Resumo: O tema do direito à moradia, há algum tempo, assumiu posição de destaque no cenário jurídico-político nacional. Nesse artigo, analisar-se-á seu enquadramento dentro da classificação dos direitos fundamentais. Após, discorrer-se-á sobre o fato de que esse direito não se revela imune a restrições, não podendo preponderar, por vezes, sobre outros direitos fundamentais diante das peculiaridades do caso concreto.
Palavras-chave: direito à moradia adequada. Direito fundamental. Conflitos entre direitos fundamentais. Direito de propriedade.
Sumário: 1. Introdução. 2. As funções exercidas pelo direito à moradia. 3. O direito à moradia em conflito com outros direitos: algumas hipóteses. 3.1 Premissas para a resolução de conflitos. 3.2 O direito à moradia x direito de propriedade. 3.2.1 O caso concreto. 4. Notas conclusivas. 5. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A doutrina diverge quanto à escolha dos critérios a serem utilizados para a sistematização dos direitos constitucionais fundamentais. Ingo Sarlet reporta uma série de diversas formulações criadas na seara doutrinária, concluindo que todas elas vão de encontro com a necessidade de elaboração de uma classificação que analise os direitos sob o enfoque funcional.[1]
Sob essa última perspectiva, dividem-se os direitos fundamentais segundo a função exercida em direitos de defesa e direitos a prestações. Há de se advertir, nesse tópico, o fato de que “as normas definidoras de direitos fundamentais exercem simultaneamente duas ou mais funções, sendo, neste sentido, inevitável alguma superposição”.[2] Será o critério da predominância da função o elemento classificador do direito constitucional em análise[3].
Os direitos de defesa, por regra, identificam-se com os direitos de primeira dimensão, categoria essa em que se colocam os direitos civis e políticos. Reconhecidos nas primeiras Constituições de matriz liberal, estes direitos impõem uma margem de não-intervenção do ente estatal no âmbito privado para que reste garantida a autonomia individual. Não determinam a exclusão total do Estado, mas limitam a ingerência estatal de modo que esta não viole os direitos dos cidadãos. São concebidos como direitos de cunho negativo, impondo ao Poder Público uma posição absenteísta no universo social e econômico.[4]
Os direitos de caráter positivo – também chamados de direitos prestacionais[5] –, por outro lado, surgidos em decorrência da falência do modelo liberal e da idéia de que uma distribuição das riquezas adviria de uma auto-regulação da sociedade, exigem do Estado uma atuação ativa na realização da justiça social. Muitos dos direitos de segunda dimensão – categoria em que se encaixam os direitos sociais, como o direito à saúde, à educação e à assistência social – são considerados direitos a prestações.[6]
Esses direitos, diferentemente dos direitos de defesa, encontram-se contemplados em dispositivos constitucionais que a doutrina classifica como normas programáticas (ou de aplicabilidade mediata) [7]. Diferentemente das normas de aplicação direta, as de natureza programática necessitam da interpositio legislatoris que lhes garanta aplicabilidade.
Concordamos, num primeiro momento, com a tese da eficácia limitada das normas programáticas que guarnecem direitos que têm por objeto prestações materiais pleiteadas em face do Estado. Efetivamente, levando em conta a estrutura jurídico-normativa, a eficácia e o objeto de tais normas, além do princípio da separação dos poderes, evidencia-se razoável a necessidade de regulamentação ordinária e de disponibilidade orçamentária que lhes assegure concreção fática. Nesse sentido, a lição de Ingo Sarlet:
a necessidade de uma concretização legislativa não se reconduz tão-somente ao aspecto da determinação do conteúdo, já que os direitos de defesa, de regra, também contêm formulações de cunho aberto e vago, mas que nem por isto deixam de ser diretamente aplicáveis pelos órgãos judiciários, mediante o recurso à interpretação, sem que se cogite – neste particular – de ofensa ao princípio da separação dos poderes. A necessidade de interposição legislativa dos direitos sociais prestacionais de cunho programático [e dos direitos de defesa na sua função de direitos à prestação] justifica-se apenas (...) pela circunstância (...) de que se cuida de um problema de natureza competencial, porquanto a realização destes direitos depende da disponibilidade dos meios, bem como – em muitos casos – da progressiva implementação e execução de políticas públicas na esfera socioeconômica.[8]
Cumpre destacar, por outro lado, que haverá situações excepcionais em que será possível reconhecer um direito subjetivo originário a prestações, como aponta o valoroso magistério de Robert Alexy. Segundo o autor, é viável tal reconhecimento quando se estiver diante das seguintes circunstâncias: a) quando as prestações pretendidas forem imprescindíveis ao princípio da liberdade fática; b) quando o princípio da separação dos poderes for relativamente pouco atingido.[9]
Dessa forma, apoiando-se na doutrina de Alexy, forçoso concluir que, na medida em que se encontrar em cheque a própria dignidade do ser humano, quando lhe faltar as condições materiais mínimas de sobrevivência, os argumentos da reserva do possível, da falta de recursos orçamentários, da inexistência da interpositio legislatoris, da indeterminação do conteúdo das normas garantidoras de direitos fundamentais – em quanto obstáculos à exigibilidade judicial dos direitos constitucionais – são relativizados e insuficientes para impedir que o Judiciário determine aos demais poderes que cumpram com a exigência constitucional de garantir o mínimo existencial a todo indivíduo.[10]
2. As funções exercidas pelo direito à moradia.
Resumindo o exposto no capítulo acima, tem-se que os direitos de defesa não dependem, em tese, nem de regulamentação infraconstitucional que especifique o seu conteúdo, nem de despesas orçamentárias para serem factualmente reconhecidos. Nesse sentido, o direito de ir e vir, a liberdade de expressão e o direito de propriedade – típicos direitos defensivos – já são dotados de toda normatividade necessária para que alcancem a sua plena operatividade. Qualquer agressão a esses direitos pode ser levada a juízo para que se recomponha a situação status quo ante.
Em contraposição, os direitos prestacionais caracterizam-se por serem normas programáticas, sujeitos à regulamentação do Legislativo e à execução por meio de políticas públicas formuladas pelo Executivo.
Porém, conforme já antecipado, os direitos fundamentais não cumprem uma única função. Ao contrário, as normas definidoras de direitos fundamentais exercem simultaneamente mais de uma função, sendo o critério da predominância o elemento classificador do direito constitucional em análise[11].
Os direitos de primeira dimensão, dentro dessa perspectiva, são dotados de natureza preponderantemente defensiva, o que não afasta, assim, o viés prestacional. Afinal, não implicam tão-somente a posição absenteísta do Poder Público com vistas à garantia da autonomia individual. Reflita-se, por exemplo, sobre todo o aparato policial necessário para a manutenção da segurança e a proteção à vida, à integridade física e à propriedade; sobre a complexidade e o valor de manutenção da estrutura judicial essencial para que se assegure o acesso à justiça e – inclusive – para o ajuizamento de ações visando, justamente, a proteção de direitos ditos “de defesa”.
Da mesma forma, os direitos sociais exercem predominantemente uma função prestacional, o que não impede a identificação também de uma perspectiva defensiva.
O direito à moradia, tratado no capítulo constitucional que acolhe os direitos sociais, não foge a essa sistemática. Como já bem anunciou o festejado Professor Ingo Sarlet, é possível afirmar que o direito à habitação exerce contemporaneamente a função de direito de defesa e de direito a prestações.
Dentro desse segundo quadro, o direito à moradia cria tanto prestações de cunho normativo bem como prestações (positivas) materiais, vinculando as entidades estatais e, em princípio, também os particulares, na condição de destinatários deste direito, muito embora se possa controverter a respeito do modo e intensidade desta vinculação e das conseqüências jurídicas possíveis de serem extraídas a partir de cada manifestação do direito à moradia.[12]
Na condição de direito de defesa, o direito à moradia pode ser invocado quando o seu titular sofrer qualquer espécie de lesão proveniente do próprio Estado bem como de algum particular. A medida violadora do direito à moradia, isto é, pode ser impugnada em juízo, seja no âmbito do controle difuso e incidental, seja por meio do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, ou por outros instrumentos processuais previstos pelo ordenamento jurídico.[13] Pense-se, a título exemplificativo, à possibilidade do fiador de contrato de locação invocar o seu direito à moradia em processo de execução de débitos locatícios em que restar penhorado o seu bem de família. Muito embora haja lei federal que permite a referida constrição, alguma jurisprudência já entendeu pela sua inconstitucionalidade justamente por ferir o direito fundamental à moradia.
Voltando à dimensão positiva, a indagação mais angustiante com relação ao tema diz com a possibilidade de o titular do direito à moradia, com base apenas no preceito constitucional, exigir do Poder Público alguma prestação material que venha a lhe assegurar uma moradia compatível com as exigências (mínimas) de uma vida digna[14]. Considerando que o direito à moradia na sua perspectiva prestacional é enquadrado na categoria de norma programática, tem-se defendido a necessidade da interposição do legislador e da formulação de políticas públicas habitacionais, em consonância com o já afirmado em capítulo anterior. Nesse sentido,
sem que aqui se possa e pretenda adentrar a instigante discussão em torno das assim denominadas normas constitucionais programáticas (ou de cunho programático), não há como desconsiderar que o direito à moradia inequivocamente também (mas não só) assume, no que diz com a sua perspectiva prestacional, a condição de norma programática, impondo ao Poder Público a tarefa de atuar positivamente na promoção, proteção, enfim, na concretização das metas constitucionalmente estabelecidas, no sentido de assegurar uma moradia compatível com as exigências da dignidade da pessoa humana para a população. Por outro lado, também é certo (pelo menos para a expressiva doutrina) que os direitos sociais prestacionais – em que pese sua dimensão programática – nem por isso perdem em fundamentalidade. Da mesma forma, importa repisar que mesmo as normas constitucionais programáticas não são destituídas de eficácia (ainda que eventualmente mais reduzida) além de serem – na medida da sua eficácia – diretamente aplicáveis, não sendo, de resto, poucos e inexpressivos os efeitos jurídicos que delas se pode extrair independentemente de uma intermediação do legislador.[15]
Assim, embora a natureza de norma programática do direito à moradia, haverá situações – conforme já analisado em momento anterior – em que poderá ser assegurado judicialmente o direito à moradia. No caso de preenchimento dos requisitos para a concessão de uso para fins de moradia disciplinado na Medida Provisória 2.220/01, por exemplo, tem-se entendido que o possuidor de imóvel público (federal) encontra-se investido em direito subjetivo oponível ao ente estatal.
Nas hipóteses em que o Município se omitiu na fiscalização dos loteamentos urbanos ou na sua regularização (quando desatendida pelo loteador a notificação para que regularizasse o empreendimento), vem sendo reconhecida judicialmente a responsabilidade (ao menos subsidiária) do Município pelo evento[16].
Poderá inclusive ocorrer acordo em sede de ação de reintegração de posse entre o poder público municipal e ocupantes de área verde, em que o ente estatal se comprometa a regularizar a área. A situação descrita foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que se negou a homologar o acordo, seguindo o entendimento também esposado pelo órgão de primeiro grau[17].A questão, ao nosso entender, é polêmica, demandando ponderação entre a o princípio da indisponibilidade do interesse público, de um lado, e o direito à moradia, de outro. Somente o caso concreto poderá indicar a solução mais adequada.
Esses exemplos demonstram a correção do magistério de Ingo Sarlet, quando sustenta haver todo um leque de possibilidades no que diz com a eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais,[18] dentre eles o direito à moradia.
Dentre outras possibilidades a serem aqui visualisadas, cite-se os próprios efeitos extraídos da dimensão negativa do direito à moradia, já referidos. Outra possibilidade consiste na criação por parte do governo de linhas de financiamento específicas a pessoas de baixa renda facilitando a aquisição ou edificação de suas residências[19]. O instituto da usucapião especial rural ou urbana, em que o legislador reconheceu a habitação como fundamento da aquisição da propriedade revela inclusive a eficácia do direito à moradia nas relações entre particulares[20]. O próprio Estatuto da Cidade é resultado do direito a prestações jurídicas (ou normativas) que decorre do direito à habitação[21]. Importa referir, porém, quanto a esse último aspecto, que
ainda que se tenha de reconhecer que na sua condição de direito a prestações normativas (principal manifestação do dever de proteção do Estado e dos correspondentes direitos à proteção) não se poderá sustentar – mesmo à luz do princípio contido no art. 5º, 1º, da nossa Constituição, um direito subjetivo à edição de um ato normativo (ou seja, de um direito subjetivo à legislação), os exemplos pinçados [Estatuto da Cidade, previsão da usucapião especial e da usucapião coletiva] revelam – para além de todas as potencialidades normativas já referidas quando da análise da dimensão negativa – que muito já se fez e mais ainda se poderá fazer por meio de uma atuação estatal (e não estritamente no campo normativo) sinceramente empenhada na tarefa de proteger e implementar o direito à moradia, ainda que não se esteja aqui a falar propriamente num direito subjetivo de acesso a uma moradia, no sentido de um direito a prestações fáticas.[22]
Quanto à possibilidade de se reconhecer um direito subjetivo de acesso a uma moradia, já analisado acima, frise-se que esse direito poderá ser assegurado em hipóteses excepcionais. A solução, porém, deverá passar necessariamente pelo princípio da ponderação dos princípios incidentes na espécie, servindo, a propósito, os critérios fornecidos por Robert Alexy, já analisados nesse texto quando do exame das normas constitucionais programáticas.
Por derradeiro, lembra o constitucionalista Ingo Sarlet que, relativamente ao modo de o Estado assegurar, na hipótese concreta, o acesso à moradia, existe um elenco de alternativas que não podem ser definitiva e previamente estabelecidas, “cuidando-se, em suma, de questão necessariamente aberta ao debate e carente de desenvolvimento” [23].
Para além disso, e já finalizando esse capítulo, é de se ressaltar que a garantia do acesso à moradia, assim como os demais direitos fundamentais, não se constitui em direito absoluto, imune a restrições. Dessa forma, muito embora o direito à habitação adequada venha reconhecido no texto constitucional e na legislação esparsa, sendo inclusive (ou, pelo menos, devendo ser) objeto de políticas públicas, não se pode olvidar a existência de outros direitos também merecedores de tutela jurisdicional. É justamente sobre a contraposição de interesses juridicamente protegidos que se deterá a partir de agora.
3. O direito à moradia em conflito com outros direitos: algumas hipóteses
Conforme já antecipado nas linhas acima, o direito à moradia não se revela imune a restrições. Os exemplos até agora trabalhados demonstraram que, em muitos casos, é o direito à habitação adequada que merece preponderar, o que implica na condenação do Poder Público a garanti-lo a populações de baixa renda.
Por vezes, todavia, o direito à moradia deve ceder em face do interesse público. A hipótese que melhor evidencia esse conflito de interesses é a desapropriação, que, na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, é definida como o procedimento por meio do qual o Poder Público, lastreado no argumento da necessidade ou utilidade pública ou ainda do interesse social, outorga-se o direito de compulsoriamente despojar alguém de um bem determinado – inclusive sua moradia –, adquirindo-o para si, mediante indenização prévia, justa e em dinheiro[24]. Há também a previsão da desapropriação para fins de reforma agrária quando o imóvel rural não estiver cumprindo sua função social[25] (art. 184 da CF), e a desapropriação de imóvel urbano, nos termos do art. 182, 4º, III, também da Constituição Federal. Por fim, previu o constituinte a expropriação das glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (art. 243). Observe-se que, em todas essas hipóteses, prevalece o interesse público sobre o particular, não aparecendo o direito à moradia como argumento preponderante. É claro que, para que a desapropriação ocorra de maneira legítima, deverão ser comprovados os requisitos legais e constitucionais aplicáveis à espécie.
Em outros casos, é a preservação do meio ambiente que conquista maior relevo em relação ao direito à moradia[26]. Muito embora a própria legislação ambiental tenha sido relativizada quando houver necessidade de regularização fundiária de área urbana, alguns limites foram considerados insuperáveis, como, por exemplo, a intervenção ou supressão de vegetação em área de preservação permanente de nascentes[27].
3.1.Premissas para a resolução de conflitos.
Em síntese, o operador jurídico poderá estar diante de um conflito em que haja oposição entre interesses juridicamente tutelados. É preciso ter presente, desde logo, que em situações como essas, o justo equacionamento a ser dado à espécie não pode ser obtido mediante um processo de aplicação mecânica da regra jurídica ao caso concreto[28]. Não basta simplesmente, por exemplo, aplicar os dispositivos do diploma processual civil eventualmente incidentes sobre a hipótese versada nos autos sem uma reflexão mais profunda sobre o contexto fático e sobre outras disposições ou princípios constitucionais também relacionados ao caso em apreço.
Isso porque, nos chamados hard cases[29], em que o método silogístico mostra-se claramente insuficiente para embasar uma resposta consentânea em termos de justiça e eqüidade, o juiz é chamado a apelar a outras fontes de direito. Refere-se, aqui, aos princípios[30], aos valores, às cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados, os quais, paralelamente às regras, também compõem o ordenamento jurídico nacional, qualificado como um sistema jurídico aberto.
Relativamente aos princípios, considerando a sua intrínseca plasticidade, estes conferem ao magistrado uma significativa flexibilidade no manuseá-los e no invocá-los em suas decisões. Afinal, tais fontes de direito, diferentemente das regras, apresentam baixo grau de densidade normativa, permitindo que o hermeneuta, ao empregá-los, os enriqueça de significado, moldando-os de forma a alcançar um perfeito encaixe com o caso concreto posto à apreciação.[31]
Os princípios, ainda, desempenham a função de “molas” propulsoras de uma constante evolução do direito. A sociedade, como se tem preconizado, assume patamares de complexidade em grau crescente numa velocidade estonteante, ao que não correspondem, em termos de rapidez, modificações legislativas capazes de regulamentar essa nova realidade. O próprio Legislativo, nesse norte, foi forçado a lançar mão de outras técnicas legislativas, tais como a introdução na legislação infraconstitucional de princípios, cláusulas gerais[32] e conceitos indeterminados[33] – esses últimos malháveis e de baixa densidade normativa jurídica, como os princípios –, como forma de minimizar o descompasso entre a lei e o contexto para o qual foi criada. A lei, como se sabe, embora genérica, ostenta, como regra, conteúdo bastante específico, não comportando maiores digressões acerca do seu teor. Os princípios, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados, em contraposição, apresentam – como a denominação já aponta – uma amplitude semântica bastante extensa[34], cuja preenchimento do significado admite mudanças à segunda do contexto físico e/ou temporal em que esse preenchimento ocorre. Ditas “válvulas abertas”, para além de viabilizar a modernização do direito, realçam as potencialidades do juiz, que se vê com as portas abertas para encontrar a solução mais consentânea para a lide sob análise, especialmente para aquela qualificada como hard case[35].
Importa aqui referir que dita solução deve se impor sustentável social e juridicamente, o que resta possível quando estiver fundada em argumentação racional, que a torne harmônica e compatível com o ordenamento jurídico. Ou seja, o conjunto de argumentos esgrimidos pelo juiz deve revelar que a decisão lançada nos autos não é só fruto da sua razão e do seu livre convencimento, mas encontra apoio no sistema jurídico-constitucional. Ademais, essa mesma decisão deve ser capaz de gerar consenso de que, efetivamente, corresponde ao que todos esperavam em termos de justiça.[36]
3.2 O direito à moradia x direito de propriedade
Na tentativa de aprofundar o exame de um conflito real entre o direito à moradia e outro direito tutelado pelo ordenamento jurídico, optou-se por enfrentar o tema do direito de propriedade e da maneira pela qual tal direito pode contrapor-se ao direito à moradia. Partindo, assim, da análise de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em que se discutiu o direito à reintegração de posse de proprietário de imóvel urbano invadido por um grupo de particulares, que ali construíram sua sede de moradia, procuraremos ao final fornecer uma solução juridicamente aceitável para o caso concreto.
3.2.1 O caso concreto
Cuida-se dos embargos infringentes tombados sob o n. 70005146410[37], julgados pelo 9º Grupo Cível do Tribunal gaúcho, assim ementado:
“Embargos infringentes. Ação de reintegração de posse. Preliminar de não-conhecimento do recurso afastada. Mérito. Invasão coletiva de imóvel urbano. Esbulho configurado. Desapropriação indireta. Não-caracterização. Precedente. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. Embargos infringentes desacolhidos, por maioria”.
A ação de reintegração de posse restou ajuizada contra uma série de famílias que haviam se instalado em terreno alheio, sem oposição do proprietário, por um período de aproximadamente três anos. Os réus alegaram inclusive o estímulo e a regularidade da ocupação, tendo em vista a implementação pelo Poder Público Municipal de rede elétrica, de esgoto, telefonia, arruamento aberto e outros equipamentos urbanos no local. Em sede de apelação e de embargos infringentes, reconheceu-se por maioria a procedência do pedido de reintegração, sob o argumento de que ao Judiciário caberia apenas o julgamento da questão possessória. A solução do problema social subjacente à questão posta em juízo caberia, segundo os ilustres julgadores, ao Executivo, pena de se ferir o princípio da separação dos poderes.
O único voto vencido – proferido pelo Des. José Pellegrini -, por outro lado, partiu do pressuposto de que o Estado e o Poder Público confundem-se em uma mesma identidade. O Poder Judiciário, na condição de ente estatal, também é tão responsável quanto o Município local pelo destino a que serão encaminhados os demandados. Relembrando o pensamento de Carlos Maximiliano, o magistrado aduziu que o julgador moderno se preocupa com o bem e o mal resultante de seu veredicto, e não apenas com a lei, nem só em dizer se é ou não de sua atribuição; deve analisar o que acontecerá se julgar assim ou diferentemente. Enfatizou ainda que “não são mais casebres, nem pequenos barracos que poderiam ser dali removidos e montados logo adiante: são casas de alvenaria construídas, arruamento aberto, caminhões de entrega por ali passando, correios, um orelhão instalado, postes de luz (...) Tudo isso aconteceu sob os olhos complacentes dos proprietários – essa invasão foi realizada em anos -, que deixaram consolidar essa nova situação de fato, e dos Poderes Públicos.”
Importa referir que, em casos de ações possessórias ou reivindicatórias de terrenos sobres os quais se construíram comunidades já consolidadas, alguma jurisprudência vem buscando fornecer soluções inovadoras, apoiadas em argumentos capazes de contrabalançar os fundamentos que alicerçam decisões como a exarada nos embargos infringentes objeto de análise nesse ensaio.
O próprio Superior Tribunal de Justiça reconheceu recentemente a desapropriação indireta, e a conseqüente atribuição ao Poder Público da obrigação de indenizar o proprietário de imóvel ocupado de maneira irregular por terceiros, sob o argumento de que “concretizada a invasão, o Município assumiu para si a responsabilidade de oferecer condições de infra-estrutura de esgoto e luz para a população assentada fosse atendida em suas necessidades. Em tais circunstâncias, a área que era particular passou a ser reconhecida como apossada pela administração pública, pelo que nela foram realizadas obras exigidas pela comunidade”[38].
Em realidade, são vários os argumentos que podem ser apreciados nessas espécies de demandas, a saber: a) a responsabilidade social e política do Poder Judiciário em face de conflitos sociais; b) uma perspectiva material e não apenas formal do direito; c) uma interpretação de nível axiológico e teleológico, forjada no valor da dignidade da pessoa humana; d) prevalência de parâmetros internacionais e constitucionais de proteção aos direitos humanos; e) a função promocional do direito[39]; f) a ponderação de interesses juridicamente protegidos.
Em relação ao último argumento mencionado, verifica-se que na demanda possessória em apreço[40] tem-se, de um lado, a invocação de um direito de propriedade que foi esbulhado; de outro, a afirmação de um direito à moradia a legitimar a ocupação.
Como já antecipado em linhas acima, o presente caso coloca o juízo diante de um conflito normativo que envolve valores ou opções políticas em tensão insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais, cujo desate pode ser alcançado por meio da técnica da ponderação. De um lado, o direito de propriedade; de outro, o direito à moradia.
Tomando como base a proposta sugerida por Ana Paula de Barcellos, o intérprete deve percorrer três etapas ao empregar a referida técnica, quais sejam: 1) identificação dos enunciados normativos aparentemente em conflito e agrupá-los em função das soluções que indiquem para o caso; 2) exame das circunstâncias concretas do caso e suas repercussões sobre os enunciados identificados na fase anterior; 3) decisão tendo em conta os grupos de enunciados, os fatos relevantes e sua repercussão sobre a hipótese e as diferentes normas que podem ser construídas para a solução do conflito[41].
Pois bem. A complexidade da discussão ora travada inicia a ser dissolvida a partir do momento em que se delimita a própria concepção moderna do direito de propriedade[42]. E aqui não se poderia deixar de fazer menção à função social[43] deste instituto, não como categoria oposta ao direito subjetivo titularizado pelo dominus,
“mas como um elemento capaz de alterar-lhe a estrutura, inserindo-se em seu profilo interno e atuando como critério de valoração do exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um massimo sociale (...) A funcionalização da propriedade é introdução de um critério de valorização da própria titularidade, que passa a exigir atuações positivas de seu titular, a fim de adequar-se à tarefa que dele se espera na sociedade”[44].
Disso decorre que, se uma determinada propriedade não cumpre a sua função social, perde o seu título justificativo[45]. Dessa forma, não parece demasiado sustentar que seja retirada a tutela jurídica dominial em situações concretas de conflito, de modo a privilegiar a utilização do bem que, mesmo desprovida do título de propriedade, se condiciona e atende ao interesse social[46]. Em outras palavras, “quem não cumpre a função social da propriedade perde as garantias, judiciais ou extra-judiciais, de proteção da posse”.[47]
Isso porque, para a propriedade contemporânea, o que realmente importa é a atividade nela desenvolvida pelo proprietário, e não a mera titularidade[48]. A propriedade, isto é, “não consubstancia mais um direito subjetivo justificado exclusivamente pela sua origem, mas que remanesce exclusivamente na medida em que atentemos a que seu fundamento é inseparável da consideração de seu uso” [49].
A par disso, é bom referir que, “além do direito de propriedade existe também o direito à propriedade, como uma das possíveis concretizações do direito fundamental social do direito à moradia (art. 6° da Constituição Federal)”[50].
Quanto a esse tópico, cumpre gizar a necessidade de se diferenciar o direito à moradia do direito de propriedade e do direito à propriedade. Segundo Ingo Sarlet,
“muito embora a evidência de que a propriedade possa servir também de moradia ao seu titular e que, para além disso, a moradia acaba, por disposição constitucional expressa – e em determinadas circunstâncias – assumindo a condição de pressuposto para a aquisição do domínio (como no caso da usucapião especial constitucional), atuando, ainda, como elemento indicativo da aplicação da função social da propriedade, o direito à moradia – convém frisá-lo – é direito fundamental autônomo, com âmbito de proteção e objeto próprios”[51]
Feitas essas considerações, sobressai com acentuada nitidez o maior peso exercido pelo direito à moradia em relação ao direito de propriedade no caso em apreço. Em realidade, não se está aqui diante de um verdadeiro jogo de ponderação, haja vista que o próprio direito de domínio, por não desempenhar adequadamente a sua função social, perde as garantias judiciais e extrajudiciais viabilizadas pelo sistema.
Remanesce, assim, o direito à moradia das famílias que vem ocupando o imóvel do autor já há três anos. Aliás, nesse caso, é possível afirmar que é a posse exercida por essa comunidade contra o domínio do proprietário que vem desempenhando de maneira adequada e legítima sua função social. Determinar a retirada das famílias do local, dessa forma, culminaria no desalojamento de inúmeras famílias, o que redundaria inevitavelmente no exacerbamento da delicada situação social em que já se encontram.
Em casos como esses, há interesse social na permanência da comunidade no local onde erigiu sua sede de moradia, o que ocorreu – repita-se –, com o beneplácito da Administração Pública e sem a oposição do proprietário por um período de três anos. A solução mais consentânea em termos de justiça (social) e menos prejudicial a todas as partes envolvidas consiste na improcedência da demanda. Evidentemente, poderá o proprietário buscar a devida indenização junto ao Município sob o fundamento de que seu terreno sofreu desapropriação indireta.
Em síntese, a delicada questão relativa à possibilidade de se impor (via judicial) ao Poder Público a disponibilização, no todo ou em parte, de uma moradia para aqueles que demonstrarem a sua falta ou a inviabilidade de aquisição por seus próprios meios ganha novos contornos em demandas possessórias similares àquela aqui versada. Nessas hipóteses peculiares, mostra-se razoável que o Judiciário legitime a posse dos apontados “esbulhadores” por meio do reconhecimento de um direito à moradia de que são titulares.
Evidentemente, vale a ressalva de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, quando afirmam que
aos juízes não é dado decretar a desapropriação deste ou daquele imóvel para fins de reforma agrária; cabe-lhes, contudo, na resolução dos conflitos que apreciam, deixar de atribuir tutela jurisdicional à propriedade que não atenda aos valores sociais e existências, consagrados na Constituição. Delineia-se, na verdade, uma nova ordem pública, em que a tutela da propriedade privada não pode estar desvinculada da proteção de situações jurídicas não patrimoniais, com prioridade axiológica na legalidade constitucional de modo a servir, segundo a dicção do acórdão comentado, de ‘garantia de agasalho, casa e refúgio do cidadão’”.
Muito embora não tenha sido essa a argumentação expendida pelo Des. Pellegrini em seu voto vencido, entendemos que casos semelhantes ao abordado neste ensaio não poderiam deixar de enfrentar o embate entre interesses juridicamente tutelados. Afinal, no julgamento dos casos difíceis, não é suficiente uma abordagem silogística; mostra-se indispensável o manejo dos princípios em rota de colisão no caso concreto. Tais princípios, vistos como normas contempladoras de direitos e garantias fundamentais, devem ser devidamente equacionados e ponderados diante das peculiaridades do caso sub judice, devendo o órgão estatal reconhecer a máxima eficácia possível a cada um deles, conforme as lições de Robert Alexy e Ingo Sarlet.
4. Notas conclusivas
A inclusão da moradia no rol dos direitos fundamentais e o crescente número de decisões judiciais em que o tema da habitação exsurge como objeto de exame pelo magistrado revelam, inegavelmente, que essa questão passou a reclamar especial atenção no debate jurídico-político nacional.
De qualquer forma, não há de se perder de vista que a garantia à moradia, assim como aos demais direitos fundamentais, não se constitui em direito absoluto. Em primeiro lugar, considerando a natureza de norma programática desse direito, haverá sempre a necessidade de se ponderar a eventual existência de um direito público subjetivo a uma moradia digna com os limites orçamentários e o princípio da separação dos poderes. Em outros casos, revelar-se-á imprescindível o exame de outros interesses juridicamente tutelados invocáveis no caso concreto – como o direito de propriedade – cujo reconhecimento (e proteção) pode ser incompatível com a tutela da moradia diante das circunstâncias fáticas presentes.
A matéria – consoante se procurou demonstrar – é polêmica e densa em conteúdo, permanecendo aberta ao debate e a novos desenvolvimentos.
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[1] SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais, 1998, p. 159-162.
[2] SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais, 1998, p. 166.
[3] SARLET, op. cit., p. 166.
[4] SARLET, op. cit., p. 48.
[5] Em relação aos direitos a prestações, alguma doutrina os subdivide em outros dois grupos: direitos a prestações em sentido estrito e direitos a prestações em sentido amplo, sendo que este último, por sua vez, integraria os direitos à proteção e os direitos à participação na organização e procedimento. Uma das maiores dificuldades reside justamente na identificação do objeto dessa última subclassificação. Segundo I. Sarlet, “a problemática dos direitos de participação na organização e procedimento centra-se na possibilidade de exigir-se do Estado (de modo especial, do legislador) a emissão de atos legislativos e administrativos destinados a criar órgãos e estabelecer procedimentos, ou mesmo de medidas que objetivem garantir aos indivíduos a participação efetiva na organização e no procedimento. Em suma, trata-se de saber se existe uma obrigação do Estado neste sentido e se a esta corresponde um direito subjetivo (fundamental) do indivíduo (...) Mesmo na doutrina alienígena não existe qualquer consenso sobre a matéria”(SARLET, op.cit., p. 194-196.) Peter Häberle, ainda, relendo a teoria dos quatro status de Jellinek, agregou ao status activus aquilo que denominou de status activus processualis, o qual vem a se identificar com a dimensão procedimental dos direitos fundamentais. (HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución: estudios de Teoría Constiucional de la sociedad abierta. Tradução de Emilio Mikunda-Franco. Madrid: Tecnos, 2002, p. 197-201)
[6] Na verdade, existem direitos sociais que pertencem ao grupo dos direitos de defesa (como, por exemplo, o direito de greve); são as assim denominadas de “liberdades sociais” (cf. SARLET,op.cit., p. 50).
[7] Tendo em vista os propósitos deste trabalho, não se fará referência, aqui, a outras classificações ou subclassificações habitualmente formuladas pela doutrina. Cite-se, a mò d’esempio, a divisão proposta por J. A. da Silva entre normas de eficácia plena, dotadas de aplicabilidade imediata; normas de eficácia contida, dotadas de aplicabilidade direta, mas não integral; e normas de eficácia limitada ou de aplicabilidade indireta. Outros critérios para a sistematização das normas de natureza constitucional podem ser encontrados em SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 214-224.
[8] SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais, 1998, p. 266.
[9] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Costitucionales, 2001, p. 157-169.
[10] Sobre o assunto, conferir SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais, 1998, p. 312-314.
[11] SARLET, I. A eficácia dos direitos fundamentais, op. cit., p. 166.
[12] SARLET, Ingo, O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 215.
[13] SARLET, Ingo, O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 224.
[14] SARLET, Ingo, op. cit., p. 232.
[15] SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 233-234.
[16] Ver, a propósito, a jurisprudência já citada nesse ensaio.
[17] TJ/RS, AI nº 70017332297, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Mario José Gomes Pereira, j. 27.03.07.
[18] SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 234..
[19] SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 234..
[20] SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 235.
[21] Sob a rubrica genérica de direitos a prestações, encontram-se os direitos a prestações jurídicas ou normativas e os direitos a prestações fáticas ou materiais. Sobre o assunto, consultar Ingo Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, op. cit., p. 218 e ss.
[22] SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 235-236.
[23] SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição, op. cit., p. 237.
[24] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 686.
[25] Com relação à desapropriação para fins de reforma agrária, a Constituição prevê o pagamento de “prévia e justa indenização”. Para Fábio Comparato (Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade, op. cit., p. 97), no caso de desapropriação por interesse social é antijurídico atribuir indenização integral a quem lesou um dever de exercício do direito de propriedade segundo os ditames da função social, ignorando-se o abuso de direito da propriedade. A justa indenização, continua o autor, não se confunde com o valor de mercado, mas segue regra de proporcionalidade: quanto maior a intensidade do abuso de direito, tanto menor será o quantum indenizatório. O Estatuto da Cidade prevê, nesse sentido, em seu artigo 8º, parágrafo 2º, que o montante fixado a título de indenização da desapropriação-sanção refletirá o valor lançado no IPTU, descontado o montante despendido pelo Poder Público com obra de infra-estrutura realizadas nas proximidades, não se computando, mais, expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
[26] Quanto a essa matéria, imprescindível o exame da Resolução 369 do CONAMA. O seu art. 2º possibilita ao órgão ambiental competente a autorização da intervenção ou supressão de vegetação em área de preservação permanente em casos específicos, dentre os quais se coloca a regularização fundiária sustentável de área urbana. Naturalmente, a Resolução impôs vários requisitos a serem cumpridos para que a autorização seja concedida, como, por exemplo, as ocupações de baixa renda serem predominantemente residenciais e estarem localizadas em área urbana declarada como Zona Especial de Interesse Social – ZEIS – no Plano Diretor. Outra condição que merece registro é que a ocupação deve estar localizada exclusivamente em algumas faixas de área de preservação permanente. Uma das faixas permitidas é a localizada “nas margens de cursos de água, e entornos de lagos, lagoas e reservatórios artificiais”, devendo ser respeitada faixas mínimas de 15 metros para cursos de água de até 50 metros de largura e faixas mínimas de 50 metros para as demais. A Resolução possibilitou, porém, que em situações excepcionais o órgão ambiental competente poderá estabelecer critérios específicos, não precisando ser atendida a exigência da faixa mínima de 15 metros (art. 9ª, 1º). Convém destacar, nesse tópico, que o Código Florestal (Lei n. 4.771/65), considera como de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura será de trinta metros para os cursos d’água de menos de dez metros de largura (art. 2º, “a”).[26]
[27] Vedação estabelecida pela Resolução CONAMA n. 367, por exemplo.
[28] A bem da verdade, a própria idéia tradicional de que o juízo processual utiliza o método dedutivo-silogístico para compor os litígios revela-se falha. Como observa Francisco Rosito, apoiando-se nas obras de Baldassare Pastore (Giudizio, prova, ragion pratica: un approccio ermeneutico. Milano: Giuffrè, 1996, p. 77) e de Chaïm Perelman (Logica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 214) “a atividade de averiguação pelo juiz raramente pode contar com regras axiomáticas, não sendo possível afirmar uma conseqüência certa decorrente de uma regra geral a um caso particular, o que afasta a identificação do método dedutivo. De fato, é da essência do processo a existência de conflito de interesses (controvérsias), de posições divergentes e de incertezas. Daí entender-se que não é suficiente, para motivar uma decisão, apresentar o silogismo judiciário que abrange a regra aplicada, a constatação dos fatos subsumidos sobre a regra e a conclusão decorrente. Evidentemente, havendo litígio, um ou vários desses elementos são contestados, o que exige do julgador não apenas a execução de um procedimento de lógica formal, senão indicar as razões que o guiaram nas opções julgadas preferíveis”(A aplicação das máximas de experiência no processo civil de conhecimento. Dissertação de Mestrado, apresentada no curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil, UFRGS, 2004, p. 17). Citando Guido Calogero (La logica del giudice e il suo controllo in cassazione.Padova: CEDAM, 1937, p. 51), o autor aponta que “a grande obra do juiz não está em extrair das premissas a conclusão, mas propriamente no encontrar e formular as premissas”(op. cit., p. 18). A respeito do assunto, consultar também a obra de Ricardo Guastini (Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quarter Latin, 2005, p. 244), em que o autor trata de dois diferentes níveis de argumentação: “em particular entre justificação interna e justificação externa da decisão judicial. Diz-se ‘justificação interna’ o conjunto das premissas (normativas e factuais) que estão imediatamente ligadas à decisão; diz-se ‘justificação externa’ o conjunto dos outros argumentos aduzidos a favor da escolha das mesmas premissas. Em outras palavras, constituem justificação interna da decisão: (a) a norma ou as normas a que se dá aplicação; (b) a qualificação do caso particular sobre o qual há controvérsia. Constituem, em contrapartida, justificação externa, ou meta-justificação, da decisão: (c) os argumentos invocados para justificar a escolha daquelas normas – e não outras – a que dar aplicação; (d) os argumentos aduzidos para justificar aquela – e não uma outra possível – qualificação do caso particular”.
[29] A expressão hard cases foi cunhada por Herbert Hart, autor citado na obra de Daniel Sarmento como a mais importante expressão do juspositivismo no universo anglo-saxão do século XX e responsável pela elaboração da teoria sobre a “textura aberta” das normas jurídicas. Tal abertura, segundo Hart (O Conceito de Direito. Trad. A.Ribeiro Mendes. Lisboa: Caloouste Gulbenkian, 1996, p. 137 e ss.) “confere ao aplicador do direito uma discricionariedade na escolha da solução para cada caso. Com freqüência, a resposta para o problema concreto não oferece maiores dificuldades, reduzindo-se a aplicação mecânica da norma, mas, em certas hipótese, que ele chama de ‘casos difíceis’ (hard cases), o que realmente vai decidir é a vontade do juiz.”(Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 80).
[30] Segundo Ronald Dworkin, tanto os princípios como as regras jurídicas orientam o processo de convencimento judicial. Todavia, as regras conformam-se com a perspectiva do “tudo-ou-nada”; já os princípios não indicam conseqüências jurídicas necessárias quando estejam presentes os seus pressupostos. Havendo colisão de princípios, mostra-se necessário considerar o peso relativo exercido por cada um deles (I Diritti Presi Sul Serio. Bologna: Il Mulino, p. 93-95). Gomes Canotilho, por sua vez, também fixa alguns critérios para diferenciar as regras dos princípios, quais sejam: o grau de abstração,o grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto, o caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, a proximidade da idéia de direito e a natureza normogenética (Direito Constitucional e Teoria Da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1.034-1035). Consoante o entendimento de Robert Alexy, “los principios son normas que ordenam que algo sea realizado en la mayor medida possible, dentro de las possibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de otimización [frisei], que está caracterizados por el hecho de que puedam ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las possibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las possibilidades es determinado por los principios e y regras opuestos”(Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Costitucionales, 1993, p. 86). A expressão mandado de otimização conquista profundo realce na obra de de Ingo Sarlet (A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006), sobretudo quando o autor aborda a problemática relativa ao art. 5°, § 1° da Constituição Federal. Segundo o jurista, o dispositivo configura um verdadeiro mandado de otimização, de cunho inequivocamente principiológico, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais (op. cit., p. 282).
[31] O professor norte-americano Owen Fiss acrescenta, ainda, a importância da atuação judicial como oportunidade de atribuição de sentido aos valores consagrados em normas de natureza constitucional (e principiológica), o que se infere do seguinte trecho de sua obra: “essa concepção da função judicial, a qual considera o juiz responsável por dotar os valores constitucionais de significado, espera muito dos juízes – até demais. A expectativa não reside na crença em suas faculdades morais ou na negação de sua condição humana. Os juízes são, em grande parte, pessoas seguras. São juristas, mas em termos de características pessoais não são diferentes de políticos ou de homens de negócios bem-sucedidos. A capacidade que possuem de dar uma contribuição especial para a vida social não decorre de qualquer conhecimento ou traço pessoal, mas da definição da atividade na qual se encontram e pela qual exercem o poder. Essa atividade é estruturada por fatores institucionais e ideológicos que permitem e, talvez, forcem o juiz a ser objetivo – não para expressar suas preferências ou crenças pessoais acerca do que é certo ou justo, ou as preferências populares, mas para o constante empenho na busca do verdadeiro significado dos valores constitucionais”(in:Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Coordenação da tradução Carlos Alberto de Salles; tradução Daniel Porto Godinho da Silva, Melina de Medeiros Rós. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 41).
[32] Judith-Martins-Costa assim as define: “as cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento (...) [essa técnica legislativa se vale de] normas cujo enunciado, ao invés de traçar puncualmente a hipótese e as suas conseqüências, é intencionalmente desenhado como uma vaga moldura, permitindo, pela abrangência de sua formulação, a incorporação de valores, princípios e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificado, bem como a constante formulação de novas normas ”(A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 274/286).
- [33] Também segundo Martins Judith-Costa, são “conceitos cujos termos têm significados intencionalmente imprecisos e abertos” (A boa-fé no Direito Privado, op.cit., p. 286). Todavia, enquanto as cláusulas exigiriam do juiz uma operação intelectiva e criativa mais complexa, remetendo-o a instâncias valorativas, o conteúdo semântico dos conceitos indeterminados poderia ser precisado com base em máximas de experiência (op. cit., p. 325-326).
[34] Há quem refute o emprego dessas fontes legislativas em razão da insegurança jurídica que implicam, justamente pela amplitude semântica que comportam. A isso se opõe o papel exemplar dos doutrinadores que, ao analisarem as várias decisões jurisprudenciais fundadas em princípios e cláusulas gerais, procuram condensar em conceitos as idéias evocadas nessas decisões. Isso facilita uma operacionabilidade mais segura e uniforme dessas fontes de direito, abertas e indeterminadas de maneira intencional pelo legislador, por fornecer ao intérprete critérios objetivos para sua aplicação, limitando, por conseqüência, o arbítrio judicial.
[35] Insta aqui observar a necessária correlação entre poder e responsabilidade. Nesse sentido, Mauro Cappelletti (Giudici irresponsabili? Studio comparativo sulla responsabilitá dei giudice. Milano: Giuffrè, 1988, p. 06): “não há dúvidas de que num sistema de governo liberal-democrático é somente aquele em que existir uma razoável relação de proporcionalidade entre poder público e pública responsabilidade, de tal modo que ao aumento do poder corresponda um aumento dos controles sobre o exercício de tal poder. Esta correlação é inerente a aquilo que usa chamar de sistema de pesos e contrapesos, checks and balances (...); [Deve-se frisar que] o problema da responsabilidade judicial está assumindo na nossa época uma peculiar conotação e uma relevância particularmente acentuada, tendo como causa justamente o crescimento sem precedentes do poder judiciário nas sociedades modernas” (tradução livre).
[36] FACCHINI NETO, Eugênio. Premissas para uma análise da contribuição do juiz para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, In: Juizado da Infância e da Juventude. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas do TJRS, n. 2, mar. 2004, p. 13-15.
[37] Embargos infringentes n. 70005146410, j. 21.03.03. In: Revista de Jurisprudência do TJRGS n. 222, set./03, ano XXXVIII, p. 129-136.
[38] STJ, REsp 235773/RJ, Rel. Min. José Delgado, j.14.12.99, D.J. 27.03.00.
[39] Esses também são os aspectos mencionados por Flávia Piovesan, ao comentar sentença que indeferiu pedido de reintegração de posse, impedindo assim a remoção forçada de aproximadamente trezentas famílias que invadiram faixa de domínio ao lado de rodovia (PIOVESAN, Flávia. A responsabilidade social e política do Poder Judiciário em face dos conflitos sociais. In: Questões agrárias: julgados comentados e pareceres. São Paulo: Método, 2002, p. 4.)
[40] Na verdade, entendemos que o autor deveria ter ajuizado ação reivindicatória, pois somente nesse caso poderia fundamentar o seu pleito no título dominial. No caso de demanda reintegratória, o juízo estará adstrito à análise apenas da posse. Em não se manifestando ela precária, violenta e/ou clandestina – o que foi o caso – a ação deveria ter sido julgada improcedente. Diferente é a abordagem no caso de reivindicação do imóvel fundada no título de propriedade, pois nessa hipótese o juízo deparar-se-á inevitavelmente com um conflito de interesses, o que foi escolhido como objeto de exame a ser abordado no corpo do texto.
[41] BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 92/158.
[42] Segundo Eroulths Cristiano Júnior, a “função social da propriedade relaciona-se diretamente com a posse. Ter a propriedade função social significa o efetivo exercício fático de uma ação (=função) social. Exercer faticamente alguma ação sobre a propriedade nada mais é do que o próprio conceito de posse. Logo, a função social da propriedade é a própria posse como o fato socialmente relevante exercido sobre a propriedade”(CORTIANO, Júnior, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do ensino do direito à propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 153-154).
[43] Segundo Eugênio Facchini Neto (A função social do direito privado. In: Revista Jurídica, ano 54, n. 349, nov.2006, p. 54), o termo “função”, genericamente falando, “expressa uma conotação de dinamismo, de atividade voltada a um fim”. Contrapõe-se, por assim dizer, ao termo estrutura, servindo também para definir o modo de operar de um determinado instituto. Quanto ao termo “social”, Francisco Loureiro expressa que uma das idéias a ele relacionadas “o coloca como meio de alcançar o estabelecimento de relações sociais mais justas, de promover a igualdade real. Há, assim, um objetivo de aumento da produção material, mas subordinado à sua distribuição em termos mais eqüitativos. Em termos diversos, não basta a simples destinação á produção, ou a só utilização de um bem, para dar por adimplida a função social. Busca-se, mais, uma coordenação entre a atividade do particular e os interesses coletivos, com o objetivo de dar melhor utilização aos recursos”(LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relação jurídica complexa. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 112). Para Ricardo Aronne, “funcionalizar a propriedade não se confunde com referir que a mesma seja uma função. A propriedade se constitui de um direito, não absoluto, funcionalizado e de natureza obrigacional, sendo efetivamente instrumental ao domínio, instituto outro, de natureza real (ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos reais). Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 185). Em obra mais recente, o autor refere que “no princípio da função social observa-se relevante ponto de aproximação do sistema jurídico com o sistema social, do que decorre a apropria dificuldade de traduzir seu conteúdo objetivo. Tal norma impõe a funcionalização social dos bens sobre os quais existe titularidade, impondo deveres e limites aos titulares, servindo desse modo de freio e impulsionador”(ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados (das raízes aos fundamentos contemporâneos). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 121.
[44] TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. O papel do poder judiciário na efetivação da função social da propriedade. In: Questões agrárias: julgados comentados e pareceres. STROZAKE, J.J. (org.). São Paulo: Método, 2002, p. 120-121 e 122.
[45] Em relação à concepção da função social como sendo uma restrição que recai sobre o titular da propriedade, interessante o magistério de Francisco Loureiro, quando afirma que “há sério desvio de perspectiva daqueles que confundem a função social da propriedade com simples limitações ou restrições. Basta lembrar que a mesma figura da função social serve para proteger com incentivos a pequena e média empresas. Serve para subsidiar a instalação de indústrias em determinadas regiões do país. Serve para isentar do pagamento de tributos propriedades de valor histórico, preservadas ou tombadas. Serve para a concessão de crédito em condições privilegiadas par a aquisição da casa própria, ou para a instalação de indústrias geradoras de empregos. Serve para impedir a penhora sobre imóveis residenciais e suas pertenças. Em suma, fácil perceber que a função social pode servir de incremento e de incentivo a diversas formas proprietárias socialmente relevantes. Em outras palavras, a função social, como fator determinante do comportamento proprietário, é fonte de estímulos e sanções de determinadas condutas. Na expressão de José de Oliveira Ascensão, a função social traz consigo obrigações positivas e negativas, limitadoras e impulsionadoras”(LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relação jurídica complexa. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 127).
[46] TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. O papel do poder judiciário na efetivação da função social da propriedade. In: Questões agrárias: julgados comentados e pareceres. STROZAKE, J.J. (org.). São Paulo: Método, 2002, p. 123.
[47] COMPARATO, Fábio. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade, apud STRECK, Lenio. A Constituição e o constituir da sociedade: a função social da propriedade (e do direito), um acórdão garantista. In: Questões agrárias: julgados comentados e pareceres. São Paulo: Método, 2002, p. 46.
[48] AMARAL, Francisco. Direito civil. Introdução. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 147.
[49] FACCHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. In: Revista Jurídica, ano 54, n. 349, nov./06, p. 83.
[50] FACCHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. In: Revista Jurídica, ano 54, n. 349, nov./06, p. 82.
[51] SARLET, Ingo. O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. In: Revista de Direito do Consumidor, ano 12, v. 46, ab./jun.03, p. 211.
Procuradora Federal. Mestre em Direito pela PUC/RS.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACCHINI, Nicole Mazzoleni. O direito à moradia x o direito de propriedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41158/o-direito-a-moradia-x-o-direito-de-propriedade. Acesso em: 18 dez 2024.
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