Resumo: Como os direitos fundamentais têm suporte na Constituição, seus limites também devem ter sede ou aval constitucional. Dessa forma, a própria norma instituidora do direito tem força para delimitar sua restrição, assim como outra norma da Constituição pode restringi-lo. Ainda, a norma constitucional pode permitir expressamente a limitação do direito por norma infraconstitucional. Em todos os casos, as restrições aos direitos fundamentais encontram resistência na garantia do núcleo essencial de cada direito.
Palavras-chave: direitos fundamentais, conformação, restrição.
Introdução
Ocorre colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por um titular não se desenvolve completamente ou se vê impossibilitado em virtude do exercício de um direito fundamental por outro titular.
Uma das formas de se solucionar o conflito de direitos fundamentais se dá fora da perspectiva do embate subjetivo. É solução oferecida pelo legislador, que, de antemão, faz a norma prever – ou permite que outra norma o faça – situações hipotéticas e suas consequências, de forma a restringir o gozo de algum direito.
Outra forma é a intervenção judicial, necessária quando os direitos não estão sujeitos à limitação normativa ou quando se discute a própria validade da limitação em face do núcleo essencial do direito.
Este estudo trata da primeira modalidade descrita.
Conformação e restrição de direitos fundamentais
Denomina-se âmbito de proteção de um direito a “delimitação intensional e extensional dos bens, valores e interesses protegidos por uma norma” (CANOTILHO, 1992, p. 210). O delineamento do âmbito de proteção, ou seja, a demarcação do alcance material de um direito se opera pela conformação ou pela restrição.
Normas legais conformadoras são as que completam ou precisam o conteúdo de um direito fundamental (CANOTILHO, 1992, p. 647; STEINMETZ, 2001, p. 27). Desenvolvem “estruturas normativas que possibilitem a máxima efetividade possível das normas constitucionais e a harmonização dos direitos e bens que por elas são protegidos” (STEINMETZ, 2001, p. 39).
Esclarece Suzana de Toledo BARROS (2003, p. 155-156): “(...) a moderna doutrina constitucional assevera que só se pode falar em uma restrição de direitos quando há uma efetiva limitação do âmbito de proteção desses direitos. Quando o legislador, em casos em que a estrutura do direito reclama, regula o seu conteúdo, não está restringindo, mas explicitando o âmbito de proteção da norma”.
Quanto à limitação, tem-se que, como os direitos fundamentais têm guarida na Constituição, seus limites também devem ter sede ou suporte constitucional (HESSE, 1998, p. 250). Sobre os chamados “limites imanentes”, aos quais não nos reportaremos neste artigo, conferir SILVA, 2001, p. 101-103.
Dessarte, a primeira forma de limitação dos direitos fundamentais é aquela estabelecida diretamente pela Constituição, levada a cabo pelo próprio texto da norma consagradora do direito restringido (HESSE, 1998, p. 251).
Os limites podem surgir de outras normas jurídicas.
A primeira hipótese é a existência de limites previstos por outras normas constitucionais, que não a instituidora do direito (HESSE, 1998, p. 252).
Outra hipótese é a dos limites externos ou restrições indiretamente constitucionais, que são os limites traçados pelo legislador infraconstitucional mediante autorização expressa da Constituição (STEINMETZ, 2001, p. 32). Explica HESSE (1998, p. 254) que, “como essa tarefa não pôde ser resolvida por a Constituição mesma normalizar todas as limitações de direitos fundamentais em suas diferenciações, ela é – conforme as possibilidades de diferenciação necessárias – confiada ao legislador”.
O exercício do limite externo se dá por meio de normas restritivas, isto é, normas legais que limitam posições que, em princípio, se incluem no campo de proteção do direito fundamental (CANOTILHO, 1992, p. 647). As leis restritivas, autorizadas constitucionalmente, são de dois tipos: qualificadas ou simples.
Trata-se de reserva legal qualificada quando a Constituição estabelece condições, como meios ou fins específicos que a lei restritiva de determinado direito deve seguir (BARROS, 2003, p. 166).
É o que ocorre, por exemplo, no § 4º do art. 220 da Constituição, que estabelece uma reserva de lei qualificada restritiva da manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 3º - Compete à lei federal:
(...)
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.”
A lei federal, tendo em vista a defesa do indivíduo contra produtos nocivos à saúde, pode restringir a publicidade de fumígenos, bebidas alcoólicas, agrotóxicos e medicamentos, e condicionar a inserção, sempre que necessário, de advertência sobre o malefício provocado pelo uso dos referidos produtos. Por sinal, é o que determina a Lei n. 9.294/96.
Fala-se em reserva legal simples quando o legislador infraconstitucional tem certa liberdade em manipular o âmbito de proteção do direito afetado, pois não há previsão de conduta a ser observada na feitura da lei restritiva.
Respeito ao núcleo essencial do direito
As restrições aos direitos fundamentais encontram resistência na garantia do núcleo essencial. Apesar de não ter sido contemplado pelo texto constitucional de 1988, assim como não o foi em muitos ordenamentos estrangeiros, “o princípio da proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais constitui postulado constitucional imanente, destinado a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental como consequência de eventuais restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais” (SILVA, 2001, p. 104). Dois grupos de teorias buscam seu conceito: as absolutas e as relativas.
No entendimento das teorias absolutas, o núcleo essencial “consistiria em um núcleo próprio de cada direito intangível e determinável em abstrato” (FARIAS, 1996, p. 80).
Para as relativas, o conteúdo essencial de um direito só pode ser determinado no caso concreto, em razão das circunstâncias consideradas: “somente é possível dizer o real conteúdo de um direito fundamental diante de um caso concreto em que um possível conflito é posto à resolução” (SILVA, 2001, p. 76). Define-se após o exercício da ponderação.
Suzana de Toledo BARROS (2003, p. 104) adota a conciliação entre as teorias:
“É necessário julgar as razões das restrições a partir de um dado previamente fixo (conteúdo essencial), embora se deva valorizar uma solução que, prestigiando a concordância prática entre os vários bens concorrentes, possa definir limites mais elásticos aos direitos (mais além ou mais aquém daquilo que teoricamente se poderia prever como limite absoluto), dada a situação apresentada.”
Para a fixação do conteúdo essencial “o que importará, acima de tudo, será ir fixando o percurso dos direitos, através do conhecimento da sua formação histórica, do cotejo comparativo, da experiência jurisprudencial, da protecção penal, e depois subir até a um sentido rigoroso na arquitectura da Constituição” (MIRANDA, 1993, p. 308).
Conclusão
Em resumo, a primeira forma de limitação de direitos fundamentais é aquela estabelecida diretamente pela Constituição, executada pelo próprio texto da norma consagradora do direito restringido.
Ainda, os limites podem surgir de outras normas jurídicas. A primeira hipótese é a previsão por outras normas constitucionais, que não a instituidora do direito. Outra hipótese é a dos limites externos ou restrições indiretamente constitucionais, que são os limites traçados pelas normas infraconstitucionais mediante autorização expressa da Constituição.
Em todos os casos, as restrições aos direitos fundamentais encontram resistência na garantia do núcleo essencial de cada direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996.
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Fabris, 1998.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993.
SILVA, Christine Oliveira Peter da. Hermenêutica de direitos fundamentais: uma proposta constitucionalmente adequada. Brasília, 2001. 267 f. Dissertação (Mestrado em Direito e Estado) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Restrição normativa de direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41272/restricao-normativa-de-direitos-fundamentais. Acesso em: 22 nov 2024.
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