RESUMO: O presente artigo tem como objetivo fazer um breve resumo sobre a identificação da prática de dumping, para fins de aplicação de uma medida antidumping.
PALAVRAS-CHAVE: medida antidumping, dumping, identificação, dano, nexo causal, importações.
A análise do dumping e a aplicação das medidas antidumping são reguladas no país pelo Decreto nº 6.759/2009, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior, pelo Decreto n° 1.355/1994, que promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT e pelo Decreto n° 8.058/2013, que regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping.
Além disso, convém destacar a Circular n° 21, de 2 de abril de 1996, publicada no Diário Oficial da União, em 8 de abril de 1996, emitida pela Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, na qual ficou definido o roteiro para a elaboração da petição de abertura da investigação de dumping. De acordo com essa norma, a referida petição deve conter todos os elementos que indiquem a ocorrência da prática de dumping, além do dano e do nexo causal entre eles.
Com efeito, a Circular n° 21/96 estabelece algumas informações que devem necessariamente constar naquela petição. Em suma, além da qualificação do peticionário, deve haver a caracterização do produto objeto do pedido de investigação e de um similar nacional, a identificação da indústria doméstica, o valor normal do produto, o preço de exportação, a margem de dumping, o dano à indústria doméstica e, por fim, a relação de causalidade entre as importações alegadamente objeto de dumping e o dano à indústria doméstica.
Para identificar o dano, convém ressaltar, é necessário, primeiramente, se delimitar o ramo da indústria doméstica que está sendo afetado pelas importações alegadamente objeto de dumping. O conceito de indústria doméstica, vale dizer, compreende todos os produtores nacionais do produto similar ao investigado ou o grupo de produtores nacionais que represente a maior parte da produção nacional total desses produtos, podendo ser, inclusive, somente um produtor.
Delimitado o ramo da indústria doméstica, é possível verificar se este ramo sofreu ou não algum dano em função da prática de dumping, apto a justificar a adoção de alguma medida antidumping. A primeira e mais comum forma de configuração do dano é o denominado dano material, que guarda a mesma noção do dano material ou patrimonial analisado na responsabilidade civil. Esse dano abrange os prejuízos de ordem econômica, causados por violação a bens materiais ou a direitos que integram o acervo patrimonial de uma pessoa. Além disso, para fins de aplicação das medidas antidumping, o Decreto nº 8.058/2013 considera dano, a ameaça de dano material à indústria doméstica e o atraso material na implantação da indústria nacional. Em suma, para a análise do dumping, são examinadas as relações jurídicas economicamente apreciáveis de determinado ramo da indústria nacional.
Para a comprovação do dano patrimonial, é necessário verificar se houve a efetiva redução do patrimônio da pessoa lesada (dano emergente) ou a perda do ganho esperado (lucro cessante). Portanto, a análise a ser feita é se a indústria doméstica sofreu uma efetiva redução do seu patrimônio, como por exemplo, com a perda de mercadorias, ou se está deixando de auferir os lucros esperados, como por exemplo, com a redução das vendas e, por conseguinte, do seu faturamento. Observa-se ser mais comum essa última hipótese.
Para a demonstração do prejuízo, as autoridades competentes devem realizar uma análise objetiva do volume das importações objeto de dumping e dos seus efeitos sobre os preços nacionais e sobre a indústria doméstica do produto similar. Aliás, a análise deve abranger todos os elementos apresentados na petição, além de ser imparcial, a fim de que não seja favorecido qualquer produtor ou grupo interessado.
Embora todos os elementos constantes da petição apresentada devam ser examinados, convém frisar que a análise realizada pela autoridade competente não precisa se ater a esses elementos, ou seja, pode a autoridade investigar também outros fatores. Por outro lado, cumpre registrar que nenhum dos fatores pode ser sempre suficiente ou necessário para a configuração do dano. Ou seja, ainda que, por exemplo, não haja um aumento das importações, o dano pode restar configurado, para fins de adoção de uma medida antidumping, com a redução do consumo e a diminuição da produção doméstica. Da mesma forma, mesmo presente um dos elementos, não quer dizer que o dano esteja necessariamente configurado.
No que se refere ao volume das importações, a análise deve verificar, ainda, se as importações não são insignificantes, isto é, se elas têm realmente importância no mercado nacional. Consideram-se insignificantes as importações oriundas de determinado país, que sejam inferiores a 3% (três por cento) das importações de produto similar, salvo se os países que, individualmente, respondam por menos de 3% (três por cento) das importações do produto similar, coletivamente, forem responsáveis por mais de 7% (sete por cento) das importações do produto[1].
No caso das importações serem consideradas insignificantes, a investigação do dano não deve sequer prosseguir, já que seus efeitos não são representativos o suficiente para justificar a adoção de alguma medida antidumping. De fato, níveis muito reduzidos de importações têm efeitos mínimos e não justificam uma investigação que pode concluir pela aplicação de uma medida que é uma exceção ao regime geral de liberdade de comércio. Ressalte-se, no entanto, que o melhor referencial para se demonstrar a capacidade de gerar danos aos produtores nacionais não é o volume de importações, mas, sim, a representatividade no consumo do país.
Além do volume das importações, as autoridades devem examinar os efeitos das importações sobre os preços dos produtos no mercado doméstico. Essa análise é essencial para verificar se os produtores domésticos não tiveram os ganhos esperados. Assim, deve-se avaliar se os preços dos produtos importados são menores do que os preços dos produtos similares da indústria nacional e se esses preços provocaram a redução dos preços dos produtores nacionais ou, até mesmo, se impediram que os preços nacionais sofressem qualquer elevação natural.
Ora, se os preços das mercadorias importadas não forem inferiores aos preços dos produtores nacionais, elas não geram prejuízo algum a esses produtores, já que não têm a capacidade de afetar a participação, nem tampouco o lucro dos produtores locais. Ademais, ainda que os preços forem inferiores, se eles não afetarem os preços dos produtores nacionais, estes não perderão os ganhos esperados e, consequentemente, não há dano. Desta forma, percebe-se que o preço dos produtos é um referencial muito importante para se apurar a configuração do dano, até porque as alterações de preço repercutem diretamente nos lucros esperados pelos produtores.
Depreende-se, pois, que as autoridades nacionais devem sempre analisar os reais efeitos das importações alegadamente objeto de dumping sobre a indústria doméstica, identificando se esta sofreu, ou não, qualquer dano provocado pelas importações. Essa análise deve abranger todos os fatores econômicos relevantes, ressaltando que, para a configuração do dano, deve-se sempre analisar o caso concreto, pois, às vezes, a presença de determinado fator é suficiente para a configuração do dano, ao passo que, por outras vezes, mesmo presentes vários fatores, o dano não está configurado.
Para a apuração dos efeitos sobre a indústria doméstica, o artigo 3.4 do Acordo Antidumping (AAD) estabelece alguns fatores que devem ser verificados. Veja-se:
Artigo 3.4 – O exame do impacto das importações a preços de dumping sobre a indústria nacional correspondente deverá incluir avaliação de todos os fatores e índices econômicos relevantes que tenham relação com a situação da referida indústria, inclusive queda real ou potencial das vendas, dos lucros, da produção, da participação no mercado, da produtividade, do retorno dos investimentos, ou da ocupação da capacidade instalada; fatores que afetem os preços internos; a amplitude da margem de dumping; efeitos negativos reais ou potenciais sobre o fluxo de caixa, estoques, emprego, salários, crescimento, capacidade para aumentar capital ou obter investimentos. A enumeração acima é exaustiva, nem poderão tais fatores isoladamente ou em conjunto, ser tomados necessariamente como indicação decisiva.
Nesse contexto, após a realização dessa análise e comprovada a relação de causalidade entre as importações e o dano à indústria doméstica, a autoridade competente irá aplicar a correspondente medida antidumping, que tem duração máxima de cinco anos, podendo mediante uma revisão ao final desse prazo, ser prorrogada por mais cinco anos e, assim, sucessivamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. OMC e o comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2002.
ARRUDA, Gustavo Favaro. Entendendo o dumping e o direito antidumping. Revista do IBRAC. São Paulo, v. 12, n° 6, 2005.
ASSIS, Francisco Aroldo de. Política de defesa comercial versus práticas desleais de comércio: aplicação de direitos antidumping, compensatórios e de medidas de salvaguarda. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.
BARRAL. Welber. Dumping e comércio internacional: A regulamentação Antidumping após a Rodada Uruguai. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
BRASIL. Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do GATT 1994 (Acordo Antidumping). Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controversias/mais-informacoes/texto-dos-acordos-da-omc-portugues/1.1.6-acordo-sobre-a-implementacao-do-artigo-vi-do-gatt-1994-acordo-antidumping/view. Acesso em 8 de junho de 2014.
BRASIL. Circular n. 21, de 2 de abril de 1996. Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo. Diário Oficial da União de 8 de abril de 1996. Seção 1. Páginas 5777/5779.
BRASIL. Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1355.htm. Acesso em 8 de junho de 2014.
[1] AAD – “Artigo 5.8 – [...] O volume de importações a preços de dumping deverá ser habitualmente considerado como desprezível caso tal volume, proveniente de um determinado país, seja considerado como responsável por menos de 3 por cento das importações do similar pelo Membro importador, a menos que o conjunto de países que, tomados individualmente, representem, cada um, menos de 3 por cento das importações do similar pelo Membro importador, atinja, se tomado agregadamente, mais de 7 por cento das importações da similar pelo Membro importador.”
Procurador Federal, Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Michell Laureano. Singelas considerações sobre a identificação da prática de dumping, para fins de aplicação de uma medida antidumping Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39761/singelas-consideracoes-sobre-a-identificacao-da-pratica-de-dumping-para-fins-de-aplicacao-de-uma-medida-antidumping. Acesso em: 22 nov 2024.
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