RESUMO: Esse artigo objetiva abordar a papel do Senado no controle de constitucionalidade de normas pela via difusa.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade Difuso, Resolução do Senado Federal, faculdade.
1. INTRODUÇÃO
O sistema de controle de constitucionalidade no Brasil é jurisdicional misto, tanto difuso como concentrado.
No controle difuso, nos termos da regra do art. 52, X, da CF/88, somente após atuação discricionária e política do Senado Federal, mediante a aprovação de projeto de resolução.
No controle difuso, portanto, não havendo suspensão da lei pelo Senado Federal, a lei continua válida e eficaz, só se tornando nula no caso concreto, em razão de sua não aplicação.
Nesse cenário, o Senado estaria obrigado a suspender os efeitos da decisão emitida pelo STF? O tema é polêmico e divide a doutrina.
Diante de tais previsões, resta saber como se dá, e em que extensão, a aplicação dos efeitos do artigo 52, X, da Constituição.
2. DESENVOLVIMENTO
As decisões do Supremo Tribunal Federal, quando declaram a inconstitucionalidade de uma lei pela via difusa, não apresentam eficácia erga omnes. Para dar esse efeito, necessária a intervenção do Senado Federal.
Assim dispõe a Constituição de 1988 sobre o tema:
Art. 52. Compete ao Senado Federal:
{...}
X- suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.
O Regimento Interno do STF também disciplina o tema em seu art. 178, ao dispor:
Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição.
Em relação ao dispositivo acima, destaque-se que o artigo 42, VII, referido corresponde ao artigo 52, X, da Constituição Atual.
O Regimento Interno do Senado Federal, nos artigos 386 e seguintes, também trata do tema, assim dispondo:
Art. 386. O Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade total ou parcial de lei mediante:
I – comunicação do Presidente do Tribunal;
II – representação do Procurador-Geral da República;
III – projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
O artigo 386 do mesmo regimento dispõe sobre o processamento no Senado da suspensão da lei declarada inconstitucional dispondo que “{...} a comunicação ou representação será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte.”
Essa missão atribuída ao Senado apareceu pela primeira vez no ordenamento jurídico pátrio na Constituição de 1934 em um contexto no qual inexistia o controle concentrado de constitucionalidade no Direito Brasileiro.
O controle difuso tem raízes históricas no direito norte-americano (sistema common law). No entanto, nos Estados Unidos as decisões dos órgãos judiciais são vinculantes, sobretudo aquelas proferidas pela Suprema Corte. É a adoção do chamado stare decisis por força do qual todos os órgãos judiciários ficam vinculados às decisões da Suprema Corte.[1]
O Brasil transplantou do direito norte-americano o controle difuso. No entanto, no direito pátrio, de tradição romano-germânica (sistema do civil law), não se atribui eficácia vinculante às decisões judiciais, nem mesmo aquelas prolatadas pela Suprema Corte.
Nesse quadro, constataram-se deficiências no sentido de ser possível a adoção de decisões conflitantes entre os vários órgãos judiciários competentes para declarar a inconstitucionalidade, o que propicia insegurança jurídica.
Nesse sentido, Mauro Cappelletti[2] dispõe:
{...} a introdução, nos sistemas de civil law, do método ‘americano’ de controle, levaria a conseqüência de que uma mesma lei ou disposição de lei poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional, por alguns juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada, porque não julgada em contraste com a Constituição, por outros. Demais, poderia acontecer que o mesmo órgão judiciário que, ontem, não tinha aplicado uma determinada lei, ao contrario, a aplique hoje, tendo mudado de opinião sobre o problema de sua legitimidade constitucional.
Zeno Veloso se posiciona da mesma maneira ao aduzir[3]:
{...} no controle difuso de constitucionalidade, adotado nos Estados Unidos, o sistema convive com o stare decisis, o que diminui, sensivelmente, os ditos riscos, dificuldades e embaraços deste modelo. O stare decisis (‘manter-se fiel às decisões’) é instituto de origem inglesa, que prestigia a jurisprudência, os precedentes dos tribunais, princípio do common law, e, por ele os juízes e órgãos judiciais inferiores devem sentenciar de acordo com as decisões dos tribunais superiores, especialmente a Suprema Corte.
Diante desse quadro, conclui o referido doutrinador que, com vistas a atenuar as deficiências da implantação de um instituto típico do sistema common law em um país que adotou o sistema do civil law, a Constituição de 1934 atribuiu a competência ao Senado para suspender, em caráter geral, a execução da norma declarada inconstitucional.
A primeira observação que se nota do dispositivo já transcrito é que o Constituinte se refere apenas à lei declarada inconstitucional, não fixando de maneira clara a abrangência das leis que poderão ser objeto da resolução senatorial. Apesar disso, hoje resta pacificado tanto na doutrina como na jurisprudência que somente se efetua a suspensão da execução da lei pelo Senado, quando se tratar de ação incidental de inconstitucionalidade, isto é, por via de exceção, se a inconstitucionalidade houver sido declarada incidenter tantum[4].
Dúvidas surgem quanto ao grau de discricionariedade que deteria o Senado Federal para suspender a execução da lei. Indaga-se, a respeito, se a Casa Legislativa, sendo cientificada, por parte da Corte Suprema, sobre decisão definitiva em que se declarou a inconstitucionalidade de uma lei, em um caso concreto, pode recusar-se a emitir resolução suspensiva da execução dessa lei.
A questão suscita muita polêmica na doutrina.
André Ramos Tavares afirma que a discricionariedade do Senado é limitada, pois que se presentes os pressupostos ao Senado caberia editar a resolução pertinente.
Citando Alfredo Buzaid[5], o referido doutrinador preconiza que “Presentes todos os requisitos que ao Senado cumpre verificar, não poderá este recusar-se a suspender a lei, ainda que a opinião pública propugne por sua manutenção.
Celso Ribeiro Bastos[6] compartilha desse mesmo entendimento ao dizer “O Senado não se pode furtar à suspensão de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal desde que se tenham verificado os requisitos para tanto.”
Pedro Lenza[7], por sua vez, menciona que obrigar o Senado editar a referida resolução acarretaria afronta ao princípio da separação dos poderes:
“{...} o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado Federal total liberdade para cumprir o art. 52, X, da CF/88. Caso contrário, estaríamos diante de afronta ao princípio da separação dos Poderes.”
Nota-se, portanto, que o citado artigo constitucional trata de efetiva participação política no controle difuso. Nesse sentido, é sob essa ótica que o Senado deve se dirigir a decisão do STF. Vale dizer, cabe ao Senado analisar a conjuntura política, antes de suspender a execução da lei, quando e se achar devido, dando efeitos erga omnes à decisão do STF.
Contudo, caso a Casa Legislativa decida por conferir eficácia erga a omnes à decisão do STF, é impossível o Senado Federal ampliar, interpretar ou restringir a extensão de tal decisão [8], pois se assim o fizer estaria usurpando a competência do STF para declarar a inconstitucionalidade da lei.
3. CONCLUSÃO
Analisadas as divergências existentes no âmbito doutrinário, conclui-se que reduzir o papel do Senado a mero órgão de divulgação das decisões do Supremo, nesse campo, vulneraria o sistema de separação entre os Poderes.
Não há como negar que a Constituição Federal de 1988 fortaleceu o Supremo. Contudo isso não ocorreu em detrimento das competências dos demais Poderes, igualmente assegurados pela Constituição.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise critica da jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Leituras complementares de direito constitucional: o princípio do stare decisis e a decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2009.
FIGUEIREDO, Fernanda Mendonça S. A mutação constitucional e o Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade. Consulex: revista jurídica, Brasília, Ano 13, n. 293, p. 53, 31 mar. 2009.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
_______. O modelo brasileiro de controle difuso-concreto da constitucionalidade das leis e a função do Senado Federal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 93, n. 819, p. 45-64, jan. 2004.
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999.
_______. O Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade. In: ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; PETERSEN, Zilah Maria Callado Fadul (coord.). Coletânea de estudos jurídicos. Brasília: Superior Tribunal Militar, 2008.
[1] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Leituras complementares de direito constitucional: o princípio do stare decisis e a decisão do Supremo Tribunal Federal no Controle Difuso de Constitucionalidade. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 295.
[2] CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1984. p. 77.
[3] VELOSO, Zeno. O Senado precisa ser retirado do controle difuso de constitucionalidade In: ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; PETERSEN, Zilah Maria Callado Fadul (coord.). Coletânea de estudos jurídicos. Brasília: Superior Tribunal Militar, 2008. p. 455-474.
[4] Id.
[5] BUZAID, Alfredo, 1958, apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 376.
[6] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 649.
[7] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva 2008, p. 152.
[8] LENZA, op. cit. p. 184.
Advogado da União. Pós Graduado em Direito Constitucional pela rede LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Weslley Rodrigues. Controle de Constitucionalidade e Suspensão da Lei pelo Senado: Obrigação ou Faculdade? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42351/controle-de-constitucionalidade-e-suspensao-da-lei-pelo-senado-obrigacao-ou-faculdade. Acesso em: 22 dez 2024.
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