Introdução
No intuito de preservar a dignidade das pessoas idosas, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) estabeleceu especial proteção aos maiores de 60 (sessenta) anos, por parte do Estado. Tal diploma assegura ser o idoso sujeito de direitos, devendo ser posto a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante ou constrangedor.
Neste contexto, passou a ser discutida a possibilidade de afastamento da residência daquele familiar que atrapalha o convívio do idoso e viola a tranqüilidade do lar (quer com ameaças ou violências físicas, psicológicas ou patrimoniais, desrespeito, maus tratos, etc), mediante o ajuizamento de ação cautelar.
Recentemente, diversas liminares vêm sendo deferidas para autorizar o imediato afastamento do (s) filho (s) (ou qualquer outro parente), como forma eficaz de restabelecer a paz e a segurança no seio da família.
A necessidade de proteção ao idoso. A visão preconceituosa da sociedade.
A Constituição Federal de 1988, dentre os direitos sociais, elencou a assistência aos desamparados, com a proteção à velhice. Visou que a dignidade da pessoa humana fosse preservada em todas as fases da vida do indivíduo.
No intuito de conceder efetividade aos dispositivos constitucionais, após longos sete anos de tramitação, em 2003, foi aprovado o Estatuto do Idoso.
O Estatuto do Idoso estabelece os direitos dos cidadãos de terceira idade, conceituando-os como aqueles com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, especificando o direito à vida, liberdade, respeito, dignidade, alimentos, educação, saúde, segurança, cultura, esporte, lazer, previdência e assistência social, habitação, transporte, etc.
Foi-se necessária a edição deste diploma legislativo em razão de nossa sociedade ainda ser preconceituosa e atrasada, não compreendendo a importância dos idosos e a indispensabilidade da garantia de um envelhecimento digno e saudável.
Nas palavras de Dayse Coelho de Almeida (2003):
“Diante de todos esses maus-tratos surge o (...) o Estatuto do Idoso. (...) A Constituição Federal no art. 230 em si já era o suficiente para garantir a proteção ao idoso, porque assegura "a sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida". O dever de assegurar a participação comunitária, a defesa da dignidade, o bem-estar e o direito à vida, pertence à família, a sociedade e ao Estado, sendo portanto dever de todos. Toda vez que precisamos de leis para efetivar direitos constitucionais é sinal que não os respeitamos e, por conseguinte estamos um passo atrás do espírito constitucional. Nossa sociedade ainda não evoluiu o suficiente para alcançar a importância dos idosos e o compromisso social em propiciar a eles um envelhecimento digno, porque eles formaram a sociedade em que vivemos, estabeleceram padrões sociais, construíram o conhecimento que hoje adquirimos e mais, nós somos sua extensão genética, sua continuação, portanto parte deles”.
Ocorre que, além de efetivar os direitos dos idosos, esta lei possuía a árdua tarefa de modificar a visão da sociedade em relação ao idoso, valorizando-o. Até hoje, muitas pessoas (em especial, os próprios familiares), ainda desrespeitam os idosos, tratando-os de maneira vexatória, humilhante e degradante, sem qualquer consciência de que “a velhice não torna um ser humano menos cidadão do que outro”.
O Estatuto do Idoso e a possibilidade de afastamento de um familiar da residência comum. O poder geral de cautela e a garantia de efetividade da legislação protetiva
Segundo Eduardo Gonçalves Rocha (2003), o Estatuto do Idoso prevê que a família, a sociedade e o Poder Público têm o dever de garantir o idoso, com absoluta prioridade, os direitos assegurados à pessoa humana, tais como a preferência na formulação das políticas sociais, prioridade no atendimento público e privado, privilégio na destinação dos recursos públicos, garantia de acesso à rede de saúde e assistência social, etc.
O artigo 2º explicita que devem ser garantidas todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Ademais, deveras importante é o § 3º do artigo 10, que estabelece ser um dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Com base em tais dispositivos é possível que, no caso concreto, haja o afastamento de um filho ou de qualquer familiar da residência comum. Ora, é certo que o filho (ou qualquer outro familiar) que maltrate, ameace ou desrespeite um idoso, fisicamente, moralmente ou na esfera patrimonial, está a ferir a sua dignidade.
O Estado não pode permitir que tais abusos sejam mantidos, uma vez que os idosos são detentores de absoluta prioridade.
Agressões físicas são desumanas e degradantes, ameaças são aterrorizantes, furtos de bens da casa levam o idoso à situação vexatória. Filhos ou parentes usuários de drogas ou bebidas alcoólicas atrapalham o convívio do lar, abalando a sua tranqüilidade e podem ser dele afastados pela via coercitiva.
Recentemente, a justiça do Rio Grande do Norte julgou um caso nestes moldes. Uma senhora idosa, moradora da Zona Oeste de Natal, requereu e a julgadora Amanda Grace Diógenes Freitas Costa Dias deferiu o pedido liminar para autorizar o imediato afastamento do filho da residência de sua mãe.
A magistrada fundamentou a decisão no Estatuto do Idoso, uma vez que o réu era acusado de violar a tranqüilidade do lar e ameaçar a integridade física e psicológica de sua mãe idosa. A idosa apresentou à Justiça um Boletim de Ocorrência no qual informou que o filho estava furtando objetos da casa, tornando a convivência insuportável. A juíza, quando de sua decisão, indicou o artigo 10, § 3º do Estatuto do Idoso.
Na esfera processual, pode se afirmar que a concessão da medida cautelar de afastamento temporário do filho (ou qualquer outro familiar) da morada comum tem por fundamento o poder geral de cautela do juiz, estampado no artigo 798 do Código de Processo Civil, que é claro ao afirmar que além dos procedimentos cautelares específicos, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão de grave e de difícil reparação.
Ora, em face da ampla possibilidade de inovação em matéria de tutela cautelar, o afastamento temporário do familiar da morada comum se caracteriza como uma medida cautelar inominada, haja vista que não possui previsão específica em nosso diploma adjetivo, embora esteja lastreada nos dispostos do Estatuto do Idoso.
As condições das medidas cautelares atípicas são as mesmas da ação cautelar, quais sejam: a) um interesse na solução eficaz de uma lide (a plausibilidade do direito material); e b) o fundado receio de dano grave e de difícil reparação, em razão do periculum in mora.
Para a proteção do idoso, é certo que existe um interesse na solução eficaz de uma lide (garantir-se a saúde e a segurança) e o fundando receio de dano grave e de difícil reparação (a conduta de seus familiares pode acarretar tanto prejuízos físicos como patrimoniais ou psicológicos irreparáveis se não concedida a liminar).
Assim uma vez preenchidos tais requisitos de cautela, poderá o magistrado, coercitivamente, determinar o afastamento do filho (ou repise-se, qualquer familiar) que criou a situação insustentável na morada.
Assim, trazemos algumas decisões exemplificativas de nossos Tribunais:
“CAUTELAR INOMINADA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DE FILHO DA RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA. FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA. Se o filho é maior e capaz, apto a gerir a sua própria vida, e alegadamente vem adotando comportamento agressivo e violento com a mãe e filha e é usuário de drogas, estão presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, sendo cabível a via coercitiva, como forma eficaz de restabelecer a paz e a segurança no âmbito da família. Recurso desprovido.” (Agravo de Instrumento Nº 70011288636, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 22/06/2005)
“FAMÍLIA. ESTATUTO DO IDOSO. DESAVENÇAS FAMILIARES, PROTEÇÃO A IDOSO. AFASTAMENTO DA PROPRIEDADE, SOB PENA DE MULTA. FAMILIARES DE FILHO FALECIDO, DIREITO DE PESSOA IDOSA A SER PROTEGIDO. PERMANÊNCIA DOS DESCENDENTES NÃO PROTEGIDOS POR LEI. LIMINAR DEFERIDA EM FAVOR DO PROGENITOR, PESSOA IDOSA. ACUSAÇÕES RECÍPROCAS, NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CONVENIÊNCIA DE MANUTENÇÃO DO ESTADO ATUAL. AGRAVO DESPROVIDO”. (Agravo de Instrumento Nº 70018633107, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 26/04/2007)
O processo cautelar é utilizado para dar efetividade aos dispositivos do Estatuto do Idoso.
A razão do pedido, ou a “fumaça do bom direito”, encontra-se devidamente justificada através do interesse na conservação da saúde e segurança física, psicológica e patrimonial do Requerente. O perigo da demora, a seu turno, consubstancia-se no fundado de dano irreparável ou de difícil reparação, danos estes que se relacionam à integridade psíquica, física e patrimonial do idoso, bem como no dever do Estado de proteger o idoso e livrá-lo, imediatamente, de qualquer situação desumana, degradante, violenta, humilhante ou vexatória.
Conclusões
O Estatuto do Idoso revela uma forte preocupação com o respeito e a garantia dos direitos dos cidadãos de terceira idade (assim considerados aqueles com idade igual ou superior a 60 anos), em especial, com a sua dignidade e integridade física, psíquica e patrimonial.
Propõe uma modificação na visão da sociedade, ainda tão preconceituosa, com o objetivo de abandonar padrões materialistas e adotas condutas de cunho e caráter social.
O legislador pretende efetivar os dispostos constitucionais, considerando o idoso como um ser humano, sujeito de direitos, como qualquer outra pessoa.
Para garantir que sua finalidade seja alcançada, em alguns casos, faz-se imprescindível o afastamento de um familiar (que pode ser filho, irmão, genro, etc) da morada comum.
Ora, quando se restar violada a tranqüilidade do lar, com ameaça à integridade física, psíquica (e até patrimonial) do idoso, expondo-o a qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, será possível a concessão da liminar para afastamento temporário da morada comum, uma vez que o Estado não pode permitir a ocorrência de abusos e maus-tratos.
O poder geral de cautela do juiz estabelecido no artigo 798 do Código de Processo civil permite o ajuizamento da demanda, quando verificados os requisitos cautelares. O “fumus boni iuris” se justifica no interesse da conservação da saúde, integridade e/ou segurança física, psíquica ou patrimonial do idoso e o “periculum in mora”, na possibilidade de ocorrência de um dano irreparável ou de difícil reparação ante a inércia do Estado, que tem o dever de assegurar a absoluta prioridade.
Assim, parentes bêbados, drogados, violentos, desrespeitosos ou afins, podem ser afastados dos idosos, pela via coercitiva.
Bibliografia
ALMEIDA, Dayse Coelho. Estatuto do Idoso: Real proteção aos direitos da melhor idade? Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4402 Acesso em 05.set.2010.
ROCHA, Eduardo Gonçalves. Estatuto do Idoso: Um avanço legal. Disponível em http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/idoso/estat_legal.html Acesso em 05.set.2010.
SANTIN, Janaína Rigo. O Estatuto do Idoso: Inovações no reconhecimento da dignidade na velhice. Disponível em http://www.fag.edu.br/professores/gspreussler/Direitos%20Humanos/Estatuto%20do%20Idoso%20e%20Direitos%20Humanos.pdf Acesso em 05.set.2010
TÚLIO, Marco. A proteção do idoso nas desavenças familiares. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=329 Acesso em 05.set.2010
Advogada. Pós Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil e Processo Civil. Bacharel em direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Extensão Profissional em Infância e Juventude. Autora do livro "A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro" pela Editora Núria Fabris e Co-autora do livro "Dano moral - temas atuais" pela Editora Plenum. Autora de vários artigos jurídicos publicados em sites jurídicos.E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRETEL, Mariana e. A proteção ao idoso e a possibilidade de afastamento do (s) filho (s) (ou qualquer outro parente) da residência da família Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2010, 00:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/693/a-protecao-ao-idoso-e-a-possibilidade-de-afastamento-do-s-filho-s-ou-qualquer-outro-parente-da-residencia-da-familia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
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