Habeas corpus e habeas data são duas garantias constitucionais previstas no art. 5o que visam à proteção e à implementação de direitos fundamentais específicos. Chamam-se “remédios” pois proporcionam, cada instrumento, uma via jurisdicional processual para a garantia de um determinado direito.
Trata-se de uma locução composta dos termos latinos habeas (ter, tomar) e corpus (corpo): tenha o corpo. É o instituto jurídico previsto pela Constituição que tem a finalidade de proteger o indivíduo contra violência ou coação ilegal na sua liberdade de locomoção (mover-se, parar, ficar, entrar e sair). Tem natureza de ação constitucional penal.
O habeas corpus foi oficializado pela primeira vez na Inglaterra, pela Magna Carta, de 1215, que lhe conferiu a primeira formulação escrita, como explica José Afonso da SILVA (p. 444). Mas sua origem é mais remota: o instituto deriva do interdictum de libero homine exhibendo do Direito Romano, pelo qual qualquer cidadão podia reclamar da exibição de homem livre que era retido ilegalmente.
No Brasil, costuma-se afirmar ter sido instituído pelo Código de Processo Criminal de 1832. Mas J. M. Othon SIDOU (p. 89) menciona o Código Criminal de 1830 como documento inaugurador da normatividade expressa do habeas corpus, tendo em vista que Pontes de Miranda defendia que ele estava implicitamente previsto na Constituição de 1824 (apud SILVA, p. 445).
O habeas corpus entrou no campo constitucional brasileiro com a carta de 1891, com a seguinte formulação: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder” (SIDOU, p. 94).
Nasceu, então, a “doutrina brasileira do habeas corpus”, capitaneada por Ruy Barbosa, para quem “o habeas corpus hoje não está circunscrito aos casos de constrangimento corporal: o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade” (apud SILVA, p. 445). A principal manifestação da liberdade individual é a faculdade de locomoção, meio para se desenvolverem as demais liberdades. A abrangência do habeas corpus era extremamente ampla.
A reforma constitucional de 1926 alterou o texto com o fim de terminar a aplicação dilatada do instituto, mas o dispositivo não foi colocado em teste em razão da reviravolta política de 1930, que minou claramente as liberdades individuais. Em 1937, por fim, a Constituição apresentou redação que derrubou a teoria brasileira do habeas corpus, restringindo expressamente sua aplicação à liberdade de locomoção: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo os casos de punição disciplinar”.
A Constituição de 1988, em seu art. 5o, LXVIII, manteve o delineamento do instituto: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. É ação gratuita, isenta de custas (art. 5o, LXXVII).
Com os objetivos de suprir a lacuna causada pela restrição da abrangência do habeas corpus e de proteger os demais direitos que não propriamente a liberdade de locomoção, a Constituição de 1988 previu, no art. 5o, LXIX, o uso do mandado de segurança: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
Quanto à legislação infraconstitucional, o habeas corpus vem previsto nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal (Dec. Lei n. 3.689/41), sob a rubrica “Das nulidades e dos recursos em geral” (livro III), um evidente erro técnico, tendo em vista que o habeas corpus não é um recurso, mas uma ação, um feito autônomo (SIDOU, p. 103).
O habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa física (natural), brasileiro ou estrangeiro, em seu favor ou a favor de outrem, e pode mesmo ser expedido de ofício pela autoridade judicial.
O judiciário pode, por habeas corpus, apreciar aspectos formais e legais do ato administrativo que acarretou a punição disciplinar, mas não pode apreciar a necessidade, conveniência e oportunidade da aplicação da pena, ou seja, o próprio mérito do ato administrativo.
Explorando o texto constitucional, descobre-se que o habeas corpus tem duas modalidades: preventiva ou suspensiva. O habeas corpus preventivo, ou salvo-conduto (CPP, art. 660, § 4o), ocorre quando da impetração do writ antes da consumação da violência ou da coação, com o objetivo precípuo de impedi-las e de preservar a liberdade de locomoção.
Não basta simples alegação de ameaça de violência: é necessário provar-se o justo receio de sua concretização (SIDOU, p. 114). Já a coação autoriza a concessão do habeas corpus nas hipóteses do CPP, art. 648 (quando não houver justa causa; quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; quando o processo for manifestamente nulo; quando extinta a punibilidade).
O habeas corpus repressivo, ou liberatório, se dá quando utilizado pelo indivíduo após consumada a violência ou a coação que lhe prejudique a liberdade de ir e vir. É cabível habeas corpus também contra violência ou coação de particular.
Habeas data é o remédio constitucional que assegura o conhecimento e a retificação de informações pessoais presentes em bancos de dados de caráter público. É ação gratuita, sem custas processuais (CF, art. 5o, LXXVII). É direito personalíssimo, mas pode ser estendido aos herdeiros (SILVA, p. 454).
A Constituição de 1988, no art. 5o, LXXII, ao mesmo tempo reconhece o direito de conhecimento e retificação de dados e institui a garantia processual para sua efetivação (SILVA, p. 454): “Conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”.
“Entidades governamentais” são todos os órgãos da administração direta e indireta. A Lei n. 9.507/97, no seu art. 1o, parágrafo único, esclarece o que se deve entender por “entidades de caráter público”: “Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações”. Explica José Afonso da SILVA (p. 455) que a expressão se refere a pessoas jurídicas privadas que prestem serviços públicos ou de interesse público, como, por exemplo, concessionárias, permissionárias, instituições de proteção do crédito, entre outras.
Assevera J. M. SIDOU (p. 289) que o habeas data surgiu com dois “endereços certos”: as fichas do Serviço Nacional de Informações (SNI) e os bancos de dados dos serviços de proteção ao crédito.
A Lei n. 9.507/97, que regula o rito do habeas data, alarga, no art. 7o, suas hipóteses de utilização: “Conceder-se-á habeas data: I - para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público; II - para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável”.
A inovação do inciso III do referido artigo deve ser tida por constitucional, porque a lei não pode restringir, diminuir ou extinguir um direito fundamental, mas pode ampliá-lo, o que realizou o legislador ordinário.
Uma questão polêmica é a obrigatoriedade de requerimento administrativo anterior como condição para a impetração de habeas data. A Lei n. 9.507/97 determina uma fase administrativa prévia, que consiste em requerimento do interessado ao órgão depositário do registro. Surge o interesse de agir para o habeas data apenas se indeferido o pedido de acesso aos dados, ou, posteriormente, o pedido de retificação dos dados, ou, ainda, se transcorrido certo prazo sem manifestação do órgão. Leia-se o parágrafo único do art. 8º:
Art. 8º (...)
Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;
II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou
III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão.
A exigência é questionável em face do direito fundamental ao acesso à Justiça (CF, art. 5o, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Adiciona J. M. Othon SIDOU (p. 295-296) que a obrigatoriedade do procedimento administrativo prévio desvirtua o habeas data de sua natureza de garantia constitucional célere.
De concreto, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 1990, já entendia que “não cabe o habeas data (CF, Art. 5º, LXXII, letra a) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa”, texto da Súmula n. 2. Assim, sem pronúncia de inconstitucionalidade da norma, é de ser tida por válida.
Por outro lado, apesar da breve manifestação em defesa da amplitude do habeas data, J. M. Othon SIDOU (p. 287 a 289) não lhe poupa críticas: “Com efeito, é de mister contestar a adoção de mais esse meio processual constitucional, quando já se possui instrumento adequado, o mandado de segurança, e criticar o nome empregado, que, se não é, parece contrafação de remédio similar para diversa destinação. (...) o novo tipo processual introduzido na Constituição bem espelha a ‘forte tendência brasileira para os modismos’”.
Continua o jurista: “Quanto à denominação aposta, nenhum esforço mental inibe considera-la um sem-cerimonioso e inconveniente empréstimo a uma locução histórica e universal, com o agravante da deturpação no emprego em objeto diverso. (...) Trata-se, portanto, de um barbarismo gramatical, mais que um neologismo”.
Com o devido respeito, as incisivas reclamações do jurista parecem, nesse ponto, um pouco exacerbadas, pois o habeas data, em vez de inútil, constitui mais um instrumento na proteção dos direitos fundamentais, e demonstra um amadurecimento democrático de nossas instituições (ao menos no campo da positivação dos direitos). Não é justificável a crítica de que o novo instituto se imiscui no campo de incidência do mandado de segurança, pois o texto constitucional de 1988 bem configurou o caráter residual do mandado de segurança em face do habeas corpus e do habeas data (art. 5o, LXIX).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SIDOU, J. M. Othon. Habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, ação popular. 5a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26a ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Apontamentos a respeito do Habeas corpus e do Habeas data Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39120/apontamentos-a-respeito-do-habeas-corpus-e-do-habeas-data. Acesso em: 22 nov 2024.
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