1. INTRODUÇÃO
Afigura-se indiscutível a mudança de paradigma trazida pelo neoconstitucionalismo, notadamente no que tange a nova conformação do princípio da legalidade, uma vez que houve verdadeiro redimensionamento do que se entende por “Estado Constitucional de Direito”, em sobreposição ao, até então vigente, “Estado Legislativo de Direito”[1]. De outro lado, o avanço alcançado por esta mudança de compreensão científica trouxe a possibilidade de se proceder a uma releitura da própria Ciência do Direito.
Sabe-se que, até a Segunda Guerra Mundial, o norte do ordenamento jurídico estava calcado na lei (princípio da legalidade), de modo que a validade da norma, elaborada pela autoridade competente, já se mostrava suficiente para imprimir caráter de obrigatoriedade, relegando o seu conteúdo (aspecto substancial) a um patamar de menor importância.
Com o neoconstitucionalismo, houve uma verdadeira transvaloração (importando-se, aqui, terminologia nietzschiana[2]) do que se concebe como justo, sob o ponto de vista jurídico. Fincou-se o entendimento no sentido de que toda a conduta (estatal ou não estatal) realizada sob a égide da Carta Magna deve observância a esta última, tanto sob o aspecto formal (forma de produção do ato), como sobre o aspecto substancial (conteúdo do ato).
Pode-se afirmar, destarte, que, em verdade, o neoconstitucionalismo provocou a necessidade de uma “releitura do princípio da legalidade”, na exata medida em que, seguindo a lição de Dirley da Cunha (2008, página 36):
Assim, com a implantação do Estado Constitucional de Direito opera-se a subordinação da própria legalidade à Constituição, de modo que as condições de validade das leis e demais normas jurídicas depende não só da forma de sua produção como também da compatibilidade de seus conteúdos com os princípios e regras constitucionais.
Os doutrinadores chegam a afirmar a existência de um novo fenômeno: o da constitucionalização da ordem jurídica (Konstitutionalisierung der Rechtsordnung)[3], que nada mais é do que a necessidade de se atentar para a Lei Fundamental como documento jurídico e político de maior importância e envergadura do ordenamento jurídico, condicionando, assim, uma leitura constitucional de todos os ramos da ciência jurídica (“as lentes” do Direito Constitucional vinculam o mote interpretativo e concretizador das leis, da doutrina e da jurisprudência).
Em que pese não se desconhecer a existência de doutrina[4] que vê com certa reserva e cautela os contornos ampliativos que o neoconstitucionalismo tomou no Brasil, é notório o avanço em se demarcar o “Estado Constitucional de Direito” em patamar superior ao do “Estado Legislativo de Direito” (reconhecimento da Constituição como norma máxima da Pirâmide Kelseniana). Isto porque, aquele procurou agregar valores (filtro axiológico) ao sistema jurídico, não resumindo a análise da ciência jurídica na mera observância da “letra fria da lei”.
Em síntese, o parâmetro do “Estado Constitucional de Direito”, no movimento idealizado pelo neoconstitucionalismo, é o de reaproximação entre o Direito e a Ética, o Direito e a Moral e, por fim, o Direito e a Justiça, na busca incessante de suplantar o direito legal pelo direito justo (princípio da juridicidade), conforme bem ilustra Dirley da Cunha (2008, página 37), elevando os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana em seu grau máximo.
Diante da análise acima alinhada, verifica-se que o movimento timbrado de neoconstitucionalismo provocou uma mudança de postura no estudo da ciência jurídica, mormente no que diz respeito à “nova roupagem” que se procurou dar ao princípio da legalidade (Estado Legislativo de Direito), conformando-o e submetendo-o ao “Estado Constitucional de Direito” (centralização da Constituição no sistema jurídico), circunstância que permitiu a inserção de valores (conteúdo axiológico) na ordem jurídica.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JESTTAEDT, Mathias. Die Abwagungslehre – ihre Starken und ihre Schwachen, in: Staat im Wort – Festschrift fur Josef Isensee. Otto Depenhauer e outros (orgs.). Heidelberg: C. F. Muller, 2007, p. 269.
Notas:
[2] A expressão cunhada pelo “filósofo dinamite” (Umwertung aller Werte), em tradução para a língua portuguesa, tem o significado aproximado de “transmutação ou transvaloração de todos os valores”. Portanto, há a “renovação” das “valorações dominantes e vigentes”.
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