Resumo: O Direito é um objeto cultural, gerido pelo homem, a quem cabe interpretá-lo. A interpretação, por sua vez, existe na incidência de um caso concreto que demanda solução. Entre os princípios da interpretação constitucional, destacam-se, atualmente, os da unidade da Constituição, da máxima efetividade, da força normativa da Constituição, da exatidão funcional, do efeito integrador, da proporcionalidade e da harmonização prática.
Palavras-chave: hermenêutica jurídica, interpretação constitucional, princípios, proporcionalidade.
Introdução
Reconhece-se inquestionavelmente que os princípios envergam importância fundamental para o Direito,[1] como pontos de mais alto destaque no texto das constituições contemporâneas (STRECK, 2000, p. 226). Ouça-se o mestre Paulo BONAVIDES (2000, p. 257), lapidar, quase poético:
A proclamação da normatividade dos princípios em novas formulações conceituais e os arestos das Cortes Supremas no constitucionalismo contemporâneo corroboram essa tendência irresistível que conduz à valoração e eficácia dos princípios como normas-chaves de todo o sistema jurídico; normas das quais se retirou o conteúdo inócuo de programaticidade, mediante o qual se costumava neutralizar a eficácia das Constituições em seus valores reverenciais, em seus objetivos básicos, em seus princípios cardeais.
A elaboração de um catálogo de princípios da interpretação constitucional é mérito de Konrad Hesse e sua hermenêutica concretizante (STEINMETZ, 2001, p. 91). Aos referidos princípios cabe “definir a orientação e os limites da organização, coordenação, e valoração dos pontos de vista por meio dos quais se alcança a solução dos problemas da concretização” (DINIZ, 1998, p. 263).
A seguir, passaremos em revista, de forma resumida, os princípios de interpretação constitucional, antes de nos determos com mais atenção ao princípio da proporcionalidade e ao da concordância prática.
Princípios de interpretação constitucional
Pelo princípio da unidade da Constituição, deve-se evitar, na interpretação constitucional, contradições entre suas normas (HESSE, 1998, p. 65). “Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios” (CANOTILHO, 1992, p. 233). Há de se entender a Constituição como uma unidade em que cada norma se relaciona harmonicamente com as demais.
Consoante o princípio da máxima efetividade, que, por semelhança, confunde-se com o princípio da força normativa da Constituição (SILVA, 2001, p. 241; COELHO, 2003, p. 137), deve-se atribuir o sentido que dê a maior eficácia à norma constitucional interpretada (CANOTILHO, 1992, p. 233). O intérprete da Constituição deve procurar “atingir um sentido que torna efetivos e eficientes os grandes princípios de governo, e não o que os contrarie ou reduza a inocuidade” (MAXIMILIANO, 1999, p. 306). Todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, ainda que mínima, no sentido de revogar legislação contrária e impedir ação estatal em dissonância.
Pelo princípio da exatidão funcional, os intérpretes da Constituição não podem alterar o esquema organizatório das funções estatais: “Se a Constituição ordena a respectiva tarefa e a colaboração dos titulares de funções estatais em uma determinada forma, então o órgão interpretador tem de manter-se no quadro das funções a ele atribuídas” (HESSE, 1998, p. 67). Sua manifestação mais notória é a disposição do art. 2º da Constituição Federal, fundamento normativo da separação de Poderes: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
O princípio do efeito integrador “orienta o aplicador da Constituição no sentido de que, ao construir soluções para os problemas jurídico-constitucionais, procure dar preferência àqueles critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração social e a unidade política” (COELHO, 2003, p. 135).
O princípio da proporcionalidade surgiu no Direito Administrativo, como forma de limitar o poder de polícia. Foi incorporado pelo Direito Constitucional após a Segunda Guerra Mundial.[2] Conecta-se originalmente, em sede de controle de constitucionalidade, ao due process of law do direito norte-americano (BARROS, 2003, p. 213-214).
É também tratado por princípio da proibição do excesso ou, ainda, princípio da razoabilidade, de que o Supremo Tribunal Federal se utiliza com frequência como sinônimo. Adota-se, aqui, a nomenclatura “princípio da proporcionalidade” por “ser a expressão mais usual nos diversos sistemas de direito europeu, a que os autores modernos – alemães, franceses, italianos, espanhóis, portugueses, suíços e austríacos – têm preferido”, segundo Suzana de Toledo BARROS (2003, p. 75).
A fundamentação do princípio da proporcionalidade é complexa (STEINMETZ, 2001, p. 159-168). Várias teorias discutem a decorrência da proporcionalidade: diretamente do Estado de Direito; do conteúdo essencial dos direitos fundamentais; do princípio da dignidade humana; da cláusula do devido processo legal; e teorias mistas, como a adotada por Suzana de Toledo BARROS (2003, p. 214):
“O princípio da proporcionalidade tem dignidade constitucional na ordem jurídica brasileira, pois deriva da força normativa dos direitos fundamentais, garantias materiais objetivas do Estado de Direito. É haurido principalmente da conjugação dos arts. 1.°, III; 3.°, I; 5.°, caput, II, XXXV, LIV e seus §§ 1.° e 2.°; 60, § 4.°, IV”.
Wilson A. STEINMETZ (2001, p. 168-172) adere à fundamentação pela teoria dos princípios de Alexy, que considera a proporcionalidade como implicação lógica e normativa dos princípios (ALEXY, 1999, p. 77-79).
Constitui-se o princípio da proporcionalidade por três elementos ou subprincípios: a adequação (ou idoneidade ou conformidade), a necessidade (ou exigibilidade ou indispensabilidade) e a proporcionalidade em sentido estrito, que devem ser avaliados na respectiva seqüência para aferir a propriedade da aplicação do princípio (BARROS, 2003, p. 77).
Consoante a teoria dos princípios de Alexy, a adequação e a necessidade deduzem-se das possibilidades fáticas de realização dos princípios, e a proporcionalidade em sentido estrito refere-se às possibilidades jurídicas (FARIAS, 1996, p. 27).
Pela adequação, decorre que o meio escolhido deve contribuir para a obtenção do resultado desejado. Trata-se de mera relação de causalidade meio/fim: não importam, para o juízo de adequação, considerações a respeito da eficácia do meio ou de sua gravidade. Basta que o meio concorra para o fim, mesmo que parcialmente. Desfruta, portanto, do benefício da dúvida, pois só será rejeitado se apresentar-se indubitavelmente inidôneo, inútil.
Entendido o princípio da proporcionalidade como parâmetro a balizar a conduta do legislador quando estejam em causa limitações aos direitos fundamentais, a adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida, pois, se não for apta para tanto, há de ser considerada inconstitucional (BARROS, 2003, p. 78).
A necessidade, por sua vez, significa a indispensabilidade do meio. Apura-se a medida adotada pela eficácia em relação ao fim proposto e gravame sobre o direito prejudicado: quanto mais eficaz e menos gravosa, melhor. A valoração se desenvolve sempre no caso concreto, sendo usual adotar a regra de que a medida não possa ser trocada por outra de mesma eficácia e menor encargo.
O pressuposto do principio da necessidade é o de que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa. Assim, explicam-se os dois núcleos (ou subprincípios) a que LERCHE referiu-se: o meio mais idôneo e a menor restrição possível (BARROS, 2003, p. 81).
Por último, a proporcionalidade em sentido estrito cuida de verificar se o meio utilizado e o fim perseguido estão em equilíbrio. Sua aplicabilidade vai além dos juízos de adequação e de necessidade, pois é necessário decidir sobre a precedência de um direito em relação a outro.[3]
A proporcionalidade strictu sensu encontra seu verdadeiro sentido quando conectada aos outros princípios da adequação e necessidade e, por isso mesmo, representa sempre a terceira dimensão do princípio da proporcionalidade. Quando estão em causa situações nas quais não se pode concluir qual seria o meio menos restritivo, porque a constelação do caso é bastante ampla e com várias repercussões na ordem constitucional, somente a ponderação entre os valores em jogo pode resultar na escolha da medida (BARROS, 2003, p. 86).
A decisão interventiva sob análise, seja legislativa (leis restritivas de direitos fundamentais), seja judicial (disposição concreta sobre um conflito de direitos fundamentais) será considerada proporcional se, primeiro, for adequada; depois, necessária; e, por último, proporcional em sentido estrito (STEINMETZ, 2001, p. 154).
Por fim, tem-se o princípio da harmonização prática ou ponderação: a ponderação de bens ou concordância prática coincide com o princípio da proporcionalidade em sentido estrito (STEINMETZ, 2001, p. 152-153).
Destaca-se o papel da proporcionalidade em sentido estrito, ponderação, harmonização ou concordância prática como mecanismo conciliatório na colisão de princípios. Tem vital relevância para a solução de conflitos entre direitos fundamentais, o que decorre da ausência de hierarquia[4] entre os valores na ordem constitucional (BARROS, 2003, p. 170).
Os direitos envolvidos devem ser preservados ao máximo, adotando-se uma solução que provoque a menor constrição possível do direito ou direitos superados (FARIAS, 1996, p. 98; ALEXY, 1999, p. 77; BONAVIDES, 2000, p. 587; COELHO, 2003, p. 131-133).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático. Revista de Direito Administrativo, n. 217, jul.-set. 1999.
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992.
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 2ª ed. Porto Alegre: Fabris, 2003.
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. A resolução das colisões entre princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3682>. Acesso em: 29 ago. 2003.
DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 1998.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996.
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Fabris, 1998.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.
SILVA, Christine Oliveira Peter da. Hermenêutica de direitos fundamentais: uma proposta constitucionalmente adequada. Brasília, 2001. 267 f. Dissertação (Mestrado em Direito e Estado) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
NOTAS:
[1] “Os princípios constitucionais são normas que fundamentam e sustentam o sistema jurídico constitucional, são os valores supremos e basilares do ordenamento normativo de uma dada sociedade. Não se constituem em meros programas ou linhas sugestivas da ação do Poder Público ou da iniciativa privada, mas sim vinculam e direcionam essa atividade, uma vez que dotados de eficácia jurídica vinculante.” (CRISTÓVAM, 2003)
[2] “A aplicação do método da ponderação foi inaugurada pelo TCF [Tribunal Constitucional Federal] alemão na sentença Lüth (15 de janeiro de 1958), na qual examinou-se e decidiu-se sobre a constitucionalidade de restrição a direito fundamental. O Tribunal decidiu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer porque não afetava interesses de outra pessoa dignos de proteção (atividade industrial). A preferência resultou em função das circunstâncias do caso concreto. A partir de então, apesar da existência de posições críticas, a ponderação de bens foi fortemente desenvolvida, crescendo e consolidando-se a sua aceitação na Alemanha e em outros países. Hoje, é tema recorrente no Direito Constitucional” (STEINMETZ, 2001, p. 140-141). Sobre o caso Lüth, conferir LARENZ, 1997, p. 579-580.
[3] “A consideração do cânone da proporcionalidade em sede constitucional não está isenta de críticas. Argumenta-se, por um lado, que o reconhecimento de um excesso de poder com base na censura da liberdade de conformação do legislador implica violar o princípio da separação de poderes, e, por outro, que um excessivo uso da proporcionalidade como parâmetro de resolução de conflitos entre bens ou valores constitucionais pode levar a uma nivelação dos direitos fundamentais e à insegurança jurídica. A primeira objeção é facilmente refutável, porque a verificação da existência de um fundamento racional em uma relação meio-fim tendente a restringir direitos não implica sindicância sobre o mérito do ato legislativo. A legislatura é a instância legítima para normar a vida em sociedade: os limites da sua atuação são dados pelas determinantes heterônomas entre as quais se encontra o princípio da proporcionalidade que cobra a menor intervenção possível no âmbito dos direitos fundamentais. Ao Judiciário apenas incumbe, em sede de controle das leis, impedir que a lei inconstitucional produza seus efeitos. O segundo argumento tem uma maior razão de ser, porque o manejo indevido do princípio também pode levar a injustiças. Mas não pode ser óbice definitivo. Afinal, mais injusta é a aplicação automática e indiscriminada da lei. Algumas medidas de reforma na jurisdição constitucional podem minimizar esses reflexos negativos, como a adoção da vinculação dos precedentes (stare decisis). Por outro lado, somente a manipulação concreta do princípio da proporcionalidade pode conduzir a teorias e máximas específicas acerca da restrição dos direitos, que irão pautando as condutas dos juízes” (BARROS, 2003, p. 218-219). Na defesa da racionalidade da ponderação, ver também ALEXY, 1999, p. 78.
[4] “Tratando-se de uma colisão de direitos, estipular uma escala de valores e com base nela decidir significaria a imposição estatal, via Poder Legislativo ou via Poder Judiciário, de um paradigma filosófico-jurídico não fundamentado constitucionalmente” (STEINMETZ, 2001, p. 120).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Proporcionalidade e outros princípios de interpretação constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41023/proporcionalidade-e-outros-principios-de-interpretacao-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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