas decretar vencedor e vencido, indo na contramão do que as partes entendem ser o mais justo.
A terceira onda renovatória de acesso à justiça é justamente precursora de uma visão mais tendente a reaproximar a sociedade da justiça, do justo, prescrevendo um amplo conteúdo de direitos fundamentais para prover as partes de recursos e técnicas processuais de redução de conflitos, buscando promover no tecido social uma readaptação e uma mitigação de desigualdades oriundas de desigualdades sociais, jurídicas, filosóficas, emocionais, psicológicas, financeiras e econômicas que conferem às partes uma discrepância, trazendo vantagens a uma parte e tremendas desvantagens à outra, hipossuficientes e vulneráveis dentro de uma lógica de juiz, autor e réu.
A pesquisa empreendida neste estudo buscou apresentar uma visão panorâmica sobre a o Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos, trazendo em si uma abordagem crítica e analítica de todas as características e competências que compõem a configuração deste Sistema no ordenamento jurídico brasileiro.
Ao empreender um estudo aprofundado de tal Sistema, privilegiou-se a defesa de técnicas de enfrentamento e resolução de demandas que atinjam a camada dos meios alternativos de resolução de conflitos, substituindo a antiga abordagem teórica-doutrinária de que a jurisdição e o Estado-Juiz teriam o monopólio estatal para sub-rogar uma decisão aos jurisdicionados, os quais passam agora a definir qual solução desejam obter.
A solução pela mão das partes se torna um meio mais viável e fiel aos anseios de um Sistema Multiportas que objetiva a proteger e a prevenir litígios, estimulando uma Justiça Restaurativa das relações sociais, em vez de buscar incentivar a litigiosidade e o demandismo em nossa sociedade hodierna.
O Sistema Multiportas capacita as partes a serem protagonistas de suas próprias demandas, adjudicando as partes a possibilidade de que disponham de uma gama de possibilidades, dentre as quais negociações diretas, transações, mediações, conciliações, arbitragens, entre outras, para que resolvam sem o trauma e a angústia de passar pela jurisdição estatal adjudicando-se a vitória a uma parte da demanda e o fracasso a outra.
Assim, a defesa de uma justiça mais célere e justa está sob o viés da justiça multiportas introduzida e encartada pelo novo ordenamento instituído pelo CPC/15 em vigor que estatui e vislumbra uma nova repercussão (ordenamento instituído pelo CPC/15), priorizando políticas restaurativas da justiça com o foco sobre os sujeitos do processo.
Nesse sentido, os tribunais pátrios vêm passando por uma reforma tanto estrutural quanto axiológica para se adequar a uma justiça em que os principais mecanismos de defesa da justiça são o acordo e a conciliação entre as partes, retirando-se do centro da demanda/embate seu principal valor.
Malgrado esse novo olhar sobre o processo civil, alguns segmentos da sociedade e parcelas de setores da justiça ainda resistem na mudança formatada pelo nosso sistema jurídico moderno, insculpindo os meandros da justiça por caminhos afora da ritualística e dos processos/procedimentos comuns e enveredando-se por uma trilha fortalecedora e compenetrada com o apaziguamento social e com a manutenção das relações sociais.
Antes utilizada de forma perfunctória e superficial, a lide em alguns casos continua a disseminar ódio e beligerância entre as partes, reduzindo tribunais e juízes a declaradores de vencedores e perdedores. Dessa feita, antes de se instalar uma querela judicial, dever-se-ia prevenir o litígio entre as partes, por meio de técnicas ponderativas de interesses, buscando-se conciliar os interesses recíprocos.
Na esteira deste raciocínio, veio a se estabelecer uma nova leitura sobre os meios alternativos de solução de conflitos, perpassando agora a um patamar de meios adequados, os quais atingiram um grau de importância ímpar e substancial em nosso ordenamento jurídico.
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Bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba e advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VARGAS, Túlio José Rocha de. Sistema Multiportas de solução de conflitos e a desjudicialização de litígios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2025, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67821/sistema-multiportas-de-soluo-de-conflitos-e-a-desjudicializao-de-litgios. Acesso em: 22 fev 2025.
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