RESUMO: O presente artigo analisa o instituto da súmula vinculante, que foi inserida no ordenamento como uma alternativa para uma maior racionalização do sistema jurídico brasileiro. Outrossim, comenta-se a respeito dos seus requisitos e elementos trazidos pelo art. 103-A da Constituição Federal e pela Lei nº 11.417/2006.
Palavras-chave: Jurisprudência. Súmula. Súmula Vinculante. Lei nº 11.417/2006.
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional nº 45/2004, que implementou a reforma do Poder Judiciário, trouxe a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal editar súmulas com caráter vinculante. Tal inovação justifica-se, principalmente, pela dificuldade dos órgãos julgadores em dar uma resposta em tempo razoável às questões que lhes são levadas pela sociedade.
O presente artigo discorrerá sobre os aspectos constitucionais e legais do instituto da súmula vinculante, notadamente no que diz respeito aos procedimentos para edição, revisão, cancelamento de um enunciado, bem como quanto aos seus efeitos e as consequências decorrentes da sua violação.
DA PREVISÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL: ALGUNS ASPECTOS DA SÚMULA VINCULANTE NA EC Nº 45/2004 E NA LEI Nº 11.417/06
O constituinte derivado reformador incumbiu o legislador ordinário de dispor a respeito da disciplina infraconstitucional da súmula vinculante criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Coube à lei ordinária regulamentar vários aspectos do instituto, como, por exemplo, as formas e modos de aprovação, revisão e cancelamento.
A Lei nº 11.417/2006 - que regulamenta a criação, aplicação, alteração e revogação de súmula vinculante - originou-se do Projeto de Lei nº 6636/2006, da comissão mista especial de reforma do Judiciário. Referida lei veio traçar diversos aspectos e solucionar questões surgidas a respeito do então recém criado instituto.
A edição de um enunciado de súmula vinculante, como ato estatal de grande repercussão no meio jurídico e na sociedade em geral, só se legitima quando atendidos os requisitos insculpidos no artigo 103-A caput e §1º da Constituição Federal. Outrossim, a Lei nº 11.417/2006 traz também uma série de requisitos cumulativos para aprovação de uma súmula, quais sejam, a legitimidade, quorum, matéria constitucional, decisões reiteradas, controvérsia atual, grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos.
Dessa forma, ao se analisar os pressupostos constitucionais para criação de uma súmula vinculante, depreende-se que o constituinte derivado impôs cautelosos limites, prevendo uma série de restrições ao seu cabimento e alcance.
Tanto a Lei Maior, no caput do seu artigo 103-A, como a Lei nº 11.417/06, em seu artigo 2º, dispõem ser competência do Supremo Tribunal Federal, ex officio ou mediante provocação, a competência exclusiva para a edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante. Isso se dá, pois, a despeito de não deter o monopólio da atribuição de declaração de constitucionalidade, compete-lhe, seja no controle concentrado, seja no difuso, proferir a última decisão sobre matéria constitucional, uma vez que é a Corte destinada a garantir a ordem jurídica do Estado.
Com efeito, muito embora a proposta originária da criação da súmula vinculante estendesse a competência para edição ao Superior Tribunal de Justiça e aos demais Tribunais Superiores, esta acabou se restringindo ao Supremo Tribunal Federal.
Nesse contexto, intenciona-se que a utilização da súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal lhe permita julgar as relevantes questões constitucionais, resguardando, dessa forma, os princípios basilares do Estado.
A edição de enunciado de súmula vinculante deve ser aprovada, nos termos do § 3º, do artigo 2º da lei nº 11.417/2006, por quórum qualificado no Supremo Tribunal Federal, com anuência de dois terços dos ministros. Dessa forma, como o Pretório Excelso compõe-se de onze ministros, a súmula vinculante, para sua edição, deverá ser aprovada por pelo menos oito deles. Ressalte-se, contudo, que a fração referente ao quórum deve ser calculada sobre o número de juízes investidos, abstraindo-se eventuais vagas abertas.
O legislador infraconstitucional, ao regulamentar o instituto, ampliou o rol de legitimados ativos para provocar o processo de criação de enunciado de súmula vinculante, uma vez que a Constituição não foi exaustiva nesse ponto. Tal ampliação serviu para tornar o procedimento mais democrático e plural.
A lei de súmula vinculante inovou pois passou a prever legitimados autônomos e incidentais. Assim, também poderão propor a edição de enunciado vinculante o Defensor Público-Geral da União, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. O Município também poderá, incidentalmente, propor enunciado de súmula vinculante no curso de processo em que seja parte.
Interessante é o entendimento esposado por Figueiredo (2007, p. 01) segundo o qual, tal como ocorre no controle de constitucionalidade concentrado, deve-se adotar - no que se refere à propositura, revisão e cancelamento das súmulas vinculantes - o critério da demonstração de pertinência temática. Com isso, para determinados legitimados será exigida a demonstração de interesse objetivo na vinculação, por meio de enunciados normativos, da interpretação da norma legal por parte do Supremo Tribunal Federal. Nesse ponto, Figueiredo (2007, p. 01) classifica, ainda, os legitimados ativos em universais ou neutros e especiais ou sectários.
Além dos legitimados autônomos, a Lei nº 11.417/2006 acrescentou o município como legitimado incidental, que poderá formular proposta de súmula incidentalmente no curso de processo em que seja parte, nos termos do §1º, do artigo 3º, da referida lei.
Outra questão atinente ao aspecto formal para a criação de um enunciado de súmula vinculante trazida pelo artigo 2º, § 2º, da Lei nº 11.417/2006 é a obrigatoriedade da intervenção do Procurador-Geral da República previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante, salvo no caso de tais propostas terem sido por ele formuladas.
A edição de um enunciado de súmula vinculante por parte do Pretório Excelso deve, ademais, ir ao encontro de outras decisões anteriores, que possuam semelhante teor, de modo a caracterizar jurisprudência assente na Corte Constitucional. Resta claro, portanto, pela disciplina constitucional e legal, que o legislador buscou impedir que um entendimento não assente, manifestado em decisão isolada, pudesse ensejar a criação uma súmula vinculante.
Dessa forma, uma vez que o enunciado vinculante decorre de decisões tomadas a partir da análise de casos concretos, conclui-se que ele só poderá ser editado após reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, Tavares (2009, p. 18) alerta, inclusive, que “o conteúdo da súmula vinculante não pode representar apenas o pensamento imediato e isolado do STF”.
A Súmula Vinculante possui, pois, um modo de elaboração baseado na conclusão prolongada da atividade técnica dos juízes. Isso se dá após ampla e reiterada discussão sobre determinada matéria, devendo resultar em maturidade jurídica.
Há a necessidade de que as súmulas incidam sobre questões já reiteradamente decididas em um mesmo sentido e, portanto, já devidamente estabilizadas e amadurecidas. Nesse sentido, o enunciado da súmula deve representar a evolução do entendimento esposado pela Corte Constitucional nas decisões antecedentes e não criação de nova regra que solucione eventual divergência existente.
A matéria objeto da súmula vinculante deve sempre ser atinente ao plano constitucional, nada obstante possa versar sobre questões tanto de direito material, quanto de processual. Vale dizer, a exigência trazida pelo artigo 103-A da Constituição Federal a respeito da necessidade de reiteradas decisões sobre matéria constitucional de forma alguma significa que o enunciado deverá tratar necessariamente sobre artigos da Magna Carta, mas sim sobre temas constitucionalmente relevantes, como controle de constitucionalidade e a interpretação conforme a Constituição.
Em regra, os enunciados devem ser formulados a partir das questões processuais de massa ou homogêneas, envolvendo matérias constitucionalmente previstas como as previdenciárias, administrativas, tributárias ou até mesmo processuais, suscetíveis de uniformização e padronização. Ademais, além de tratar de matéria constitucional, a súmula deve versar sobre questão controvertida, ou seja, terá lugar quando houver controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Frise-se, por oportuno, que, haja vista a ausência de previsão constitucional, a divergência apenas entre órgãos da Administração Pública não será apta a ensejar a edição de um enunciado de súmula vinculante.
As súmulas vinculantes criadas pelo Supremo Tribunal Federal podem ser revisadas e, até mesmo, canceladas. Essa dinâmica é positiva, na medida em que evita o temido engessamento do Direito. Assim, a possibilidade de revisão pelo Supremo e cancelamento de enunciado vinculante confere a característica da flexibilidade necessária, sem a qual haveria o perigo de estagnação dos entendimentos sufragados e da jurisprudência da Suprema Corte.
Bonfim Filho (2008, p. 234) citando Décio Sebastião Daidone, diz que:
Evidentemente, os requisitos para revisão ou cancelamento, deverão ser determinados de forma criteriosa, de modo que sejam observadas as teses advindas de decisões contrárias, após reiterados julgamentos, permitindo assim a mobilidade jurisprudencial e também para que não haja comprometimento da almejada segurança.
Tais possibilidades de revisão e cancelamento de súmula são de premente relevância, notadamente quando se vislumbra que é da natureza da sociedade e, consequentemente da ciência jurídica, estar em contínuo processo de evolução. Nesse sentido, faz-se imprescindível a possibilidade de alteração dos enunciados vinculantes, de modo a evitar o engessamento dessa jurisprudência consolidada.
A própria Lei nº 11.417/2006 dispõe em seu artigo 5º que, sendo revogada ou modificada a lei da qual se originou o enunciado vinculante, este deverá ser revisado ou cancelado, conforme for o caso.
Fica claro, portanto, que a revisão e o cancelamento de enunciado vinculante, assim como a sua edição, devem ser cercados de cuidados, de forma a garantir que sejam preservadas - da melhor forma possível - a uniformidade e a segurança jurídica, ideais basilares desse instituto.
Tal qual como ocorre na iniciativa para edição, a Lei nº 11.417/2006 também ampliou o rol constitucional – que não era taxativo – dos legitimados a propor a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante. Com isso, maximiza-se a possibilidade de a sociedade participar, por meio de seus diversos segmentos, do processo de atualização das súmulas vinculantes do Pretório Excelso.
A norma constitucional também delineou que, a exemplo de como ocorre para a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado vinculante se darão a partir de decisão de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, que o fará espontaneamente ou por provocação dos legitimados.
O artigo 7º, da Lei nº 11.417/2006 elencou como causas de descumprimento da súmula vinculante toda ação ou omissão que a contrariar, que negar-lhe vigência ou que aplicá-la indevidamente. Referida norma adotou, portanto, uma concepção ampla do que seria uma violação ao enunciado.
Dessa forma, o legislador infraconstitucional pretendeu ser explícito e não deixar margem para dúvidas ou discussões sobre como se daria a violação ao enunciado de súmula vinculante. Assim, pontua Tavares (2009, p. 19) que:
[…] considera-se como descumprimento de súmula vinculante tanto as ações quanto as omissões que possam ser consideradas, de alguma forma, como contrariando, ignorando, negando vigência, aplicando ou interpretando indevidamente a súmula cuja a incidência seja invocada.
Desse modo, a súmula passou a vincular diretamente os órgãos judiciais e os órgãos da Administração Pública, ao passo que abriu a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a orientação do Supremo Tribunal Federal, não mediante interposição de recurso, mas pela apresentação de uma reclamação por descumprimento de decisão judicial.
Com efeito, reclamação é instituto jurídico previsto no artigo 102, I, da Constituição Federal, competindo ao Supremo processá-la e julgá-la. É, ademais, instrumento jurídico que visa garantir que um órgão judicial não ultrapasse a esfera de competência de outro.
Mais uma vez, importantes comentários tecidos por Tavares (2009, p. 78):
Logo, a reclamação constitucional passou a desempenhar um papel importante no cenário do controle de constitucionalidade brasileiro. E, doravante, em virtude de se ter contemplado expressamente seu cabimento nos casos de descumprimento de súmula vinculante, sua importância será reforçada enquanto instrumento próprio para fazerem-se impor efetivamente as decisões sumulares do STF dotadas de eficácia geral e efeito vinculante.
A novidade, porém, no caso de descumprimento a preceito contido em súmula vinculante, é que a reclamação poderá ser arguida também em face de atos administrativos.
A infringência ao disposto no enunciado vinculante do Supremo, apurada em sede de reclamação àquela Corte, enseja, além da anulação do ato administrativo e da cassação da decisão judicial, também a determinação para que outro ato ou decisão sejam prolatados com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. Além disso, a autoridade administrativa que desobedeça o mesmo enunciado, em caso futuro e análogo, ficará sujeita à responsabilização cível e criminal.
CONCLUSÃO
A edição de um enunciado de súmula vinculante traz profundas consequências ao ordenamento jurídico. Por isso, é necessário que antes da sua edição, revisão ou cancelamento haja um amadurecimento a respeito do tema a ser versado, devendo este ter sido amplamente debatido no STF e nas demais instâncias judiciais.
Todos os requisitos para edição de enunciado de súmula vinculante devem ser rigorosamente respeitados, sob pena de fugir à intenção do constituinte derivado ao criar o citado instituto.
Destarte, todos os pressupostos materiais e formais elencados no artigo 103-A da Constituição e na Lei nº 11.417/2006 devem ser observados, uma vez que constituem elementos imprescindíveis à eficácia e, principalmente, à validade do enunciado vinculativo. Vale dizer, se o legislador constituinte consagrou na Magna Carta o autorizativo da criação, por parte do Supremo Tribunal Federal, de normas emanadas da atividade judicial com força cogente, conclui-se que o não atendimento a qualquer dos requisitos impostos corresponderá à violação da própria norma constitucional, ensejando um desequilíbrio entre as funções do Estado.
Além disso, a revisão e o cancelamento de enunciado vinculante, assim como a sua edição, devem ser cercados de cuidados, de forma a garantir que sejam preservadas, ao máximo, a uniformidade e a segurança jurídica, ideais basilares desse instituto.
REFERÊNCIAS
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Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Servidora Pública do Ministério Público Federal lotada na Procuradoria da República em Imperatriz/MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Natanne Lira de. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 fev 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45931/sumula-vinculante-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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