GENETICALLY MODIFIED AND THE PRECAUTIONARY PRINCIPLE IN DEMOCRATIC STATE LAW.
RESUMO: Organismos Geneticamente Modificados e o Principio da Precaução no Estado Democrático de Direito é uma abordagem da autorização dos alimentos transgênicos no Brasil perante o Estado Democrático de Direito, da maneira como foi autorizado pelo governo o plantio, colheita e comercialização desses alimentos, tendo como objetivo mostrar o notável desrespeito da Medida Provisória nº 131, assinada pelo vice-presidente da República em exercício em 25 de setembro de 2003, autorizando a produção, o plantio e a comercialização de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) sem serem providas avaliações prévias de impacto ambiental, com um dos princípios basilares do Direito Ambiental, o Princípio da Precaução, abraçado pelo art. 225 da Constituição Federal, ferindo a Dignidade da Pessoa Humana, que é o Princípio fundamental de um Estado Democrático de Direito. Também é de extrema importância demonstrar que ainda não se conhece os danos que os Organismos Geneticamente Modificados podem ocasionar ao meio ambiente e à saúde humana, sendo que, nesse sentido, seria necessário um prévio estudo dos riscos e avarias que podem ser causados por estes, antes de ser autorizada qualquer medida para a produção dos Organismos. E com relação à produção, plantio e comercialização dos mesmos, o risco não é apenas de destruição do meio ambiente, mas também para a saúde humana.
Palavras-chave: OGM; Transgênicos; Estado Democrático de Direito; Princípio da Precaução.
ABSTRACT: Genetically Modified Organisms and the Precautionary Principle in the democratic rule of law is an approach to the authorization of GM foods in Brazil before the democratic rule of law, as it has been authorized by the government planting, harvesting and marketing of these foods, aiming to show remarkable disregard of Provisional Measure No. 131, signed by the vice-president in office on September 25, 2003, authorizing the production, planting and marketing of Genetically Modified Organisms (GMOs) without being provided prior assessments of environmental impact, with a the basic principles of environmental law, the precautionary principle, embraced by art. 225 of the Federal Constitution, injuring Human Dignity, which is the fundamental principle of a democratic state. It is also extremely important to demonstrate not yet know the damage that genetically modified organisms can cause to the environment and human health, and in this sense, would require a prior study of the risks and damage that may be caused by them, before allowing any action for the production of Organisms. And with regard to production, planting and marketing of these products, the risk is not only the destruction of the environment, but also to human health.
Keywords: GMO, Transgenics, democratic state; Precautionary Principle.
1. O QUE SÃO OS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
Organismos Geneticamente Modificados, (daqui para frente OGM ou Transgênicos), de acordo com (RODRIGUES; ARANTES, 2006, p. 22). “são todos aqueles organismos que in vitro recebem um ou mais genes, utilizando a transgênese”, que é afirmado por Magalhães (2005) como uma técnica de melhoramento genético, na qual ocorre a inserção de um ou mais genes exógenos em um organismo, estando o conceito mais ligado às técnicas para obtenção destes organismos que aos produtos obtidos. A palavra “transgênico”, como mostra Leite (2000), indica transformação, modificação ou alteração da carga genética via tecnologia especifica a transgênese, diz-se do animal ou vegetal que contém material genético tirado de outras espécies, através de técnicas da engenharia genética.
Na atualidade quando nos referimos aos alimentos transgênicos, por se tratar de um assunto polêmico, é muito abordado pelas mídias e discutido entre estudiosos, entretanto, segundo Ferreira (2012) grande parte da população não entende o que vem a ser o alimento transgênico. Dessa forma, necessário se faz conceituar os alimentos transgênicos na visão de alguns doutrinadores e estudiosos do direito.
Como afirmam a tese adotada por Rodrigues e Arantes descrita a cima, Santilli, Nunes e Bessa (2003) explicam que este organismos são produtos criados em laboratório, a partir da introdução de genes de determinados seres vivos (vegetais e até animais) em outros seres vivos que jamais se ‘cruzariam’ naturalmente. Já Miranda (2001) entende que:
Alimentos transgênicos são as substâncias no estado sólido, líquido, pastoso ou em qualquer outra forma adequada, e conclui que são destinados a fornecer ao organismo humano alimentos normais a sua formação, manutenção e desenvolvimento, cujo material genético tenha sido modificado por atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes. (MIRANDA 2001, p. 16)
Ainda, Vieira e Vieira Júnior (2006) definem os alimentos transgênicos como sendo aqueles oriundos de uma planta transgênica ou de frutos, cereais ou vegetais delas extraídos. Segundo o dicionário Aurélio, alimentos transgênicos são organismos que possuem genes de outra espécie. (FERREIRA 2001, p.681)
Porém, para a Lei de Biossegurança (Lei nº 8.974/95), organismo geneticamente modificado é somente aquele organismo cujo material genético tenha sido modificado pela engenharia genética, não incluindo, portanto, outros métodos ou outras ciências correlatas. (Art.3º, V, paragrafo único).
Dentre tantas definições, certo é que se trata de manipulação de genes, com a finalidade de criar organismos resistentes, de difícil destruição, que podem se espalhar pelo meio ambiente facilmente e contaminar plantações, poluir rios, causando um desequilíbrio ambiental de consequências ainda desconhecidas tanto ao meio ambiente, quanto a saúde humana.
2. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO
Dos vários princípios ambientais existentes, destacam-se dois que são primordiais quando o assunto é Organismos Geneticamente Modificados, os princípios da Prevenção e da Precaução, em especial o Princípio da Precaução.
Conceitua Fiorillo (2012) sendo o principio da prevenção como aquele que impõe determinadas medidas em situações de danos ambientais cientificamente comprovadas, como forma de mitigar o impacto ambiental. Chiuvite (2010, p. 38) disserta que a ideia de prevenção está ligada em “antecipar-se ao que vai vir e, nesse caso, porque já se conhece o que vai vir”, trata assim de riscos e impactos já conhecidos pela ciência, e é aplicado com o objetivo de impedir a ocorrência de danos ao meio ambiente, por meio da imposição de medidas de proteção antes da implantação de empreendimentos e atividades consideradas de risco de dano. Vieira e Vieira Júnior (2006) conceituam o principio da precaução como sendo o principio de direito ambiental que regula a adoção de medidas de proteção ao meio ambiente em casos envolvendo a ausência de certeza científica e ameaças de danos sérios ou irreversíveis. Leite e Ayala (2011, p.53) fazem distinção entre os princípios, “comparando-se o princípio da prevenção com o da atuação preventiva, o qual exige que os perigos comprovados sejam eliminados, já o princípio da precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao meio ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta”.
O Princípio da Precaução é o princípio que rege a lei de Biossegurança, uma vez que quando se fala em modificação genética, não há certezas sobre seus impactos à saúde e ao meio ambiente, dessa forma, necessário é a utilização de ferramentas como o estudo de impacto ambiental – EIA – e o relatório de impacto ambiental – RIMA – ferramentas apontadas pelo Princípio da Precaução, como fundamentais quando o assunto é OGM.
Precaução de acordo com Derani (1997) quer dizer cuidado – in dubio pro securitate –, está diretamente ligada aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras. Por esse princípio impõe-se a realização de estudo prévio de impacto ambiental (EIA).
Como fundamentado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (...) impetrada pelo Partido Verde (PV), o estudo prévio de impacto ambiental é um pressuposto constitucional da efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tem vulcro no art. 225, § 1º, IV, da Constituição de 1988, que incumbe ao Poder Público exigi-lo nas hipóteses em instalação da obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Prescreve, ainda, que dele se dê publicidade. Mas já era previsão legal como um expressivo instrumento de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81, art.º 9º III) e pressuposto para o licenciamento de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento e atividades capazes de causar degradação ambiental.
O posicionamento preventivo tem por fundamento o não causar perigo ao meio ambiente. É um aspecto da responsabilidade, negligenciado por aqueles que se acostumaram a somente visualizar os danos por não prevenir, resultando obrigações de fazer e não fazer.
Não é preciso que se tenha prova científica absoluta de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano seja irreversível ou grave para que não se deixem para depois as medidas efetivas de proteção ao ambiente. Existindo dúvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao ambiente a solução, como é mostrado por Harremoes (2002), deve ser favorável ao ambiente e não a favor do lucro imediato - por mais atraente que seja para as gerações presentes.
Phillipe Sands (2004), emérito professor de direito internacional e uma das maiores autoridades no assunto, resolve a questão ao referir-se a Declaração do Rio, ao incorporar vinte e sete princípios de cooperação entre Estados e povos, tem a finalidade de estabelecer as bases para o direito internacional ao desenvolvimento sustentado. Segundo ele:
Apesar de não serem estritamente vinculante, muitas das regras (da Declaração do Rio) refletem princípios do direito costumeiro internacional, outras refletem princípios emergentes no direito internacional em, ainda, outras preveem orientações a serem incorporadas nos sistemas normativos internos e internacionais. A Declaração do Rio é a mais importante referência para se avaliar os futuros desdobramentos do direito internacional ao prover as bases para a definição do desenvolvimento sustentável e sua aplicação no plano do direito interno. (SANDS 2004, p.44-45).
Especificamente sobre o princípio da precaução, Sands não tem dúvida em afirmar que tal princípio, expresso na Declaração do Rio e devidamente incorporado nas Convenções Internacionais de Mudanças Climáticas e Conservação da Diversidade Biológica, faz parte do direito costumeiro internacional, sendo, portanto, uma regra de jus cogens, que deveria se incorporar automaticamente ao direito interno.
A propósito, a discussão sobre os efeitos vinculantes do princípio da precaução não leva a lugar nenhum, à medida que a Convenção da Diversidade Biológica, que é um tratado internacional, assinado, ratificado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº. 2 de 3 de fevereiro de 1994 e incorporado no direito interno a partir de maio de 1994, expressamente acolhe o princípio da precaução como meio de proteção da variedade biológica no planeta.
A Convenção da Diversidade Biológica (Rio/92) determina que "Toda nova tecnologia deve ser analisada previamente a fim de verificar se sua aplicação poderá ter qualquer impacto indesejável”.
O Princípio da Precaução como fala Fisher (1999), deve ser utilizado como regra geral em situações onde existam ameaças sérias e irreversíveis à saúde e ao meio ambiente, buscando evitar que sejam tomadas decisões e autorizando o ingresso de ameaças ao meio ambiente, mesmo que não exista prova definitiva do dano. Conforme evidencia Raffensberger e Tickner (1999), o Princípio da Precaução não permite que a ausência de certeza cientifica, seja usada para atrasar uma ação preventiva.
A abordagem da precaução é muito melhor que considerar os benefícios para a indústria como prioritários. A mesma oferece segurança para o meio ambiente por meio dos indivíduos e das comunidades que serão afetadas se algo de errado acontecer.
Podemos evidenciar o Princípio da Precaução desde a Declaração de Estocolmo de 1972, estando presente no artigo 30 da Carta de Direitos e deveres Econômicos dos Estados (ONU, Res. nº. 3281/74) e em outras declarações e convenções internacionais.
Portanto, quando se fala em precaução, exige-se uma abordagem mais profunda, introduzindo uma análise científica mais rigorosa, com um maior escopo e um maior número de especialistas envolvidos, evitando falhas. A precaução está envolvida em todas as etapas de decisão em áreas onde a ação visando apenas ao desenvolvimento econômico pode levar a efeitos danosos sérios e inalteráveis.
3. A LEI DE BIOSSEGURANÇA
Antes que se passe propriamente ao exame do conteúdo da Lei 11.105/05, convém mencionar como afirma Ferreira (2008) que seu processo de elaboração foi cercado por grandes polêmicas relacionadas não apenas à segurança dos organismos transgênicos, mas também à possibilidade de cultivá-los e comercializá-los em território nacional. No Brasil, a emergência do movimento de subpolitização e dos debates públicos sobre OGMs teve início no ano de 1998, quando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança emitiu parecer técnico à empresa multinacional Monsanto autorizando o plantio em escala comercial da soja transgênica RR sem a realização do estudo prévio de impacto ambiental, considerado obrigatório nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil para todas as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental 314. Em face da inobservância do preceito constitucional acima referido, a autorização concedida pela CTNBio foi imediatamente contestada na esfera judicial 316. Enquanto a controvérsia era ainda apreciada pelos tribunais, como evidencia Gaspar (2003), tornou-se público que sementes de soja transgênica estavam sendo ilegalmente trazidas da Argentina e cultivadas em território nacional. “Estimativas indicam que no ano de 2003 o cultivo de sementes de soja geneticamente modificadas representava 8% da safra nacional, o que equivalia a aproximadamente dez bilhões de reais”. (PROBLEMA, 2003, p. 59). Nessa fase, menciona Guivant (2007), observa-se uma das peculiaridades mais significativas do caso brasileiro: através da edição da Medida Provisória n. 113, de 26 de março de 2003, a comercialização de toda a safra de soja do ano de 2003, o que incluía as cultivares transgênicas ilegalmente introduzidas no país, foi autorizada. A referida Medida Provisória (MP daqui para frente), destaca-se, foi posteriormente convertida na Lei 10.688, de 13 de junho de 2003.
Alguns aspectos devem ser destacados sobre a Medida Provisória n. 113/03, particularmente sob a perspectiva do fenômeno da irresponsabilidade organizada. De início, assim como mostra Delduque (2004), considera-se que ao regulamentar a matéria através de MP, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu unilateralmente, desconsiderando por completo a possibilidade de envolvimento público no processo decisório. Acrescenta-se a isso o fato de que a Medida Provisória n. 113/03 contrariou decisão judicial válida e eficaz que ordenava a realização do estudo de impacto ambiental antes do plantio em escala comercial da soja transgênica, o que confirma que a efetiva proteção do meio ambiente depende simultaneamente de compromissos jurídicos, políticos e sociais. Por fim, menciona PRUDENTE (2003) que a MP em questão cancelou expressamente a eficácia dos instrumentos de gestão de risco em vigor ao estabelecer que a “comercialização da safra de soja 2003 não estará sujeita às exigências pertinentes da Lei n. 8.974, de 05 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória n. 2.191-9, de 23 de agosto de 2001” (BRASIL, 2003, art. 1º). Causando perplexidade, idêntica provisão foi também inserida na Lei n. 10.688/03 317.
Nesse sentido, considera-se as palavras de Leite e Ayala (2004, p. 181-182) “note-se que o cancelamento da eficácia dos instrumentos de gestão de riscos é tão visível, que chegou a ser reproduzido textualmente no art. 1º, da Lei n. 10.688/03, excluindo expressamente a safra de soja de 2003, das restrições e do regime de segurança biológica imposto pela Lei n. 8.974/95”. É a manifestação máxima da irresponsabilidade organizada no contexto da atual política ambiental brasileira.
Na véspera de assinar a MP n. 113/03, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou-se sobre as dificuldades enfrentadas pelo Governo Federal para agir no caso dos transgênicos, oportunidade em que declarou: "a posição mais fácil é proibir a venda, mas falar é fácil, fazer é difícil: tem muita soja misturada e nós sabemos o que isso implica. Se não mudar a lei, vamos fazer cumprir a lei que existe” (SALOMON, 2003). Como era de se esperar, a situação da soja transgênica no país não se resolveu com a edição da MP n. 113/03. A legislação vigente, no entanto, continuou a ser descumprida.
Através da Medida Provisória n. 131, de 25 de setembro de 2003, o Governo Federal decidiu estabelecer normas para o plantio e a comercialização da produção de soja da safra do ano de 2004, fossem as sementes transgênicas ou convencionais 318. (BRASIL, 2003 d) A referida MP destaca-se, foi posteriormente convertida na Lei n. 10.814, de 15 de dezembro de 2003 319.
Já em suas disposições iniciais, a MP n. 131/03 reproduziu a decisão de tornar inoperante o regime de segurança estabelecido pela Lei n. 8.974/95, com a condição de que os agricultores tivessem reservado as sementes da safra anterior para uso próprio. Ademais, cancelou também a eficácia de outros dispositivos, dentre os quais cita-se: os incisos I e II do artigo 8º da Lei n. 6.938/81, os quais estabelecem regras sobre o licenciamento ambiental e o estudo prévio de impacto ambiental; o caput do artigo 10 da Lei n. 6.938/81, o qual dispõe sobre o licenciamento de atividades capazes de causar degradação ambiental; o § 3º do artigo 1º da Lei n. 10.688/03, o qual vedava a utilização ou comercialização da safra de soja do ano de 2003 na forma de semente; e, por fim, o artigo 5º da Lei nº 10.688/03, o qual previa a recomposição e incidência do regime de legalidade sobre a safra de soja do ano de 2004 (BRASIL, 2003 d, art. 1º).
Pouco depois da edição da segunda MP, foi enviado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 2.401, de 2003, propondo estabelecer um novo marco legal para regular as atividades envolvendo organismos geneticamente modificados em território nacional. Previa-se inicialmente que o texto normativo fosse aprovado em tempo hábil para disciplinar o desenvolvimento das atividades relacionadas à safra de soja do ano de 2005, no entanto, como as discussões dos parlamentares foram mais prolongadas que o esperado, a matéria foi novamente regulada através da edição de uma MP. Assim sendo, enquanto a nova proposta regulamentar tramitava no Congresso Nacional, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a Medida Provisória n. 223, de 14 de outubro de 2004, autorizando o plantio e a comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2005 (BRASIL, 2004). A despeito de todas as controvérsias relacionadas ao processo de liberação da soja transgênica RR, recorreu-se novamente a decisões unilaterais para definir os rumos do país nas áreas de biotecnologia e biossegurança. Como se a unilateralidade não fosse por si só um ato abusivo, mais uma vez o Governo Federal estabeleceu o regime de não aplicabilidade dos instrumentos de gestão de risco em vigor 320.
Foi nesse contexto marcado por decisões controversas norteadas pela racionalidade da irresponsabilidade organizada que os parlamentares aprovaram a redação final do texto do Projeto de Lei n. 2.401/03, oportunamente transformado na Lei n. 11.105/05. Convém assinalar que durante os dezessete meses em que esteve em tramitação no Congresso Nacional, várias emendas foram apresentadas e aprovadas, de forma integral ou parcial, alterando a proposta regulamentar original (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007).
A despeito do objetivo declarado da norma, será possível perceber que o novo marco regulamentar confere maior ênfase à criação de estruturas e mecanismos de fiscalização, atribuindo-lhes prerrogativas de atuação, do que propriamente ao estabelecimento de normas de segurança compatíveis com as diretrizes de proteção fixadas, ou mesmo à definição de ritos procedimentais referentes à autorização de atividades envolvendo organismos geneticamente modificados.
As normas de segurança e os mecanismos de fiscalização estabelecidos pela Lei n. 11.105/05 destinam-se a regular a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados 321 (BRASIL, 2005a, art. 1º, caput). Ao discriminar as atividades condicionando seu exercício aos organismos geneticamente modificados, o legislador definiu não apenas o escopo da Lei de Biossegurança 322, mas também os elementos que lhe são intrínsecos. Assim sendo, para que o âmbito de aplicação da Lei n. 11.105/05 possa ser adequadamente determinado, dois elementos devem ser separadamente analisados, muito embora haja entre eles uma relação complementar. Assim como mencionado em relação ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, deve-se considerar as atividades reguladas e a matéria a qual encontram-se vinculadas.
4. A AUTORIZAÇÃO DOS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS PERANTE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A VIOLAÇÃO DE SEUS PRINCIPIOS BASILARES
De acordo com (SILVA 2006, p. 112), "O Estado Democrático de Direito é a união do Estado Democrático com o Estado de Direito", aliando um componente revolucionário de transformação social, de mudança do status quo, de promoção da justiça social, está inscrito no artigo 1º da Carta Magna de 1988, que impõe respeito à lei e garante direitos, direito esse que não foi respeitado quando da autorização dos Organismos Geneticamente Modificados no Brasil. Ainda, segundo (SILVA 2006, p. 112), o dever imposto ao Poder Público e à coletividade de defender e preservar o meio ambiente caracteriza o principio da precaução como postulado constitucional seja respeitado, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
Conforme alude Prudente (2004), essa tutela cautelar do meio ambiente, constitucionalmente estabelecida, viabiliza a garantia fundamental e difusa do direito à vida, à liberdade e a segurança de todos (CF, art. 1º, caput) na instrumentalidade do fenômeno jurídico da biossegurança, caracterizada pelo conjunto de normas legais e regulamentares que estabelecem critérios e técnicas para a manipulação genética, com a finalidade de evitar danos ao meio ambiente e à saúde humana, no contexto amplo da diversidade biológica.
Para Leite (200), quando se estuda o ser humano, bem como quaisquer questões a ele relacionadas, é imprescindível abordar o debate sobre os transgênicos. Contudo, diante de uma incerteza sobre os danos que podem ser causados por estes organismos, imprescindível seria o estudo de impacto ambiental – EIA – para a partir de seus resultados, autorizar ou não a comercialização, bem como a produção dos transgênicos.
Não se pode dissociar qualidade de vida humana do meio ambiente. Neste contexto, é necessário mostrar como o poder público ignorou o meio ambiente e a saúde humana dando maior importância à área econômica através da liberação do cultivo de Organismos Geneticamente Modificados, assim ignorando também o principio do desenvolvimento sustentável, Princípio que na visão de Fiorillo (2012):
Constatando-se que os recursos naturais não são inesgotáveis, torna-se inadmissível que as atividades econômicas desenvolvam-se alheias a esse fato, buscando-se com isso a coexistência harmônica entre economia e meio ambiente, e que surgiu inicialmente na Conferência Mundial de Meio Ambiente, realizada, em 1972, em Estocolmo e repetida nas demais conferências sobre o meio ambiente, em especial na ECO-92, a qual empregou o termo em onze de seus vinte e sete princípios.
O Princípio da legalidade, nos dizeres de Silva (2010) é também um Princípio basilar do Estado Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeitando-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o principio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Isso significa que deve-se buscar condições iguais para todos respeitando-se a lei, respeitando princípios que regem um Estado Democrático de Direito.
De acordo com a revista Scientific American Brasil (2012), as primeiras ideias quanto aos transgênicos surgiram em uma experiência, em 1972, no Havaí, quando dois cientistas americanos, Cohen e Boyer, decidiram se engajar em uma nova pesquisa sobre genética, dando inicio aos OGMs.
No Brasil, a ideia sobre os OGMs começou a ser debatida em 1995, quando em 5 de janeiro, foi editada a lei n° 8.974, mais conhecida como a Lei de Biossegurança, que teve vetado o artigo que criava a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão que teria como finalidade, prestar apoio técnico consultivo e assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Politica Nacional de Biossegurança relativa à OGM. Porém, mesmo com o veto, o decreto 1.752/95, que regulamentou a Lei de Biossegurança, concedeu competências e composição à CTNBio, vinculando-a ao Ministério da Ciência e Tecnologia, passando a funcionar sem o devido amparo legal.
Como mostrado por Delduque (2004), durante sua existência “fantasma”, em 1998, a CTNBio diante de um pedido da Monsanto, uma indústria multinacional de agricultura e biotecnologia, de longe, o produtor líder de sementes geneticamente modificadas, no sentido de cultivar a soja Roundup Ready - RR (soja geneticamente modificada, apta a tolerar expressivas quantidades de herbicidas) no Brasil, segundo Reale (2001, p. 112) “ao invés de se basear no Estudo de Impacto Ambiental e consequentemente no Relatório de Impacto Ambiental no meio ambiente – EIA/RIMA – baseou-se em um estudo denominado Risk Assessment”, (Análise de Risco) realizado nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Porto Rico e Argentina, alegando que se mostrava mais adequado para o caso, deixando de lado os estudos previstos na legislação Brasileira e que são exigidos quando não se tem certeza dos riscos que podem degradar o meio ambiente.
Mesmo com todo poder dado a CTNBio através de um decreto, o qual a autoriza a dispensar o EIA/RIMA, instrumentos exigidos pela Constituição Federal e legislação Ambiental, está autorização a Monsanto não chegou a ser posta em prática devido a uma Ação Civil Pública promovida contra a União pelo Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC. Contudo, essa ação não impediu que um grupo de agricultores contrabandeasse a soja modificada, fazendo o ingresso clandestino e o plantio destas sementes em solo Brasileiro, o que culminou com uma pressão dos grupos de apoio às sementes RR, com penetração nas mais altas instâncias, fazendo com que o Governo editasse a Medida Provisória n° 113 que mais tarde se tornaria a Lei 10.688/03 que autoriza apenas a comercialização da soja já plantada até janeiro de 2004 e que o estoque que sobrasse seria incinerado. Contudo isso não aconteceu. Mais tarde, em 26 de Setembro de 2003, contrariando o que havia proibido há três meses, é editada a Medida Provisória n° 131, regulamentando o primeiro plantio de Organismo Geneticamente Modificado em escala Comercial no Brasil sem serem providos quaisquer estudos como o EIA (estudo de impacto ambiental) bem como RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), que, segundo PRUDENTE (2003), é a “Medida Provisória geneticamente modificada pelos interesses econômicos alienígenas e dominadores do mercado global”.
O meio ambiente, bem de uso comum do povo, como previsto no artigo 225 da Constituição Federal, é insuscetível de disponibilidade pelo Estado e seus governantes. Portanto, este regramento constitucional estabelece a responsabilidade do Estado em obstar qualquer degradação ambiental que possa ser feita por indivíduos, empresas, ou, até mesmo, entidades de direito público.
5. CONCLUSÃO
Anos se passaram, várias Ações de declaração de inconstitucionalidade foram impetradas, contudo os Organismos Geneticamente Modificados continuam a se propagarem pelas prateleiras dos supermercados livremente, sem ainda se saber quais os riscos a médio e longo prazo que podem oferecer à saúde e ao meio ambiente.
Infelizmente estamos diante da constatação de que o interesse econômico está novamente se sobrepondo aos interesses sociais da sociedade, o que poderá em alguns anos se tornar um crescimento descontrolado em relação aos Organismos Geneticamente Modificados, protegidos por interesses econômicos, camuflando seus riscos com argumentos de se evitar uma falta de alimentos no futuro.
Com todo o conteúdo abordado, chega-se à conclusão de que a autorização violou os preceitos fundamentais do Estado Democráticos de Direito, desprezando os estudos de impacto ambiental e o relatório de impacto ambiental que deveriam ter sido realizados, sendo então tal autorização no ponto de vista jurídico inconstitucional, por violar os Princípios Constitucionais elencados na Constituição Brasileira de 1988.
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Acadêmico do curso de direito da Faculdade de Ciências Humanas de Cruzeiro, estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANDIDO, Everton Ramos Pires. Organismos geneticamente modificados e o princípio da precaução no estado democrático de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 ago 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36380/organismos-geneticamente-modificados-e-o-principio-da-precaucao-no-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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