Introdução
O presente estudo se propõe à análise dos princípios constitucionais, em razão de, atualmente, ser inegável a sua importância em um ordenamento jurídico, posto que definitivamente superado o pensamento positivista e assentada a premissa de que a Constituição Federal (com seus princípios e normas) se caracteriza como o vetor axiológico de toda a legislação pátria.
Discorrer-se-á desde o conceito básico, enfrentando as tormentosas polêmicas referentes às distinções entre princípios e normas, princípios constitucionais implícitos e explícitos, aclarando, ao final, acerca de sua densidade e aplicabilidade.
A Constituição Federal de 1988 se caracteriza como um sistema normativo aberto de regras e princípios.
Para se entender o que esta afirmação realmente significa, mister a conceituação de princípio.
Segundo o Aurélio, princípio tem o significado de causa originária. A noção de princípio, ainda que fora do âmbito jurídico, sempre se relaciona a causas, alicerces, orientações de caráter geral. Trata-se, indubitavelmente, do começo ou origem de qualquer coisa.
Consoante a definição de De Plácido e Silva (1993, p. 447):
No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. (...) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito.
No mesmo sentido, a professora Teresa Negreiros (1998), também leciona que os princípios seriam guias, formas de orientação, normas providas de alto grau de generalidade e indeterminação, numa posição elevada de hierarquia, atuando como vetor para todo o sistema jurídico, “valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito”.
O princípio, inicialmente, deve ser considerado como uma espécie de norma jurídica, dotada de dimensão ética e política, entendida como um valor fundante do ordenamento jurídico. Nas palavras de Willis Santiago Guerra Filho (2002, p. 17):
Os princípios devem ser entendidos como indicadores de uma opção pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos e situações possíveis. (...) Os princípios jurídicos fundamentais, dotados também de dimensão ética e política, apontam a direção que se deve seguir para tratar de qualquer ocorrência de acordo com o direito em vigor (...).
Os princípios não seriam apenas leis, tal qual afirma Nelson Rosenvald (2005, p. 45-46), mas o próprio direito:
Os princípios não são apenas a lei, mas o próprio direito em toda a sua extensão e abrangência. Da positividade dos textos constitucionais alcançam a esfera decisória dos arestos, constituindo uma jurisprudência de valores que determina o constitucionalismo contemporâneo, a ponto de fundamentar uma nova hermenêutica dos tribunais.
Tratar-se-iam da base de todo o ordenamento jurídico, sempre racionais e verdadeiros.
Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007) assevera que os princípios seriam o traço unificador de todo direito, capaz de emprestar uniformidade ao conjunto de regras.
Conforme já afirmado por ocasião de outro trabalho de minha autoria (2006), caracterizam-se, efetivamente de postulados éticos inspiradores de toda ordem jurídica, constantes nas normas ou próprios à interpretação dessas.
E ainda (2006, p. 42):
Os princípios jurídicos são os fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica. Na verdade, não se configuram apenas como lei, mas como o próprio direito em toda a sua extensão e abrangência.
A distinção entre princípios e regras
José Joaquim Gomes Canotilho (1997), preocupa-se com a necessidade dogmática de uma clarificação tipológica da estrutura normativa. Dispõe que, embora a metodologia jurídica tradicional distinguisse entre normas e princípios, o mais correto é se considerar princípios e regras como espécies de normas e distinguir as referidas espécies.
A tarefa de distinção entre regras e princípios é deveras complexa e inexiste unanimidade doutrinária acerca do critério a ser adotado.
Segundo De Plácido e Silva (1993), é importante o caráter de fundamentalidade, sendo que os princípios se exprimiriam com um sentido mais relevante do que a própria norma jurídica, constituindo-se na razão fundamental de ser das coisas jurídicas, perfeitos axiomas.
Outros doutrinadores, como Nelson Rosenvald (2005) elencam o grau de abstração, bem como a posição hierárquica como fatores de distinção de tais normas.
O presente estudo concentrar-se-á na análise dos critérios de distinção utilizados por José Joaquim Gomes Canotilho (1997), por serem os mais completos e usuais: grau de abstração, grau de determinabilidade, caráter de fundamentalidade, proximidade da idéia de direito, natureza normogenética.
Grau de abstração
Os princípios são normas jurídicas com grau de abstração mais elevado, enquanto que as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.
Nos dizeres de Nelson Rosenvald (2005, p. 45):
Certamente, os princípios possuem um grau de abstração mais elevado, pois não se vinculam a uma situação específica, na medida em que estabelecem um estado de coisas que deve ser efetivado, sem que se descreva qual é o comportamento devido.
Ora, os princípios não se reportam a um fato específico, enquanto que as regras o fazem.
Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto
José Joaquim Gomes Canotilho (1997, p. 1124) esclarece que os princípios, “por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras”, enquanto que as regras “são suscetíveis de aplicação direta”.
Caráter de fundamentalidade
Em razão de sua posição hierárquica superior e de sua importância estruturante no ordenamento jurídico, os princípios se caracterizam como normas de natureza com papel fundamental, influenciando na elaboração de toda a legislação infraconstitucional. Ao contrário, as regras não possuem este caráter de fundamentalidade, mas sim uma estrutura lógica tradicional, com a descrição de um determinado fato ou situação.
Por Humberto Ávila (2003, p. 62):
Enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos (normas-do-que-fazer). Os princípios são normas cuja finalidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante (normas-do-que-deve-ser), ao passo que a característica dianteria das regras é a previsão do comportamento.
Teresa Negreiros, a seu turno, destaca a atuação dos princípios em um ordenamento jurídico como decorrência de sua natureza fundante (1998, p. 114):
Os princípios atuam, em razão de sua natureza fundante, em defesa tanto da unidade interna (primeira manifestação) como da adequação valorativa (segunda manifestação).
Resumindo, pode se afirmar que os princípios são fundantes e finalísticos, enquanto que as regras não o são.
Proximidade da idéia de direito
Segundo Walter Claudius Rothenburg (1999), este critério de distinção consideraria a proximidade dos princípios em relação à idéia básica de direito que orienta a ordem jurídica.
E completa J.J. Canotilho (1997), que os princípios seriam verdadeiros standards juridicamente vinculantes, ao passo que as regras seriam normas vinculativas com conteúdo meramente funcional.
Natureza normogenética
Os princípios se caracterizam como o fundamento das regras, desempenhando uma função normogenética fundamentante.
Os princípios constitucionais são normas, explícitas ou implícitas, que determinam as diretrizes fundamentais da Lei Fundamental, bem como influenciam em toda a sua interpretação e aplicação. Distinguem-se, basicamente, em princípios positivos (explícitos) e implícitos (inexpressos).
Princípios positivos e princípios implícitos
Grande parte da doutrina pátria procede à distinção entre princípios constitucionais positivos e princípios constitucionais implícitos. Enquanto aqueles seriam os pertencentes expressamente à linguagem do direito, estes seriam os que, embora não escritos nas leis, serviriam como bases do direito, preceitos fundamentais para a prática e proteção de direitos.
Conforme já asseverado em outra obra de nossa autoria (2006), a mais importante premissa a ser fixada é que a Magna Carta de 1988, admite as duas espécies de princípios. Ou seja, ao mesmo tempo em que expressamente dispõe alguns princípios, também atua como fonte de inspiração de diversos outros princípios. A concepção de princípios, enquanto normas constitucionais, considera tantos os princípios expressamente assentados no texto, quanto os princípios constitucionais implícitos ou deduzidos.
Embora alguns doutrinadores questionem ou condicionem a existência de princípios constitucionais implícitos (como por exemplo, Ruy Samuel Espíndola (1999), que restringe tais princípios somente àqueles reconduzíveis a uma densificação específica de princípios constitucionais positivamente plasmados), a imensa maioria dos doutrinadores reconhece a existência dos princípios constitucionais implícitos, atribuindo-lhe caráter e força normativa.
Os princípios constitucionais como valores supremos de nosso ordenamento jurídico
Os princípios constitucionais se caracterizam como os valores supremos e fundantes de nosso ordenamento jurídico. Em verdade, determinam todas as diretrizes e interpretações da legislação pátria. Em razão de sua qualidade normativa especial, promovem a coesão, a unidade interna de todo o sistema.
Nas palavras de Carla Fernanda de Marco (2008):
(...) Os princípios constitucionais merecem menção especial. São o ápice do sistema jurídico, tudo que lhes segue têm que estar em perfeita harmonia e conformidade com seus preceitos. Tais princípios valores que servirão de critérios para as futuras normas e serão concretizados à medida que forem sendo editadas normas para sua efetivação.
Complementadas por Luís Roberto Barroso (1999, p. 147 a 149):
Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie [...] Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.
E Rizzatto Nunes (2002, p. 37):
Da mesma maneira que os princípios ético-jurídicos mais gerais, os princípios constitucionais são o ponto mais importante do sistema normativo. Eles são verdadeiras vigas mestras, alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico. Os princípios constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Assim, devem ser obedecidos, sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper.
Ora, os princípios jurídicos esculpidos constitucionalmente, possuem, indubitavelmente, função interpretativa e diretiva, atuando como verdadeiras guias, alicerces para o estudioso e o aplicador do direito. Através das normas principiológicas, o aplicador do direito alcança situações da vida não expressamente previstas. Além de influenciarem na interpretação da legislação infraconstitucional, deve se destacar que os princípios atuam também em sede das próprias normas magnas.
Neste sentido, Nelson Rosenvald (2005, p. 43), assevera que “a grande força dos princípios provém de sua capacidade de investigar as fontes primárias de criação dos modelos jurídicos”.
E José Joaquim Gomes Canotilho (1997, p. 1128) acentua que os princípios constitucionais “pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo”.
Atualmente, conforme bem assevera Rizzatto Nunes (2002, p. 37) não se admite qualquer interpretação legislativa que não considere os princípios constitucionais:
Na realidade, o princípio funciona como vetor para o intérprete. E o jurista, na análise de qualquer problema jurídico, por mais trivial que ele possa ser, deve, preliminarmente, alçar-se ao nível dos grandes princípios, a fim de verificar em que direção eles apontam. Nenhuma interpretação será havida por jurídica se atritar com um princípio constitucional.
O sistema jurídico aberto. A Constituição Federal como vértice axiológico do ordenamento jurídico. O diálogo entre a legalidade a legitimidade
Após o advento das Grandes Guerras Mundiais, as Constituições mudaram o seu conteúdo e a sua importância. Passaram a ser caracterizadas como as normas jurídicas hierarquicamente superiores do sistema, com imperatividade e prevalência normativa.
Segundo André Borges Netto (2007), a Constituição é “o ato normativo do poder constituinte originário, sendo a fonte inicial de todo o ordenamento jurídico pátrio”.
Trata-se da lei suprema, da qual se exaram os princípios fundamentais para todas as demais regras a serem estabelecidas.
Consoante o doutrinador Nelson Rosenvald (2005, p. 42), houve a renúncia a uma função meramente coadjuvante e o início de uma nova sistemática:
Após a segunda metade do século XX, ocorreu uma grande transformação na idéia de Constituição. Ela renuncia à função meramente coadjuvante de norma ordenadora de divisão de competências e de limitação à atuação do Estado. Converte-se em norma jurídica superior do sistema, dotada de imperativa e prevalência normativa. A Lei Maior emite decisões políticas fundamentais, estabelecendo as prioridades do ordenamento jurídico.
A Constituição de um Estado, tornou-se, assim, o vértice axiológico de um ordenamento jurídico, e, no caso brasileiro, caracteriza-se, efetivamente, como a lei suprema de um ordenamento jurídico aberto.
Em outra obra de nossa autoria, já fora assim delineado o ordenamento jurídico aberto (2007):
O ordenamento jurídico aberto, conceitualmente, é aquele em que se encontram, de maneira harmônica, regras e princípios, sendo que estes são considerados um verdadeiro elo entre o jurídico e o não-jurídico. Trata-se de um sistema jurídico em que o Código não visa a perfeição ou a plenitude, evidenciando-se um direito mais flexível, em que se busca uma nova adequação à vida, operando como um instrumento para o cumprimento da função social.
Diante da constante mutação do sistema, são valorizados não apenas os instrumentos legislativos derivados do Estado, mas também princípios, costumes e crenças populares.
No ordenamento jurídico pátrio, não mais subiste o dogma da completude. Encerrou-se a fase do “fetichismo da lei”, como definia Norberto Bobbio (1982). Não mais se admite a existência de uma regra pontual para cada específico, preferindo-se a adequação segundo valores supremos (expressos ou implicitamente contidos na Magna Carta). Não se acredita na auto-suficiência absoluta das leis.
Nos dizeres de Teresa Negreiros (1998, p. 162-163):
Sustentar a abertura do sistema jurídico significa admitir mudanças que venham de fora para dentro, ou, em termos técnicos, que provenham de fontes não imediatamente legislativas; significa, por outras palavras, admitir que o Direito, como dado cultural, não se traduz num sistema de ‘auto-referência absoluta’.
E Judith Martins-Costa (2000, p. 32):
O sistema relativamente aberto opera a partir da diversidade de fontes de produção jurídica, com acentuado peso à fonte judicial e com forte atenção à prática de fixação social de tipos e modelos pela via costumeira, negocial e jurisprudencial. (...) entram em cena a regulação por princípios e as cláusulas gerais.
Ora, a concepção do ordenamento jurídico aberto pressupõe a conciliação de valores jurídicos supremos, através de princípios jurídicos, aplicados de acordo com a análise do caso concreto. Neste contexto, são pertinentes as colocações de Clóvis do Couto e Silva (1997, p. 43):
A concepção de sistema aberto permite que se componham valores opostos, vigorantes em campos próprios e adequados, embora dentro de uma mesma figura jurídica, de modo a chegar-se a uma solução que atenda a diversidade de interesses resultantes de determinada situação.
O juiz passa a ponderar os princípios existentes e vigorantes, não apenas a aplicar uma lei pronta e acabada, com a eventual revogação de outra em sentido contrário. Busca-se a ética e a justiça.
Nas expressões de Marcelo J. López Mesa (2005):
La utilización de las normas abiertas o de los principios generales aporta al Derecho contenido ético-jurídico, que provoca la crisis del legalismo y del positivismo riguroso, y conduce a um derecho judicial libre.
Segundo, ainda, Nelson Rosenvald (2005), o mérito de toda Carta Constitucional compromissada se encontra no reconhecimento da normativa dos princípios, permitindo um diálogo entre a legalidade a legitimidade.
E por José Joaquim Gomes Canotilho (1997, p. 1140), embora não seja uma tarefa fácil para o aplicador do direito, as regras e princípios dispostos na Constituição Federal devem ser utilizados como verdadeiras leis no ordenamento jurídico aberto:
A complexa articulação da textura aberta da constituição com a positividade constitucional sugere, desde logo, que a garantia da força normativa da constituição não é tarefa fácil, mas se o direito constitucional é direito positivo, se a constituição vale como lei, então as regras e princípios constitucionais devem obter normatividade regulando jurídica e efectivamente as relações da vida (p. Heck), dirigindo as condutas e dando segurança e expectativas de comportamento (Luhmann).
A fase atual denota a gradativa e constante superação da Escola da Exegese e do pensamento postivista, imperando-se que o juiz figure como um agente participativo e não apenas como um mero aplicador de regras pré-definidas (boca da lei), relevando sempre o disposto na Carta Fundamental.
Tal qual já se fora disposto, o aplicador do direito deve interpretar as normas constantemente, sempre verificando, em primeiro lugar, os princípios constitucionais. Uma interpretação que desconsidera tais valores é incompleta e incorreta.
A densidade e a aplicabilidade dos princípios constitucionais no ordenamento jurídico aberto
Conforme já fora disposto, a Constituição Federal dispõe uma série de princípios, alguns expressos por dicção legislativa e outros decorrentes da lógica do sistema.
Por óbvio, tais princípios, ainda que se caracterizem como vetores norteadores do ordenamento jurídico, em determinados casos concretos, chocam-se, entram em conflito. A grande tarefa da doutrina é pacificar que valores deveras distintos possam ser compatibilizados de acordo com as circunstâncias, admitindo-se uma ponderação.[1]
Leciona Lise Nery Mota (2008) que o juiz, no exercício de sua função, submeter-se-á aos princípios jurisdicionais, vinculando-se a eles quando da prolação de suas decisões, devendo adaptá-los corretamente a cada situação que lhe for posta.
O conflito existente entre princípios não seria resolvido pela lógica da revogação ou “do tudo ou nada”, como bem ressalta José Joaquim Gomes Canotilho (1997, p. 1.145- 1.146):
O facto de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes. (...) O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e o antagonismo de idéias subjacentes ao pacto fundador. A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a conseqüente destruição da tendencial unidade axiológica-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma lógica do tudo ou nada, antes podem ser objeto de ponderação e concordância prática, consoante o seu peso e as circunstâncias do caso.
Neste mesmo sentido, Nelson Rosenvald explicita o método da ponderação (2005, p. 48):
Os princípios colocam-se em estado de tensão, passível de superação no curso da aplicação do direito. O sentido dos princípios só será alcançado na ponderação com outros de igual relevância axiológica, pois operam em par, em complementariedade. Eles são prima facie, pois enquanto nas regras o comportamento já é objeto de previsão textual – elas pretendem gerar uma solução específica para o conflito – os princípios não portam consigo juízos definitivos do dever-ser, eles não determinam diretamente a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretização demandará intensa atividade do aplicador do direito. O princípio não aspira a obtenção de uma solução específica, mas soma-se a outras razoes para a tomada de decisões. Assim, será na dimensão do peso que se realizará uma harmonização entre os princípios e suas diretrizes valorativas, a ponto de afastar um deles no caso concreto, solucionando-se o campo de tensão.
E Fernando Ferreira dos Santos aclara sobre a persistência da condição principiológica em todo e qualquer caso (1998):
Um princípio não determina as condições que tornam sua aplicação necessária. Ao revés, estabelece uma razão (fundamento) que impele o intérprete numa direção, mas que não reclama uma decisão específica, única. Daí acontecer que um princípio, numa determinada situação, e frente a outro princípio, não prevaleça, o que não significa que ele perca a sua condição de princípio, que deixe de pertencer ao sistema jurídico.
Ora, quando da análise de determinado caso concreto, em havendo uma situação conflituosa, deve se ponderar, de acordo com a lógica da razoabilidade e proporcionalidade, qual princípio constitucional deverá prevalecer. Contem-se o arbítrio, proporcionando-se uma moderação no exercício do poder e a correta proteção dos valores magnos.
Frisa Marcos de Azevedo (2006) que a aplicação dos princípios constitucionais deverá buscar a harmonização do texto magno, com suas finalidades precípuas.
Nos dizeres de Lise Nery Mota (2008, p. 99), privilegia-se um princípio fundamental, em detrimento de outro, “na medida do necessário, para aquele caso, mantendo-se ambos igualmente válidos”.
Rizzatto Nunes (2002), ao discorrer acerca da aplicabilidade e interpretação dos princípios, ensina que o método da proporcionalidade deve, essencialmente, ser encarado sob três aspectos: a adequação, a exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação consistiria na prevalência do princípio que melhor alcançasse o resultado almejado no caso concreto.
De acordo com a exigibilidade, dever-se-ia procurar atingir no mínimo os valores garantidos constitucionalmente que tenham entrado em colisão com o princípio prevalente. Neste diapasão, imperar-se-ia ser escolhido o mais brando dentre aqueles que se apresentam disponíveis, no sentido de preservar, tanto quanto possível, todos os valores constitucionalmente protegidos.
Finalmente, a proporcionalidade em sentido estrito significaria que deveria ser empregado o meio que se mostrasse mais vantajoso do princípio prevalente, sempre se desvalorizando no mínimo possível os demais.
Para Willis Santiago Guerra Filho (2002, p.19), superada a questão de aplicação dos princípios, deve se destacar, ainda, que é importante a utilização dos princípios na resolução de conflitos, haja vista que se acentua a valorização do pensamento pós-positivista:
(...)Na medida em que aumenta a freqüência com que se recorre a princípios para a solução de problemas jurídicos, ocorre o crescimento também da importância daquele ramo do direito ocupado em disciplinar os procedimentos, sem os quais não se chega a um resultado aceitável, ao utilizar um meio tão pouco preciso e vago de ordenação de conduta, como são os princípios. Isso significa também que a determinação do que é conforme o direito passa a depender cada vez mais da situação concreta em que aparece esse problema, o que beneficia formas de pensamento pragmáticas, voltadas para orientar a ação.
Tal qual ensina José Joaquim Gomes Canotilho (1997), cada princípio constitucional possui, per si, um conteúdo específico, uma marca distintiva.
Inúmeras classificações principilógicas podem ser encontradas na doutrina, como a distinção entre princípios fundamentais, conformadores, políticos, impositivos, garantias, organizatórios, jurídico-materiais, entre outros.
Ademais, existem diversos princípios que merecem um estudo detalhado, como o da dignidade da pessoa humana, da igualdade substancial, da boa-fé objetiva, da proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), entre outros, o que, por hora não será feito, simplesmente pelo fato deste artigo se focar na teoria geral dos princípios.
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[1] De acordo com Jorge Miranda (1998, p. 76), “a contradição dos princípios deve ser superada ou mediante a redução proporcional do âmbito de acordo de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos, mediante a preferência ou a prioridade de certos princípios”.
Advogada. Pós Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil e Processo Civil. Bacharel em direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Extensão Profissional em Infância e Juventude. Autora do livro "A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro" pela Editora Núria Fabris e Co-autora do livro "Dano moral - temas atuais" pela Editora Plenum. Autora de vários artigos jurídicos publicados em sites jurídicos.E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRETEL, Mariana e. Princípios constitucionais: conceito, distinções e aplicabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 mar 2009, 07:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17072/principios-constitucionais-conceito-distincoes-e-aplicabilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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