Podemos dizer que o Direito do Trabalho é um subproduto do capitalismo, sendo fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. Esse compromisso se institucionalizou em diversos documentos internacionais nos períodos pós-guerra, representando também um pacto para a preservação da paz mundial por meio de um capitalismo socialmente responsável, humanizado, não permitindo que a concorrência entre as empresas acabasse com os direitos mínimos necessários à dignidade humana do trabalhador[1].
O momento histórico em que foram instituídos tais direitos retratava uma sociedade industrial, de produção rígida, centralizada, hierarquicamente verticalizada, onde era bem clara, definida e próxima a relação capital-trabalho.
Com a crise do Estado Social, na década de 70, e a chegada do modelo neoliberal, surge uma nova dinâmica no cenário das relações de trabalho que vem se modificando e se tornando mais complexa a cada dia.
De um lado, com a expansão da globalização, há a revolução da automação e das novas tecnologias, o aumento da rotatividade de mão-de-obra, a produção flexível e descentralizada, a privatização, a proliferação das falsas cooperativas, a concentração de renda e a crescente desigualdade social. De outro, nota-se a diminuição do poder dos sindicatos, da responsabilidade social e das garantias sociais dos trabalhadores.
Destacam-se, nesse novo momento, diversas figuras contratuais que têm por objeto a prestação do serviço subordinado, como o job-sharing (partilha de emprego), o consórcio de empregadores, o trabalho intermitente e em tempo parcial, a terceirização e quarteirização[2].
Tal quadro tende a diminuir cada vez mais os direitos sociais, configurando um verdadeiro golpe às garantias conquistadas com anos de lutas, revoluções e compromissos internacionais, sendo ainda mais grave quando ampliado para o plano externo, pois, muitas vezes, sequer existem empregados nas grandes empresas multinacionais, o que é inconcebível.
Como bem observa José Affonso Dallegrave Neto:
A solércia do ideário neoliberal aproveita-se do anacronismo da enumeração legal dos requisitos da relação de emprego para infundir mudanças drásticas capazes de deformar o Direito do Trabalho, máxime sua tentativa de amainar ou eliminar o princípio da proteção ao empregado, em flagrante estratégia que visa maior lucratividade da empresa às custas da precariedade da relação laboral. [3]
Entretanto, nesse panorama, a grande empresa continua exercendo o controle produtivo, numa crescente rede de subordinação, com o capital se desvinculando cada vez mais da relação social.
Vislumbra-se a evidente ausência de ponderação entre a livre iniciativa e a valorização social do trabalho aliada à função social da empresa e do contrato, consagrados pelo Código Civil de 2002 e pela Constituição da República de 1988 e imprescindíveis para a preservação da dignidade humana na sociedade capitalista do Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto de desvalorização do trabalho, provocado pelo surgimento de relações de trabalho cada vez mais variadas, complexas e precarizantes, embaladas pelo crescente avanço tecnológico, faz-se necessária, mais do que nunca, a busca de novas formas de se garantir a efetividade dos direitos fundamentais tutelados pelo Direito do Trabalho.
Cumpre mencionar que a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços preceituada na Súmula nº 331 do col. TST, ao disciplinar a terceirização, é apenas um paliativo, sem base legal, que legitima a flexibilização e afronta os artigos 2º e 3º da CLT.[4]
A aplicação da mencionada Súmula se faz ainda mais devastadora no âmbito da Administração Pública, pois além de contornar a regra dos concursos públicos[5], contribui para a perpetuação das empresas prestadoras desprovidas de idoneidade financeira, transferindo continuamente o débito indiretamente aos cidadãos contribuintes, sem a devida punição ao gestor público responsável, que tem o dever de contratar e fiscalizar o adequado cumprimento do contrato celebrado, conforme o disposto na Lei nº 8.666/93.[6]
Importante salientar que os empregados e os terceirizados - desde que inseridos na dinâmica do tomador de seus serviços, acolhendo, estruturalmente, seu modo de organização e funcionamento[7] - devem contar com a proteção do Direito Laboral, pois ambos geram lucro por meio da exploração de sua força de trabalho.
Só assim consagra-se a previsão constitucional da isonomia e da não-discriminação, diminuindo-se os efeitos maléficos da terceirização. Isso engloba, por exemplo, a mesma remuneração e o mesmo enquadramento sindical a tais trabalhadores, já que este é definido conforme a atividade da empresa e não pela forma de contratação da mão-de-obra.[8]
Com efeito, diante da complexidade das relações de trabalho e dos vários instrumentos precarizantes e desestabilizadores do Direito Trabalhista, deve ser reconhecida sua relevância cada vez maior, até porque ele não foi criado apenas para uma forma bem definida e tradicional de produção (fordista), mas sim para garantir a dignidade humana diante da exploração capitalista como um todo, na qual permanece a fragilidade dos que somente possuem a força de trabalho para oferecer e dela tirar sua subsistência.
Oportuno frisar: o que muda constantemente, em meio à evolução tecnológica, é apenas a forma em que se dá a exploração da mão-de-obra e, portanto, redefinidos os elementos caracterizadores da relação de emprego, deve-se aplicar plenamente a proteção juslaboralista aos trabalhadores, preservando sua função social essencial na realidade contemporânea.
Esse é o grande desafio que os operadores jurídicos precisam enfrentar, pois não há mais um Direito do Trabalho perfeitamente estruturado, e o que vai surgindo terá as marcas de nosso esforço, de nossa capacidade de união e convencimento.[9]
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