O assédio moral ou violência moral no trabalho não é um fenômeno novo. Ele existe desde que o homem vive em sociedade, contudo sua prática ganhou mais relevo após o processo de globalização da economia, com o recrudescimento da concorrência e estreitamento de oportunidades no mercado de trabalho. Nesse passo, o assunto tem provocado muitas discussões entre os operadores do direito, requerendo uma maior razoabilidade na análise das questões para evitar-se, de um lado, o estímulo à indústria do assédio moral, concretizado num avolumado de reclamações trabalhistas, e do outro, um diagnóstico prematuro que venha a estimular novos abusos.
Nessa perspectiva, infere-se que a questão deve ser encarada com a maior seriedade possível, pois conforme visto antes, um diagnóstico inconsistente de assédio moral pode trazer a baila conseqüências jurídicas irreversíveis, tanto do lado do suposto agressor, como do lado da suposta vítima.
Assim, pode-se observar que diante da complexidade do tema, qual seja, a importância do ser humano no contexto organizacional e o resgate ao valor do bem estar do empregado como elemento essencial na relação de emprego, busca-se uma análise percuciente a partir dos mais variados posicionamentos acerca do assunto, isso tudo à luz da doutrina, da legislação vigente e da jurisprudência.
Conforme asseverado alhures, o assédio moral no trabalho é antiqüíssimo, mas seu destaque no mundo jurídico é recente. Referido fenômeno, ao contrário do assédio sexual, não está inserido no nosso ordenamento jurídico explicitamente. Não existe, pois, legislação federal específica sobre o tema, há apenas projetos de lei visando à proteção contra o assédio moral. Contudo importa destacar que há algumas disposições de leis municipais e estaduais disciplinando e conceituando o assédio moral.
Nesse sentido, bastante elucidativo o conceito de assédio moral dado pela a psicóloga francesa Marie-France Hirigoyen, em pioneiro estudo sobre o tema (2008, 65):
“Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. (...)”
Resta importante destacar que a prática do assédio moral não ocorre uma única vez, ela se dá de maneira continuada, podendo envolvendo poder, disputa, inveja e perversidade.
A doutrina estabelece uma classificação para os tipos de assédio moral existente no âmbito das organizações. Assim, tem-se a mais conhecida forma de assédio moral, a vertical, normalmente proveniente de comando hierárquico, decorrente de abuso de poder. Pode ainda ocorrer, ao contrário do que se poderia imaginar em um primeiro momento, o assédio moral entre colegas da mesma hierarquia funcional, configurando o denominado assédio moral horizontal. Por fim, tem-se o chamado assédio moral misto que pode ocorrer em função de omissão do superior hierárquico diante de uma agressão ocorrida na organização.
Nesse caminhar, imperioso destacar que o ordenamento pátrio não possui regulamentação específica sobre o tema em tela, contudo a prática do assédio moral implica grave violação à dignidade da pessoa humana.
Nesse passo, ao se avaliar o status jurídico-normativo da definição e conteúdo da dignidade da pessoa humana, no âmbito de nosso ordenamento constitucional, fácil é perceber que a Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua iminência, transforma-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.
Na esteira desse entendimento, pode-se colher a lição de Ingo Sarlet (2002, 72) quando afirma que a dignidade da pessoa humana possui força normativa mais intensa que uma simples norma, que, além do seu enquadramento na condição de princípio (valor) fundamental, é alicerce de mandamento definidor de direito e garantia, e também de deveres fundamentais.
Corroborando ainda com esse entendimento, temos decisão proveniente do E. TRT da 10ª Região, cujo trecho da ementa, acerca do assédio moral e a dignidade humana do trabalhador, é o seguinte:
“ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DO DEVER DE RESPEITO À DIGNIDADE HUMANA DO TRABALHADOR. O trabalho é elevado constitucionalmente a valor social, erigido em princípio fundamental da República Brasileira, valor cujo resguardo é imputado a todos os participantes da sociedade, em especial a empregados e empregadores. A violação da dignidade humana de trabalhadores, repetidamente submetidos a situações humilhantes e vexatórias no ambiente de trabalho, violação noticiada e comprovada mediante a adequada utilização da ação civil pública, merece ser pronta e efetivamente coibida” (TRT 10ª Região, RO nº 01.385-2001-009-10-00-4, Relator Juiz Mário Macedo Fernandes Caron).
Temos nessa quadra a dignidade da pessoa humana como fim supremo de todo o direito, acarretando a expansão de seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação.
Nesse passo, é salutar ainda ressaltar o que foi dito antes, atendo-se a observar que a Constituição Federal institui a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, incisos III e IV) como fundamentos balizadores do Estado Democrático de Direito, in verbis:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui–se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana;
(...)
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
Resta claro que os dois princípios acima elencados estão intrinsecamente relacionados, na medida em que uma das formas de se alcançar uma vida digna é por meio do trabalho. Da mesma forma, o trabalho só pode ser valorizado se for exercido com dignidade. Cumpre pois observar que a tentativa do constituinte originário ao abrigar ambos os princípios em um único dispositivo e reputá-los como fundamentos do Estado brasileiro indica, insofismavelmente, a opção constitucional por uma ideologia democrático-social.
Diante desta informação, nota-se que incorporar um valor social ao trabalho humano faz parte da história constitucional brasileira. Cumpre então esclarecer que o trabalho não pode ser assumido simplesmente como um mero fator produtivo, mas também como fonte de realização material, moral e espiritual do trabalhador.
Nessa perspectiva, cabe à livre iniciativa compatibilizar seus interesses com a valorização social do trabalho humano.
É sob essa perspectiva que a valorização social do trabalho impede, deper si, a disseminação do assédio moral no âmbito empresarial, simplesmente por que o valor trabalho, como fonte de realização moral e espiritual, em nenhuma hipótese se dissocia da pessoa que o presta.
Dando continuidade, faz-se ainda necessário destacar que dentre os direitos fundamentais do trabalhador está a proteção à vida e à integridade física, que começa pela preservação do meio ambiente do trabalho.
Assim, o chamado meio ambiente de trabalho enquadra-se entre os considerados interesses metaindividuais, na medida em que é um bem jurídico de interesse de todos. Sua degradação traz conseqüências para o conjunto dos cidadãos envolvidos, como também para qualquer indivíduo identificável, como acontece na hipótese do assédio moral.
Nesse caminhar, relevante explicitar as palavras de Márcia Guedes sobre o ambiente de trabalho (2003, 53):
“A saúde do meio ambiente de trabalho depende decisivamente do modo pelo qual o poder diretivo é exercido. Tanto o exercício do poder quanto a omissão e inoperância dos dirigentes podem não apenas favorecer como potencializar o desenvolvimento de relações perversas no interior da empresa”.
Sem dúvida, um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado influi na qualidade de vida do trabalhador dentro e fora da empresa. Nesse aspecto, deve o empregador proporcionar um ambiente de trabalho adequado para que os trabalhadores possam desenvolver sua plena capacidade criativa e laborativa, refletindo num aumento da produtividade e satisfação do trabalhador.
Cabe salientar que a qualidade de vida no trabalho corresponde, dentre outros aspectos a: compensação adequada e justa, condições de segurança e saúde no trabalho, oportunidade de desenvolvimento profissional e da capacidade humana, oportunidade de crescimento contínuo e seguro, integração social na organização do trabalho, respeito, tratamento digno, preservação da auto-estima e valorização dos atributos pessoais e profissionais do trabalhador.
Cumpre destacar que a não observância por parte do empregador, seja por atos seus ou por atos praticados por seus empregados e prepostos, em oferecer um ambiente de trabalho sadio, acarreta a responsabilização trabalhista, e ainda uma reparação cível ao ofendido. Nesse sentido merece destaque a oportuna e abalizada doutrina de Rodolfo Pamplona Filho, citado por Marco Aurélio Aguiar Barreto (2007, 63):
“No Brasil, a sistemática do direito positivo trouxe previsão de responsabilidade civil objetiva do empregador pelos atos dos seus prepostos, independentemente e sem prejuízo da possibilidade de responsabilização direta do agente causador do dano (...)”.
Ultrapassados tais esclarecimentos, cumpre apontar que cabe ao Ministério Público do Trabalho a defesa dos interesses coletivos e difusos a um meio ambiente de trabalho protegido contra abusos consistentes em vilipêndio à condição humana do trabalhador. Conforme a Magna Carta, são funções institucionais do Ministério Público, dentre outras, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III).
Assim, é prioridade para esta Instituição a garantia de um meio ambiente de trabalho saudável e seguro. Desta feita, para alcançar este fim, o Ministério Público do Trabalho tem atuado de forma bastante proficiente, através de meios judiciais (Ação Civil Pública) e extrajudiciais (Procedimentos Investigatórios).
A atuação do Ministério Público do Trabalho nos Estados se dá por intermédio das suas Procuradorias Regionais, com a atuação de suas Coordenadorias. Em relação ao tema, destaca-se a Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho (CODEMAT), que objetiva harmonizar as ações desenvolvidas pelo Ministério Público do Trabalho na área, dando prioridade às questões relacionadas às doenças ocupacionais e aos problemas de saúde e segurança do trabalhador.
Dessa forma, o Ministério Público do Trabalho, em sua atuação como órgão agente, tem cumprido a sua função de defender os interesses coletivamente considerados dos trabalhadores, dando demonstração de que é possível alcançar resultados quando existe seriedade e compromisso com causas de superior importância para o convívio em sociedade.
Seguindo o caminho que se pretende trilhar, passa-se então para a análise da relação do assédio moral com a posterior reparação pelo dano moral imposto.
A relação de emprego é campo fértil para a possibilidade de ocorrência de dano moral, eis que, em razão da exigência de prestação pessoal e habitual de serviços, em que uma parte se submete às ordens, comandos e regramentos advindos da outra, num constante estado de sujeição, fica muito fácil transpor a barreira da licitude e provocar a agressão do patrimônio moral.
Importa destacar que a subordinação do empregado não é uma autorização implícita para que os seus direitos sejam desrespeitados ou manipulados. Corroborando com este entendimento, tem-se a lição magistral de Alice Monteiro de Barros (1997, 33):
“O contrato de trabalho não poderá constituir um título legitimador de recortes no exercício dos direitos fundamentais assegurados ao empregado como cidadão; essa condição não deverá ser afetada quando o empregado se insere no organismo empresarial, admitindo-se, apenas, que sejam modulados os direitos fundamentais na medida imprescindível do correto desenvolvimento da atividade produtiva”.
Assim, a submissão aos comandos hierárquicos deve se restringir à adequação de normas e procedimentos adotados para a condução das atividades contratadas e não para justificar o abuso de poder no local de trabalho.
Nessa perspectiva, a Constituição Federal em ser art.5º, X, assegura ao empregado a indenização por dano moral pelo desrespeito ao princípio da igualdade na relação trabalhista, podendo ele pleitear, em juízo, a compensação pecuniária por sofrimentos, humilhações e maus-tratos ocorridos durante a execução do contrato de trabalho.
Assim, para se conseguir a efetividade do referido preceito, a reclamação trabalhista passa a ser a nova fase da relação contratual conturbada, em que as vítimas, demitidas ou não, ingressam em juízo para pleitear a reparação do direito lesado em face de um abuso de poder.
Por derradeiro, à guisa de conclusão, cabe mencionar que a regulamentação legal para repressão do assédio moral não é suficiente para evitar a disseminação desse mal na organização do trabalho, sendo elementar uma ação preventiva, pois a prevenção é a maior arma contra o assédio moral, exigindo do empregador a adoção de medidas necessárias para garantia de um meio ambiente de trabalho sadio e que proporcione qualidade de vida ao trabalhador.
Assim, diante do assédio moral e da forma como esse abuso de poder decorre, o trabalho a ser feito nas organizações é uma reeducação de valores, o que implicaria uma mudança cultural, com incentivo à prática do diálogo constante e permanente, e à implantação de um código de ética e de conduta baseado no respeito mútuo. O processo de comunicação numa empresa representa ponto-chave para evitar um comportamento violento como o assédio moral.
REFERÊNCIAS
Advogada, formada pela Universidade Federal do Maranhão-UFMA.<br>Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAVES, Maria Cláudia Gomes. O Assédio Moral nas Relações de Emprego: algumas considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2010, 07:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/544/o-assedio-moral-nas-relacoes-de-emprego-algumas-consideracoes. Acesso em: 25 nov 2024.
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