1. INTRODUÇÃO
A questão em análise conforma-se dentro de um contexto maior que se pode pinçar como uma das inúmeras características dos direitos fundamentais, dentre as quais podemos estampar as seguintes: historicidade, universalidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, limitabilidade, concorrência e constitucionalização[1]. A proibição do retrocesso possui traços peculiares que se comunicam e se entrelaçam com as demais características dos direitos fundamentais (notadamente a historicidade), identificando e distinguindo-os das demais categorias jurídicas, conforme se explicitará nas linhas subsequentes.
Inicialmente, pode-se partir da premissa de que os direitos fundamentais são, acima de tudo, fruto de um processo histórico de construção, que se preocupa em consolidar e reafirmar o valor máximo da dignidade da pessoa humana. Assim, é possível afirmar que os direitos fundamentais não surgiram todos a um só tempo e com a mesma intensidade, sendo produto que se desenvolve em uma verdadeira linha evolutiva.
A lição de Dirley da Cunha é bastante didática (2008, página 589):
Sendo os direitos fundamentais o resultado de um processo evolutivo, marcado por lutas e conquistas em prol da afirmação de posições jurídicas concretizadoras da dignidade da pessoa humana, uma vez reconhecidos, não podem ser suprimidos, ou abolidos, ou enfraquecidos. Milita em seu favor a proteção da proibição de retrocesso.
Trata-se, pois, de uma característica que busca resguardar a higidez dos direitos fundamentais conquistados, evitando-se (a) que os mesmos sejam simplesmente revogados ou substituídos por outros menos generosos (plano normativo) ou, ainda, (b) que sejam implementadas políticas públicas que visem fragilizá-los (plano concreto).
Neste diapasão, afigura-se salutar conhecer a posição do Supremo Tribunal Federal nesta temática:
ARE 639337 AgR/SP - SÃO PAULO. AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 23/08/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. (...) A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em consequência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados. (...). (grifo posto).
Em síntese, a característica da proibição do retrocesso para os direitos fundamentais implica em considerá-los, uma vez implementados e consagrados em um dado ordenamento jurídico, como verdadeiro direito subjetivo e garantia institucional, de sorte a proteger o “núcleo essencial” dos direitos sociais já efetivados por meio de medidas legislativas ou políticas públicas. A consequência de não se respeitar tal “núcleo” é trazida por Canotilho (1997, páginas 326-327):
(...) sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial.
Diante da análise acima alinhada, verifica-se que a proibição do retrocesso é vislumbrada por parcela da doutrina (Dirley da Cunha) como uma das características de maior importância na temática dos direitos fundamentais, uma vez que garante que os mesmos não sejam suprimidos ou enfraquecidos por “vontades políticas” que não se coadunem em respeitar o “núcleo essencial” dos direitos sociais conquistados. Trata-se, em última senda, de barreira que busca preservar e reafirmar a dignidade da pessoa humana.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas características. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: RT, p.55-65.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
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