RESUMO: Neste artigo analisamos a esdrúxula medida adotada pelo Judiciário da Comarca de Eirunepé para mitigar a situação de vulnerabilidade dos indígenas mediante a edição de Portaria que limitava a liberdade de locomoção e a permanência dos índios na cidade.
Palavras-chave: Portaria º 02/2014. Limitação de direitos indígenas. Violação a direitos fundamentais.
No início do ano de 2014, a imprensa divulgou notícia sobre portaria expedida pelo juiz responsável pela Comarca de Eirunepé/AM, a qual limitava o direito à locomoção e permanência dos indígenas na cidade, proibia a venda de bebida alcoólica aos mesmos e obrigava que a Fundação Nacional do Índio exercesse a tutela do índio na situação, fiscalizando a permanência dos índios na cidade, sob pena de multa. Eis a notícia:
Juiz limita permanência de índios a 48h em cidade no interior do AM
Magistrado denuncia uso de bebidas alcoólicas por indígenas na cidade.
De acordo com ele, medida visa segurança da população de Eirunepé.
O juiz estadual (...), da Comarca de Eirunepé, determinou através de portaria a proibição da venda de bebidas alcoólicas a índios e limitou a permanência dos indígenas em até 48h na sede do município amazonense, situado a 1.159 km de distância de Manaus. O magistrado justificou o ato pela situação de vulnerabilidade social enfrentada pelos povos indígenas e a degradação provocada pelo alcoolismo na região.
A portaria com as determinações foi publicada no último dia 21 de fevereiro e o cumprimento das medidas deve ser verificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O comando da Polícia Militar, a Prefeitura e a Câmara Municipal de Eirunepé também receberam a portaria[1].
Eirunepé é um município brasileiro do interior do estado do Amazonas, localizado cerca de 1.160 quilômetros a sudoeste de Manaus, com população estimada em pouco mais de trinta e três mil habitantes. Está situado em área de Floresta Amazônia e não há acesso rodoviário a outros municípios, apenas acesso aéreo e fluvial.
Sobre o Município incidem as terras indígenas[2] Kanamari do Rio Juruá, Kulina do Medio Jurua e Mawetek. Além dessas, existem outras terras indígenas que circundam o Município.
Na busca por seus direitos sociais, os quais são os mesmos garantidos a quaisquer outros cidadãos[3]-[4], como o atendimento à saúde, a obtenção de documentos pessoais, de benefícios sociais e previdenciários, dentre outros, além da necessidade de adquirirem gêneros e produtos de que necessitam, os índios deslocam-se de sua aldeia para a zona urbana do município de Eirunepé, onde permanecem pelo tempo necessário à satisfação de suas necessidades e interesses pessoais. As principais etnias que transitam a zona urbana do referido município para acesso a direitos sociais são os Kulina, Kanamari e Deni, que compreendem uma população de aproximadamente 2.500 (dois mil e quinhentos) indígenas nessa região. Interessante destacar que o deslocamento de alguns índios da aldeia à cidade, pode durar cerca de três a cinco dias de remo.
O coordenador técnico ressalta ainda que os índios não vão à cidade apenas para retirar benefícios sociais, mas tentar ter acesso a políticas públicas e expedir documentos pessoais. A demora no atendimento resulta na permanência deles na cidade. Ele diz que os índios aproveitam a estada na cidade para abrir conta em banco e tirar documentos, como registro de nascimento e título de eleitor. Silva conta que o Rani (Registro Administrativo Indígena) e os processos para o INSS, que cabem à Funai, em geral são feitos no mesmo dia. Já outros documentos chegam a ser deferidos em 40 dias.
“O cartório nem sempre funciona. No banco, os funcionários acabam pedindo mais documentos e o índio tem que voltar no outro dia. Quando o INSS defere um benefício social, todo o processo até o saque do beneficiário leva em média 25 dias. Então, o índio tem que continuar mais tempo na cidade. Não tem como ele retornar para aldeia e depois voltar novamente, pois além de viagem ser longa, é muita cara. Quando não pode pagar combustível, ele vem no remo, em viagens que levam três, quatro, cinco dias”, disse Arquimimo Silva[5].
Nesse contexto – permanência dos índios na cidade –, bem como de alguns problemas advindos dessa permanência, o juiz da Vara Única da Comarca de Eirunepé, de ofício, expediu a Portaria nº 02/2014, de 21 de fevereiro de 2014, abaixo transcrita:
PORTARIA Nº 02/2014
Considerando que cabe ao Juiz de Direito, como primeiro Corregedor de Justiça, fiscalizar os serviços, servidores, e colaboradores do Poder Judiciário na Comarca, levando em consideração a responsabilidade no exercício da atividade;
Considerando que o excessivo consumo de bebida alcoólica por parte dos indígenas que chegam de suas comunidades a fim de receber benefícios, permanecendo na Cidade de Eirunepé sem condições de higiene, hospedagem e alimentação, muitas das vezes abandonando suas crianças;
Considerando a ausência da Justiça Federal no Município de Eirunepé e receoso de que aconteça um mal maior aos Índios, como acidente, doenças, abandono de crianças, etc...
RESOLVE:
PROIBIR a venda de bebida alcoólica aos índios.
AVERTIR a FUNAI de Eirunepé que providencie o retorno dos índios assim que receberem seus benefícios, não permitindo que eles permaneçam na Cidade por mais de 48 (quarenta e oito) horas, permanecendo por mais tempo em caso de necessidade, como doença, sob pena de pagamento de multa de R$100.000,00 (cem mil reais) em caso de descumprimento desta Portaria.
COMUNICAR ao responsável pela FUNAI em Eirunepé, Prefeito Municipal de Eirunepé, Presidente da Câmara Municipal de Eirunepé, Comandante da Polícia Militar local, Secretário de Segurança Municipal, Secretaria de Ação Social do Município e demais autoridade envolvidas com a questão indígena do Município de Eirunepé.
Os casos omissos serão analisados per si.
A presente Portaria deverá ser publicada no local de costume do Fórum de Justiça.
Que se cumpra. Que se Publique. Que se Intime-se.
Eirunepé, 21 de fevereiro de 2014.
Pela leitura dos pressupostos da edição do ato, verifica-se que o magistrado da Comarca de Eirunepé, editou a Portaria nº 02/2014 com o objetivo de enfrentar os problemas de vulnerabilidade social dos povos indígenas no Município de Eirunepé, determinou basicamente três medidas: proibição da venda de bebidas alcoólicas, proibição da permanência de indígenas na cidade por mais de 48 horas, salvo em caso de necessidade, imputação da obrigação de fiscalizar a permanência dos índios à FUNAI, sob pena de multa.
Da simples análise do ato editado, verifica-se que a medida administrativa conduzida pelo juízo de Eirunepé destoa completamente das atribuições desse juízo e do Poder Judiciário.
Em primeiro lugar, não poderia agir o juiz de ofício e fora do âmbito de um processo judicial, já que no Direito Brasileiro, salvo as disposições legais específicas em contrário, ne procedat judex ex officio, ou seja, violou o magistrado o princípio da inércia, característica da jurisdição brasileira, determinando a adoção de medidas que restringem a liberdade de terceiros, sem qualquer provocação e sem o devido processo legal para tanto.
Em segundo lugar, o magistrado não tem competência legal para tanto. Lembro que quando se edita um ato de caráter normativo deve-se fundamentar a competência legal para praticá-lo, o que não ocorreu no presente caso por um motivo muito simples: não existe tal competência ao Poder Judiciário.
Do mesmo modo, não poderia o Judiciário caracterizar os índios como incapazes e aplicar a referida medida com base na Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e Adolescente. Lembro que a Portaria em muito se assemelha ao disposto art. 149 (combinado com o art. 70 dessa norma[6]). Contudo, tal analogia seria absurda por fulminar toda a conquista histórica dos índios ao reconhecimento do direito à diferença, direito esse estampado em nossa Constituição Federal e em normas internacionais de direitos humanos.
Ainda, entendemos que a Portaria, no contexto em que fora editada, além de não atacar o cerne da problemática social na região, ainda culpa os índios pela situação de vulnerabilidade em que se encontram, atraindo para eles o estigma do preconceito.
No mais, tratando de medida que envolve direitos indígenas constitucionalmente protegidos, bem como, por imputar obrigação à FUNAI, acaso tal medida fosse permitida pelo ordenamento jurídico, a competência para praticá-la seria da Justiça Federal, por expressa previsão do art. 109, incisos I e XI da Constituição Federal.
Nessa seara, chama atenção a justificativa para a edição da Portaria, na parte em que assevera “a ausência da Justiça Federal no Município de Eirunepé”. Ora, a competência da Justiça Federal abarca todo o Estado do Amazonas, ainda que fisicamente não tenha vara federal na localidade e ainda, a inexistência de vara federal no município não transfere a competência federal para a estadual, ante a ausência de prévia determinação constitucional nesse sentido. Cumpre lembrar que o fato indígena que atrai a competência da justiça federal é somente a disputa sobre direitos indígenas, e não as causas que simplesmente envolvam índios como parte[7].
A medida viola vários direitos fundamentais dos indígenas, notadamente a liberdade de ir e vir e o direito de se autodeterminar de acordo com a sua própria vontade. Imputa obrigação à FUNAI que destoa de suas competências legais, ou seja, determina que a entidade indigenista, literalmente, “controle” os índios.
Lembro que a Constituição Federal de 1988 ao adotar como fundamento o pluralismo político – expressão que não se resume apenas ao campo político e ideológico, mas inclui as demais esferas da convivência humana: social, cultural, econômica e religiosa – e ao dedicar capítulo inteiro à temática indígena, deixou clara a sua opção pelo modelo preservacionista, ou seja, de respeito à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, em contraposição à visão anterior, integracionista.
Ao Poder Público de todas as dimensões federativas o que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do inciso II do art. 3º da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de “desenvolvimento nacional” tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena (PET 3388/STF)
O paradigma constitucional inaugurado em 1988 se baseia na construção de uma sociedade democrática, plural e fraterna, na qual o exercício das faculdades inerentes aos direitos de determinada parcela da população não pode inviabilizar a própria estrutura fundante do Estado, ao contrário, ele deve agregar valor e identidade às discussões e diferenças como meio de viabilizar um progresso que promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É essa a verdadeira noção de Estado Democrático de Direito fundada no pluralismo político.
Dessa forma, o conteúdo e a forma da relação Estado-índio fora revista. Não há que se falar em tutela da pessoa do índio pelo Estado (tutela orfanológica ou tutela incapacidade), mas em tutela do direito do indígena pelo Estado, entendida como a proteção a sua capacidade de autodeterminação (social, econômica e cultural), conferindo-lhe grau de autonomia e capacidade semelhante aos demais membros da sociedade nacional, ficando-lhes a faculdade de exercer o direito comum a todos os cidadãos. Nesse sentido, a doutrina:
A menção a índios significa que um único índio ou um grupo de índios pode ir a juízo defender os direitos coletivos de todo o seus grupo ou tribo. A possibilidade constitucional de um índio, individualmente, ir a juízo em defesa dos direitos e interesses da coletividade à qual pertence é mais um fator que comprova a não recepção do regime tutelar e de incapacidade anterior (ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Arts. 231 e 232, in BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988. São Paulo: Forense, 2009, p. 2.426).
Pensamos que a “tutela-incapacidade” não foi recepcionada, porquanto a CF/88 abandonou o “paradigma da integração” (cujo pressuposto era exatamente a “incapacidade”), substituindo-o pelo “paradigma da interação” (cujo fundamento é precisamente a “diferença”).
(...)
A CF/88 – que reconhece o índio como “diferente”, sem que essa “diferença” possa ser confundida com “incapacidade” e que reconhece a “capacidade” do índio para ingressar em juízo na defesa de seus direitos, sem depender da intermediação – alterou substancialmente a natureza do regime tutelar indígena: primeiro, esse regime passou a ter natureza exclusivamente “protetiva”; segundo, passou a ter estatura “constitucional” (BARRETO, Helder Girão. Direitos indígenas: vetores constitucionais. 1. ed. (ano 2003). 6 reimp. Curitiba: Juruá, 2011, p. 42).
Se a ideia de tutela como imposição de alguma restrição ao livre arbítrio do índio e limitação de seus direitos já tinha sido afastada, mesmo que continuasse a ser aplicada na prática, com a Constituição Federal de 1988 não pode haver nenhuma dúvida: ela garante expressamente ao índio a possibilidade de se organizar como comunidade ou através de organizações próprias, reconhecidas pelo direito, e de recorrer diretamente ao Poder Judiciário na defesa de seus direitos e interesses. Ora, a autonomia é então plena, tendo o índio os mesmos direitos e obrigações dos demais e sendo reconhecido com um cidadão brasileiro (VILLARES, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2009).
Reforço que essa discussão deveria ter sido totalmente superada após a ratificação pelo Estado Brasileiro da Convenção nº 169 da OIT, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio na qualidade de norma supralegal – conforme entendimento do STF – pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, a qual deixa expressamente consignada a capacidade civil dos indígenas, ou seja, o exercício de direitos e a assunção de obrigações:
Artigo 8º
1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário.
2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste principio.
3. A aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo não deverá impedir que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes.
Entende-se, portanto, que, a despeito de serem culturalmente diferenciados, os índios possuem capacidade e discernimento suficientes para dirigir o seu destino, para escolher o seu próprio processo de desenvolvimento, não competindo ao Estado intervir nessa escolha. Os índios não podem ser tratados como incapazes e isso fulmina toda a legislação que lhes restrinja ou impeça o acesso a direitos. A tutela fundada na incapacidade, de cunho privatístico, deixa de existir, e dá lugar à tutela dos direitos do índio, de natureza pública, e que consiste na prestação, por parte do Estado, de assessoramento e de proteção, a fim de viabilizar o exercício pleno dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
Portanto, os índios não devem ser “controlados” ou “coagidos” pelo Estado. Ao contrário, o Estado existe para garantir-lhes a plena liberdade e assegurar-lhes os direitos que lhes são constitucionalmente e legalmente garantidos, o que inclui os direitos objeto de gozo de todo e qualquer cidadão, sem restrições.
Lembro que a FUNAI é apenas uma das entidades e órgãos criados pelo Estado para atuar na questão indígena, com atribuições bem específicas, constantes do Decreto nº 7.778/2012. As questões referentes à saúde, educação e segurança dos indígenas não são de competência da FUNAI, ainda que à FUNAI incumba a responsabilidade de acompanhar tais ações, que são de competência, respectivamente, do Ministério da Saúde e demais participantes do sistema de saúde (Estados e Municípios), Ministério da Educação e demais participantes do sistema (Estados e Municípios) e Polícias Federal e Estadual, a depender da natureza do bem jurídico tutelado ou da pessoa que sofra o dano. A corroborar esse argumento, a Lei nº 6.001/73 determina:
Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:
I - estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação;
II - prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional;
III - respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição;
IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;
V - garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat , proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;
VI - respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;
VII - executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas;
VIII - utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento;
IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;
X - garantir aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face da legislação lhes couberem.
Em relação aos problemas sociais, que ocasionam as situações de risco e vulnerabilidade social no município de Eirunepé, alguns deles ligados ao consumo de bebida alcoólica, é certo que deve haver uma ação coordenada de todos os atores públicos com competência legal para atuar nessa questão, com o escopo de desenvolver uma política pública específica para as particularidades enfrentadas na região, se possível, mediante a construção de uma rede de assistência aos índios em trânsito na cidade, para que lhes seja fornecido abrigo, orientação quanto ao consumo excessivo de bebida alcoólica e orientação específica para o célere atendimento de suas necessidades.
A conclusão a que se chega é cristalina. A Portaria tal qual editada é medida teratológica, arbitrária, violadora da legalidade e dos direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas, digna de reprimenda, inclusive, no âmbito internacional, por força dos tratados e acordos firmados pelo Estado Brasileiro.
Por fim, cumpre-nos apenas asseverar que após a celeuma provocada pela edição da Portaria, a qual fora inclusive combatida judicialmente pelos órgãos da Procuradora-Geral Federal, a quem compete a representação judicial da FUNAI, o magistrado responsável por sua edição determinou a revogação[8] da famigerada Portaria.
[1] http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2014/03/juiz-limita-permanencia-de-indios-48h-em-cidade-no-interior-do-am.html. Acesso em 29 nov. 2014.
[2] http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas. Acesso em 29 nov. 2014.
[3] Lei 6.001/73. Art. 2° Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos: I - estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação.
[4] Conveção 169 da OIT. Artigo 2º. 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. 2. Essa ação deverá incluir medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população; b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições; c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças sócio - econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida.
[5] http://amazoniareal.com.br/juiz-proibe-venda-de-bebida-e-da-prazo-para-indios-permanecerem-em-cidade-do-am/ Acesso em 29 nov. 2014.
[6] Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em: a) estádio, ginásio e campo desportivo; b) bailes ou promoções dançantes; c) boate ou congêneres; d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas; e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.
II - a participação de criança e adolescente em: a) espetáculos públicos e seus ensaios; b) certames de beleza.
[7] Interessante fazer referência à Súmula nº 140 do Superior Tribunal de Justiça: compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figura como autor ou vítima.
[8] Juiz revoga portaria que proibia indígena permanecer em Eirunepé. O juiz estadual (...), da Comarca de Eirunepé/AM, distante 1.150 quilômetros de Manaus, em linha reta, revogou, na semana passada, a portaria assinada pelo mesmo no dia 21 de fevereiro de 2014, proibindo a venda de bebidas alcoólicas a indígenas e a permanência deles no prazo máximo de 48 horas na sede do município.
Extraído de http://neopensador.blogspot.com.br/2014/03/juiz-revoga-portaria-que-proibia.html. Acesso em 29 nov. 2014.
Procurador Federal e Coordenador de Assuntos Contenciosos da Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI. Ex-Procurador do Estado da Paraíba. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Lívio Coêlho. O Juiz, os índios e a liberdade de ir e vir Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42163/o-juiz-os-indios-e-a-liberdade-de-ir-e-vir. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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