Uma proposta inserida no projeto que transforma a Medida Provisória (MP) 927/20 em lei buscava restringir as pausas a que trabalhadores de frigoríficos têm direito por estarem em ambientes de até 15º C. Caso tivesse seguido em frente, apenas os funcionários que atuam em ambientes abaixo de 4º C ou que transportem produtos a câmaras frias teriam o direito a 20 minutos de descanso a cada 1h40 trabalhada. A medida valeria mesmo depois do fim da pandemia do Covid-19 (coronavírus) e acabou sendo retirada pelo deputado federal Celso Maldaner (MDB-SC) após sofrer fortes críticas na mídia e por entidades sindicais.
A MP foi editada pelo governo sob a justificativa de proteger as empresas e os trabalhadores dos impactos da crise sanitária na economia. Entretanto, a proposta relacionada aos frigoríficos é um exemplo de como alterar a legislação nesse momento pode ser um verdadeiro risco para os trabalhadores, sob pena de perderem direitos.
Em primeiro lugar, o fim da pausa iria aumentar o tempo de exposição dos funcionários de frigoríficos a condições penosas, aumentando a possibilidade de adoecimento pelo novo vírus. Sem os intervalos, há mais vulnerabilidade e o trabalhador que labora em frigorifico já tem facilidade de contágio de doenças de trato respiratório, tendo em vista as condições de proximidade e a dinâmica de produção.
Além disso, deveria ter sido ser levado em consideração que com o aumento das possibilidades de adoecimento, a mudança poderia acarretar prejuízos ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pois os adoecimentos crônicos requerem frequentemente afastamentos do trabalho por mais de 15 dias e ensejam o pagamento de auxílio-doença por parte do órgão, por tempo prolongado.
São justamente os trabalhadores de frigoríficos que estão entre os que mais se destacam pelo número de acidentes e doenças relacionadas à atividade, que exige a execução de movimentos repetitivos, passando por esforço físico e pelo trabalho em pé em posturas desconfortáveis. Isso aliado a ambientes de baixa temperatura e desconforto térmico, o que leva ao desgaste do trabalhador e a doenças físicas e psíquicas. As pausas permitem que haja uma diminuição dessas condições penosas de trabalho e a sua restrição significaria que a grande maioria dos trabalhadores de frigoríficos seria excluída.
Recentemente, uma série de unidades de frigoríficos no Rio Grande do Sul (SC) e em Santa Catarina (SC) foram interditadas porque se tornaram focos de transmissão de coronavírus. Tais empresas, por serem consideradas uma atividade essencial, tinham autorização para operar. A grande concentração de trabalhadores na linha de produção se somou ao ambiente refrigerado que impede a renovação de ar. Tais males de transmissão foram agravados e o Ministério Público do Trabalho (MPT) aponta responsabilidade das empresas.
Embora os frigoríficos sejam responsáveis pelo abastecimento alimentar, o que de fato configura atividade essencial, isto não pode se sobrepor a custo da vida e da saúde dos trabalhadores. Podemos concluir que a proposta se tratou de oportunismo para reduzir a proteção trabalhista prevista em lei.
Por fim, há uma questão técnica na proposta ao ser incluída de forma indevida em meio à análise de uma MP que trata da proteção de empregos durante a pandemia. Tratou-se da mais recente tentativa de se introduzir matéria estranha aos propósitos originários da edição, medida incompatível com a Constituição da República. No jargão do Congresso Nacional, uma proposta que não tem relação direta com o tema de um projeto, mas é nele incluída para facilitar a tramitação, é chamada de "jabuti".
Não se pode enganar a sociedade e transformar uma medida provisória, em meio à uma pandemia, em uma colcha de retalhos. O povo, que é o fiscal do Poder Legislativo, não pode ser pego de supetão. É desrespeitoso e um precedente perigoso para a lisura do processo legislativo.
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