RESUMO: O presente estudo objetiva traçar breves considerações sobre a divergência acerca da natureza jurídica das medidas antidumping no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: medida antidumping, dumping, natureza jurídica, intervenção, domínio econômico, tributo.
De acordo com o professor Marlon Tomazette, “as medidas antidumping representam um valor adicional a ser pago nas importações de mercadorias objetos de dumping que estejam causando um dano, em sentido amplo, à indústria nacional”[1]. No entanto, convém ressaltar que constitui uma faculdade da autoridade investigadora a aplicação dessa medida, ainda que preenchidos os pressupostos para a sua aplicação. Diante disso, é de se indagar qual a natureza jurídica da medida antidumping.
Na realidade, a natureza jurídica das medidas antidumping não é um consenso entre os doutrinadores pátrios. Pelo contrário, é objeto de divergência doutrinária, de modo que, atualmente, podemos citar pelo menos três entendimentos diferentes sobre a matéria. Há aqueles que consideram possuir natureza jurídica de tributo, outros que entendem ser uma sanção decorrente da prática de um ato ilícito e, por último, aqueles que reputam ser uma norma de acesso ao mercado nacional. Saliente-se, todavia, que, no âmbito internacional, não há qualquer discussão nesse sentido, já que a sua natureza tributária é incontestável.
No Brasil, inicialmente, prevaleceu o entendimento de que as medidas antidumping possuíam natureza tributária. Nesse sentido, o artigo 1º da Resolução nº 1.227, de 14 de maio de 1987, do Conselho de Política Aduaneira. Vejamos:
Art. 1º - Os direitos antidumping e compensatórios definitivos, de que tratam os Acordos Antidumping e de Subsídios e Direitos Compensatórios, constituem imposto de importação adicional.
No mesmo sentido, o artigo 5.1 do Regulamento relativo à defesa contra as importações que sejam objeto de dumping ou de subsídios provenientes de países não membros do Mercado Comum do Sul – Mercosul. Vejamos:
5.1. O direito antidumping e o direito compensatório, inclusive o relativo ao direito provisório de que tratam o presente Regulamento, constituem imposto de importação adicional que incidirá de acordo com a legislação do referido imposto, observado o disposto neste Regulamento.
a) O imposto de importação adicional será calculado mediante a aplicação de alíquota ad valorem ou específica, ou pela conjunção de ambas.
b) A alíquota ad valorem será aplicada sobre o valor aduaneiro da mercadoria, apurado nos termos de legislação pertinente.
c) A alíquota específica será fixada em dólares dos Estados Unidos da América e convertida em moeda nacional, nos termos da legislação pertinente.
Contudo, embora inicialmente a medida antidumping tenha sido conceituada como tributo, é importante destacar que, nos moldes do disposto no artigo 4º, I, da Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), a natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador da obrigação, sendo irrelevante para qualificá-la a sua denominação e demais características formais adotadas por lei. Veja-se:
Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.
Portanto, apesar de no plano internacional a medida antidumping possuir incontestavelmente a natureza jurídica de tributo, no Brasil, esta hipótese não pode ser considerada, considerando, principalmente, a definição de tributo disposta no artigo 3º do Código Tributário Nacional. Vejamos:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Nesse sentido, começou a entender a maioria da doutrina e da jurisprudência pátria. Como exemplo, observe-se o seguinte julgado da Segunda Câmara do Terceiro Conselho de Contribuintes, publicado no Diário Oficial da União, em 6 de janeiro de 2005:
Acórdão 302-34922
Órgão: 3º Conselho de Contribuinte/2º Câmara, julgado em 19.09.2001.
Relator: Luis Antônio Flora.
DUMPING: Constatada a existência de DUMPING em regular investigação, o que se cobra é um “direito” e não um “tributo”. E se esse direito é exigido para sanar dano ou ameaça de dano, ele tem caráter indenizatório, o que contraria aquela disposição constante no artigo 3º do CTN que diz que “Tributo é toda prestação pecuniária que não constitua sanção de ato ilícito.”
PROVIDO POR UNANIMIDADE
(Data da Decisão: 19.09.2001, DOU: 06.01.2005).
Com efeito, uma distinção básica entre o tributo e a medida antidumping é que falta a exigibilidade compulsória dos tributos à medida antidumping. Ou seja, a obrigação tributária decorre de lei, de maneira que a vontade dos sujeitos da relação jurídico-tributária não pode influir sobre a obrigação, que irá nascer mesmo contra a vontade das partes. Já no caso das medidas antidumping, as partes interessadas podem evitar a sua incidência, por exemplo, ao celebrar um compromisso de preços, que, em suma, no termos do artigo 67 do Decreto nº 8.058/2013, consiste em um acordo entre as partes interessadas para que haja uma revisão dos preços de exportação ou a cessação das exportações a preço de dumping.
Além do mais, como pode se observar pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional, acima transcrito, o tributo é cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Isto é, a autoridade administrativa não goza da liberdade para apreciar a conveniência e oportunidade da cobrança tributária. Por outro lado, o Acordo Antidumping (AAD) deixa claro que constitui uma faculdade da autoridade a aplicação da medida antidumping. Ou seja, as medidas antidumping deverão ser preferencialmente facultativas.
Além disso, é certo que os direitos antidumping não se submetem aos princípios aplicáveis aos tributos, já que, por exemplo, não consideram a capacidade econômica do contribuinte.
No que toca ao entendimento de que a medida antidumping tem natureza de sanção decorrente da prática de um ato ilícito, penso que esse também não é o posicionamento mais acertado. Ora, como já dito, a aplicação de uma medida antidumping decorre do juízo discricionário da autoridade competente. Em outros termos, constitui uma faculdade da autoridade a aplicação da medida antidumping. Sendo assim, não é possível considerá-la como sanção, já que, para um ato ilícito, não pode corresponder a aplicação de uma sanção facultativa. Do contrário, confirmada a prática de um ato ilícito, a sanção é aplicada sem qualquer juízo discricionário. Sobre esse ponto, convém transcrever as palavras do renomado jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior[2]:
É evidente que ao ato ilícito não pode corresponder a aplicação de uma sanção facultativa, o que desde logo afasta a possibilidade de se caracterizar os direitos antidumping e compensatórios como sanções por atos ilícitos, já que se está diante de atuação discricionária do Poder Público.
Ademais, como bem afirma o professor Marlon Tomazette[3], “a finalidade da legislação antidumping não é punir ou impedir as importações, mas, apenas tentar evitar possíveis danos à indústria nacional”.
Assim, apresentada uma síntese dos argumentos que contestam os dois primeiros entendimentos acerca da natureza jurídica da medida antidumping, resta concluir que o entendimento mais acertado, de fato, é o terceiro, no sentido de que a medida antidumping possui a natureza de norma de acesso ao mercado nacional.
Para Welber Oliveira Barral[4], “seu embasamento constitucional se encontra na legitimidade regulatória do Estado, que envolve a função de incentivo econômico”. Trata-se, portanto, de modalidade não tributária de intervenção no domínio econômico. Ou seja, em suma, consiste em um instrumento de intervenção estatal com o objetivo de garantir a competitividade da indústria doméstica, o que é permitido pelo artigo 174 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
O jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior[5], ao se posicionar sobre a matéria, comentou:
(...) constituem conteúdo de normas de direito econômico internacional, que impõe ao produto exportado/importado condições de acesso ao mercado do país importador, que podem ser o pagamento dos direitos ou a assunção de obrigações por parte dos exportadores de eliminação do dumping ou do subsídio, tudo isso de modo que a comercialização seja condizente com o interesse global da economia.
Desta forma, conclui-se que, em que pese a divergência de entendimentos a respeito da natureza jurídica da medida antidumping, no Brasil, diferentemente do que ocorre no plano internacional, a medida antidumping não possui natureza tributária, nem natureza de sanção decorrente de ato ilícito. Trata-se, na realidade, de um instrumento utilizado pelo Estado, com fundamento no artigo 174 da Constituição Federal, para intervir no domínio econômico, com o objetivo de incentivar a economia e garantir a competitividade da indústria doméstica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Francisco Aroldo de. Política de defesa comercial versus práticas desleais de comércio: aplicação de direitos antidumping, compensatórios e de medidas de salvaguarda. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.
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BRASIL. Conselho de Política Aduaneira. Resolução nº 1.227, de 14 de maio de 1987. DOU de 2/6/1987, nº 101, Seção 1, página 8.413. Disponível em http://www.editoramagister.com/doc_308749_RESOLUCAO_N_1227_DE_14_DE_MAIO_DE_1987.aspx. Acesso em 20 de junho de 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 20 de junho de 2014.
BRASIL. Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8058.htm. Acesso em 20 de junho de 2014.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em 20 de junho de 2014.
BRASIL. Terceiro Conselho de Contribuintes. 2ª Câmara. Acórdão nº 302-34922. Relator: Luis Antônio Flora. DOU de 6/1/2005, nº 4, Seção 1, página 22.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio; ROSA, José Del Chiaro Ferreira da; GRIMBERG, Mauro. Direitos Antidumping e compensatórios: Sua Natureza Jurídica e consequências de tal caracterização. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Nova Série, Número 96, out-dez/94.
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MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
TOMAZETTE, Marlon. Comércio internacional e medidas antidumping. Curitiba: Juruá, 2008.
[1] TOMAZETTE, Marlon. Comércio internacional e medidas antidumping. Curitiba: Juruá, 2008. Pág. 125.
[2] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio et al. Direitos anti-dumping e compensatórios: sua natureza jurídica e conseqüências de tal caracterização. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v.33, n.96, out./dez. 1994. Pág. 94.
[3] TOMAZETTE, Marlon. Comércio internacional e medidas antidumping. Curitiba: Juruá, 2008. Pág. 126.
[4] BARRAL. Welber. Dumping e comércio internacional: A regulamentação Antidumping após a Rodada Uruguai. Rio de Janeiro: Forense, 2000. Pág. 64.
[5] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio et al. Direitos anti-dumping e compensatórios: sua natureza jurídica e conseqüências de tal caracterização. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v.33, n.96, out./dez. 1994. Pág. 95.
Procurador Federal, Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Michell Laureano. Breves considerações sobre a natureza jurídica das medidas antidumping Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39935/breves-consideracoes-sobre-a-natureza-juridica-das-medidas-antidumping. Acesso em: 23 dez 2024.
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