RESUMO: O presente artigo, à luz do contexto histórico e constitucional pertinente, analisa a criação do Conselho Nacional de Justiça e o papel exercido perante a dinâmica constitucional brasileira. A Constituição Federal outorgou ao Poder Judiciário autonomia para os tribunais elegerem seus dirigentes, organizarem sua estrutura material, dividirem as competências entre órgãos fracionários e etc., e, diante dessa ralidade, surge o Conselho Nacional de Justiça, através da Reforma do Judiciário, com poderes para regular, inclusive de ofício, os atos administrativos emanados pelas Cortes jurisdicionais. A partir daí, a atuação do Conselho será analisada sob o prisma de suas competências, procedendo à elencação de alguns dos mecanismos oferecidos aos jurisdicionados e à sociedade como um todo. Programas e ações implementadas pelo órgão em questão serão objeto de análise, além de sua aptidão para fomentar a organização logístico-estrutural da justiça. A aplicação do seu viés disciplinar-correcional, através das inspeções e processos disciplinares serão examinados à luz das atribuições conferidas pela Carta Maior.
Palavras-chave: conselho nacional de justiça; autogoverno; emenda constitucional n.º 45.
ABSTRACT: This academic paper discusses, in the light of the relevant historical and constitutional context, the creation of the National Council of Justice and the role played before the Brazilian constitutional dynamics conduct of judicial institutions as a way to improve once and for all the services courts. The Federal Constitution granted the judiciary autonomy to the courts elect their leaders, organize their material structure, dividing the responsibilities between fractional organs , etc., and , given this reality, comes the National Council of Justice through the Judicial Reform with powers to regulate, including legal, administrative acts issued by the judicial courts. From there, the work of the Council will be analyzed through the prism of their skills, proceeding to talk about some of the mechanisms offered to jurisdictional and society as a whole. Programs and actions implemented by the agency in question will be analyzed, as well as its ability to foster logistical and structural organization of justice. The implementation of its discipline correctional rules, through inspections and disciplinary procedures will be examined in the light of the powers conferred by The Federal Constitution.
1 INTRODUÇÃO
A recente ordem constitucional inaugurada pela promulgação da Carta Política de 1988, ao mesmo tempo em que redimensionou o significado das Instituições componentes da estrutura organizacional do Estado, ampliou as garantias e direitos individuais dos cidadãos brasileiros.
O Conselho Nacional de Justiça é uma instituição nova que surge dentro de um sistema judicial arcaico e ultrapassado. São muitos os conflitos advindos dessa nova dinâmica com a qual se revestiu não somente a atuação dos tribunais brasileiros, mas também a própria noção do que, efetivamente, se consiste a prestação jurisdicional e quais são verdadeiros os fins almejados quando do exercício de tão relevante mister.
A amplitude de garantias legais, sociais e econômicas outorgadas pela Constituição Federal de 1988 aos cidadãos e às instituições componentes da estrutura política do Estado brasileiro, não conseguiu fazer com que todos os setores da sociedade acompanhassem, na mesma proporção, o desenvolvimento advindo destes novos contornos legais. Um paradoxo, sem dúvidas, ainda a ser completamente extirpado.
O fato é que o Poder Judiciário não conseguiu promover o aprimoramento necessário a suprir as necessidades dos jurisdicionados, cada vez mais ciosos de seus direitos e detentores de grandes e legítimas expectativas no afã de obter a resolução dos litígios através de uma solução juridicamente construída.
Nesse contexto, a autonomia administrativa e financeira, garantidas aos tribunais a partir da Constituição Cidadã e reiteradamente objeto de reivindicação por parte do Judiciário, assegurou, de fato, a independência sistematicamente perdida ao longo dos anos de repressão oriundos da época do domínio ditatorial militar.
Tais prerrogativas, que garantem às Cortes brasileiras o denominado autogoverno, acabaram por representar um isolamento sem igual do Poder Judiciário em relação aos demais setores sociais; os atos de gestão, as ocorrências disciplinares, a destinação do orçamento, tudo ficava quase que à margem das vistas alheias, sob o pretexto da autonomia plena dos órgãos judicantes, também afiançada no âmbito administrativo.
O presente trabalho científico busca efetivar uma análise do ponto de vista histórico da criação do CNJ como órgão central no controle administrativo dos Tribunais, ao tempo em que visa delinear as competências que lhe foram constitucionalmente outorgadas no desiderato de regular a atividade administrativa e financeira das Cortes nacionais.
Assim, será objeto de apreciação científica os contornos estruturais do Conselho Nacional de Justiça, mediante a explanação de uma visão geral de sua atuação, instrumentos regimentais postos à disposição da sociedade, execução do poder disciplinar-correicional, exemplos de ações e campanhas deflagradas no âmbito da justiça brasileira, tudo abalizado sob uma ótica crítica e abalizada pelos pronunciamentos doutrinários pertinentes.
2 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: O SURGIMENTO E A SUA CONSOLIDAÇÃO NO ÂMBITO DO SISTEMA LEGAL PÁTRIO.
Uma verdadeira revolução no Poder Judiciário Brasileiro fora desencadeada mediante a aprovação, em dezembro de 2004, do projeto legislativo que culminou, entre outras coisas, com a criação do Conselho Nacional de Justiça. Idealizado, inicialmente, como um mecanismo de controle externo do Poder Judiciário cujo escopo seria o de romper com o isolacionismo social decorrente do monopólio do “dizer o direito”, a criação de um órgão regulador da atividade judiciária abarcava as expectativas de resolução dos problemas estruturais históricos, ligados, muitas vezes, à renitência na manutenção de métodos burocráticos incapazes de solucionar os litígios decorrentes da dinâmica do mundo moderno.
Nesse diapasão, acirradas discussões envolvendo as diversas camadas da sociedade multiplicaram-se a fim de tentar solucionar, de uma vez por todas, as conhecidas deficiências dos serviços judiciais, agravadas pela proliferação de denúncias de corrupção envolvendo magistrados, fatos estes que acabavam por dissipar a idéia de uma verdadeira crise institucionalizada.
De fato, as lacunas no funcionamento dos serviços jurisdicionais, sem sombra de dúvidas, serviram como combustor para o afloramento, na sociedade, da percepção de que necessário se fazia a adoção de alguma providência, no sentido de viabilizar a concretização dos verdadeiros ideais de justiça, utilizados, muitas vezes, de forma demagoga e desentrelaçada da realidade fática vivenciada pelo Judiciário.
Em que pese a existência efetiva de grandes deficiências no serviço de distribuição de justiça, observava-se que tais problemas eram reiteradamente objeto de discursos com viés meramente políticos, que sustentavam o alcance de paradigmas sabidamente inalcançáveis, em virtude, justamente, da necessidade de se ter um judiciário eternamente dependente, subordinado que era às disposições dos demais Poderes do Estado.
Por outro lado, a insustentabilidade da situação demandava uma solução eficaz, que viria a ser amplamente discutida pelos setores da sociedade organizada. A respeito de tal contexto, rememoram Joaquim Falcão, Marcelo Lennertz e Tânia Rangel (2009):
Na medida em que o Judiciário se revelou historicamente incapaz de equacionar sozinho esse desequilíbrio, surgiram propostas de Emenda Constitucional, a favor de um controle externo da magistratura, com a participação de representantes da sociedade e dos demais Poderes capaz não somente de agilizar as decisões, como também de garantir os princípios do art. 37 da CRFB/88.
Como conseqüência de tais crescentes insatisfações – muitas delas capitaneadas também por setores da imprensa às voltas com a chamada “CPI do Judiciário” e que apostavam no sensacionalismo puro e desprovido do dever de informação socialmente relevante -, relembra Luis Flávio Gomes (1994, p.83), que se chegou até mesmo a colocar-se em cheque a legitimidade dos membros do judiciário para o exercício do seu múnus em razão de um suposto ”déficit de legitimação democrática”, pelo fato de seus membros não serem eleitos diretamente pelo povo.
À par da discussão acerca do tema, reiterando a total inconsistência do referido argumento em razão de sua manifesta impropriedade político-jurídica, porquanto indubitável a coexistência da legitimação representativa, consubstanciada na possibilidade do cidadão imiscuir-se completamente no processo de escolha dos agentes públicos que irão representá-lo perante à sociedade, com a legitimação formal, esta ligada à escolha dos juízes, também erigida pelo Poder Constituinte como via de acesso e atuação no desenvolvimento das Instituições nacionais, é que o recrudescimento das críticas endereçadas à justiça como um todo deram o impulso necessário à concretização do referido órgão controlador das atividades dos Tribunais brasileiros.
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO
No Brasil, nunca soou estranha a concepção acerca da existência de um órgão regulador vinculado ao Poder Judiciário. De fato, ainda na década de 70, através da Emenda Constitucional n. 7 de 1977, fora instalado, no ano de 1979, o Conselho Nacional da Magistratura, composto por sete ministros do Supremo Tribunal Federal cuja atribuição consistia em exercer o controle disciplinar, podendo avocar processos contra juízes de primeiro grau, bem como determinar sua disponibilidade ou aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.
Tendo permanecido ativo até a promulgação da Carta Magna ora vigente, com a extinção definitiva do mencionado Conselho, surgiram as primeiras discussões entre os protagonistas da instituição judiciária dando conta da necessidade da criação de outra Corte fiscalizadora, com poderes mais efetivos, a fim de suprir a falta de vinculação administrativa advinda dos novos contornos delineados pela Lei Maior.
Assim sendo, em meio a esta nova ordem constitucional vigente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, necessário se fazia, pois, o estabelecimento de um padrão moral e administrativo capaz de retirar o véu composto pela liturgia com a qual se revestiam – e ainda se revestem - os atos emanados pelo Poder Judiciário. A aura hermética imposta ao redor do significado intrínseco trazido na visão do leigo do que representava, efetivamente, a figura de um tribunal, era algo que necessitava ser de alguma forma extirpada, ou ao menos minorada, de forma que fosse propiciada, de fato, uma maior aproximação junto à sociedade.
Acerca de tal peculiaridade, imperioso transcrever a seguinte passagem:
Na nossa perspectiva, a rejeição às tentativas de subordinação do Judiciário por parte dos governos autoritários – perfeitamente ilustrada pelo teor do AI-5 – fez com que, no período de redemocratização, fosse erigido um sistema disciplinar o mais fechado quanto possível, dotado de menos controles que o precedente, configurando-se exatamente o modelo “autônomo-corporativo ou “do isolamento”. (DINO; MELO FILHO; BARBOSA; DINO.N; 2006, p. 101)
Nesta senda, calorosos debates de cunho legal e ideológico, muitas vezes marcados pelo conservadorismo inerente ao desejo da consolidação de situações de fato que se sobrepunham ao escopo público e essencial atinente ao serviço judiciário, revelavam profundos abismos entre as idéias e obstavam o desenvolvimento de um projeto sério e apto ao atendimento das reais necessidades do país.
Enquanto uns defendiam a idéia de uma Corte reguladora, tal e qual ocorre em diversas nações européias como França e Itália, em que subsistem os chamados Conselhos Superiores da Magistratura, responsáveis pelo controle administrativo e disciplinar dos juízes, com a participação efetiva dos demais poderes Republicanos, através de sua composição híbrida, outros rechaçavam completamente a existência de qualquer órgão que viesse a fiscalizar a atividade dos magistrados, tendo, ainda, quem levantasse a hipótese de um Colegiado composto somente por membros pertencentes ao judiciário, sob pena de ser configurada uma manifesta afronta à independência constitucionalmente garantida ao referido Poder.
Às voltas com tais enfrentamentos, a partir da Revisão Constitucional de 1993, é que foram surgindo as propostas de modificação na estrutura da instituição judiciária, culminando com o projeto legislativo intitulado “Reforma do Judiciário” que veio a se tornar a Pec. n. 29/2000, finalmente transformada na Emenda Constitucional 45/2004.
Nessa linha de raciocínio, o chamado “controle externo do judiciário”, sem dúvidas, era o aspecto mais polêmico das referidas modificações no texto constitucional, alvo permanente de críticas na mesma proporção em que a defesa pela sua existência era veementemente sustentada por setores da sociedade como, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil. André Ramos Tavares (2006, p.1012) rememora com precisão os anseios de grande parte da sociedade a respeito desse instrumento regulador que estava prestes a ser instalado no Brasil, porquanto tal órgão ”[...] viria a remediar os males que acometem o Poder Judiciário, a saber, a delonga em exercer a função jurisdicional e a ausência de transparência, decorrente de sua natureza fechada, infenso que é às tentativas fiscalizatórias”.
Os entraves oriundos do supracitado texto legislativo restaram amplamente evidenciados; mais do que isso, a magistratura nacional se insurgia contra certas modificações previstas no Projeto de Emenda à Constituição que julgavam desnecessárias e atentatórias ao autogoverno da Instituição. Esse ponto, especificamente, se constituía como, sem sombras de dúvidas, o aspecto mais polêmico envolto na criação do Conselho Nacional de Justiça. De fato, a Constituição Federal garantiu aos Tribunais nacionais autonomia administrativa e financeira, de modo que, além dos próprios juízes, alguns doutrinadores corroboravam o entendimento que dispunha sobre a inviabilidade da criação de um órgão central, que pudesse vir à regulamentar as atividades das Cortes brasileiras.
Com efeito, da leitura das propostas enviadas pela Associação de Magistrados Brasileiros – AMB - aos Senadores, pode ser destacada interessante abordagem contida em artigo de autoria do Des. Cláudio Baldino Maciel (2002, p.47), que retrata de forma incontrastável a opinião da referida classe a respeito das reformas estruturais que estavam por vir, afirmando que “[...] o projeto, que poderia ser criativo e inovador [...] acabou se transformando em algo que quase nada transformará. Das poucas modificações, algumas serão para piorar”.
Resta claro, portanto, que a grande preocupação dos magistrados residia na possibilidade de verem-se tolhidas garantias constitucionais que sustentam, inclusive, a manutenção harmoniosa do Estado Democrático de Direito, em detrimento de uma reforma incapaz de solucionar os verdadeiros problemas da instituição.
Por outro lado, necessitava-se, indubitavelmente, de algum mecanismo apto à conceder maior transparência aos atos perpetrados pelos juízes e dirigentes de Tribunais, e, assim, tentar exterminar de vez com a impunidade dos membros do judiciário, sempre corroborada mediante a renitente e perniciosa prática, não só afeta ao Poder Republicano em comento, do corporativismo.
Desta feita, não bastava somente a existência de um órgão fiscalizador; era preciso conceber uma Corte verdadeiramente diligente, no sentido de dar efetividade à função para a qual fora intentada, sob pena de referendar-se a criação de mais uma repartição pública marcada pelo traço da burocracia, ineficiência e atrelada aos velhos e superados conceitos de justiça. Nesse diapasão, cumpria assegurar, que o órgão planejado teria uma postura de investigar, fiscalizar e, se fosse o caso, punir eventuais magistrados faltosos, posição esta antagônica àquela adotada pelo extinto Conselho Nacional da Magistratura, quando da sua existência.
De fato, a referida Corte ao exercer a fiscalização frente aos magistrados não se caracterizava por seus resultados práticos, como se depreende da constatação do Ministro Nery da Silveira (1994, p.12), que atribui a escassez de punições disciplinares resultantes da atuação do supracitado órgão, somente à lisura com a qual atuavam os juízes brasileiros, nesses termos:
Não é sem sentido, entretanto, referir que no período de funcionamento [...] nenhum caso houve de disponibilidade ou aposentadoria de membro de Tribunal como resultado de processo disciplinar ou de reclamação. O que se verificava, na maioria das hipóteses, era o arquivamento liminar da reclamação, por falta de legitimidade do reclamante, ou, após as informações, por sua improcedência. Isso tenho, por si só, qual expressão significativa da forma digna como atuam os membros dos Tribunais.
Em que pese compartilhar da tese de que, na sua grande maioria, os agentes públicos judiciários se afiguram como responsáveis, probos e cumpridores de seus deveres funcionais, forçoso reconhecer, de outro tanto, a existência de elementos destoantes do plano geral, e, que, por sua vez, necessitam de permanente fiscalização disciplinar-correicional, nunca antes verdadeiramente exercida em sua plenitude.
Isto posto, diante da constatação de todas essas premências, bem como envolto sob um espectro predominantemente marcado por dúvidas e expectativas, é que, finalmente, depois de cerca de 12 anos de tramitação, fora aprovado o esboço final da Emenda Constitucional n. 45, prevendo a criação do Conselho Nacional de Justiça, com instalação determinada para o mês de julho do ano de 2005.
2.2 NATUREZA JURÍDICA
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão pertencente ao Poder Judiciário, com poderes de regulação e fiscalização das atividades administrativas, financeiras, correcionais e disciplinares dos membros dos Tribunais brasileiros, bem como dos servidores das serventias judiciais.
Sobre a natureza jurídica do CNJ, assim se pronuncia Antônio Veloso Peleja Júnior (2009; p.120):
É uma instituição federal de âmbito nacional, ínsita ao Poder Judiciário. Sua natureza jurídica é órgão administrativo-constitucional do Poder Judiciário com autonomia relativa. Apesar de ser tachado de órgão de controle externo, é previsto constitucionalmente como órgão componente da estrutura do Poder Judiciário.
Nesta senda, como visto, a condição de célula organizacional inserta na estrutura do judiciário é corroborada ante a constatação de que, efetivamente, a maioria absoluta dos Conselheiros é escolhida dentre os magistrados pertencentes às Cortes judiciárias nacionais. Tal assertiva reitera a conclusão de que o CNJ não se caracteriza como um mecanismo de controle externo do judiciário, tanto mais porquanto, além do fato de ser formado majoritariamente por magistrados, consta explicitamente declarada na Carta Magna sua qualidade de órgão incrustado no seio do Poder Republicano em epígrafe.
Assim sendo, a teor do art. 103-b da Constituição Federal, o Conselho Nacional de Justiça é formado por 15 membros, com mandato de dois anos, admitida uma recondução; desse universo, nove conselheiros advém da Magistratura, sendo: um Ministro do Supremo Tribunal Federal, um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, um Desembargador de Tribunal de Justiça, um Juiz Estadual, um Juiz de Tribunal Regional Federal, um Juiz Federal, um Juiz de Tribunal Regional do Trabalho, um Juiz do Trabalho; quatro da classe dos Advogados e do Ministério Público, dois de cada instituição, e ainda dois cidadãos de notável saber jurídico indicados pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, respectivamente. Oficiarão, ainda, junto ao CNJ, o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil. O Ministro do Supremo Tribunal Federal exercerá, obrigatoriamente, a função de Presidente do CNJ; já o membro oriundo do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, atuará no exercício da função de Ministro-Corregedor.
É, ainda, pois, colegiado desprovido de poder jurisdicional, ou seja, não exerce função tipicamente adstrita à instituição judiciária, daí porque sua atuação somente se dá no âmbito da regulação administrativa e financeira, seja no aspecto formal ou material, concernentes às atividades das unidades judiciárias em particular.
Depreende-se, portanto, que não há qualquer vinculação das decisões judiciais proferidas pelos magistrados ao controle do Conselho, tanto mais porquanto ao julgador é assegurada a independência funcional, não existindo por isso qualquer subordinação deste à vontades alheias. Nos dizeres do Ministro Antonio Pádua Ribeiro (1994, p.34), “[...] no exercício do poder jurisdicional, o Juiz tem ampla liberdade de decidir. Sujeita-se apenas à Constituição, às leis e à sua consciência. É absolutamente autônomo livre de quaisquer vínculos hierárquicos”.
Nessa linha de entendimento, oportuno esclarecer que os atos regulamentados pelo CNJ são passíveis de análise judicial perante o Supremo Tribunal Federal, Corte esta que pelo seu caráter de instância máxima do judiciário nacional, não está, por óbvio, submetida às suas determinações.
3 AS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Nos moldes do multicitado artigo 103-B da Carta Constitucional brasileira, assim está determinada as atribuições da Corte Administrativa, a saber:
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.
Desta feita, da leitura do dispositivo normativo acima epigrafado, pode-se agrupar em duas categorias as atribuições constitucionais conferidas ao Conselho Nacional de Justiça, quais sejam: exercer o controle administrativo e financeiro dos atos perpetrados pelos Tribunais e fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais por parte dos juízes, bem como dos servidores pertencentes aos quadros do Poder Judiciário.
3.1 Controle administrativo e financeiro
O controle administrativo e financeiro exercido pelo CNJ se consubstancia como importante ferramenta insculpida pelo legislador, visando, indiscutivelmente, a concessão de maior transparência às determinações veiculadas pelas Cortes locais, além de pretender propiciar uma regulação mais efetiva no que pertine à legalidade das disposições emanadas pelos Tribunais.
De fato, após a criação do Conselho Nacional de Justiça, abriu-se a possibilidade de serem apreciados, através da perspectiva referente aos seus requisitos legais os atos administrativos originários das unidades judiciárias autônomas. Isso quer dizer, efetivamente, que as determinações oriundas dos Tribunais brasileiros podem ser submetidas ao crivo do CNJ, sobretudo quando latente a ocorrência de possíveis irregularidades destoantes do modelo normativo vigente no trato da coisa pública.
Note-se que, em outros tempos, a menos que as próprias unidades autônomas viessem a revogá-las, as decisões das Cortes brasileiras que não tinham caráter jurisdicional, somente poderiam ser desconstituídas mediante instauração de processo judicial. Tal fato, indubitavelmente, dava margem à ocorrência dos mais variados desmandos ocorridos dentro da esfera dos Tribunais, e, por conseguinte, acabava por legitimar, muitas vezes, a consolidação de situações atentatórias à moralidade administrativa e aos preceitos constitucionalmente estabelecidos.
Ilustração prática de tal múnus seria, por exemplo, o caso de um tribunal realizar um concurso público para provimento de cargos vagos em seus quadros, e, de forma irregular, vir a nomear candidatos em desconformidade com a classificação final obtida no certame; na situação aventada, pode o Conselho Nacional de Justiça desconstituir os atos administrativos ensejadores de tais equívocos, sendo garantido, por óbvio, o devido processo legal em todas as suas nuances.
Vale referendar, por oportuno, que, em relação aos atos administrativos discricionários, ou seja, aos quais é atribuída ao agente público certa liberdade no que se refere à conveniência e oportunidade para a sua defagração, desde que não evidenciada manifesta arbitrariedade, será vedado ao Conselho imiscuir-se no mérito do referido ato. Sobre o tema, aponta Alexandre de Moraes (2007, p.516), que em se tratando de atos administrativos discricionários “[...] a opção conveniente e oportuna deve ser feita legal e moralmente pelos membros ou órgãos dos Tribunais, ou seja, somente na legalidade e na moralidade que a oportunidade deve ser apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça.”
Ainda na seara pertinente ao poder fiscalizatório conferido ao CNJ, destaca-se, outrossim, a capacidade de expedir atos normativos regulamentando condutas e indicando orientações a serem seguidas pelas Cortes brasileiras. Com efeito, o órgão supervisor da atividade dos Tribunais é legitimado para normatizar condutas e proceder a recomendações de caráter abstrato e, em alguns casos, vinculantes..
Nesta senda, a legitimidade para dessa forma proceder, em atendimento ao § 4 do art. 103-b da Constituição Federal, fora ratificada pelo Supremo Tribunal Federal em julgado da lavra do Ministro Carlos Brito (ADC nº12, voto do Rel. Carlos Britto), que atesta em seu voto que “[...] baixar atos de sanação de condutas eventualmente contrárias à legalidade é poder que traz consigo a dimensão da normatividade em abstrato, que já é forma de promover a irrupção de conflitos [...]”; atividade essa ainda que possibilita o CNJ, segundo lição do eminente julgador “[...] debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda atividade administrativa do Estado [...]”.
Quanto ao mister concernente à salvaguardar a lisura orçamentária dos Tribunais brasileiros, exprime, o Conselho Nacional de Justiça, relevante missão também delegada pela Carta Maior.
A fiscalização da atividade financeira das Cortes nacionais está imiscuída no arcabouço funcional pertencente ao CNJ, e é instrumentalizada mediante a possibilidade de inspecionar relatórios econômicos, orçamentos referentes às atividades do tribunal local, além de outras condutas aptas à possibilitar a plena inteiração do Conselho, se necessário, sobre a utilização dos gastos públicos alocados pelas unidades judiciais, sem prejuízo, como taxativamente previsto, da atuação do Tribunal de Contas da União, ou, ainda, dos Tribunais de Contas dos Estados, por conseqüência lógica.
Nessa linha de raciocínio, a supramencionada forma de controle desempenhada pelo CNJ se consubstancia como nítida intenção moralizadora, ao possibilitar maior transparência e fiscalização dos atos administrativos que venham a de alguma forma possibilitar o uso de verbas públicas, bem como traz intrinsecamente a possibilidade de ser realizado certo planejamento de gastos orçamentários com o escopo de melhor aproveitar os recursos financeiros.
Exemplo prático que cristaliza a atuação do CNJ em searas tais pode ser extraído do caso relativo à construção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, que por conta de irregularidades na execução do contrato, uma vez constatado sobrepreço de cerca de 35 milhões de reais, teve sua concorrência anulada pelo CNJ.
3.2 Controle disciplinar-correcional
Grandes modificações conjunturais relativas ao judiciário advieram da formatação do CNJ também como instância competente para apreciar reclamações contra magistrados ou servidores, podendo avocar processos disciplinares em curso, e, ainda, rever processos disciplinares julgados a menos de um ano. De fato, o conselho poderá aplicar as pertinentes sanções administrativas quando da constatação de faltas no exercício do cargo, sempre garantido o devido processo legal.
A amplitude funcional concedida pelo legislador, também neste caso, traduz relevante progresso no que se refere à luta contra a impunidade dos membros do Poder Judiciário, revelando, de outro tanto, importante arma a ser utilizada pelos próprios magistrados em caso de perseguições políticas locais ou outras intercorrências moralmente incompatíveis com preceitos normativos vigentes. Outrossim, partes, advogados, servidores, magistrados, ministério público, enfim, qualquer pessoa que demonstre interesse legítimo, de acordo com o contexto de determinada situação dita irregular, oriunda de falta funcional cometida por membro dos Tribunais, poderá, diretamente, provocar o CNJ com o fito de que sejam investigados os fatos envolvidos na reclamação.
Nesta senda, como alhures aventado, o Ministro-Corregedor ficará a cargo da viabilização das funções disciplinares exercidas pelo Conselho Nacional de Justiça, podendo requisitar magistrados e/ou servidores dos Tribunais com o escopo de auxiliarem nos trabalhos. A legislação, outrossim, em decorrência de tal atribuição, previu a instalação de ouvidorias ao redor do país com o fito de oportunizar à população interagir com o CNJ, no sentido de também diligenciar o andamento de feitos que por ventura estejam em situação irregular decorrentes da demora na prestação jurisdicional, ou por conta de qualquer outra anormalidade constatada casuisticamente.
Também envolto sob a competência funcional do Conselho Nacional de Justiça, ainda no aspecto disciplinar-correcional, encontra-se a atribuição de inspecionar os serviços prestados pelas unidades judiciárias brasileiras, promovendo correições extraordinárias e demais providências como forma de viabilizar o andamento dos feitos nas jurisdições em que a ineficiência cartorária e a baixa produtividade atinjam sobremaneira a reputação e a eficiência da prestação jurisdicional.
Por fim, o dever delegado ao CNJ de realizar relatórios pormenorizados a respeito da produtividade, índices estatísticos, recolhimento de informações e demais trabalhos visando a estruturação em um plano geral e integralizado do Poder Judiciário como jurisdição una e indivisível, é, pois, múnus exercido atinente ao âmbito regulador das atividades correcionais, utilizado como termômetro da realidade nacional e adotado como paradigma para implementação de programas específicos para o aprimoramento do judiciário
4 CONCLUSÃO
O processo de legitimação do Conselho Nacional de Justiça vem se consolidando a cada dia que passa. No início, sobravam desconfianças em relação a como seria efetivada sua atuação no âmbito do exercício da regulação administrativa e financeira que lhe é peculiar.
Na verdade, ainda que judicialmente declarado como órgão incrustado no seio do Poder Judiciário, permaneceU evidenciada certa relutância por parte de alguns tribunais brasileiros em acatar suas determinações.
Uma vez constitucionalmente definida a consonância normativa do Conselho com o sistema legal brasileiro, o que se tem de buscar, agora mais do que nunca, é a junção de esforços no intuito de aprimorar a prestação dos serviços jurisdicionais, consolidando o Judiciário como instituição aptoa a atender as necessidades dos cidadãos.
A quebra dos velhos paradigmas que se mostraram insuficientes para o desenvolvimento da justiça no Brasil e a abertura da mentalidade voltada à cultura da conciliação, ao acesso às tecnologias de informação e outros instrumentos ligados ao planejamento estratégico, é algo advindo da atuação do Conselho Nacional de Justiça e que deve ser fomentado, sobretudo, no que tange à mudança de mentalidade dos agentes públicos.
É preciso que a justiça do Brasil não seja mais conhecida por aquela máxima tão bem reproduzida por Joaquim Falcão (2009), citando Guimarães Rosa, de que “o Judiciário de tão egocêntrico se coleciona”.
A politização excessiva que está a incidir dentro das esferas de algumas Cortes locais é algo ainda a ser combatido; dissídios administrativos de cunho eminentemente políticos e outras questões de natureza secundária, à luz da atividade-fim exercida pelos Tribunais, comprometem a atuação independente dos magistrados e devem dar lugar à busca pela implementação de ações que levem à eficiência, organização e moralização das gestões públicas no âmbito do referido Poder.
Não se pode perder de vista que o Judiciário deu um grande exemplo aos demais Poderes Republicanos ao incorporar o CNJ como uma de suas principais células estruturais. Acaso existissem outros órgãos com poderes tão efetivos sem dúvidas os episódios de corrupção e outras tantas intercorrências seriam sensivelmente reduzidas.
Neste sentido, se é certo que os tribunais brasileiros perderam o monopólio absoluto para tratar sobre assuntos antes tidos como exclusivamente internos, é certo também afirmar que o resultado das diversas ações e programas implementados pelo CNJ o fizeram maiores, não só em eficiência, mas também como símbolos de uma justiça embasada em compromisso ético e nas necessidades dos seus jurisdicionados.
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Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Matheus Oliveira de. O surgimento do Conselho Nacional de Justiça como órgão do Poder Judiciário Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45878/o-surgimento-do-conselho-nacional-de-justica-como-orgao-do-poder-judiciario-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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