Introdução
O vasto aparato legislativo versando sobre proteção ao meio ambiente e à saúde do trabalhador em todos os níveis de governo não tem sido capaz de frear o crescente aumento do número de acidentes do trabalho, com enorme impacto social e econômico. A negligência dos empresários no cumprimento das normas de prevenção e eliminação dos riscos ambientais do trabalho, favorecidos pela ineficiência do Estado em fiscalizar o seu cumprimento, em muito contribui para este cenário.
Desenvolvimento
A preocupação com a ocorrência de acidentes no ambiente de trabalho tem sua origem a partir da Revolução Industrial, cada vez mais crescente em função da submissão dos operários a processo de produção acelerado e desumano, com conseqüências desastrosas para a sua saúde, decorrente da substituição do trabalho manual pela utilização de máquinas.
A exposição dos operários a condições de trabalho insalubres e degradantes, aliada ao fato de que uma vez acidentados não tinham qualquer amparo, e ainda eram discriminados ao buscarem nova colocação no mercado de trabalho, era frequentemente denunciada pelos movimentos sindicais nascentes, à época, sob forte influência socialista e anarquista. Foi neste contexto que em 1884, por inspiração do Chanceler Bismarck, surgiu na Alemanha a primeira lei específica a tratar do tema acidente do trabalho[1].
Deu início então ao aparecimento de várias leis de cunho semelhante em diversos outros países da Europa, os quais também viviam situações idênticas àquelas enfrentadas pela Alemanha. Na Inglaterra a primeira legislação sobre o tema acidente do trabalho surgiu em 1897, na França e Itália em 1898, na Espanha em 1900, seguida por Portugal em 1913. Nos Estados Unidos a primeira legislação vigorou a partir de 1908[2].
A fundação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919 foi fundamental para expansão dessas legislações. Já em 1919, na primeira convenção sobre horas de trabalho, propunha a fixação da jornada em 48 horas semanais. Até junho de 2007, foram dezenove Convenções e vinte e sete Recomendações da OIT versando sobre Saúde e Segurança do Trabalho[3].
No Brasil também não foi diferente. As primeiras legislações tratando de acidentes do trabalho surgiram sob pressão dos movimentos sindicais, fortemente influenciados por ideais anarquistas e socialistas.
Em 1850 o Código Comercial Brasileiro dispôs no seu artigo 79 que na ocorrência de acidentes imprevistos e inculpados, os prepostos teriam garantido o salário por até três meses contínuos.
Mas foi o Decreto n. 3724, de 15 de janeiro de 1919, o primeiro a tratar especificamente sobre a proteção do trabalhador acidentado ou de sua família. Foi também o primeiro a definir acidente do trabalho e doença do trabalho, porém limitou a sua aplicação a apenas algumas categorias de trabalhadores. Nada dispôs sobre prevenção de acidentes ou fiscalização pelos órgãos governamentais. Avançou ao introduzir o conceito de risco profissional, de forma não mais se discutia de quem era a culpa pelo acidente. Aplicava-se, portanto, a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, pela qual não é necessário que se demonstrasse o dolo ou culpa do empregador pela ocorrência do acidente. Até então, se o empregado pretendesse qualquer indenização pelo acidente sofrido era com base nas Ordenações Filipinas e posteriormente com fundamento no Código Civil, nos quais era exigido que a vítima provasse a culpa do empregador, o que quase nunca era possível, já que os elementos necessários encontravam-se em poder do empregador. O pagamento da indenização às vítimas dava-se na proporção da gravidade das seqüelas do acidente.
A Constituição de 1934 fez menção à proteção ao acidente do trabalho[4].
O Decreto n. 24.637, de 10/07/1934, ampliou a proteção para outras categorias de trabalhadores, bem como a concepção de doença profissional. Dispôs ainda sobre o direito à pensão para os herdeiros dos acidentados.
O Decreto-lei n. 7.036, de 10/11/1944, introduziu avanços significativos. Garantiu a proteção do trabalhador acidentado, ainda que o acidente não fosse a única causa do evento. Reconheceu o acidente de trajeto, independentemente do meio de transporte ser ou não fornecida pelo empregador. Tornou obrigatório o seguro acidente com as Seguradoras Privadas, a cargo exclusivo do empregador, e o IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, em regime de concorrência, permitida a cumulação da indenização acidentária com as prestações previdenciárias. Por fim, trouxe um capítulo versando sobre prevenção de acidentes e readaptação profissional.
A Constituição de 1946, seguindo a mesma evolução da legislação ordinária, estabeleceu expressamente a obrigação do empregador de manter o Seguro de Acidentes do Trabalho - SAT[5], independentemente da Previdência Social, que foi mantida pela Constituição outorgada em 1967 sem inovações.
Alterando substancialmente o modelo de proteção legal até então vigente, foi publicada em 14/09/1967 a Lei 5.316. A partir daí, a teoria do risco profissional é substituída pela teoria do risco social. O Estado, por meio da Previdência Social, assume o seguro contra acidente do trabalho, responsabilizando-se objetivamente pela reparação do dano sofrido pelo empregado, pagando-lhe o benefício previsto na lei. Pouco importa se foi ou não registrado, ou se recolheu alguma contribuição para o sistema previdenciário[6]. Impõe-se ainda à Previdência Social a adoção de programas de prevenção de acidentes e de reabilitação profissional.
Com a Lei 6.195/1974, os trabalhadores rurais são incorporados à rede de proteção acidentária da Previdência Social, o que antes se dava apenas por analogia.
A Lei 6.367, de 19/10/1976, ao revogar a Lei 5.316/67 introduziu a cobrança diferenciada de alíquotas do seguro de acidente do trabalho – SAT, segundo o grau de risco das atividades.
A Constituição Federal de 1988, diferentemente das anteriores, tratou de fortalecer não só a proteção do trabalhador acidentado e sua família, mas também da prevenção da ocorrência dos infortúnios, inserindo a proteção acidentária no rol dos direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, elencados no artigo 7º. No inciso XXII dispôs sobre a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, e no inciso XXVIII, estabeleceu a garantia de seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, independentemente da indenização civil quando incorrer em dolo ou culpa. Ao dispor sobre as normas inerentes à saúde, atribuiu ao sistema único de saúde a atribuição de colaborar na proteção do meio ambiente do trabalho[7].
A Emenda Constitucional n. 20/1998 restabeleceu o regime concorrente entre o INSS e o setor privado para cobertura do risco de acidente do trabalho[8]. Um retrocesso, já que o retrospecto histórico demonstra claramente que no período em que vigeu o regime de seguro privado para cobertura dos acidentes de trabalho, este não atendia às reais necessidades dos trabalhadores. A justificativa para a privatização do sistema levou em conta aspectos meramente econômicos, sob o argumento de que a iniciativa privada disporia de maiores condições de investimento na prevenção de acidentes. Por outro lado, o fator determinante para despertar o interesse da iniciativa privada é a possibilidade de auferir lucros. Já se passaram cerca de doze anos e o projeto de lei regulamentando a inserção da iniciativa privada ainda está em tramitação no Congresso Nacional. Se houvesse mesmo o interesse privado, certamente o lobby das seguradoras já teria agilizado a votação e aprovação do referido projeto.
Com o advento da Lei 8.213/91, os acidentes de trabalho deixaram de ser tratados à parte para integrar a legislação de benefícios da Previdência Social, tornando revogadas as disposições da Lei 6.367/1976. A partir de então a empresa passa a ser responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. Em caso de negligência quanto ao cumprimento das normas-padrão de segurança e higiene do trabalho a empresa pode sofrer ação regressiva por parte da Previdência Social visando o ressarcimento das despesas com o trabalhador acidentado, independentemente da responsabilidade civil.
Conclusão
Como se vê, é vasto o aparato normativo que, de alguma forma, objetiva a prevenção dos acidentes de trabalho. Todavia, ainda são alarmentes os números de acidentes do trabalho no Brasil, que está atento a esta realidade, mas para isto, é preciso a participação de todos os envolvidos. A grande maioria dos acidentes ocorre no ambiente das empresas e são causados por inobservância das normas de segurança e prevenção de acidentes. Daí que, para se atingir os fins almejados é imprescindível a conscientização dos empregadores para a necessidade de investimentos constantes nesta área, reforçando a importância dos conceitos prevencionistas no ambiente laboral.
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[1] MARTINS, 2005, p. 394.
[2] id., p. 395.
[3] Disponível em http://www.ilo.org/ilolex/spanish/convdisp1.htm > acesso em 18/03/2010
[4] Art. 121, §1º, h
[5] Art. 158, XVII
[6] MARTINS, 2006, p. 402.
[7] Art. 200, VIII
[8] Art. 201, §10: Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria Federal em Minas Gerais, órgão da Advocacia-Geral da União - AGU; Pós-graduado em Direito Público, com ênfase em Direito Previdenciário; 10 anos de atuação na área de Direito Previdenciário, na defesa do INSS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Edmilson Márcio. Uma análise da prevenção dos acidentes de trabalho sob o enfoque da legislação aplicável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42268/uma-analise-da-prevencao-dos-acidentes-de-trabalho-sob-o-enfoque-da-legislacao-aplicavel. Acesso em: 23 dez 2024.
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