RESUMO: No panorama atual, os direitos sociais consagrados na Constituição Federal de 1988 como direitos fundamentais, encontram alguns entraves a sua efetividade, o que se deve principalmente por exigirem do Estado uma atuação positiva como um Estado Prestacional - Estado Social. Um desses entraves é a limitação de recursos que colocaria o administrador público diante de uma escolha de onde aplicar os investimentos e quais demandas a serem atendidas em detrimento de outras. O direito à moradia previsto no artigo 6º da Constituição Federal ainda é um desafio a ser alcançado e requer um Estado forte e atuante para garantir que toda a população tenha acesso a uma forma de viver condignamente. Nesse sentido, deve ser garantido não apenas o direito à moradia, mas também o direito à cidade, como será demonstrado. A aplicação da chamada Tese da Reserva do Possível será analisada a partir da sua criação histórica e dos direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988. Ademais, mostraremos a diferença dos ordenamentos jurídicos em que é adotada essa teoria e as discussões que derivam dessas diferenças, sem deixar de analisar o ordenamento tupiniquim que é a base do presente tema. Por fim, traremos hipóteses de aplicação da tese em comento ao direito de moradia. Para entender melhor o presente instituto é importante partir da noção de direitos e garantias fundamentais para depois debruçar sobre a aplicação da teoria em questão sobre o direito à moradia.
Palavras Chaves: Direito urbanístico. Direito à Moradia. Reserva do Possível.
ABSTRACT: In the current scenario, the social rights ensured by the 1988 Federal Constitution as fundamental rights find many obstacles to its effectiveness. It happens mainly because they require from the State to take a positive action as a welfare provider - Welfare State. One of these obstacles is the resources constrains that would enforce public administrator to chose where to apply the investments and which demands to be met at the expense of others. To achieve the dwelling house right, granted in the Article 6 of the Constitution, is still a challenge and requires a strong and effective state to ensure that the entire population has access to a way to live properly. In that sense, not only the dwelling house right has to be granted, but also the right to the city, as will be shown. The application of the so-called Theory of Possible Reserve will be analyzed from its historical creation, as well as from its social rights guaranteed in the Constitution of 1988. Furthermore, the difference in legal systems where this theory is adopted will be shown, as well as the discussions that follow from these differences, while analyzing the tupiniquim planning which is the basis of this paper. Finally, hypothesis towards the thesis applicability to the dwelling house right will be shown. To better understand the subject it is important to first understand the notion of fundamental rights and guarantees and then study with deepness the application of the dwelling house right theory in question.
Key words: Urban law. Dwelling House Right. Possible Reserve.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Direitos Sociais. 2. Direito à Moradia. 3. Princípio da Reserva do Possível. 4. Acórdão de Origem. 5. Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais são direitos subjetivos, como uma prerrogativa reconhecida a alguém e correlativa de um dever alheio. São direitos que constituem fundamento da nossa ordem política (art.1º, III, da CF) e que se mostram como princípios conformadores do modo como o Estado que os consagra deve organizar-se e atuar. São considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.
Sobre o conceito de direitos fundamentais pode-se dizer que constituem um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica, traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça.
Importante notar que a terminologia "direitos fundamentais" refere-se a "direitos e garantias individuais", mas não só. Direitos e garantias individuais abrange cinco capítulos na Constituição Federal: I Dos direitos e deveres individuais e coletivos, II Dos direitos sociais, III Da nacionalidade, IV Dos direitos políticos, V Dos partidos Políticos.
Além disso, o parágrafo 2º do art. 5º não exclui outros direitos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição Federal, ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte.
Essa norma permite incluir nessa categoria de direitos outros que pela sua importância merecem igual proteção.
Por suas características próprias, esses direitos constituem uma categoria jurídica e, assim, apresentam traços comuns, de forma que existe um perfil essencial em todos esses direitos que recebem essa especial adjetivação, como características básicas que conforme ensina Vidal Serrano Nunes Junior[1] são: a historicidade, a universalidade, a autogeneratividade, a irrenunciabilidade, a limitabilidade e a possibilidade de concorrência.
Passemos a análise de cada uma delas.
A historicidade denota que esses direitos tem caráter histórico e apesar de não haver um consenso doutrinário sobre a sua origem a sua ideia está intrinsecamente ligada ao ser humano enquanto gênero. Para o autor citado, os direitos fundamentais surgiram com o cristianismo que atribuiu ao homem dignidade. Na idade média algumas manifestações trouxeram a ideia de dignidade inata ao ser humano, mas foi com as Declarações de Direitos Humanos, como a Magna Carta Libertatum e o Bill of rights, que os direitos fundamentais tiveram seu verdadeiro alicerce. Pode-se dizer que o seu apogeu ocorreu com as Declarações Universais dos Direitos do Homem da ONU, em 1948.
A universalidade é uma característica que determina que os direitos fundamentais são destinados ao ser humano enquanto gênero, não podendo estar restrito a apenas um grupo, categoria ou classe de pessoas. Significa que o ser humano deve ser protegido em todas as suas dimensões.
Os direitos fundamentais são intrinsecamente ligados aos direitos humanos, sobretudo no seu caráter histórico, o que contribui para o seu caráter de supraconstitucionalidade autogenerativa. É a idéia de jusnaturalização, trazendo consigo reserva de juridicidade e de justiça.
Quanto à irrenunciabilidade, temos que os direitos fundamentais são irrenunciáveis na medida em que a possibilidade de renúncia negaria a natureza desses direitos. São direitos inatos ao ser humano e refletem a proteção ao ser humano, sobre densificação do princípio da dignidade humana.
Esses direitos, entretanto, não são absolutos, e sim limitáveis, em razão da possibilidade de ocorrência do fenômeno da colisão de direitos. A limitabilidade, nesse caso, não há que apontar a prevalência de um direito fundamental sobre o outro, mas devem reciprocamente se impor limites para que ambos subsistam aplicáveis e efetivos na situação concreta.
Neste ponto, vale observar duas possibilidades interpretativas: cedência recíproca entre dois direitos fundamentais e maximização dos direitos fundamentais quando a colisão se der com algum outro direito constitucional. Pelo princípio da cedência recíproca, diante da colisão de direitos fundamentais, o intérprete deve buscar um ponto de convivência, sem que um anule o outro e sem que um amplie ou diminua o outro.
Já o Princípio da eficiência se houver colisão entre um direito fundamental e um outro direito constitucional, deve o intérprete ampliar o direito fundamental e restringir o direito constitucional não fundamental.
Saliente-se que o maior princípio hermenêutico, entretanto, deve ser o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que tem como valores fundamentais a liberdade, a democracia política, econômica e social.
Finalmente, na concorrência, vislumbra-se a possibilidade de que um único titular acumule mais de um direito fundamental a um só tempo.
Importante notar que, como já mencionado, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, em especial, os tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte, conforme preceitua o parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal. Soma-se a isso o fato de os direitos e garantias fundamentais serem clausulas pétreas e o art. 1º, inciso III da CF que preconiza a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. O que levaria a crer que esses tratados deveriam ser recepcionados em patamar constitucional.
Entretanto, a posição do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido que os tratados ainda que atinentes a direitos fundamentais encontravam o mesmo posicionamento hierárquico da lei ordinária. A partir da alteração da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, e o acréscimo do parágrafo 3º ao referido artigo em comento, os tratados de direitos humanos que forem aprovados com quórum de Emenda Constitucional ganham também status constitucional, ampliando o rol desses direitos.
1. Direitos Sociais
Os direitos sociais encontram-se posicionados no Capítulo II juntamente com os direitos e garantias fundamentais e correspondem, conforme ensina a doutrina, aos direitos de segunda geração.
A doutrina costuma dividir os direitos fundamentais em gerações que correspondem ao momento histórico do surgimento desses direitos. De forma breve, pode-se dizer que são três as gerações. A primeira geração de direitos fundamentais são os direitos individuais, que são de defesa ou resistência do indivíduo frente ao Estado. Dizem respeito à liberdade individual.
Os direitos de segunda geração, por sua vez, são direitos sociais, culturais e econômicos. Esses direitos, conforme ensina Carolina Zancaner Zockun[2] em sua obra Da Intervenção do Estado no Domínio Social, são direitos que reclamam atuação positiva por parte do Estado, para que o ser humano possa ter condições materiais mínimas que lhe propiciem viver condignamente. Nesse sentido a autora pontua:
"Ao contrário dos direitos fundamentais de primeira geração, cujo objetivo era proteger o cidadão do arbítrio Estatal, os direitos fundamentais de segunda geração exigem uma ação prestacional do Estado, fundamentada, sobretudo, no princípio da igualdade, para que haja uma efetiva redução das desigualdades sociais."
Já os direitos de terceira geração ligam-se a ideia de fraternidade e solidariedade, na medida em que promovem a proteção de uma coletividade e não dos interesses de um indivíduo, como é o direito ao meio ambiente por exemplo.
Vidal Serrano Nunes Junior[3] analisa as formas de positivação dos Direitos Sociais e seus respectivos regimes jurídicos. Essas estratégias de positivação dizem respeito aos meios de intitucionalização dos respectivos direitos no interior da Constituição.
As formas como foram positivadas as normas já prenunciam um tipo de eficácia ou aplicabilidade.
Para o autor, há mais de uma forma de positivação dos direitos sociais para criar regimes jurídicos distintos e para proteger situações igualmente distintas, bem como reforçar a proteção de determinada prerrogativa essencial à preservação e ao desenvolvimento do ser humano. Vejamos:
A primeira forma de positivação seria por meio da definição de programas, fins e tarefas ao Estado. Trata-se aqui especialmente do Princípio da Dignidade Humana e o Princípio da Justiça Social. Neste caso a Positivação pode ser por meio de normas programáticas, que são aquelas que definem diretrizes e programas do Estado. A interpretação da norma programática de direito social deve ser direcionada para a realização do Estado Social Democrático Social que encontra assento em dispositivos e princípios constitucionais. Como ocorre, por exemplo no art. 1º da CF com os fundamentos da República: cidadania, dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho. Dentre os princípios informadores, o autor destaca os seguintes:
O Princípio da eficiência, segundo o qual a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.
O Princípio da dignidade da pessoa humana que reza que o ser humano é o centro das relações, devendo ser tomado como um fim em si mesmo e não como um meio. Aponta duas vertentes: negativa e positiva. A vertente negativa seria: o Estado e aos demais devem respeitar à incolumidade física, psíquica e social da pessoa. A positiva: o indivíduo pode exigir prestações do Estado que garantam os pressupostos materiais mínimos para a preservação da vida e a inclusão na sociedade, bem como a proteção das relações privadas em que se saliente sua situação de vulnerabilidade (ex. relações de trabalho, consumo, etc).
O Princípio da justiça social que busca a igualdade material, a tutela daquele que se encontra em situação de vulnerabilidade.
O Princípio da Proibição do retrocesso que preceitua que uma vez incorporado um direito, este não pode ser suprimido, sob pena de violar uma norma constitucional com base na qual a lei ou a ação administrativa tenham sido desenvolvidas.
A segunda forma seria a atribuição de direito público subjetivo autônomo. Trata-se da positivação por meio de normas atributivas de direitos públicos subjetivos que permitem a fruição autônoma e imediata do direito fundamental social, ainda que este direito esteja ligado a uma prestação do Estado.
A terceira forma de positivação se dá por Garantias Institucionais. A positivação ocorre por meio de normas consagradoras de garantias institucionais que se caracterizam como instrumentos de preservação e exigibilidade dos direitos sociais consagrados. Estas garantias permitem que o indivíduo exija a implementação da norma jurídica, na qual a instituição se estriba.
A quarta forma é a intervenção nas relações econômicas. A positivação se dá por meio de cláusulas limitativas do poder econômico, as quais buscam garantir a igualdade nas relações privadas em que o poder econômico de uma das partes sobrepõe ao direito da outra.
E a quinta forma de positivação ocorre por meio da ressignificação dos institutos fundantes da ordem capitalista. Positivação por meio de normas projectivas, que são normas de conformação social dos institutos jurídicos fundantes da ordem econômica capitalista, impedindo que qualquer atividade econômica se desenvolva em desconformidade dos ditames da justiça social.
2. Direito à Moradia.
A alta taxa de urbanização gerou um panorama em que mais da metade da população mundial vive nas cidades. Esse crescimento desenfreado criou uma situação de profunda desigualdade social, sem que o direito à moradia acompanhasse o ritmo de aumento da população citadina.
Nesse sentido, Nelson Saule Junior[4] aponta em sua obra "A relevância do direito à cidade na construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis" que:
"Nossas vivências nas cidades, na busca para criar as condições necessárias para vivermos em harmonia, paz e felicidade, têm combatido os modelos de sociedade com elevados padrões de concentração de riqueza e de poder, usufruídos por um reduzido número de pessoas e aglomerados econômicos. E temos enfrentado os processos acelerados de urbanização, que contribuem para a depredação do meio ambiente e para a privatização do espaço público, gerando empobrecimento, exclusão e segregação social e espacial.
As cidades como espaço social que ofereçam condições e oportunidades equitativas aos seus habitantes, de viverem com dignidade, independente das características sociais, culturais, étnicas, de gênero e idade, felizmente continuam a ser objetivo de muitos indivíduos, grupos sociais, organizações da sociedade, movimentos populares, instituições religiosas, partidos políticos, gestores públicos, compromissados em alcançar um vida melhor, de felicidade, paz, harmonia e solidariedade para as pessoas, nas cidades.
Para que haja cidades justas, humanas, saudáveis e democráticas, é preciso incorporar os direitos humanos no campo da governança das cidades, de modo que as formas de gestão e as políticas públicas tenham como resultados de impacto a eliminação das desigualdades sociais, das práticas de discriminação em todas as formas da segregação de indivíduos, grupos sociais
e comunidades, em razão do tipo de moradia e da localização dos assentamentos em que vivam."
Nesse processo de urbanização grande parte da população passou a viver nas periferias em favelas, cortiços, assentamentos irregulares muitas vezes segregados dos bens e serviços públicos indispensáveis.
A segregação que historicamente se estabelece é muito bem tratada por Raquel Rolnik[5], que traz a idéia de um muro imaginário na urbe:
"Ao mesmo tempo em que a lei vai alinhando os territórios da riqueza, vai também delimitando aqueles onde deverá se instalar a pobreza. O movimento, desde seu nascimento é centrifugo, ou seja, delimitar as bordas da zona urbana, ou mesmo a zona rural como local onde esta deveria se alojar. Diga-se de passagem que a lógica de destinar as lonjuras para os pobres atravessou, incólume, nosso século. Isto começa com a proibição de instalação de cortiços na zona central definida pelas posturas de 1886 e reiterada pelo Código Sanitário de 1894, que proíbe terminantemente a construção de cortiços e permite que as vilas operárias higiênicas sejam construídas fora da aglomeração urbana. A Lei 498, de 1900, isenta de impostos municipais os proprietários que construírem vilas operárias de acordo com o padrão municipal e fora do perímetro urbano, delimitado por aquela lei.
Em 1908, em uma cidade de 370.000 habitantes, o prefeito Raymundo Duprat amplia os favores para quem construir "casas destinadas a serem alugadas ou vendidas em prestações a quem não seja proprietário de casa e não tenha recursos para alugar uma higiênica e separada, o que inclui, inclusive, a concessão de terrenos municipais "em lugares apropriados", leia-se fora da área urbana. O que é construído por esta sucessão de leis é o outro lado da geografia social proposta: outra linha imaginária que define os muros da cidade: para dentro o comércio, as fábricas não incômodas e a moradia de elite; para fora a habitação popular e tudo que cheira mal, polui e contamina."
No Brasil, o direito à moradia foi acrescentado na Constituição Federal de 1988 com a Emenda Constitucional nº 26 de 14 de fevereiro de 2000.
"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".
Elencado entre os direitos sociais, como vimos nos capítulos anteriores, o direito à moradia passa a integrar o rol dos direitos fundamentais, imprimindo um comando ao administrador para que seja cumprido, dada sua aplicabilidade imediata prevista no §1º do artigo 5º da Carta Constitucional de 1988.
Nessa linha de raciocínio, é possível considerar o direito social à moradia como "cláusula pétrea" impondo uma limitação material implícita da Constituição.
De acordo com Carolina Zancaner Zockun[6],
"Equivocam-se os que opinam pelo caráter programático do direito à moradia, uma vez que a Constituição textualmente assegura a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art.5º, §1º) dentre os quais estão incluídos os direitos sociais, por serem direitos fundamentais da segunda geração, que, por sua vez, compreendem o direito à moradia."
Posteriormente, o estatuto da cidade, trouxe o direito à moradia como diretriz geral na garantia do direito a cidades sustentáveis.
"Art. 2º: A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações"
Para Nelson Saule Junior[7] a positivação do direito à cidade em nosso ordenamento jurídico importa no reconhecimento de um direito não apenas individual, mas um direito coletivo:
"O direito à cidade, adotado pelo direito brasileiro, o coloca no mesmo patamar dos demais direitos de defesa dos interesses coletivos e difusos, como por exemplo o do consumidor, do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural, da criança e adolescente, da economia popular. Esta experiência brasileira é inovadora quanto ao reconhecimento jurídico da proteção legal do direito à cidade, na ordem jurídica interna de um país.
A forma tradicional de buscar a proteção dos direitos dos habitantes das cidades nos sistemas legais traz sempre a concepção da proteção de um direito individual, de modo a prover a proteção dos direitos da pessoa humana na cidade. A concepção do direito à cidade no direito brasileiro avança, ao ser instituído com objetivos e elementos próprios, configurando-se como um novo direito humano, e, na linguagem técnica jurídica, como um direito fundamental."
O autor[8], na obra Instrumentos de Monitoramento do Direito Humano à Moradia Adequada, ensina:
"O direito a moradia é o núcleo central do direito a cidades sustentáveis previsto no Estatuto da Cidade, em razão dos direitos a serem respeitados disporem dos mesmos elementos: como o acesso à terra urbana, moradia adequada, saneamento ambiental, infraestrutura urbana, transporte e serviços públicos. O direito à moradia coletivo de comunidades de preservar sua identidade e memória histórica e cultural, de manter seus usos e costumes sobre os modos de viver e de morar, também integra o núcleo formador do direito a cidades sustentáveis. Como núcleo central do direito a cidades sustentáveis, também deve ser considerado o direito a moradia coletivo dos grupos vulneráveis, de serem adotados nos projetos de urbanização dos assentamentos informais, com as favelas, os padrões de uso, ocupação do solo e de edificação decorrentes dos usos e costumes da comunidade."
No direito internacional sua origem pode ser apontada no artigo 25.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:
"Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle."
Mas há ainda outros diplomas internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966, O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1965, e até mesmo a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989.
Dessa normatização pode-se notar que o direito à moradia deve ser reconhecido como um direito humano e assim também o direito à cidade.
Entretanto, a efetividade plena desse direito depende da implementação de políticas públicas contundentes que façam uso dos instrumentos disponíveis para erradicar de uma vez por todas a falta de habitação.
É possível apontar alguns instrumentos que devem ser utilizados para tanto.
Um deles é a exigência na Política Urbana de atendimento da função social da propriedade. O artigo 182, parágrafo 4º da Constituição Federal estabelece que é facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
O atendimento da função social da propriedade urbana é medida de rigor e coloca a propriedade a favor de toda a coletividade na medida em que atende a um interesse social.
Dentre outros instrumentos que podem ser apontados, há também o usucapião constitucional urbano previsto no artigo 183 da Magna Carta, segundo o qual aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, com a ressalva de que esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
O Estatuto da Cidade prevê ainda no seu artigo 4º, inciso V, dentre os institutos jurídicos e políticos, a instituição de zonas especiais de interesse social; concessão de direito real de uso; a concessão de uso especial para fins de moradia; a regularização fundiária; a demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; e a legitimação de posse.
Dentre esses instrumentos, vale fazer especial menção à regularização fundiária, regulamentada pela lei 11.977 de 2009 em seu artigo 46 e que consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Todas essas medidas são deveres e não faculdades impostas aos administradores e são de fundamental importância para realização do direito à moradia.
3. Princípio da Reserva do Possível.
A necessidade de atuação do Estado para realização dos direitos sociais faz com que se tenha situações de limites contingentes para a realização desses direitos. Isto é, há necessidade de orçamento público necessário e suficiente para a realização dos direitos sociais.
No dizer de Vidal Serrano Nunes Junior[9]:
"A teoria em análise parte do pressuposto de que as prestações estatais estão sujeitas a limites materiais ingênitos, oriundos da escassez de recursos financeiros pelo Poder público. Logo, a ampliação da rede de proteção social dependeria da existência de disponibilidades orçamentárias para tanto".
Essa teoria da Reserva do Possível nasceu na Alemanha a partir do emblemático acórdão em que a Corte Constitucional daquele país indeferiu pedido de acesso universal ao ensino superior de medicina. No caso, o direito social foi negado por se entender que a realização de direitos sociais que ultrapassassem o mínimo vital estariam condicionados à existência de recursos orçamentários suficientes. Segundo Vidal Serrano:
"O cerne da questão descansa na premissa de que os recursos públicos são limitados e, nessa ordem, insuficientes ao atendimento de todas as demandas da coletividade. Assim, o Estado estaria impedido à realização de escolhas, as quais, de sua vez, ficariam situadas no campo de projeção da chamada discricionariedade administrativa, impedindo, pois, a exigibilidade judicial de tal direito".
A lei orçamentária imporia um limite à realização dos direitos sociais que seria de ordem material.
Para a análise dessa teoria, imprescindível o estudo do acórdão que lhe deu origem que passaremos a analisar.
4. Acórdão de Origem.
Sobre o referido acórdão, o Texto 50 anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha traz a questão da regulamentação de admissão (vestibular) para medicina humana nas universidades de Hamburg e da Baviera, dos anos de 1969 e 1970 que vale a pena ser estudada.
Primeiramente, na Universidade De Hamburg. Foi criada uma Lei da Universidade de Hamburg de admissão para o curso da medicina humana e odontologia. Segundo ela, as vagas disponíveis para candidatos alemães deviam ser distribuídas na proporção de 60% segundo fatores de desempenho (currículo do candidato) e 40% segundo o princípio do ano de nascimento. Além disso, poderia ainda uma parte das vagas a serem definidas a cada semestre ficar reservada a casos especialmente peculiares (difíceis). A escolha segundo os fatores de desempenho baseava-se fundamentalmente na nota média aferida do certificado de conclusão do curso secundário (Reifezeugnis). No caso da escolha segundo o princípio do ano de nascimento, eram admitidos prioritariamente candidatos que já tivessem prestado o serviço militar ou um serviço civil alternativo àquele.
E na Universidade Da Baviera. Diferentemente, a Lei de Admissão às Universidades Bávaras continha o princípio de que os números de estudantes para algumas áreas do conhecimento somente poderiam ser limitadas se isso fosse estritamente essencial à manutenção do funcionamento regular de um curso, tendo em vista a capacidade das instalações das universidades. Por outro lado, a lei fixava critérios para a distribuição de vagas universitárias.
O Tribunal Constitucional Federal (TCF) declarou o parágrafo 17 da Lei Universitária de Hamburg, no caso de um Numerus Clausus absoluto, como sendo incompatível com a Grundgesetz (que é “Lei Fundamental”, que representa a Constituição alemã). No caso da regulamentação bávara da Lei de Admissão, o TCF afastou, com base na apresentação do Tribunal Administrativo Bávaro, somente a cláusula que previa vantagens de candidatos bávaros às vagas estudantis nas universidades bávaras.
O TCF asseverou várias vezes que os direitos fundamentais, como normas objetivas, estatuem igualmente uma ordem axiológica que vale como decisão constitucional fundamental para todas as áreas do Direito, e que, por isso, os direitos fundamentais não são apenas direitos de resistência do cidadão contra o Estado. Quanto mais fortemente o Estado moderno se inclina à seguridade social e ao fomento cultural dos cidadãos, mais aparece, no contexto da relação entre cidadãos e Estado, a exigência complementar pela outorga de direito fundamental da participação em prestações estatais, ao lado do postulado original da garantia de direito fundamental da liberdade em face do Estado.
Esse desenvolvimento mostra-se especialmente evidente no âmbito do ensino e formação profissionais, o qual neste ponto, apesar de sua relação, no mais, estreita com a liberdade de escolha profissional, com esta claramente não se confunde: A liberdade profissional realiza-se atualmente principalmente no âmbito da ordem profissional e de trabalho privadas, e é direcionada especialmente para resguardar a conformação da vida pessoal e autônoma, garantindo, portanto, a liberdade em face de constrições ou proibições no contexto da escolha e do exercício profissional. Imprescindível também no Estado social moderno, permaneça sendo decisão inquestionável do legislador se e em que medida ele quer garantir direitos de participação nos limites da Administração envolvida no assunto, ainda podem, sim, ser deduzidas pretensões jurídicas ao acesso a essas instituições a partir do princípio da igualdade e com o princípio do Estado social, desde que o Estado tenha criado certas instituições de ensino. Um Estado de direito e social de liberdade, não mais pode confiar-se à livre decisão dos órgãos estatais delimitar a seu bel prazer o círculo dos favorecidos e excluir uma parte dos cidadãos das vantagens, porque implicaria em um direcionamento profissional.
Desse modo, o Estado deve garantir o direito do cidadão que preencha os requisitos subjetivos à admissão no curso universitário de sua escolha.
Esse direito à admissão à universidade deve ser, coerentemente à sua natureza, desde o início limitado exclusivamente a um direito de participação em cursos universitários existentes. Parte de um dever de expansão da capacidade de formação, concluindo a partir disso que a ordem de um Numerus Clausus absoluto para ingressantes somente restaria fundamentada se, no mínimo, concomitantemente, fosse previsto o cumprimento daquele dever dentro de determinados prazos.
Aspectos que foram negligenciados: A problemática de limitações absolutas é caracterizada pelo fato de que a capacidade disponível não é suficiente para alocar todos os devidamente qualificados ao ensino superior.
Na medida em que os efeitos somente poderão ser enfrentados de forma sustentável por meio da expansão da capacidade, poder-se-ia questionar se decorreria das decisões axiológicas de direitos fundamentais e do uso do monopólio de formação um mandamento constitucional objetivo próprio do Estado social, de prover capacidades de formação suficientes para as diferentes disciplinas universitárias. Na medida em que os direitos sociais de participação em benefícios estatais não são desde o início restringidos àquilo existente em cada caso, eles se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade. Isso deve ser avaliado em primeira linha pelo legislador em sua própria responsabilidade. Ele deve atender, na administração de seu orçamento, também a outros interesses da coletividade, considerando, as exigências da harmonização econômica geral.
Se o expresso reconhecimento legal da obrigação de expandir as capacidades de formação dentro de prazos não representa, no presente momento, um pressuposto de admissão para o Numerus Clausus absoluto ordenado constitucionalmente, então se deve exigir mais rapidamente que o acesso às instituições de ensino superior já existentes possa ser limitado somente mediante a presença de estritos pressupostos jurídicos formais e materiais.
Sobre a Reserva De Regulamentação. Que o direito dos candidatos habilitados à admissão ao curso superior de sua escolha seja restringível se depreende já da reserva de regulamentação no 2º período. Ela compreende também o direito de livre escolha dos locais de formação. Também conclui-se que a reserva de regulamentação não se refere apenas ao exercício da profissão, alcançando também, de acordo com a sua natureza, a escolha profissional, e também a escolha do local da formação que antecede a escolha profissional. Se a pretensão jurídica da admissão universitária for entendida como direito (social) de participação a prestações (benefícios) estatais, então sua restringibilidade decorre do fato de os direitos de participação serem submetidos à reserva do possível, e necessariamente terem que ser regulamentados.
Assim, as limitações por princípio permitidas do direito à admissão são fundamentadas constitucionalmente apenas por meio de lei ou com base na lei. Em conclusão, um Numerus Clausus absoluto para ingressantes na universidade somente será constitucional, segundo o estágio das experiências realizadas, quando ele: (1.) for prescrito nos limites do estritamente necessário, sob a utilização exaustiva das capacidades criadas com recursos públicos já existentes de formação, e quando (2.) a escolha e a distribuição ocorrerem segundo critérios racionais, com uma chance para todo candidato em si qualificado ao ensino superior e com o maior atendimento possível à escolha individual do local de formação.
5. Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
No âmbito do ordenamento jurídico pátrio, entretanto, a reserva do possível deve ser analisada com cautela.
Isto porque no país em que desenvolvida esta teoria os direitos alcançados pela sociedade alcançam outro patamar, e o ordenamento jurídico alemão tem como base uma constituição que não elenca a enorme gama de direitos sociais garantidos pela Carta brasileira.
Diante do grande contraste com a sociedade brasileira que ainda está lutando para a conquista dos direitos sociais mais básicos, como a de conseguir a alfabetização de todo os cidadãos, a discussão travada no Tribunal alemão para o fornecimento de ensino superior em medicina universal parece mesmo estar em outro grau.
O ordenamento jurídico brasileiro, da mesma forma, traz uma realidade totalmente diferente do ordenamento alemão. A Constituição de 1988 é uma constituição amplamente garantidora, que traz em seu bojo o art. 6º como um direito fundamental a ser respeitado e que impõe um comando ao administrador:
A Dignidade da Pessoa Humana é princípio vetor do nosso ordenamento, elencado no art.1º da Magna Carta como fundamento da República, e é a base para o reconhecimento desses direitos sociais.
Por essas razões, é que não se pode simplesmente importar a Teoria da Reserva do Possível para aplicá-la na realidade brasileira.
A reserva do possível só tem cabimento naquilo que ultrapassar o chamado mínimo vital, conteúdo essencial da dignidade do ser humano.
O mínimo vital é o atendimento das obrigações sociais essenciais mínimas do Estado ligadas diretamente à dignidade da pessoa humana que não encontram possibilidade alguma de restrição, como por exemplo, a saúde, a educação básica, e no nosso tema, a moradia.
CONCLUSÃO
Tendo em vista a compatibilidade com os princípios e o ordenamento, nossa Constituição possui disposições expressas que limitam a aplicação da reserva do possível.
Os direitos sociais são direitos ligados diretamente à Dignidade da Pessoa Humana, postulado ético segundo o qual o ser humano deve ser tomado como um fim em si mesmo, de modo que violar um direito fundamental ou um direito humano é a mesma coisa. A dignidade da pessoa é tão importante que se o Estado não conseguiu proteger, deve transcender o Estado. A constitucionalização do direito tem como objetivo fundamental retirar da esfera de disponibilidade do Poder Político a tangibilidade desse direito.
Importante ressaltar que os direitos fundamentais são direitos subjetivos, como uma prerrogativa reconhecida a alguém e correspondente a um dever alheio. São direitos que constituem fundamento da nossa ordem política (art.1º, III, da CF) e que se mostram como princípios conformadores do modo como o Estado que os consagra deve organizar-se e atuar.
Se esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida, são também abarcados pelo manto da cláusula pétrea, participando do núcleo intangível da Constituição.
O direito à moradia nesse panorama deve ser garantido como condição essencial para que o ser humano se desenvolva na sociedade.
Diante de limites contingentes como a chamada reserva do possível deve-se preservar a garantia do mínimo vital.
A reserva do possível traz a ideia de que os recursos públicos são limitados, insuficientes ao atendimento da demanda de toda a coletividade e diante da escassez de recursos financeiros do Poder Público, o Estado não poderia escolher, fazendo uso da chamada discricionariedade administrativa, impossibilitando a concessão pelo Poder Judiciário.
Essa noção surge no Tribunal da Alemanha em acórdão emblemático sobre a limitação de vagas no ensino superior da medicina, mas a aplicação desta teoria fica restrita ao que não seja o mínimo vital.
Contudo, segundo a melhor doutrina, essa teoria não pode ser aplicada no que tange aos comandos constitucionais de direitos subjetivos e garantias institucionais, pois seria uma restrição imposta por uma norma infraconstitucional relativa ao orçamento.
No ordenamento jurídico brasileiro, além de carta constitucional consagrar o direito à moradia no artigo 6º e ter como pedra de toque o princípio da dignidade da pessoa humana, há uma ampla gama de disposições sobre a ordem social, tendo como um dos objetivos da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que juntamente com outros predicados constitui um Estado Democrático de Direito.
Por tudo isso, a teoria da reserva do possível é de aplicação absolutamente excepcional e não justifica a omissão do administrador na erradicação do déficit habitacional.
Nas disputas judiciais em que são pleiteados direitos sociais o Poder Judiciário deverá realizar concessão desses direitos por meio dos instrumentos disponíveis, na medida em que a principal função da justiça é a de proteger os setores da sociedade que politicamente não podem se proteger.
A solução não será necessariamente a conferência de título de propriedade, mas pode se dar por diversos instrumentos que atendam o mandamento constitucional e dignifiquem o ser humano.
Não há esfera de discricionariedade do administrador público na realização desse direito, diante de uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata não há margem de liberdade para o administrador escolher se vai atender ou não os que necessitam de moradia. A discricionariedade administrativa só existirá na escolha dos meios para a realização dos direitos públicos subjetivos garantidos.
Vale dizer que se existir colisão de direitos, então haverá colisão entre a realização de direitos à moradia e outras realizações. Diante do princípio da unidade orçamentária, de que a lei orçamentária contém toda a previsão de receitas e despesas do Estado, nessa colisão, os recursos deverão sair de outras partes do orçamento para atender precipuamente os direitos sociais, incluindo à moradia adequada.
Portanto, diante do direito fundamental à moradia, intrinsecamente ligado ao direito à vida e à dignidade do ser humano, fim maior da lei e do Estado, a sua realização deve ser obrigatória. Por isso, esse direito integra o conceito de mínimo vital e como mandamento fundamental, com status constitucional máximo, deve ser realizado com prioridade sobre outros direitos que não tenham esse mesmo patamar de essencialidade. Só assim, com o efetivo Estado Social Democrático, teremos uma sociedade justa e realmente solidária.
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[2] ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da Intervenção do Estado no Domínio Social. São Paulo, 2009, Malheiros, p.38.
[3] NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988, São Paulo, Verbatim, 2009, p. 97.
[4] SAULE JÚNIOR, Nelson “A Relevância do Direito à Cidade na Construção de Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis”. Direito Urbanístico Vias Jurídicas da Política Urbana,Sergio Antonio Fabris Editor,Porto Alegre, 2007, p.28.
[5] ROLNIK, Raquel “Para Além da Legislação Urbanística e Cidadania (São Paulo 1886-1936)”. Edésio Fernandes (organizador). Direito Urbanístico, Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1998, p 172.
[6] ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da Intervenção do Estado no Domínio Social. São Paulo, 2009, Malheiros, p 135.
[7] SAULE JÚNIOR, Nelson “A Relevância do Direito à Cidade na Construção de Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis”. Direito Urbanístico Vias Jurídicas da Política Urbana,Sergio Antonio Fabris Editor,Porto Alegre, 2007, p.30.
[8] SAULE JÚNIOR, Nelson “Instrumentos de Monitoramento do Direito Humano à Moradia Adequada”, Direito Urbanístico, Estudos Brasileiros e Internacionais, Editora Del Rey, Lincoln Institute, Belo Horizonte,2006, p.221.
[9] NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988, São Paulo, Verbatim, 2009, p. 172.
Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais concursada no Estado de São Paulo desde 2007, atualmente Oficial Titular do Cartório de São Vicente/SP. Mestranda em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Nelson Saule Junior (2015). Especialista em Direito Notarial e Registral pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2011), sob a orientação do Professor Vicente de Abreu Amadei. Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BROWNE, Ana Paula Goyos. Direito à moradia e o princípio da reserva do possível Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jan 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45855/direito-a-moradia-e-o-principio-da-reserva-do-possivel. Acesso em: 23 dez 2024.
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