Nos últimos anos, a dinâmica nos modelos de negócio fez surgir no mercado novas modalidades de prestação de serviço. Se no passado a novidade ficava por conta do trabalho a tempo parcial, temporário ou diarista, hoje vincula-se à uberização, pejotização e terceirização.
De início, essas novas modalidades suscitaram temores pelo risco de fraude e precarização das relações de trabalho. Contudo, em todos os casos a Suprema Corte referendou as novidades, acatando a legalidade de sua prática, mas sempre deixando ressalvas para casos de fraude.
Com a terceirização não foi diferente. O STF julgou validou sua prática na atividade-fim no julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252. Este último compõe o tema 725 da repercussão geral, e foi julgado em 30/08/2018, reformando-se o acórdão do TST. Após a oposição de uma série de embargos, os autos foram baixados em definitivo em 15/10/2024.
Em 2019, o STF também permitiu a terceirização nos contratos de concessão ao julgar a ADC 57, contrariando o entendimento da Súmula 331 do TST. Por fim, em 13/02/2025, a Suprema Corte referendou a terceirização de forma ampla no serviço público, entendendo que a Administração Pública não responde automaticamente pela dívida do trabalhador, conforme o julgamento do RE 1298647, reformando o acórdão do TST.
Este recurso extraordinário compõe o tema 1118 da repercussão geral, tendo a corte por ampla maioria atribuído o ônus da prova ao demandante, seja empregado, sindicato ou Ministério Público do Trabalho, afastando a presunção de culpa da Administração Pública pelos encargos trabalhistas, fiscais e previdenciários da empresa terceirizada.
Dentre outras ressalvas, contudo, o STF entendeu que a Administração Pública deve exigir da empresa contratada um capital social integralizado compatível com o número de empregados. Ou seja, deve conferir as informações contábeis e bancárias para verificar se os bens e valores a integralizar foram realmente transferidos à empresa. Essa medida visa evitar fraudes na terceirização, fornecendo uma garantia de execução e capacidade econômica. Além disso, a Administração Pública deve condicionar o pagamento do mês corrente à quitação do mês anterior.
Segundo Madeline Rocha Furtado e coautores: “A terceirização teve sua gênese em um contexto de crise econômica, nos Estados Unidos, após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tendo se consolidado na década de 1950. Segundo Giosa, ‘As indústrias bélicas tinham como desafio concentrar-se no desenvolvimento da produção de armamentos a serem usados contra as forças do Eixo e passaram a delegar algumas atividades de suporte a empresas prestadoras de serviços mediante contratação'.” (Gestão de Contratos de Terceirização na Administração Pública, editora Fórum, 2023, item 1.4).
A terceirização no serviço público se insere num contexto mais amplo de relacionamento entre a Administração Pública e o mercado, que inclui ainda a “quarteirização”, consistente na coordenação de todos os contratos de terceirização. A quarteirização no serviço público mantém a administração pública abastecida, especialmente em logística, armazenamento, estoques, transporte e prevenção de obsolescência, ficando o contato direto com o mercado a cargo da empresa quarteirizada. Essa modalidade atende ao comando de centralização indicado no art. 19, I, da Lei n° 14.133/2021.
De fato, uma crítica frequente na doutrina especializada e em analistas de mercado é o excessivo foco das leis de regência no procedimento de licitação, relegando a segundo plano a gestão do contrato. A quarteirização faz com que a Administração Pública licite e contrate menos. O termo “outsourcing” é vinculado à terceirização de áreas estratégicas. Já o termo “quintarização” costuma ser usado de forma pejorativa, indicando uma terceirização ilimitada e fraudulenta.
Além da terceirização e quarteirização, a relação entre a Administração Pública e o setor privado é perceptível ainda nos institutos da privatização, concessão, parcerias público-privadas, reestatização, alienação, desapropriação, dentre outros.
De fato, as concessões com prazos de 30 anos renováveis por igual período possuem efeitos práticos semelhantes à privatização, apesar da cláusula de retorno do serviço ao ente público ao final do contrato. E as parcerias público-privadas, em especial a modalidade administrativa, também assemelha-se ao contrato de terceirização, havendo a junção de esforços dos setores público e privado para a prestação do serviço à população.
Recentemente, o Estado de São Paulo privatizou a Sabesp, transferindo suas atividades para o setor privado. Antes o estado detinha 50,3% das ações da companhia, sendo acionista majoritário, com os demais 49,7% sendo negociados na B3 e na bolsa de valores de Nova Iorque. Em julho de 2024, o estado vendeu 32% das ações, ficando com apenas 18,3%. Operação semelhante ocorreu com a Eletrobrás em junho de 2022, com a União vendendo 23% de sua participação na companhia para o setor privado, passando de 65% para 42% e se tornando acionista minoritária.
Nos casos de rodovias e aeroportos, esta parceria com o setor privado ora se dá na forma de privatizações ora por meio de leilões de concessão. O Programa Nacional de Desestatização é regido pela Lei nº 9.491/1997. Por seu turno, o art. 17 da Lei nº 8.666/1993 regia as alienações de bens públicos. Por fim, o art. 2º, IV, da Lei nº 14.133/2021 prevê a aplicação da nova lei de licitações aos contratos de concessão de bens públicos.
A esta plêiade de normas somam-se muitas outras na regência da relação entre a Administração Pública e o setor privado, como a desapropriação de bens particulares, a reestatização mediante a compra de empresas privatizadas, a afetação de bens adquiridos ou desapropriados para uma finalidade pública, a desafetação para alienação de prédios e ativos públicos, dentre outros institutos correlatos. Este ensaio, porém, limita-se à terceirização na Administração Pública.
No âmbito privado, a obra clássica de Halvey & Melby, (“Terceirização de Processos de Negócios: Processos, Estratégias e Contratos”, traduzido do inglês), foi lançada originalmente em 2000, expondo os esforços das companhias na reestruturação dos processos e modelos de negócios com foco na competitividade e na economia de custos. A obra teve a 2° edição lançada em 2007 pela editora Wiley. Parte substancial do escopo da terceirização no setor privado examinado pelos autores pode ser adaptado para o setor público, mesmo que este não se submeta diretamente à concorrência de mercado.
De outro giro, o “Corpo de Conhecimento Profissional de Terceirização” (OPBOK), traduzido do inglês, teve a primeira versão lançada pelos membros da Associação Internacional de Profissionais de Terceirização (IAOP) em 2005, renovando-se anualmente. Em 2014 foi lançada a versão 10 pela editora Van Haren, destinando especial atenção na redução de custos e dos riscos gerais do negócio.
Já com foco na terceirização praticada pela Administração Pública, Nina Boeger publicou em 2024 a obra “Repensando a Governança na Terceirização de Serviços Públicos”, traduzido do inglês, pela editora Bristol University Press, contando com análises voltadas à terceirização do setor público no Reino Unido.
Modernamente, diversos governos passaram a terceirizar amplamente suas atividades, inclusive a repressão política, como demonstrado por Lynette Ong (“Terceirização da Repressão”, 2022), uma premiada professora da Universidade de Toronto, que emigrou da China para o Canadá. Suas análises se aplicam tanto a governos genuinamente autocráticos, como aos semi-autocráticos e até democráticos, expondo os métodos tradicionais de repressão e perseguição políticas que são terceirizados pelos governos.
No Brasil, Cristina Fortini e Flaviana Vieira Paim publicaram em 2024 a obra “Terceirização na Administração Pública” pela editora Fórum, transformando-se rapidamente em referência no mercado editorial sobre o tema.
Atualmente, duas questões atuais prometem agitar o mercado editorial e os debates jurisprudenciais: a terceirização offshore no setor público e a obsolescência perceptiva. A primeira se refere à contratação pela Administração Pública de empresas estrangeiras para desempenharem funções em tecnologia da informação e de suporte aos administrados, baseadas em países com menores custos.
Esta modalidade de terceirização envolve dilemas relacionados à segurança e privacidade de dados. Mas a adoção do modelo offshoring é tida como inevitável, já contando com inúmeros memorandos de acordos comerciais entre o setor público brasileiro e empresas baseadas na Índia e na China.
Por sua vez, a obsolescência perceptiva ocorre quando, mesmo diante do desempenho normal do serviço público, surge uma inovação que o torna obsoleto. Com isso, não é necessário que o bem ou serviço esgote sua funcionalidade para haver sua superação. Logo, mesmo serviços públicos com funcionamento normal podem ser terceirizados para empresas que empregam métodos mais avançados e modernos aos cidadãos.
Na perspectiva do direito do trabalho, a terceirização é uma transferência da atividade de uma empresa para outras empresas, especializadas nesse tipo de atividade, originando uma relação trilateral entre o obreiro, a empresa prestadora de serviços e a tomadora dos serviços terceirizados.
Com o advento das Leis 13.429/17 e 13.467/17, a terceirização foi possível em atividade-meio e fim (artigo 4º-A da Lei 6.019/74), sendo tal inovação confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. No âmbito da Administração Pública, a terceirização foi permitida pelo Decreto nº 200/1967, que previu providências para descentralizar a Administração Pública, com regramento também pelas Leis 8.666/93, 8.987/94 e 9.472/97, além do Decreto 9.507/18 e da nova redação da Súmula 331, itens II e V, do TST.
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade do art. 25, §1º, da Lei 8.987/95 e dos arts. 58, III, e 67 da Lei 8.666/93 no ARE 791.932 e na ADC 16, definindo que a responsabilização subsidiária da Administração Pública direta e indireta não será automática, devendo ser comprovada conduta culposa na fiscalização das obrigações do prestador de serviço concedido.
Já no Tema 1118, o STF definiu o ônus probatório à luz do princípio da aptidão para a prova, nos moldes dos arts. 373, § 1º, do CPC e 818, § 1º, da CLT. Importante pontuar que na ADPF 485, a Suprema Corte vedou o bloqueio de verbas públicas para saldar dívidas trabalhistas, por afronta à separação de poderes e aos princípios orçamentários expressos no art. 167, VI e X, da CF/88.
Percebe-se que na privatização a responsabilidade do poder público pelos encargos dos trabalhadores é integralmente transferida ao ente privado, mesmo que remanesça àquele 49,9% das ações, restando apenas a fiscalização finalística do serviço prestado. Já a concessão e a terceirização exigem fiscalização quanto ao cumprimento dos contratos trabalhistas.
A partir desse conjunto de decisões recentes da Suprema Corte, um novo embate surgiu com o TST. De fato, no julgamento do Ag.Reg. na Reclamação 40.652/DF, realizado em 2020, o STF definiu que é incompatível com esses precedentes a prática do TST de reconhecer a ausência de transcendência na matéria, como forma de inviabilizar o manejo do Recurso Extraordinário.
No âmbito do STF, a Min. Rosa Weber foi designada relatora da matéria, elaborando um extenso voto em defesa da conduta do TST. A questão de fundo cingia-se à sobreposição da transcendência à repercussão geral. Este último requisito surgiu com a EC 45/04, cabendo ao recorrente demonstrar a relevância econômica, política, social ou jurídica da matéria discutida no recurso extraordinário. Já a transcendência surgiu com a reforma trabalhista de 2017, nos moldes da repercussão geral, prevendo a CLT indicadores exemplificativos no art. 896-A, §1º.
Desta forma, sobre matéria já decidida pelo STF como portadora de repercussão geral, o TST decidia pela inexistência de transcendência. O recorrente, então, ingressava com agravo de instrumento buscando destrancar o recurso de revista, que era sumariamente obstaculizado pelo TST mediante aplicação do art. 896-A, §5º, da CLT, que dispõe: “É irrecorrível a decisão monocrática do relator que, em agravo de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria.”
Como não havia a possibilidade de esgotar as vias ordinárias, por meio do julgamento colegiado, o TST lograva obstar o acesso ao recurso extraordinário para a Suprema Corte, determinando o imediato trânsito em julgado do processo.
Nas palavras do redator do acórdão, Min. Alexandre de Moraes:
“E fica uma situação desconfortável, porque, no Supremo Tribunal Federal, a mesma matéria jurídica tem repercussão geral e foi decidida pelo Supremo de uma forma, mas passará, com esse julgamento do TST, a nunca mais chegar ao Supremo, porque o TST diz que tem repercussão geral, mas transcendência não tem. Ora, se há o mais, com todo respeito, há o menos, porque o que se discute, aqui, é a questão jurídica. A negativa do TST foi pela ausência de transcendência. E aí, mais sui generis ainda, entendo eu, é que, nessas decisões em que o TST vem obstando a possibilidade de recurso de revista, aplicando a ausência do requisito da transcendência - volto a insistir, tema em que o Supremo Tribunal Federal já reputou existir repercussão geral em matéria constitucional -, ao mesmo tempo, na mesma decisão, ele já determina imediato trânsito em julgado. Ou seja, para que realmente não possa vir à discussão.”
Além disso, em sede de Reclamação o STF não pode analisar fatos e provas. Desta forma, não é possível adentrar no exame dos critérios utilizados pelo TRT para aferir a culpa da Administração Pública na terceirização.
Tentando rebater esse argumento, a Min. Rosa Weber asseverou no julgamento:
"Os relatores foram os Ministros Douglas Alencar e Hugo Carlos Scheuermann, dois Ministros extremamente técnicos. E o que eles dizem nas decisões reclamadas? Qual a possibilidade de acolher, de dar provimento àqueles agravos de instrumento para destrancar o recurso de revista respectivo em que teria sido ferida a matéria? A tese do acórdão é a consagrada pelo Supremo. Houve culpa in vigilando. Em havendo culpa in vigilando, o Supremo não afasta a possibilidade da imputação da responsabilidade subsidiária. Mas como, na reclamação, que inviabiliza reexame de fato e prova, iremos dizer que está errado o decidido?”
Essa modalidade de culpa foi abordada pelo Min. Barroso, citando o julgamento da ADC 16:
"É certo que o Ministro Cezar Peluso, em obiter dictum, disse que isso não significava que eventual atuação da União com culpa - culpa da Administração Pública - pudesse gerar responsabilidade. Diante disso, na prática, a Justiça do Trabalho passou a entender, como regra geral quase absoluta, que sempre havia culpa da Administração Pública e, como consequência, continuou a interpretar o § 1º do art. 71 como sempre interpretara, verdade seja dita. Com todas as vênias das compreensões contrárias, há uma resistência relativamente à interpretação dada pelo STF, porque automaticamente se considera que sempre haja culpa in vigilando. E aí o que tem acontecido? O Tribunal Regional do Trabalho decide lá embaixo, há o recurso de revista, é negado o seguimento na origem, há o agravo de instrumento, o TST nega seguimento ao agravo de instrumento sob o fundamento de que não há transcendência e, sob o fundamento de que não há transcendência, a posição do STF manifestada na ADC 16 e na repercussão geral acaba não prevalecendo. Ao se negar transcendência e, consequentemente, a subida desse processo, no fundo, o que se faz é impedir que a posição pacificada no STF prevaleça nesses casos".
Na sequência, o Min. Luiz Fux reforçou:
"E na ratio essendi desse dispositivo, na verdade, o poder público quis excluir completamente a sua responsabilidade com o pagamento de obrigações trabalhistas, porque senão, do contrário, ele mesmo faria o serviço e pagaria os seus empregados. É claro que ele tem responsabilidade se o contratado causar danos a bens de terceiros, em caso de morte por não fornecimento de equipamentos aos empregados. Mas o que o poder público não queria e não quer é arcar com débitos trabalhistas, porque senão ele faria sozinho o serviço delegado".
Por fim, o Min. Marco Aurélio arrematou:
"É preciso reconhecer que o Tribunal Superior do Trabalho não aceita – como se pudesse aceitar ou não – o pronunciamento do Supremo, como se fosse o ‘Supremo Tribunal do Trabalho’, e não o é. O que houve no caso concreto? A inversão total de valores, para contrariar-se jurisprudência pacificada no âmbito do Supremo. Colocou-se em patamar mais alto o princípio da transcendência, que está realmente, se não me falha a memória, no artigo 896-A da Consolidação das Leis do Trabalho. Ninguém coloca esse enfoque em dúvida. Mas por que foi colocado em patamar mais alto, em detrimento da repercussão geral, que tem envergadura constitucional? Porque, assentando a falta de transcendência, acaba, o Tribunal Superior do Trabalho, por manietar o Supremo, na guarda da Constituição Federal, impedindo o acesso, já que o recurso extraordinário pressupõe decisão da causa pela última instância. Creio ser hora de o Tribunal Superior do Trabalho evoluir e reconhecer que a matéria está julgada: reconhecer o pronunciamento do Supremo na declaratória de constitucionalidade e, posteriormente, em recurso extraordinário submetido à repercussão geral".
De fato, o art. 988, § 6º, do CPC dispõe: "A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação". Por sua vez, o art. 992 do CPC preceitua: "Julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia". Por fim, o art. 161, parágrafo único, do RISTF dispõe: "O Relator poderá julgar a reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal”.
Com base nos dispositivos transcritos e aplicando a teoria da causa madura à Reclamação, prevista no art. 1.013, §3º, do CPC, o STF decidiu diretamente pela ausência de responsabilidade subsidiária da Administração Pública, ao invés de destrancar o recurso na origem. Essa postura pragmática da Suprema Corte evitou mais delongas na solução do litígio no caso concreto.
Este embate revela uma forte oposição ideológica à terceirização no ambiente laboral pelas cortes trabalhistas. A Min. Rosa Weber é oriunda do TST, tendo reforçado em seu voto o caráter técnico das decisões do relator do recurso no TST objeto da Reclamação. A decisão que obstou o acesso ao STF foi proferida pelo Min. Carlos Scheuermann, que, à semelhança da Min. Rosa Weber, também é oriundo do TRT/RS.
Essa necessidade de reforçar o caráter técnico da decisão do TST, feito pela ministra em seu voto, provêm do predomínio de visões ideologizadas nas cortes trabalhistas, cujos integrantes invariavelmente veem precarização nas relações de trabalho terceirizadas, independentemente da demonstração de fraude ou desvirtuamento.
Como regra, a terceirização é vista sob três diferentes enfoques, podendo se referir ao processo de delegação de serviços públicos para empresas privadas mediante privatização, desestatização ou concessão. Pode ainda se referir ao processo pelo qual as empresas empreendem atividades em locais no exterior, ao invés de executá-los em seus países de origem. Por fim, a terceirização pode estar relacionada ao repasse de setores da empresa para atuação de empresas contratadas. Nesta técnica, o empregador não assume um vínculo empregatício com seus empregados, e sim um contrato com outra pessoa jurídica.
Na teoria da administração, o segundo conceito é conhecido por “offshoring”, enquanto o último conceito é conhecido por “outsourcing”. Chiavenato esclarece que, com a terceirização, a empresa concentra seus recursos financeiros e talentos humanos na atividade que constitui o cerne do seu negócio.
Em obra de referência sobre o processo político que acelerou a transferência de empregos americanos para outros países, os irmãos Ron e Anil Hira examinaram o programa de governo de Ronald Reagan no início da década de 1980. Esse programa ocasionou a contratação de profissionais na Índia e na China para suprir as necessidades das empresas americanas.
Na perspectiva histórica, Jeffrey Gunn reporta em obra recente sobre os Krus, trabalhadores africanos que existiam na atual Libéria. Nos séculos XVIII e XIX, os britânicos utilizavam esta mão de obra livre e assalariada nos contextos comercial e militar. Este grande contingente de trabalhadores (Krus) representou uma exceção nas práticas da época, onde predominava o trabalho escravo no território africano, além dos tráficos transatlântico, transaariano e transíndico de escravos no mesmo período.
Paradoxalmente, nos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico esse movimento de trabalhadores assalariados (Krus) ocorreu durante a campanha da marinha britânica pela abolição do comércio de escravos, já que a revolução industrial nascente necessitava de mão de obra assalariada. A historiografia relata que não houve, contudo, preocupação com as vidas humanas, vedando-se apenas o tráfico de escravos. Tanto que em diversas ocasiões os enormes navios negreiros foram naufragados pela poderosa frota britânica com a perda de milhares de vidas cativas em seus porões.
Os Krus carregavam cartas de recomendação dos capitães com quem trabalhavam, como testemunho de confiança e ética no trabalho. Estes trabalhadores são considerados os primeiros terceirizados da história. Estas modalidades se encaixam na definição de “offshoring”.
Já na definição de “outsourcing”, a maioria dos autores alude à mobilização nacional durante a segunda guerra mundial como a gênese da terceirização. No decorrer do conflito, a indústria bélica americana tinha que se concentrar no desenvolvimento e produção de armamentos contra as forças do eixo. Desta forma, passaram a delegar atividades de suporte para empresas contratadas.
A Consolidação das Leis do Trabalho foi editada em 1943, quando o Brasil se encontrava em guerra ao lado dos aliados. Consta no final de sua exposição de motivos: "Ao pedir a atenção de Vossa Excelência para essa notável obra de construção jurídica, afirmo, com profunda convicção e de um modo geral, que, nesta hora dramática que o mundo sofre, a Consolidação constitui um marco venerável na história de nossa civilização, demonstra a vocação brasileira pelo direito e, na escureza que envolve a humanidade, representa a expressão de uma luz que não se apagou".
No Brasil, a mobilização é tratada nos arts. 22, XXVIII, e 84, XIX, da CF/88. Este último dispositivo autoriza o Presidente da República a decretar a mobilização nacional, total ou parcialmente, no caso de agressão armada estrangeira. A Lei 11.631/07 disciplina a mobilização e desmobilização nacional, prevendo no art. 4º, incisos II e III, por exemplo, medidas de reorientação da produção e a intervenção nos fatores de produção públicos e privados.
Mas apesar de participar do esforço de guerra, a terceirização no Brasil não adveio com a CLT, somente ganhando corpo na década de 1990.
Na teoria da administração, houve nesse período a alteração dos paradigmas taylorista e fordista para o toyotista. A externalização dos recursos das empresas virou o eixo de atuação empresarial a partir da década de 1980. Em 1989, a Kodak surpreendeu o mercado com a terceirização da maioria de seus sistemas de TI. Na década seguinte, seu exemplo foi seguido por diversas companhias pelo mundo.
Em estudo de referência, Supriya Routh analisou a terceirização de serviços de tecnologia da informação na Índia, conforme o décimo plano quinzenal do país. De outro giro, Shandre Thangavelu e Aekapol Chongvilaivan examinaram em obra prestigiada a terceirização na produção e nos serviços de Cingapura e Tailândia, em especial na indústria e no turismo.
No século XXI, há intensa terceirização de trabalhadores digitais, como engenheiros de software, em países como a Costa Rica. No Brasil, a Fundação Instituto de Administração constatou um grande crescimento na terceirização nos anos recentes, em especial nas atividades de gestão financeira, portaria, folha de pagamento e suporte técnico.
Importante pontuar que a diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio não é adotada em outros países. O STF rechaçou essa diferenciação, permitindo a terceirização de qualquer atividade da empresa, tal como disciplinado pela Lei 13.429/17.
Por outro lado, os §§ 1º e 2º do art. 25 da Lei das Concessões dispõem: “Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados; Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente.” Por atividade inerentes o STF entendeu ser qualquer atividade da empresa, inclusive a atividade-fim, conforme decidido na ADC 57.
De seu turno, o art. 29, I, da mesma lei prescreve: “Incumbe ao poder concedente: I-regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;” De outro giro, o art. 38, § 6º, da Lei 8.987/95 reza: "Declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária".
O TST entende que o STF não fixou balizas a respeito da distribuição do ônus da prova, ficando essa definição a seu cargo. A corte trabalhista fundamentou esse entendimento nos arts. 58, III, 66 e 78, VII, da Lei 8.666/93, que dispunham ser dever da administração pública fiscalizar o contrato, designando pessoa determinada para tal mister, sob pena de extinção do pacto. A Lei 14.133/2021 possui regramento similar no art. 6º, XVI, alíneas “a”, “b” e “c” e no art. 121, §3º, incisos I a V. Para tanto, a administração pública deve fiscalizar as obrigações trabalhistas da empresa contratada, podendo, entre outras medidas, exigir caução e condicionar o pagamento à demonstração de quitação dessas obrigações.
O STF, a fortiori ratione, restabeleceu em boa hora a segurança jurídica nas relações empregatícias, comerciais e administrativas, estabelecendo um marco objetivo na distribuição do ônus da prova para a responsabilidade subsidiária da Administração Pública na terceirização. Trata-se de entendimento decisivo para evitar a automática imputação por culpa in elegendo ou in vigilando.
Em suma, a Suprema Corte recompôs o instituto da terceirização, que estava subvertido por manipulações de regras processuais sob o subterfúgio de precarização das relações de trabalho, restaurando assim seu traçado científico exposto pela teoria da administração e pelas melhores práticas internacionais, extensíveis ao setor público.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. A Terceirização na Visão do Supremo Tribunal Federal e o Embate Entre as Cortes Superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2025, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3807/a-terceirizao-na-viso-do-supremo-tribunal-federal-e-o-embate-entre-as-cortes-superiores. Acesso em: 24 mar 2025.
Por: Juliana Pullino Reis
Por: Carlos Nogueira
Por: Andrea Lury
Por: Roberto Monteiro Pinho
Por: Roberto Monteiro Pinho
Precisa estar logado para fazer comentários.