Introdução
O sistema recursal comum possui alguns princípios de suma importância e aplicabilidade prática no âmbito do processo. Alguns deles também se aplicam ao processo do trabalho, como é o caso do princípio da fungibilidade.
A pesquisa tem o escopo de apresentar as principais características desse princípio recursal e sua aplicabilidade na seara trabalhista, bem como os requisitos que o mesmo apresenta.
Fungibilidade e sua aplicabilidade nos recursos trabalhistas
O princípio da fungibilidade está presente no sistema recursal para permitir que um recurso seja aceito no lugar de outro. Ora, o que se pretende dizer é que se o recurso inadequado chegou até o magistrado com outro nome ou outra expressão, ainda assim poderá ser aceito como se fosse o recurso adequado, desde que respeite os requisitos necessários do princípio da fungibilidade, também conhecido como princípio da instrumentalidade das formas, que traz a ideia de que se o ato processual atingiu sua finalidade, ainda que de outra forma e não traga prejuízos às partes poderá ser válido. [1]
Nesse sentido é o entendimento de Renato Saraiva e Aryanna Manfredini quando sustentam que “o princípio da fungibilidade permite que o juiz conheça de um recurso que foi erroneamente interposto como se fosse o recurso cabível. Por este princípio, permite-se o aproveitamento do recurso erroneamente nominado, como se fosse o que deveria ser interposto, atendendo-se ao princípio da finalidade e da simplicidade do processo do trabalho”. [2]
Como pôde ser observado nas palavras dos autores acima, o princípio da fungibilidade tem razão de ser no processo do trabalho e, portanto, assim o será já que o princípio objeto desta pesquisa é oriundo do processo civil, e este como se sabe é fonte subsidiária do processo do trabalho naquilo em que a CLT for omissa e desde que não seja incompatível com as normas trabalhistas, como determina o art. 769 da CLT. Sendo assim, em obediência a toda informalidade e simplicidade que fazem parte do processo do trabalho, até mesmo para dar maior celeridade a este tipo de demanda que lida com verbas alimentares a fungibilidade recursal é admitida também no processo do trabalho.
O Código de Processo Civil de 1939 disciplinava o princípio da fungibilidade no seu art. 810 in verbis: Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos enviados à Câmara, ou turma, a que compelir o julgamento. A CLT que data de 1943 aproveitou tal regra civilista para tornar o processo do trabalho mais informal e simplificado, como já dito anteriormente. O CPC de 1973 não trouxe previsão para a fungibilidade, no entanto a doutrina e a jurisprudência dominante aceitam passaram a aceitar tal princípio para respeitar a instrumentalidade das formas. [3]
Apesar do CPC de 1973 não ter trazido expressamente a fungibilidade dos recursos, de forma indireta a sua aplicabilidade permaneceu inalterada, visto que os artigos 244 [4] e 250 [5] apresentam a mesma ideia, em que não há nulidade se o ato atingiu sua finalidade e desde que respeite os requisitos necessários. O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) também não disciplinou expressamente o princípio da fungibilidade, apenas praticamente repetiu a redação dos artigos elencados acima nos dispostos dos artigos 277 e 282 respectivamente. [6]
Para que o princípio da fungibilidade seja aceito, faz-se necessário que alguns requisitos sejam observados. O primeiro deles é que haja a existência de uma dúvida em qual recurso deve ser interposto, mas essa dúvida deve ser doutrinária ou jurisprudencial e não uma dúvida pessoal da parte que pretende recorrer. O segundo requisito essencial é a inexistência de erro grosseiro, ou seja, um recurso manifestamente incabível para atacar a decisão recorrida não será aceito no lugar do que deveria ter sido interposto. Por fim, o recurso interposto deve obedecer ao prazo do recurso que seria apropriado, o que não causa maiores problemas na seara laboral, em virtude dos prazos recursais ser de 8 dias comum aos recursos trabalhistas. [7]
Quanto à questão da dúvida em saber qual o recurso apropriado para tal situação, uma situação comum de acontecer em sede de processo do trabalho, é na fase de execução, em que a doutrina não é unânime entre a interposição do recurso de agravo de petição e as ações incidentais chamadas de embargos à arrematação e a adjudicação. [8]
Carlos Henrique Bezerra Leite lembra alguns pontos de extrema relevância no que tange ao princípio da fungibilidade: primeiro que jamais será aceito um recurso no lugar de outro se for comprovada a má-fé do recorrente, e o segundo aspecto é que na Justiça do Trabalho um dos princípios norteadores é o do jus postulandi, que significa dizer que as partes podem demandar sem a necessidade de acompanhamento de advogado conforme art. 791 da CLT. [9] Sendo assim, obviamente que as partes por não terem maiores conhecimentos da técnica jurídica teriam maiores dificuldades de interpor o recurso correto e adequado para atacar a decisão impugnada, e por conta disso, a fungibilidade recursal ganha ainda mais força no processo do trabalho. Mas o autor, deixa claro “não ser razoável a aplicação do princípio da fungibilidade quando o recorrente for o Ministério Público do Trabalho, uma vez que sua atuação (seja como custos legis, seja como órgão agente) dá-se sempre em defesa da ordem jurídica. Logo, afigura-se-nos que a Instituição Ministerial, por decorrência lógica de sua atuação e da notória especialização de seus órgãos, tem o dever de utilizar o recurso adequado”. [10]
Gustavo Filipe Barbosa Garcia destaca algumas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais a respeito do tema, que valem a leitura: são elas, a Súmula 421 do TST [11]; a OJ 69 da SDI-II do TST [12]; a OJ 152 da SDI-II do TST [13]; e por fim, a OJ 412 da SDI-I do TST. [14] [15]
Conclusão
Com o presente trabalho foi possível fazer algumas conclusões a respeito do tema. O princípio da fungibilidade é um princípio recursal aplicado no processo comum e aproveitado também no processo trabalhista.
Sua aplicabilidade depende de alguns requisitos essenciais, sob pena de não aceitação pelo julgador. No processo do trabalho, em virtude do jus postulandi das partes, toda a formalidade de uma peça recursal inclusive com o nome correto do recurso é relativizado, mas ainda assim não é qualquer erro que será aceito baseado no princípio da fungibilidade.
Referências
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. rev. atual., e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2007.
MARTINS, Adalberto. Manual didático de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2005.
SARAIVA, Renato; MANFREDINI, Aryanna. Curso de direito processual do trabalho. 12. ed. Revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.
NOTAS
1. CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. rev. atual., e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 698.
2. SARAIVA, Renato; MANFREDINI, Aryanna. Curso de direito processual do trabalho. 12. ed. Revista, ampliada e atualizada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 463.
3. MARTINS, Adalberto. Manual didático de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2005, p. 203.
4. Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.
5. Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos ou retificados. § 1.º O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte. § 2.º Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.
6. JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2015, p. 824.
7. Idem, p. 824-5.
8. MARTINS, Adalberto. Manual didático de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2005, p. 204.
9. Cabe fazer a ressalva que de acordo com o art. 791 da CLT, os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final. No entanto, o entendimento da Súmula 425 do TST traz o verdadeiro alcance do jus postulandi, que deve ser limitado nas Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.
10. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 654.
11. Súmula 421. Embargos declaratórios contra decisão monocrática do relator calcada no art. 557 do CPC. Cabimento. I – Tendo a decisão monocrática de provimento ou denegação de recurso, prevista no art. 557 do CPC, conteúdo decisório definitivo e conclusivo da lide, comporta ser esclarecida pela via dos embargos de declaração, em decisão aclaratória, também monocrática, quando se pretende tão somente suprir omissão e não, modificação do julgado. II – Postulando o embargante efeito modificativo, os embargos declaratórios deverão ser submetidos ao pronunciamento do Colegiado, convertidos em agravo, em face dos princípios da fungibilidade e celeridade processual.
12. OJ 69. Fungibilidade recursal. Indeferimento liminar de ação rescisória ou mandado de segurança. Recurso para o TST. Recebimento como agravo regimental e devolução dos autos ao TRT. Recurso ordinário interposto contra despacho monocrático indeferitório da petição inicial de ação rescisória ou de mandado de segurança pode, pelo princípio da fungibilidade recursal, ser recebido como agravo regimental. Hipótese de não conhecimento do recuso pelo TST e devolução dos autos ao TRT, para que aprecie o apelo como agravo regimental.
13. OJ 152. Ação rescisória e mandado de segurança. Recurso de revista de acórdão regional que julga ação rescisória ou mandado de segurança. Princípio da fungibilidade. Inaplicabilidade. Erro grosseiro na interposição do recurso. A interposição de recurso de revista de decisão definitiva de Tribunal Regional do Trabalho em ação rescisória ou em mandado de segurança, com fundamento em violação legal e divergência jurisprudencial e remissão expressa ao art. 896 da CLT, configura erro grosseiro, insuscetível de autorizar o seu recebimento como recurso ordinário, em face do disposto no art. 895, b da CLT.
14. OJ 412. Agravo inominado ou agravo regimental. Interposição em face de decisão colegiada. Não cabimento. Erro grosseiro. Inaplicabilidade da fungibilidade recursal. É incabível agravo inominado (art. 557, § 1.º do CPC) ou agravo regimental (art. 235 do RITST) contra decisão proferida por Órgão colegiado. Tais recursos destinam-se, exclusivamente, a impugnar decisão monocrática nas hipóteses expressamente previstas. Inaplicável no caso, o princípio da fungibilidade ante a configuração de erro grosseiro.
15. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 574-5.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. O princípio da fungibilidade no Processo do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2294/o-principio-da-fungibilidade-no-processo-do-trabalho. Acesso em: 26 nov 2024.
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