RESUMO: O presente trabalho trata da relação constitucional entre Direito à Informação e Segurança da Sociedade e do Estado, lançando mão do contexto histórico brasileiro como suporte fático da mitigação daquele direito fundamental em detrimento da “Segurança Nacional”. É ainda analisado o caráter fundamental do Direito à Informação e sua importância no Estado Democrático de Direito que vivenciamos hoje, o que levanta discussões acerca da constitucionalidade de determinadas informações serem mantidas ocultas e de quem teria legitimidade para determinar quais informações comprometeriam a segurança da sociedade e do Estado a ponto de precisarem ser mantidas em sigilo.
PALAVRAS CHAVE: Direito à Informação; Segurança Nacional; Legitimidade Democrática.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal do Brasil, ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais, assegura a todos o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou coletivo, ou geral, a serem prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII, CF).
Os Direitos Fundamentais não são absolutos, sendo passíveis de limitação em detrimento de outros valores. Assim, a mitigação de um direito quando em colisão com outro é algo completamente aceitável. Entretanto, ao submeter o direito à informação à “segurança nacional” sem delimitar o que compreende este termo, o legislador constituinte permitiu arbitrariedades no manejo desses dois “direitos”, fazendo com que, frequentemente, informações essenciais sobre o governo deixem de ser repassadas por esse sobre a vaga justificativa de proteção à sociedade.
Ao ser omissa na definição do termo segurança da sociedade e do Estado, a Constituição Federal permitiu que os administradores o empregasse como bem entendessem, inclusive de forma deturpada, garantindo não a segurança da sociedade e do Estado, mas a segurança de um governo determinado.
Essa limitação do acesso à informação por puro interesse privado dos governantes compromete a democracia e a evolução social. Tem-se, assim, uma segurança forjada por uma sociedade privada dos sentidos. Não há uma ordem oriunda da real situação, mas um quadro de mudez frente ao completo desconhecimento do que se passa nos bastidores do poder.
A estabilidade almejada pela Carta Magna deve resguardar toda a população e não apenas a quem beneficie o sigilo de certas informações.
Note-se que a Constituição não diz “segurança (só) do Estado”, mas, “da sociedade e do Estado”. A sociedade é colocada em primeiro lugar, como a indicar-se que as informações cujo sigilo é previsto deverão ser aquelas que a sociedade, por seus representantes legalmente constituídos, vier a definir como necessárias tanto à soberania e à integridade do Estado, como ao bem-estar, ao respeito e à paz dos cidadãos – não aquelas ditadas por razões de “segurança nacional”, esta identificada especialmente como segurança do regime e personificada em “forças de segurança.
Não faz muito tempo, o Brasil emergiu de uma experiência tenebrosa em matéria de segurança pretensamente nacional: em seu nome, entronizou-se o militarismo, acobertou-se a tortura, amordaçou-se o Legislativo, manietou-se o Judiciário e institucionalizou-se a censura, a subserviência e o medo à liberdade. (FERREIRA, 1997, p. 244).
Sobre o lema “ordem e progresso” foi proclamada a República no Brasil. Séculos depois, sob o argumento de manutenção da ordem, o Brasil foi acometido por grandes arbitrariedades durante todo o regime militar até que ocorresse a reabertura democrática décadas depois.
Percebe-se, assim, a força que possui o argumento de ordem na história nacional, marcando momentos de grande virada política e ideológica. Grande parte desse poder, no entanto, advêm da maleabilidade desse vocábulo, podendo ser-lhe atribuído valores e conceitos conforme o interesse de quem lhe define.
Muitos são os casos em que informações são mantidas em sigilo em resguardo a uma suposta segurança nacional.
Por exemplo, sob o argumento de evitar que eventuais criminosos tenham conhecimento sobre fornecedores e hábitos de consumo do presidente da república, os gastos deste são mantidos em segredo. E quanto aos cidadãos? Por que a divulgação dos gastos de um presidente arcados com o dinheiro público deve ser considerada uma ameaça à segurança da sociedade? A quem se quer proteger?[1]
O que se discute não é a constitucionalidade de ser o direito à informação mitigado em detrimento da sociedade e do Estado, mas a legitimidade de quem determina quando essa segurança está em risco.
Por se tratarem de informações oriundas dos órgãos públicos ou que dizem respeito, como no exemplo citado, às finanças públicas, é indispensável uma maior participação democrática na classificação dessas informações como prejudiciais à segurança nacional.
De fato, a divulgação dessas e de outras informações ocultas poderia gerar certa tensão, não apenas a temida pelo constituinte de 1988, mas – principalmente - uma instabilidade à cômoda postura dos agentes políticos decorrente do despertar na população da ânsia de lutar pela defesa de seus direitos frente às grandes arbitrariedades a que lhe são acometidos. Sendo o Estado responsável por garantir os direitos fundamentais e estando os administradores preocupados apenas em assegurar seus próprios interesses, quem protegeria a sociedade? Como os interesses desta serão resguardados?
O presente trabalho visa, justamente, resolver esses questionamentos suscitados. Inicialmente, será feita uma análise do Direito à Informação como direito fundamental indispensável à democracia; em seguida, passar-se-á à avaliação da criação e aplicação do termo Segurança Nacional sob o contexto histórico brasileiro e com base no aspecto objetivo e subjetivo desse.
I. DIREITO À INFORMAÇÃO
1.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONSIDERAÇÕES GERAIS
Os direitos fundamentais são direitos que possuem como características básicas historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.
Talvez, seja a historicidade a característica que melhor sirva para explicar a essência desses direitos, vez que esta está intrinsecamente relacionada à origem dos direitos fundamentais.
Para os franceses, são as principais fontes de inspiração das declarações de direitos o pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais. No entanto, são essas, juntamente com o pensamento iluminista defensor da liberdade e dos valores individuais do homem, apenas as fontes formais, sendo imprescindível para a insurgência dos direitos fundamentais a existência de condições históricas, geradoras de lutas e reivindicações pela conquista de direitos (SILVA, 2010, pp. 172 e 173).
Não são, no entanto, os direitos fundamentais pontuais. Tais direitos não foram exauridos em um único momento. São frutos da evolução da sociedade, tendo, portanto, seu rol ampliado conforme o surgimento de novas condições materiais.
Surgem, assim, as chamadas “gerações” dos direitos, melhores conceituadas como “dimensões”, vez que o surgimento de uma não pressupõe o fim da anterior, conforme se disse no parágrafo anterior.
A seguir, será feito breve resumo dessas “gerações de direitos” para que melhor se compreenda a abrangência dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos de liberdades individuais ou “liberdades negativas”, impondo, assim, uma abstenção do Estado para que possam ser concretizados. O surgimento de tais direitos oriunda das Revoluções Liberais, que implantaram racionalidade ao modelo político, limitando o poder Estatal.
Em um contexto de desigualdade no pós Revolução Industrial, surgem os direitos fundamentais de segunda geração - “direitos sociais” ou “liberdades positivas” - exigindo uma prestação do Estado para que haja uma melhoria nas condições de vida da sociedade e efetivação da igualdade material.
Por fim, há ainda os direitos fundamentais de terceira geração, correspondentes aos direitos fundamentais de solidariedade, reflexos dos traumas sofridos pela população mundial com a II Guerra Mundial.
Conforme se afere da definição de cada uma das gerações, o termo “direitos fundamentais” abarca diferentes “categorias” de direito. Não obstante, várias expressões – tais como, direitos humanos, liberdades públicas e direitos naturais - são empregadas para denominá-los, o que dificulta ainda mais a sua conceituação.
No entanto, é o termo “direitos fundamentais do homem” o mais apropriado, pois, atribui-lhe juridicidade (direito), além de destacar o seu caráter essencial (fundamentais) e seus sujeitos (do homem): o ser humano, independente de sexo, idade ou qualquer outra característica (SILVA, 2010, p.178). Há ainda, interessante observação feita por Pérez Luño (1979, p. 80 apud SILVA, 2010, p.178), a qual diz demonstrar esse termo não apenas a simples limitação do Estado, mas a limitação a este imposta pela soberania popular por ser aquele dependente desta. É ainda este termo mais apropriado por ser bastante amplo, abrangendo diversas “espécies” de direito, e por ser o termo utilizado pela nossa Constituição Federal (DIMOULIS e MARTINS, 2006, p. 53).
Como se percebe, a própria justificativa à escolha da expressão utilizada serve para conceituar esses direitos.
Desse conceito, é ainda possível se aferir quais seriam os “elementos” essenciais aos direitos fundamentais, quais sejam: Estado, indivíduo e texto normativo regulador (DIMOULIS e MARTINS, 2006, pp. 25 e 26).
Os direitos fundamentais possuem uma função básica, sendo justamente essa a que lhe deu origem: limitar o poder do Estado em face do indivíduo. Em contrapartida, há casos em que, para a efetivação de determinados direitos fundamentais, a atuação do Estado mostra-se indispensável, sendo inconcebível se falar em direito fundamental sem esse.
Da mesma maneira, é essencial que haja o outro pólo, o indivíduo, para que sobreviva a idéia de direitos fundamentais. Como bem observa Dimoulis e Martins (2006, p. 25), tal afirmação pode parecer dispensável, já que o ser humano sempre existiu, não sendo necessário incluí-lo entre as condições à existência dos direitos fundamentais, mas aqui, trata-se do ser humano não como a “espécie humana”, mas do ser humano como pessoa, dotada de independência, autonomia e dignidade. Não há que se falar em direitos fundamentais quando o ser humano era tratado como objeto, tais como os escravos de seus senhores e as mulheres de seus maridos.
Por fim, é essencial que exista uma norma que regule a relação entre esses dois “sujeitos”, bem como declare os direitos e garantias fundamentais, protegendo-os e vinculando a atuação Estatal – é o chamado “efeito vinculante”, alcançando todas as autoridades estatais e possuindo, tais normas, efeito imediato. Não basta, no entanto, a simples “normatização”, faz-se necessário, ainda, que a estes direitos seja atribuída certa “superioridade” aos demais.
No início, a declaração dos direitos fundamentais era algo mais solene do que prático, uma espécie de “programa”, diretrizes. Com o transcurso dos anos, passou a figurar nos preâmbulos das Constituições até, finalmente, conseguir integrar o corpo desses ordenamentos, tornando-se “normas jurídicas positivas constitucionais” (SILVA, 2010, p. 175).
Muito mais do que uma mudança formal, a “constitucionalização” protege e garante esses direitos. Nesse sentido:
A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os <<direitos do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política >>, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional (Grundrechtsnormem). (CANOTILHO, p. 375).
Ocorre que, conforme alerta o autor, a simples constitucionalização não garante que esses se tornem realidades jurídicas efetivas (CANOTILHO, p. 376) e nem veda que existam outros direitos fundamentais assim considerados pela sua materialidade (“fundamentalidade material”), mas que não se encontram positivados na Constituição (CANOTILHO, p. 377).
A nossa Constituição Federal reserva “tópico” específico para tratar dos direitos e garantias fundamentais, elaborando uma longa lista sem, no entanto, restringi-los a essa, na medida em que diz, expressamente, não excluírem os direitos e garantias expressos na Constituição “outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988, art. 5º, §2º).
E mais, tal é a importância desses direitos que os mesmos não poderão ser reduzidos ou excluídos, mas apenas ampliados, sendo considerados “cláusulas pétreas” por expressa previsão constitucional.
1.2. DIREITO DE INFORMAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
1.2.1. O DIREITO DE INFORMAÇÃO COMO UMA NECESSIDADE DA SOCIEDADE ATUAL
Como já se disse, é característica básica dos direitos fundamentais a “historicidade”. Assim, o rol dos direitos fundamentais não é taxativo, mas passível de complementação de acordo com as reivindicações da época.
Conforme a sociedade vai evoluindo, torna-se mais complexa e, consequentemente, suas necessidades se diferenciam e também têm seu nível de complexidade aumentado.
Não é a toa que, conforme se afere da descrição das “gerações” dos direitos, o homem primeiro lutou por liberdade e igualdade para, só então, preocupar-se com os direitos difusos, como por exemplo, o direito a um meio ambiente equilibrado.
Berlin (2002, p. 231) demonstra bem essa “gradatividade de anseios e necessidades” ao começar da “estaca zero”, quando se é preciso ainda as condições básicas para que, só então, queira-se exigir liberdade. E mais: à medida que as sociedades vão evoluindo, vão passando pelas mesmas necessidades. Assim:
As coisas mais essenciais vêm em primeiro lugar: há situações em que – para usar um ditado de Dostoievski satiricamente atribuiu aos niilistas – as botas são superiores a Puchkin; a liberdade individual não é a necessidade primária de todos. Pois a liberdade não é a mera ausência de frustração – isso inflaria o sentido da palavra até ela significar de mais ou de menos. O camponês egípcio precisa de roupas e remédios antes da liberdade pessoal e mais das roupas e dos remédios do que de liberdade pessoal, mas a liberdade mínima de que ele necessita hoje, e o maior grau de liberdade de que pode vir a necessitar amanhã, não é uma espécie de liberdade que lhe é peculiar, mas é idêntica à de professores, artistas e milionários.
Pode soar incoerente a afirmação de que uma sociedade mais evoluída luta por mais direitos do que uma sociedade precária, mas tal confusão se desfaz quando se resgata a idéia de que são os direitos fundamentais cumulativos. Não são gerações, mas dimensões.
Assim, uma sociedade evoluída continua precisando de liberdade e igualdade – assim como as sociedades mais simplórias – mas a sua população já adquiriu um grau de consciência e condições para exigir mais, lutando pela plenitude dos direitos, muito embora o homem nunca se encontre plenamente realizado.
Se há necessidades ou carências fundamentais, terá de haver direitos que correspondam a sua satisfação, e estes serão direitos fundamentais. Como novas necessidades sempre estarão se desenvolvendo na sociedade, novos direitos correspondentemente passarão a ser instituídos. Portanto, não se pode conceber uma lista pronta, acabada e definitiva de direitos fundamentais do homem. Pretendê-lo equivaleria a imaginar uma realidade imutável e admitir a possibilidade da estagnação histórica; seria esquecer o componente cultural da natureza humana, ignorar a condição conflituosa da existência social, recusar a liberdade e a criatividade do homem e negar-lhe a progressiva e consequente humanização no/do mundo. (FERREIRA, 1997, p. 61).
O direito fundamental de informação surge, exatamente, nesse contexto de evolução social[2], sendo despertado no homem a necessidade de se informar, de ser informado e de informar de tal maneira que, hoje, é inconcebível imaginar a sociedade sem esse direito.
A informação, como necessidade humana, é o pressuposto da informação como direito fundamental que, no atual nível da civilização, é indispensável para o desenvolvimento da pessoa e requer, por conseguinte, especial proteção jurídica (XIFRA-HERAS, 1974, p.282).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, sintetiza bem essa evolução, complementando liberdade ativa de dizer com o direito passivo de saber: “todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; tal direito inclui o de não ser molestado por causa de suas opiniões, o de investigar e receber informações e opiniões, e o de difundi-las sem limitações de fronteiras, por qualquer meio de expressão” (apud XIFRA-HERAS, p. 285). Já se pode, inclusive, prever nessa declaração, as raízes do direito fundamental de informar, direito fundamental de ser informado e direito fundamental de se informar.
No que diz respeito ao contexto brasileiro, é importante frisar estar previsto o Direito fundamental de Informação – expressamente - em mais de um dispositivo da Constituição Federal Brasileira, sendo, inclusive, considerado “cláusula pétrea”.
Dessa evolução histórica, percebe-se possuir o Direito de Informação duas “facetas” (XIFRA-HERAS, 1974, p.282): a de “Liberdade de Imprensa” (Direito de Informar) ou “Liberdade de Expressão”, sendo essa uma liberdade ativa, exigindo um abstencionismo do Estado e o “Direito à Informação” (Direito de ser Informado e Direito de se Informar), não se restringindo a um mero limite imposto ao poder, mas também de uma concessão deste.
A seguir, será explicado, especificadamente, em que consiste cada um dessas três “dimensões” do Direito de Informação (Direito de Informar, Direito de ser Informado e Direito de se Informar), enfatizando-se em quais sentidos serão utilizados nesse trabalho. Em seguida, serão explicitados os sujeitos desses direitos, bem como os seus objetos mediatos e imediatos (estes, acompanhados dos requisitos indispensáveis). Por fim, será lhe reforçado o caráter de direito fundamental, através da demonstração da necessidade/ essencialidade da efetivação desse direito de maneira ampla para que se tenha Democracia.
1.2.2. DIREITO DE INFORMAÇÃO, DIMENSÕES: DIREITO DE SER INFORMADO E DIREITO DE SE INFORMAR
Como já exposto, o Direito de Informação possui alguns desdobramentos, assim relatados por Canotillo ao tecer comentários a cerca da Constituição da República Portuguesa (1993, pp. 225 a 226 apud FERREIRA, 1997, p. 166):
O direito de informação (nº 1, 2ª parte) integra três níveis: o ‘direito de informar’, o ‘direito de se informar’ e o ‘direito de ser informado’. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de difundir sem impedimentos, mas pode também revestir também uma forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, o direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de recolha de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo no direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, por meios de comunicação (arts. 38º e 39º) e pelos poderes públicos (art. 48° - 3), sem esquecer outros direitos específicos à informação reconhecidos na Constituição, diretamente (arts. 54ª – 5/a e 268º - 1) ou indiretamente (CFr. arts. 54º - 5/d, 56º - 2/a, 77º - 2, etc).
Tal “corte” também tem aplicação no ordenamento pátrio, conforme demonstra Edilsom Farias (2004, p.85) [3]:
Até o momento, tem-se focalizado a liberdade de comunicação sob o ângulo da mensagem (fatos ou notícias). Cabe agora tratá-la do ponto de vista do emissor e do receptor da comunicação, ou seja, como liberdade de comunicação ativa e passiva. Nesse sentido, a liberdade de comunicação é atualmente concebida como uma liberdade que reúne em torno de si vários direitos fundamentais, entre os quais destacam-se o direito fundamental de informar, o direito fundamental de informar-se e o direito fundamental de ser informado.
Em suma, são três as dimensões do Direito de Informação: Direito de Informar, Direito de se Informar e Direito de ser Informado.
Para o presente trabalho interessa apenas duas dessas três dimensões, quais sejam: Direito de se Informar e Direito de ser Informado. O Direito de Informar se aproxima mais da outra “faceta” do Direito à Informação prevista por Xifra-Heras (1974, p. 282): a “Liberdade de Imprensa” e “Liberdade de Expressão”, o direito de comunicar, não sendo tão útil ao sentido aqui empregado ao Direito à Informação[4]. No entanto, a seguir, serão conceituados cada um desses “direitos”.
O Direito de Informar pressupõe o direito ativo de comunicação, ou seja, o direito pertencente a todos os indivíduos de tornar pública, divulgar, as informações de relevância geral. Ressalve-se, no entanto, não ser tal direito absoluto, sendo-lhe impostos certos limites, como: compromisso com a verdade e direito de resposta.
O Direito de se Informar consiste no direito de todos a ter acesso a informações do seu interesse - direito e indireto - de maneira oportuna e válida – sobre esses objetos e requisitos, será resguardado tópico específico – livre de “embaraços” decorrentes dos poderes políticos e econômicos. Dessa maneira, não é preciso esperar uma atuação do “emissor” da informação, pode o próprio indivíduo buscá-la. Em suma, através desse direito, considera-se livre o acesso a todas as fontes de notícias localizadas na sociedade. Considere-se, entretanto, ser a publicidade regra em se tratando de fontes públicas, no que diz respeito às fontes privadas, a regra é a privacidade.
O Direito de ser Informado muito se assemelha ao Direito de se Informar, no entanto, aqui, se exige uma conduta ativa dos sujeitos passivos desse direito. A importância desse direito “reside” em ser a informação alimento espiritual imprescindível aos cidadãos. Assim, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento da personalidade e de talentos da pessoa humana, qualifica os cidadãos para participarem ativamente da vida coletiva e política, evitando a marginalização social provocada pela falta de informação sobre os problemas e desafios enfrentados pela sociedade (FARIAS, 2004, p. 90).
A fim de esclarecer possível confusão de termos gerada pela expressão “conduta ativa do sujeito passivo”, deve-se conjugar essa idéia com a classificação de Georg Jellinek (1892, pp. 86-87, 95-186 apud DIMOULIS e MARTINS, 2006, pp. 63):
Se denominarmos a esfera do Estado com a letra E e a esfera de cada indivíduo com a letra I, podemos distinguir três categorias ou espécies de direitos fundamentais conforme o tipo de relacionamento entre E e I. Esta tipologia permite estabelecer uma distinção conceitual entre os direitos negativos (direitos de resistência), os direitos sociais e os direitos políticos, conforme as definições dadas por Jellinek nos finais do século XIX e utilizadas pela doutrina contemporrânea.
Assim, podem os direitos fundamentais ser classificados em: Direitos de status negativus; Direitos de status positivus; e Direitos de status activus.
Os direitos de status negativus ou “direitos de resistência” possuem como essência a proibição imediata de interferência do Estado, ou seja, o Estado possui a obrigação negativa de deixar de fazer algo. No Brasil, esse direito é mais conhecido pelo termo “direito de defesa”.
Os direito de status positivus ou “direitos sociais” ou “direitos a prestações” exigem, conforme o próprio nome diz, uma prestação do Estado para serem efetivados.
Por fim, os direitos de status activus ou políticos ou “direitos de participação” permite ao indivíduo participar da política estatal de forma ativa, ou seja, através do exercício de tais direitos, o indivíduo interfere e participa na atuação e decisões do Estado.
O Direito à Informação é - como já se foi dito - um direito fundamental, assim, são todos os indivíduos titulares, sujeitos ativos, destes. No pólo passivo, encontra-se, precipuamente, o Estado – conforme será melhora analisado no tópico seguinte - exercendo uma função alternada: ora lhe é exigido uma abstenção – a grosso modo considerado, vez que, a fundo, sempre será exigido deste as condições básicas para a prática de todo e qualquer direito[5] – de modo a viabilizar o exercício dos Direito de Informar e o Direito de se Informar; ora lhe é exigido atuação, garantindo o Direito a ser Informado. Assim, não raro, é exigida desse sujeito passivo uma conduta comissiva, ativa, a fim de ser efetivada uma das diferentes “facetas” do Direito à Informação.
Sobre esses sujeitos, será dada maior ênfase no tópico seguinte. Antes disso, no entanto, faz-se interessante a classificação do Direito de se Informar e Direito de ser Informado – objetos desse trabalho - conforme a divisão de Jellineck.
Como se percebe, o Direito de se Informar exige uma abstenção do Estado, sendo clara hipótese de direito de status negativus[6]. Em contrapartida, o Direito de ser Informado exige uma prestação do Estado, sendo caso de direito de status positivus. Não obstante, conforme se analisará ao final deste capítulo, o exercício de tais “direitos” é indispensável à Democracia, pois, através destes, o indivíduo terá conhecimento da situação do seu país, agindo de maneira a melhorá-la, podendo, assim, serem ainda classificados tais direitos como direitos de status activus.
Uma vez “situado” o Direito à Informação como direito fundamental e especificadas em quais “dimensões” será utilizado no presente trabalho, passa-se à análise dos seus sujeitos e objetos.
1.2.3. DIREITO FUNDAMENTAL A RECEBER INFORMAÇÕES DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS: SUJEITOS E OBJETOS
1.2.3.1. SUJEITOS ATIVOS E SUJEITOS PASSIVOS
Como já adiantado, é o Direito à Informação um direito fundamental, possuindo, assim, como titulares, todos os indivíduos, irrestritamente. No entanto, o termo informação é bastante amplo, sendo esse direito fundamental desdobrado em: direito a receber informação publicitária adequada, direito a receber informações dos meios de comunicação em massa e, finalmente, direito a receber informações dos órgãos públicos (FARIAS, 2004, p. 167). Aluízio Ferreira (1997, p. 171 e 172) acrescenta ainda o direito fundamental à comunicação pessoal[7], hipótese bastante diferente das já listadas e, portanto, não sendo aqui tratada.
O presente trabalho foca no direito fundamental à informação quando em tensão com a segurança nacional, são, assim, informações que, direta ou indiretamente, dizem respeito à sociedade, economia, política, recursos naturais ou outros elementos, sendo, portanto, de interesse público, devendo, assim, serem prestadas pelo Estado - até mesmo porque, muitas vezes, apenas este detém o domínio dessas informações. Dessa maneira, não se faz necessário aprofundar no direito a receber informações dos meios de comunicação em massa, nem tão pouco no direito a receber informação publicitária adequada. No entanto, conforme feito no item anterior, serão conceituados cada um desses desdobramentos do conceito informação para, só então, ser feita uma análise específica do direito fundamental a receber informações dos órgãos públicos, seus sujeitos e objetos.
Sem maiores delongas:
O direito de receber informações dos meios de comunicação em massa está intrinsecamente relacionado às idéias de mídia e pessoas indiferenciadamente consideradas. Alguns autores, sob a égide de inexistir correspondência entre direito e dever, negam essa direito fundamental. Entretanto, no sistema jurídico atual - cada vez mais utilizado para pôr fim a conflitos de massa envolvendo interesses opostos – nem sempre há uma relação entre direito e dever. Ademais, há aplicação dos princípios constitucionais quanto à programação das emissoras de rádio e televisão, bem como a possibilidade de concessão, permissão e autorização da realização dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, o que fortalece a classificação desse direito como direito subjetivo (FARIAS, 2004, p.177).
O direito a receber informação publicitária adequada pode ser notado facilmente em nosso cotidiano, como a exigência que os comerciais de cigarros, bebidas alcoólicas e agrotóxicos advirtam os consumidores quanto aos malefícios do uso destes produtos. São “máximas” desse direito a vedação à publicidade enganosa ou abusiva.
Finalmente, o direito fundamental a receber informações dos órgãos públicos[8] é o direito atualmente conceituado como open government ou open file, consistindo, essencialmente, na liberdade de acesso aos documentos administrativos e do princípio da administração aberta, atribuindo, assim, aos cidadãos, o direito de ser informado sobre as políticas e a atuação do Estado-administração (Maria Eduarda GONÇALVES, p. 72, 1994 apud FARIAS, 2004, p. 72).
Nesse sentido:
O âmbito de proteção do direito fundamental de acesso à informação varia conforme se trate de fonte pública ou privada. No primeiro caso, o acesso desimpedido a fonte pública ou privada. No primeiro caso, o acesso desimpedido às fontes públicas é a regra, salvo para as informações que comprometam direitos personalíssimos (CF, art. 5º, X) ou a segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII), porquanto no regime republicano e democrático impera o princípio da publicidade ou visibilidade dos negócios públicos (art. 37). No caso de a informação originar-se de pessoas ou de instituições privadas, o acesso será mais restringido em consequência do predomínio do princípio da privacidade no âmbito da esfera privada dos cidadãos.(FARIAS, 2004, p. 166).
Conclui-se, assim, vigorar sobre as informações pertencentes à esfera pública o princípio da publicidade, salvo os casos que – de alguma forma – possam comprometer os direitos personalíssimos ou a segurança da sociedade. Já em se tratando de informações de fontes privadas, predomina o princípio da privacidade.
O conceito de direito fundamental a receber informações dos órgãos públicos pode ainda ser elastecido, abrangendo não apenas as informações de interesse geral, como também as de interesse pessoal, próprio, de um determinado indivíduo, como o direito a receber certidões em repartições públicas para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, o direito a conhecer informações que lhes dizem respeito constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e o consequente direito de retificação de dados (art. 5º, XXXIV, b e LXXII, CF/88).
Da análise do conceito desse direito, fica simples aferir quem são seus sujeitos: no pólo ativo, figuram todos os indivíduos (brasileiros e estrangeiros aqui situados), sem qualquer distinção, considerando-se ainda os indivíduos coletivamente considerados e as pessoas jurídicas, já no pólo passivo, encontra-se o Estado – amplamente considerado: instituições e órgãos.
Assim:
São sujeitos ativos do direito à publicidade dos atos e fatos dos poderes públicos todos os cidadãos brasileiros, inclusive aqueles que no exercício profissional necessitem de informações governamentais.
Os sujeitos passivos são constituídos por todos os órgãos e entidades integrantes da estrutura político-administrativa da União, dos Estados Federados, do Distrito Federal e dos Municípios. (FERREIRA, 1997, p. 261).
Perceba que o referido autor, ao tratar dos sujeitos ativos, acaba por limitar muito, restringindo aos cidadãos brasileiros. Nada justifica, no entanto, não possuir as pessoas jurídicas, sindicatos e estrangeiros, por exemplo, esse direito fundamental. Essa compreensão ficará mais fácil quando for explicitado o objeto, conteúdo, dessas informações.
Ainda em se tratando dos sujeitos ativos, Farias (2004, p. 89) faz interessante observação, afirmando embora estarem todos os cidadãos garantidos por esse direito, ser este condição essencial para que aqueles que lidam com a informação de maneira permanente e profissional possam bem desempenhar seu ofício.
Ao se fazer comparativo com os demais “desdobramentos”, percebe-se que, por serem todos oriundos do direito fundamental de informação, todos possuem os mesmos titulares: as pessoas como um todo, englobando não só os brasileiros, como também os estrangeiros que estão em território brasileiro e, ainda, as pessoas coletivamente consideradas. Tais direitos, no entanto, se diferenciam quanto ao sujeito passivo, podendo ser estes: qualquer pessoa física ou jurídica que detenha uma informação de interesse coletivo ou geral, sendo direcionado, principalmente, aos meios de comunicação social ou os responsáveis pela elaboração de publicidade enganosa/ abusiva, bem como aqueles que veiculam tais “propagandas”, correspondendo, respectivamente, aos sujeitos passivo do direito fundamental a receber informações dos meios de comunicação em massa e do direito a receber informação publicitária adequada.
Podem ser suscitados alguns levantamentos no sentido de restringir o sujeito ativo do direito fundamental a receber informação publicitária adequada aos consumidores. Entretanto, tal limitação seria, no mínimo, equivocada e redundante. Inicialmente, faz-se mister ressaltar serem todos os indivíduos potenciais consumidores de, irrestritamente, todos os produtos oferecidos no mercado. Não condiz ainda com a finalidade da publicidade direcioná-la apenas a aqueles que já consomem determinados produtos, pois, mais do que reafirmar, objetiva esta captar novos adeptos. Por fim, o que se tem hoje é um verdadeiro “bombardeio” de publicidade. Através de comerciais na televisão, anúncios em revistas/ jornais e outdoors, não é dada a opção aos indivíduos de escolherem quais publicidades desejam ver, estando estes submetidos a toda e qualquer forma de propaganda.
Por fim, no que diz respeito ao direito fundamental de receber informações dos órgãos públicos, cabe ainda uma última observação.
Observe-se que, como já se foi dito, o presente trabalho cuida – precipuamente – do direito de se informar e do direito de ser informado. No entanto, o termo “direito fundamental de receber informações dos órgãos públicos” acaba por ater-se unicamente à ideia de direito de ser informado, entretanto, não dever ser excluído o direito dos indivíduos de, buscando o Estado, ter as informações solicitadas, o que corresponde, justamente, ao direito de se informar. Em ambos, os sujeitos ativos e passivos são iguais, a diferença está na postura adotada por cada um desses sujeitos no exercício desse direito/dever. Em se tratando de direito fundamental de se informar, há uma postura ativa do sujeito ativo, ou seja, o cidadão, buscando, espontaneamente, informações junto aos órgãos públicos, cabendo a este uma postura abstencionista – de maneira a não opor empecilhos ao exercício desse direito – e uma postura ativa – propiciando as condições básicas para que esses indivíduos possam bem desempenhar tal direito. Em contrapartida, no que diz respeito ao direito fundamental de ser informado, há uma postura mais passiva/ “apática” do sujeito ativo, que espera do sujeito passivo, o Estado, uma ação, qual seja: informar-lhe.
Ressalve-se que essa ação do Estado de prestar informações deve ser feita de maneira razoável. Assim, não basta que este ente forneça informações de maneira desmedida, sem organização ou utilidade alguma, confundindo os titulares desse direito fundamental. É preciso que o Estado forneça as informações de maneira oportuna e clara, visando atender, primordialmente, as exigências dos indivíduos[9]. O tópico seguinte além de determinar o objeto do direito fundamental de receber informações dos órgãos públicos, cuida, justamente, dos atributos dessas informações para que, de fato, seja esse direito fundamental efetivado.
1.2.3.2. OBJETOS MEDIATOS E OBJETOS IMEDIATOS
São objetos mediatos do direito fundamental a receber (buscar) informações dos órgãos públicos: informações de interesse particular e informações de interesse coletivo/ geral, concretizadas em documentos, certidões, atos e fatos das pessoas políticas, de seus poderes, órgãos e entidades.
Os objetos imediatos são os instrumentos através dos quais os titulares desses direitos fundamentais podem efetivá-los, bem como a forma como o Estado irá prestá-los. Assim, poderão esses indivíduos – também estando compreendidos nesse termo os indivíduos coletivamente considerados – buscar essas informações (objetos mediatos) e, sendo-lhes turbado esse acesso, ingressar com ação própria – mandando de segurança e habeas data, por exemplo. Por outro lado, é objeto imediato da atividade estatal o próprio ato de comunicar e permitir o acesso às informações.
Não é objetivo do presente trabalho os aspectos processuais desse direito fundamental, razão pela qual não será aprofundado o estudo dos objetos imediatos desse direito, mas tão somente dos objetos mediatos.
Conforme o concluído ao final do tópico anterior, para que, de fato, seja efetivado esse direito fundamental e respeitado, assim, o princípio da publicidade próprio das informações oriundas de fontes públicas, essas informações (objetos mediatos) devem cumprir uma série de requisitos.
Nas palavras de Aluízio Ferreira (1997, p. 255): “Não obstante, não basta fazer divulgar para que se considere obedecido o princípio da publicidade; é indispensável que a comunicação se faça com a validade e oportunidade necessárias.”
Por oportunidade deve-se entender “momento próprio”, correspondendo, mais precisamente, à informação atualizada.
Como já foi por diversas vezes repetido nesse trabalho – e será melhor enfatizado a seguir - é a informação elemento indispensável à Democracia, vez que, através dessa “ferramenta”, a população toma conhecimento dos atos e fatos de um governo e, conforme sejam estas informações, posiciona-se um jeito ou de outro.
Uma informação prestada a destempo equivale a subtrair ao cidadão a possibilidade de posicionar-se politicamente e influir na decisão visando ao melhor atendimento do interesse próprio ou da coletividade. Por outro lado, é sempre possível ao agente público mal intencionado protelar a edição do órgão ou veículo oficial de comunicação para, por exemplo, publicar com data atrasada ato há muito praticado, e assim imoral ou criminosamente validá-lo, ou obter vantagem indevida. (FERREIRA, 1997, pp. 255 e 256).
O requisito “validade”, por sua vez, subdivide-se em: “a) ser proveniente da autoridade ou agente público competente para prestá-la e b) ser o mais clara e completa possível” (FERREIRA, 1997, p. 256). Dos atributos “clara e completa”, deve-se pressupor a indicação de alguns elementos mínimos: “1) o interessado no ato ou fato do Poder Público; 2) o objeto ou o assunto, inclusive o custo ou preço envolvido, se for o caso; e 3) a conclusão, com a decisão final da autoridade responsável” (FERREIRA, 1997, p. 256).
Em suma, o que interessa para o presente trabalho é que sejam essas informações prestadas não apenas para cumprir uma formalidade, mas de maneira que possa, efetivamente, desempenhar o seu papel de instrumento conscientizador da sociedade.
Assim, tendo essas informações como destinatários todos os cidadãos, irrestritamente, deverão ser oferecidas de maneira clara, inteligível, preocupando-se ainda o Estado em suprir eventuais carências interpretativas da população. Não são informações direcionadas apenas a especialistas ou aos mais abastados culturalmente, mas ao público em geral.
Não obstante, deverão ainda essas informações ser completas. Aqui, retoma-se a idéia de Estado comunicante e Estado comunicador. Não deve o Estado ater-se a detalhes ínfimos, cansando a população e fazendo com que esta desista de buscá-las. Cabe a este ter o discernimento de selecionar quais informações são úteis/ necessárias e, dentre estas, quais detalhes são úteis/ necessários.
Percebe-se, por fim, ser os dois requisitos aqui listados complementares, não bastando um ou apenas o outro, mas sendo ambos indispensáveis para que a informação consiga atingir seu objetivo final.
É possível deduzir, das considerações já alinhavadas, que o cidadão tem direito fundamental a uma informação de qualidade e não a qualquer informação, ou seja, uma informação que seja correta e verdadeira, produzida com cautela e honestidade, bem como pluralista, porquanto proveniente do livre acesso às diversas fontes. (FARIAS, 2004, p. 90).
Há, assim, um direito dos titulares do direito fundamental a receber (buscar) informações dos órgãos públicos de que essas informações sejam válidas e oportunas, o que pressupõe um dever do Estado em comunicar de uma maneira válida e oportuna.
As razões de ser desses requisitos é viabilizar a “democracia participativa” que diz o Estado brasileiro adotar sem, entretanto, munir a população das ferramentas indispensáveis ao exercício devido desta, conforme será demonstrado a seguir.
1.3. DIREITO À INFORMAÇÃO E DEMOCRACIA
Após apresentado os sujeitos e objetos do direito à informação no aspecto em que é abordada no presente trabalho, pode-se conceituar esse direito como o “direito a buscar/ receber informações do Estado”.
Esse direito, no entanto, não se resume a si mesmo, sendo meio para a concretização de um fim maior: o fortalecimento das instituições democráticas pelo exercício da cidadania.
Conjugando essa idéia com as de A. Maslow em Barreto (1994, p. 6 apud FERREIRA, 1997, p. 79), seria as informações no sentido aqui estudadas correspondentes a uma quarta necessidade.
Para os dados autores, haveria três tipos de informações: informação utilitária, informação contextual e informação seletiva. Cada uma correspondendo a uma necessidade, respectivamente: necessidades básicas, necessidade de participação e necessidade de auto-realização.
As informações utilitárias resolveriam as necessidades básicas de cada indivíduo, como alimentação e vestuário. As informações contextuais permitiriam ao indivíduo participar da comunidade e, por fim, as informações seletivas são mais avançadas, cumprindo as necessidades de auto-realização (reflexão, criatividade e realização profissional, por exemplo).
Poder-se-ia, equivocadamente, alocar as informações no sentido aqui estudadas na segunda classe, qual seja, “informação contextual”. De fato, são informações que pressupõe um contexto e visam a participação dos indivíduos, entretanto, não buscam apenas situar esses como membros de um corpo social, mas possuem um fim bem mais forte e mais profundo, para tais informações, não basta que os indivíduos se satisfaçam e se encontrem no contexto social, é indispensável que este conscientize-se que, como membro de um Estado Democrático de Direito, deve portar-se de formar participativa, interventiva, de tal maneira que dessas informações são exigidas clareza, completude e atualidade, pois a falta de qualquer um desses requisitos esfacelaria as chances de serem satisfeitas as necessidades correspondentes.
A ocorrência – e mesmo a consciência da possibilidade – do fato, ato ou decisão limitativa das necessidades e interesses individuais ou sociais implica, por seu turno, uma supra-necessidade, uma necessidade de outro nível: a necessidade inarredável, numa sociedade livre e sadia, de as pessoas saberem o que está acontecendo, vai ou pode acontecer em sua existência e inter-relações, a fim de se posicionarem ou agirem – a necessidade de conhecimento e informação. Esta deve ser adequada e oportunamente provida pelo Estado ou por particulares – qualquer deles para tanto organizando-se -, tendo em vista o atendimento dos interesses e a satisfação das necessidades individuais e sociais. (FERREIRA, 1997, p. 97).
Há, assim, uma supra-necessidade: a necessidade da população saber o que se passa no contexto geral para que possa se posicionar/ agir.
Não raro, atrela-se à idéia de democracia o poder-dever de voto conferido a todos os cidadãos, entretanto, o voto sem informação é como uma arma sem munição: não consegue atingir o fim almejado.
É comum que os detentores do poder alardeiem existir uma democracia forte e consolidada por ser o voto secreto e universal, entretanto, esse perde todo o seu poder ao deixar de ser repassadas aos seus detentores informações essências ou ao serem estas transmitidas de maneira deturpada.
Sendo ambos – voto e informação – elementos indissociáveis e indispensáveis à democracia, não basta que a um seja dado valor igual para todo o corpo social, é necessário que se haja uma completa paridade de armas. Assim, não basta que o voto do pobre valha tanto quanto o voto do rico, nem tão pouco que o voto dos que apóiam o governo valha o mesmo que os dos que se opõem, é indispensável que todos – irrestritamente – disponham das mesmas informações. Deve haver, dessa maneira, uma igualdade de condições cognitivas.
Aluízio Ferreira (1997, p. 87), brilhantemente, prevê essa oportunidade isonômica de informações como condição sine qua non para uma convivência democrática plena, indo além da indispensabilidade para o voto consciente e focando em outro ponto: o debate.
O pressuposto primeiro de uma convivência democrática plena é, portanto, a presença de oportunidade informacionais isonômicas. Democracia requer e implica discussão, negociação, oposições e embates de idéias. (...).
Instrumentos ou armas inadequadas, quantitativa ou qualitativamente inferiores ou ineficientemente empregadas são sinal de parte em desvantagem, prenúncio de insucesso ou derrota para a parte que delas faz uso. Por outro lado, a parte que se vale de mais ou melhores armas ou instrumentos pode antecipadamente considerar-se vencedora.
É inegável ainda ser a informação elemento essencial à liberdade. Não se tem aqui uma liberdade física, material, mas uma liberdade de pensamento, de escolha e de opiniões. Quanto mais informações a sociedade tiver, mais liberdade de escolha terá. Em sentido oposto, a falta de informações implica em extrema dependência às poucas informações repassadas, restringindo em muito a liberdade e capacidade de atuação dos cidadãos, comprometendo também o exercício democrático de seus direitos.
Diante dessa indispensabilidade à Democracia participativa como um todo, não se pode atribuir à ação do Estado prestar informações facultatividade, mas verdadeira obrigatoriedade, caracterizando, inclusive, um serviço público. E de utilidade pública.
E mais, já na década de setenta, Xifra – Heras (1975, p. 289) sinalizava para a exigência de que o Estado, cada vez mais, apenas tomasse decisões extremamente importantes - e essa atuação só se consolida nos dias atuais. A cada indivíduo, assim, era (e continua sendo) atribuída uma diversidade de “micro decisões” que controlariam (e controlam) as “macro decisões” do Estado.
São, assim, as informações de grande relevância para o pleno exercício dos direitos sociais e individuais e para o bem-estar de uma sociedade fraterna. O não recebimento daquelas, impede que o cidadão exerça com dignidade sua cidadania e soberania popular (FARIAS, 2004, p.169).
Em resumo, as informações prestadas pelo Estado são, juntamente com o voto, condições de legitimidade político-administrativa. Ademais, informação é sinônimo de participação e satisfação. Uma sociedade que participa mais é uma sociedade mais satisfeita e evoluída, tanto por se sentir parte de um corpo social, quanto por possuir meios efetivos para suprir suas necessidades e garantir seus interesses. Não existe democracia desvinculada de informações atuais, completas, claras e – obviamente – verdadeiras.
II. A SEGURANÇA NACIONAL COMO LIMITE AO DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO: ASPECTOS OBJETIVO E SUBJETIVO
2.1. LINHAS GERAIS
O termo “Segurança Nacional”, como já dito na introdução, é um termo genérico, aberto, necessitando que lhe seja atribuído significados.
A urgência de que lhe seja “conceituado” aumenta por ser tal termo limitador de um dos direitos fundamentais por qual houvera mais conflitos ao longo da história: o direito à informação, conforme o demonstrado no capítulo anterior.
O direito fundamental à informação sofre restrições, em linhas superficiais, por dois motivos básicos: a defesa da intimidade/privacidade do indivíduo e a garantia da segurança da sociedade e do Estado.
O presente trabalho ocupa-se em tratar da relação entre Direito à Informação e Segurança Nacional.
Tal restrição encontra-se expressamente prevista no art. 5º, XXXIII da Constituição Federal, assim:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
Ademais, a própria “Lei de Acesso à Informação”, Lei nº 12.527/2011, anuncia a existência de informações sigilosas, conceituando-as, no artigo 4º, III, como “aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado”. A limitação por motivo de segurança continua sendo “lembrada” durante todo texto legal, havendo, inclusive, uma preocupação em enumerar os riscos que a divulgação de tais informações poderiam gerar, bem como a “graduação” dessas em ultrassecretas, secretas e reservadas, conforme classificação feita por autoridades federais em respeito à competência que lhes foi atribuída pela supra citada lei.
É sabido, como já demonstrado, que inexiste direito fundamental absoluto, sendo plenamente constitucional a restrição do direito à informação. Entretanto, sabe-se também do grande valor que carregam os direitos fundamentais, sendo sua mitigação exceção. Assim, os limites impostos a tais direitos devem ser, ao máximo, “delimitados” de modo a combater arbitrariedades.
Não tendo o legislador constituinte originário se preocupado em conceituar o termo “Segurança Nacional”, coube ao legislador originário “recheá-lo”.
Ao longo da história do Brasil, tivemos sete “leis” de Segurança Nacional, datando a primeira de todas de 1938, Lei nº 38/35; em seguida tivemos a Lei nº 1.802/53, Decreto-Lei 314/67, Decreto-Lei nº 510/69, Decreto-Lei 898/69, Lei nº 6.620/78 e, finalmente, a Lei nº 7.170/83, vigente nos dias atuais.
De modo a facilitar a compreensão do que seria “Segurança Nacional”, serão, no tópico seguinte, analisado o contexto histórico de criação e termos das “leis” de Segurança Nacional que vigeram no nosso país, quais sejam, a Lei nº 38/35, por ser a primeira Lei de Segurança Nacional, os Decreto-Lei 314/67, Decreto-Lei nº 510/69, Decreto-Lei 898/69 e Lei nº 6.620/78, vigentes durante o período de Ditadura Militar, período crucial de mitigação de vários direitos, dentre os quais, o direito à informação e a Lei nº 7.170/83, por ser a que vige nos dias atuais.
Analisado o aspecto objetivo do termo segurança nacional e compreendendo-se, assim, o que seria esse limite imposto ao direito fundamental à informação, passa-se a questionar o aspecto subjetivo da classificação de determinadas informações como sigilosas, discutindo-se a legitimidade democrática desse processo classificatório com enfoque nas autoridades envolvidas.
A seguir, passa-se a delimitação do termo segurança nacional, aspecto objetivo ou material da presente discussão.
2.2. ASPECTO OBJETIVO OU MATERIAL: O SIGNIFICADO DE SEGURANÇA NACIONAL
2.2.1. A PRIMEIRA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL: “LEI MONSTRO”
2.2.1.1. BREVE RESUMO HISTÓRICO
A compreensão da primeira Lei de Segurança Nacional, Lei nº 38/35, está muito mais relacionada ao contexto histórico-político vigente à época do que à análise de seus dispositivos, de modo que, aqui, serão apresentadas as manifestações sociais e políticas que desencadearam na elaboração da conhecida “Lei Monstro”. Antes disso, no entanto, será feito breve resumo introdutório do governo Vargas.
Com a destituição do presidente da república pela Revolução de 1930 e o impedimento da posse do presidente eleito, Júlio Prestes, a República Velha chegou ao fim, dando início ao governo provisório de Getúlio Vargas.
O início do governo Vargas foi conturbado, culminando no fechamento de todos os órgãos do governo e na revogação da Constituição de 1891, ainda vigente à época. Após anos sem uma constituição, eclodem as primeiras revoltas em prol da constitucionalização do país, tendo como marco a “Revolução Constitucionalista de 1932”.
Após várias manobras políticas, como a criação do Código Eleitoral, finalmente, foram convocadas eleições para a formação da Assembleia Constituinte, sendo – por fim – elaborada a Constituição de 1934.
Apesar de o governo provisório compreender apenas o período de 1930 a 1934, Getúlio Vargas se manteve no poder ao ser eleito presidente indiretamente pelos membros da Assembléia Constituinte, conforme o previsto pela nova Constituição brasileira à época.
Ocorre que, nem mesmo a promulgação da Constituição foi suficiente para mudar a atmosfera de instabilidade social e política que tomava conta da população brasileira desde a instituição do governo provisório, fazendo com que surgissem dois grupos conflitantes, a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a Aliança Integralista Brasileira (IBA), o que acarretou na elaboração da primeira Lei de Segurança Nacional, Lei nº 38/35, e criação do Tribunal de Segurança Nacional em 1936.
Getúlio Vargas permanece no poder, constitucionalmente, até 1937, quando, por meio de um novo golpe de Estado e imposição de uma Constituição ditatorial ao país, institui o Estado Novo, só tendo fim com o golpe militar de 1945.
Isso posto, percebe-se que, para que se possa discutir a necessidade de elaboração da Lei nº 38/35, é essencial se debruçar sobre a citada atmosfera de instabilidade, auferindo suas causas e consequências, sendo esse o objeto do próximo item.
2.2.1.2. LEI Nº 38/35: CRIAÇÃO E EFEITOS
Diversos fatos culminaram na criação da primeira Lei de Segurança Nacional, entretanto, é inegável ter sido a fundação da Aliança Nacional Libertadora um dos principais motivos.
A Aliança Nacional Libertadora (ANL), lançada publicamente em 30 de março de 1935, lutava contra a miséria, o latifúndio, o imperialismo e o fascismo (NETO, 2006), representando uma afronta ao governo Vargas, como bem demonstra o manifesto “Pela Libertação Nacional do Povo Brasileiro”, lido pelo deputado Gilberto Gabeira no dia 17 de janeiro de 1935 no plenário da Câmara dos Deputados (NETO, 2006):
Cresce a indignação do povo contra a escravidão econômica e política em que se encontra o Brasil. Estalam as algemas que prendem as forças produtivas e as energias nacionais do Povo brasileiro; o imperialismo e o latifúndio. (...) O passado histórico do Brasil é cheio de lutas revolucionárias pelas liberdades democráticas. Aqueles que, aproveitando-se do prestígio dos elementos sacrificados na luta pela democracia usurparam o poder, nunca realizaram o sonho pelo qual tanto se tem batido o Povo brasileiro. (...) Os que assinam esse manifesto, representantes de organizações proletárias, camponeses e populares, intelectuais, estudantes, advogados, médicos, engenheiros, militares, das mais diversas tendências políticas e ideológicas, brasileiros de todos os recantos do Brasil, propõem-se a coordenar os múltiplos núcleos de lutadores anti-imperialistas em todo o País. (DPL, 18 de janeiro de 1935, p. 388-389 apud NETO, 2006)
Conforme o já exposto no item anterior, o governo Vargas iniciou-se após uma Revolução, corporificando os anseios por mudança da população da época. Entretanto, o governo mais se afastou do que colaborou com a consolidação da democracia, propagando miséria e desigualdades, o que fez com que a população se unisse em busca dos velhos ideais.
Em pólo oposto, encontrava-se a Aliança Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado e lançada em 1932 através do “Manifesto de Outubro”, que instituiu intensa pregação nacionalista e patriótica contra o colonialismo e o comunismo e desferiu violentos ataques ao liberalismo burguês e ao socialismo (NETO, 2006).
Apesar de contrários, esquerda e direita representavam uma ameaça ao Estado Liberal, tornando instável o quadro político.
Esse fortalecimento da oposição fez com que o governo pressionasse o Parlamento para elaboração da proposta de lei que listava os crimes contra a ordem política e social, adotando medidas autoritárias:
O governo aproveita-se da situação para pressionar o Parlamento a adotar medidas autoritárias. Em meio ao clima de radicalização política e de agravamento das tensões sociais, no dia 26 de janeiro de 1935, é lido no plenário da Câmara dos Deputados proposta de lei que “define crimes contra a ordem política e social, denominada “Lei de Segurança Nacional”, da lavra do ministro da Justiça, Vicente Rao, e subscrito por cento e quinze parlamentares. É numerado como Projeto de Lei nº 78, de 135, que depois do substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça transforma-se no Projeto de Lei nº 128, 11 de fevereiro de 1935, com tramitação em regime de urgência. (NETO, 2006)
Do trecho aposto acima, três aspectos se destacam: as circunstâncias nas quais foi elaborado o primeiro Projeto de Lei de Segurança Nacional, Projeto de Lei n º 78; a necessidade de ser elaborado um substituto pela Comissão de Constituição e Justiça, Projeto de Lei nº 128, diante das atrocidades que trazia o projeto inicial; e, por fim, o apoio de 115 (cento e quinze) parlamentares, que, conforme se concluiu tempos depois, assinaram sem ter conhecimento do real conteúdo da lei (DPL, 13 de fevereiro de 1935, p. 957-958 apud NETO, 2006).
A seguir, esses aspectos serão detalhados, bem como levantados outros.
Inicialmente, faz-se mister ressaltar o desvirtuamento sob o qual foi instituída a primeira Lei de Segurança Nacional.
Sob o pretexto de proteger o Estado, o Projeto de Lei nº 78[10] acobertava uma única forma de Estado: o Governo Vargas; mesmo que tal manobra comprometesse a ordem política e social, direito que, distorcidamente, dizia proteger.
Interessante e até paradoxal que o Governo querendo reprimir o extremismo e resguardar a liberal-democracia se apóie na doutrina consagrada pelos próprios regimes extremistas.
(...) O projeto tem disposições tremendas, subversivas da nossa tradição jurídica, e do nosso respeito à liberdade individual. É um projeto fascista. Por ele, seremos arrastados a novos sofrimentos, iguais ou piores aos já suportados, em um período tenebroso do regime constitucional brasileiro. (...) Esse projeto é um atentado contra a própria segurança nacional, é um golpe de montante desferido no centro vital do regime constitucional brasileiro. (DPL, 29 de janeiro de 1935, p. 660-662 apud NETO, 2006)
Nesse diapasão, o próprio presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Abrahão Ribeiro, critica o projeto de lei, conforme lê o Deputado Domingos Neto de Velasco (GO – RS) no jornal “O Diário da Noite”:
Encarado sob o aspecto jurídico, o projeto constitui uma verdadeira monstruosidade, na vulgar expressão forense. (...) Apresenta a lei ainda um grande perigo para as liberdades públicas, que é o seguinte: ao mesmo passo que qualifica crimes ‘os atos inequivocamente preparatórios’ (sem definir o que seja essa novidade no nosso Direito Penal), determina, etc. (...) O delito criado pelo art.2º é o do ato preparatório de ameaça, coisa vaga, indefinida e absurda, que não conheço em direito penal. (DPL, 01 de fevereiro de 1935, p. 660-662 apud NETO, 2006)
Por essa imprecisão quanto à qualificação de certos delitos e por o Projeto de Lei nº 78, no seu conjunto, “chocar flagrantemente com o espírito da Constituição”, a Comissão de Constituição e Justiça – após declaração preliminar do relator Deputado Henrique Smith Bayma no sentido de ser o estatuto antiextremista “uma obra de indispensável patriotismo, devendo apenas ser realizado pequenas mudanças no projeto” – concluiu pela necessidade de elaboração de um substitutivo, sendo elaborado o Projeto de Lei nº 128 (NETO, 2006).
Ocorre que esse substitutivo conservou a essência do projeto original, cuidando somente de diminuir as penas estabelecidas e de detalhar com mais segurança os crimes previstos, tendo como única inovação a instituição de penas para as autoridades que excedessem suas funções.
Não obstante, inúmeros outros direitos continuaram sendo comprometidos, como os listados pelo Deputado Zoroastro em discurso aplaudido por diversos parlamentares:
O projeto de segurança nacional golpeia a liberdade de reunião, a livre organização dos partidos políticos, condena a existência de todo partido que possa se organizar para a propaganda de idéias como subversivas. Uma vez que o Partido Socialista ou outro qualquer do proletariado ou mesmo da burguesia, seja capitulado pela polícia com tal, sujeito à intervenção inicial desta, poderá ser, nas vésperas da eleição, afastado da competição, além disso, seus membros perderão direitos políticos, porque estes se suspendem por via de uma condenação injusta e até que o recurso venha, quando draconiamente se nega ação suspensiva ao recursos, evidentemente estará sacrificada a liberdade partidária do país.(NETO, 2006)
Em 29 de março de 1935, a redação final do projeto de lei foi aprovada por 116 (cento e dezesseis) votos de um total de 142 (cento e quarenta e dois) votantes. Apesar da imensa discrepância numérica, apenas 26 (vinte e seis) parlamentares votaram contra, e do baixo quórum, cerca de 39,37% (trinta e nove ponto trinta e sete por cento), o processo legislativo foi intenso, com ávida participação da minoria (NETO, 2006).
Ao contrário do que objetivava, a edição da Lei nº 38/35, “Lei da Segurança Nacional”, não foi suficiente para pôr fim à atmosfera de incertezas e instabilidades que rodeava o Brasil na época. Em contrapartida, a conhecida por “Lei Monstro” ou, nas palavras de Casimiro Pedro da Silva Neto (2006), “lei de insegurança pessoal”, acobertou uma série de golpes, desferidos por Vargas contra a democracia e ordem social.
O primeiro deles foi o fechamento da Aliança Nacional Libertadora, posta na ilegalidade por meio do Decreto nº 229, que determinou o fechamento, em todo o território nacional, dos seus grupos de organização. Tal manobra fez com que eclodisse uma revolta no país, patrocinada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a denominado “Intentona Comunista de 35”. O movimento, rapidamente derrotado, serviu de pretexto para o endurecimento do regime (NETO, 2006).
Visando reprimir ainda mais a população, Vargas, com o apoio de dois terço dos parlamentares, decreta o Estado de Sítio em todo o território nacional, seguido por uma série de medidas excepcionais, acompanhadas de muitas prisões e marcada pelo enfraquecimento dos próprios congressistas. Como inimigos do regime, estavam os próprios brasileiros:
Com a implantação das medidas aprovadas pelo Congresso Nacional, tem início a construção do aparelho repressivo do Estado na esteira da chamada “ideologia da segurança nacional”, que começou a receber tratamento específico nos textos da Carta de 16 de julho de 1934 – artigos 159 a 161 (Da Segurança Nacional). Os inimigos dessa segurança eram os próprios habitantes do nosso País. Tanto isso é verdade que, no dia 14 de dezembro de 1935, logo após a chamada Intentona Comunista, ocorrida no final do mês de novembro, o texto da lei de segurança nacional foi “aperfeiçoado”, votado pelo Parlamento e sancionado pelo presidente da República, tornando-se mais rigoroso e detalhado, visando a inibir movimentos partidários e ideológicos, principalmente a atuação de grupos de esquerda. (NETO, 2006).
No mesmo sentido, Pinheiro (1991, pp. 322-323, apud NETO, 2006):
Durante a repressão desencadeada após a revolta de 1935, foram presas cerca de 6 (seis) mil pessoas. Segundo o relatório do chefe de polícia, 27 de novembro de 1935 a 31 de maio de 1936, foram detidas no Distrito Federal 7.056 pessoas – civis e militares (inclusive aquelas transferidas de outros Estados pelas autoridades militares); no mesmo período, foram postas em liberdade 6.052 pessoas – em média, 333 indivíduos por mês, ou onze por dia. (...). As prisões receberam jornalistas, advogados, médicos e estudantes, refletindo a composição da ANL. A Casa de Detenção ficou tão cheia que foi preciso transformar em prisão um navio Lioyd Brasileiro, o Pedro I.
Nesse contexto, é instituído, através da Lei nº 244/1936, o Tribunal de Segurança Nacional, verdadeiro tribunal de exceção. Esse órgão da Justiça Militar funcionava durante o Estado de Guerra e era submisso, ainda, ao Poder Executivo, vez que cabia ao presidente da República escolher os seus juízes, bem como o procurador que atuaria junto ao Tribunal, o que fez com que, tal como aconteceu com o legislativo, fosse o poder judiciário enfraquecido.
O último golpe desferido por Vargas, dessa vez fatal à democracia, se inicia em 30 de setembro de 1937, com a apresentação do suposto “Plano Cohen”, logo após o fim do “interminável” [11] Estado de Guerra e às vésperas da eleição para presidência. Sob o argumento da descoberta de um plano comunista que tomaria o poder violentamente, é declarado, mais uma vez, o Estado de Guerra, prejudicando as eleições e abrindo caminho para um novo golpe de estado, sendo implantado, em novembro de 1937, o Estado Novo, acompanhado da outorga de uma nova Constituição, dissolução do Congresso Nacional, bem como dos partidos políticos, fechamento da Ação Integralista Brasileira e concessão de jurisdição especial autônoma ao Tribunal da Segurança Nacional (NETO, 2006).
Segundo o Governo Vargas, tratava o referido “plano” de uma manobra comunista para tomada do poder, devendo, por tanto, ser autorizada pelo Congresso Nacional a decretação pelo Governo do estado de guerra. O que está por trás desse plano é, na verdade, a busca insaciável de Vargas e dos militares em se manter no governo, precisando, para tanto, preparar o Estado para o golpe, até então dificultado pela justa recusa do Congresso Nacional em renovar, depois de seguidas vezes, o estado de exceção, bem como a proximidade das eleições para presidência.
Não havia, assim, qualquer indício que justificasse medida tão drástica. Nesse sentido, pronunciou-se o Deputado Waldemar Ferreira, ao votar contra a concessão de autorização pelo Congresso Nacional à decretação do Estado de Guerra:
Não se verifica ainda a demonstração da existência de qualquer ato ou fato que caracterize a comoção intestina, capaz de ser equiparada ao estado de guerra. Não existem elementos de convicção bastante. (...) É uma ditadura militar que se anuncia, é a própria ditadura do Sr. Presidente da República que se pretende. A verdade é que, por fatos de várias naturezas, ela está patente em todos os espíritos, e ainda não foi demonstrada tese contrária.
(...) Sabem-se quais são os arautos; andam eles aqui, pelos corredores da Câmara, assegurando ao País que não haverá eleições em 3 de janeiro de 1938; andam eles ali afirmando que se fará de qualquer maneira, a prorrogação do mandato do Sr. Presidente da República.(DPL, 02.10.1936, p. 44.789 – 44.805 apud NETO, 2006).
O forjamento do “Plano Cohen” representa bem a ideologia do governo Vargas e, consequentemente, da própria Lei de Segurança Nacional. Sob o pretexto de manutenção da ordem e segurança da sociedade, um único interesse é protegido, o dos donos do poder, em detrimento a inúmeros direitos e liberdades discricionariamente violadas.
Diante da origem viciada da primeira Lei de Segurança Nacional, é inevitável não questionar a necessidade dessa e de suas substitutas ou, concluindo-se pela imprescindibilidade dessas, se não foram as leis supervenientemente criadas com esse fim contaminadas por aquela.
Tal como àquela época não via a população a necessidade de criação de pesada lei, bem como de ato ou fato que justificasse a decretação de estado de guerra, não se pode afirmar com toda a certeza a existência de ameaças atuais à Segurança Nacional que justifiquem o sigilo de determinadas informações.
Com objetivo de continuar tal análise, serão apresentados, em seguida, os decretos vigentes durante a Ditadura Militar, também editados sob o pretexto de proteção da Segurança Nacional mas, tal como a Lei Nº 38/35, fundamentais apenas à defesa dos interesses meramente pessoais dos seus presidentes. Após, discutir-se a respeito da Lei de Segurança Nacional vigente, vícios e necessidade.
2.2.2. O PERÍODO MILITAR, A “ORDEM” IMPOSTA: ATOS INSTITUCIONAIS, DECRETO-LEI 314/67, DECRETO-LEI Nº 510/69, DECRETO-LEI 898/69 E LEI Nº 6.620/78
Ao contrário da análise feita da Era Vargas, não se ocupará o presente trabalho em reservar espaço próprio ao contexto histórico do Brasil à época da Ditadura Militar, mas sim em abordar, diretamente, cada um dos decretos e lei referentes à Segurança Nacional publicado nesse período, vez que, seja por ter esse acontecido em um passado mais recente, seja pelos números de mortos e desaparecidos que “fez”, é, ainda, uma lembrança forte na memória brasileira.
Antes dessa “análise legislativa”, no entanto, faz-se mister ressaltar ter sido o Regime Militar uma consequência do processo de industrialização por qual passava o Brasil, fazendo surgir senhores tecnocratas e fomentando a ânsia por investimentos estrangeiros, exigentes de estabilidade político-econômica incompatível com as crises econômicas, greves e paralisações sindicais organizadas pelas classes populares insatisfeitas, fazendo com que se instalasse no Brasil o regime militar “temporário”. Ocorre que, diferente do prometido, durou o regime militar aproximadamente duas décadas, só retomando o governo aos civis em 1985 com José Sarney.
Assim, eram os sindicatos de trabalhadores, acompanhados dos estudantes e de “agrupamentos comunistas” os principais oponentes do governo militar, valendo-se esse de tortura, censura e outros meios anti-democráticos para impor uma “ordem” que grande parte dos brasileiros, acertadamente, discordava.
Isso posto, é fácil concluir ter sido a doutrina da Segurança Nacional a escolhida para nortear o regime militar. Como é sabido, iniciou-se esse período em 1964, entretanto, a noção de Segurança Nacional vem de muito antes, mais precisamente, de 1958, com a primeira edição do livro “Planejamento Estratégico” do coronel Golbery Couto e Silva[12].
Para Golbery, Segurança Nacional significava “a destruição de possíveis ameaças à rotina da sociedade, ao funcionamento do Estado e a vida dos governantes” (PIERANTI et al, 2007, p.35) ou, nas palavras de Marco Aurélio Vannucchi Leme de Matos:
Explicada de modo sucinto, a Doutrina da Segurança Nacional enfatizava a ameaça do ataque comunista indireto ao país. Segundo a doutrina, brasileiros aliados aos países comunistas (dentre os quais, estariam os agrupamentos guerrilheiros, como a ALN) procuravam desestabilizar o regime político, com a finalidade de tomarem o poder. Não se tratava, portanto, de combater o agressor externo, mas coibir a ação de daqueles que, dentro do país, conspiravam contra o governo e desejavam colocá-lo sob a influência da União Soviética, da China e de Cuba.
Fazia-se necessário, então, cuidar da segurança interna, o que nos faz entender a preocupação central do regime militar, desde seu início, em detectar, reprimir, julgar e, no limite, assassinar os cidadãos tidos como “subversivos”. (MATTOS, 2002, pp. 13-14).
Percebe-se, assim, a semelhança entre a justificativa “fática” que sustentava a doutrina da Segurança Nacional de Golbery e as razões da instituição do Estado Novo pós o forjado “Plano Cohen”.
Em ambos os casos, sob o argumento falho da existência de ameaças comunistas subversivas à ordem, mitigou-se a democracia, a liberdade e vários outros “direitos”, agravando-se esse quadro ainda mais durante o regime militar, momento no qual foi a dignidade humana preterida de diversas formas em diversas ocasiões.
Conforme se foi dito, era a “Doutrina da Segurança Nacional” a base doutrinária do governo militar, entretanto, sua aplicação legal só foi possível em razão do Ato Institucional nº 01 logo em 1964. Sob a égide da proteção nacional, foi o Executivo investido de um poder soberano, ao mesmo tempo em que Judiciário e Legislativo tiveram seus poderes duramente limitados, ferindo o “Princípio da Separação dos Poderes”, bem como impossibilitando qualquer possibilidade de freio ao Executivo.
Enquanto o Congresso Nacional teve seus poderes limitados através da suspensão temporária das garantias da imunidade parlamentar, possibilidade de cassação de mandatos legislativos federais, estaduais e municipais pelo Executivo e de suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão pelo período de dez anos, os juízes sofrerem com a suspensão das suas garantias de vitaliciedade e estabilidade por seis meses (MATTOS, 2002, p. 14).
Quanto a esse último poder, interessante destacar ter os militares buscado, inicialmente, não afrontá-lo, principalmente com relação ao Supremo Tribunal Federal; entretanto, diante da constância recorrência dos tribunais estaduais e da Corte Suprema à Constituição Federal de 1946 para resguardas as garantias individuais estabelecidas por essa, entendeu o regime militar pela necessidade de enfraquecer ainda mais o Poder Judiciário, instituindo, em 1965, o Ato Institucional nº 02.
Por esse Ato, “o julgamento de crimes políticos passou para a jurisdição da Justiça Militar e foram suspensas as garantias dos juízes de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade” (MATTOS, 2002, p. 17).
Acrescente-se ainda ter sido o número dos ministros do Supremo Tribunal Federal aumentado de 11 para 16 a fim de assegurar ao governo a maioria do tribunal, sendo, posteriormente, através do Ato Institucional nº 06, retornado ao número de 11, fazendo com que subsistisse apenas um ministro civil.
Não obstante, preocupou-se Castelo Branco, primeiro presidente do regime militar, em “constitucionalizar” a soberania do Poder Executivo, consagrando-a por meio da promulgação da Constituição de 1967 e da decretação da primeira Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 314/67), que incorporou os conceitos da Escola Superior de Guerra e ampliou o conceito de crime político. Assim, ao mesmo tempo que o Executivos se cercava de artifícios que lhe garantiam independência e autonomia, eram as garantias individuais anuladas.
Tal como fez com os direitos individuais, a promulgação da Constituição de 67 fez cair por terra a esperança de que seria o regime militar provisório, obstando o restabelecimento da Democracia.
Ainda que o presidente Castelo Branco prometesse constantemente o rápido restabelecimento dos processos político-representativos normais e das regras democráticas, tomou, no final de seu governo, duas medidas legislativas importantes, dando continuidade ao processo de centralização de poder no Executivo Federal e de aplicação das premissas da Doutrina de Segurança Nacional contra os adversários do regime.
A primeira delas foi a promulgação da Constituição de 1967, que mantinha a supremacia do Executivo sobre o Judiciário e o Legislativo e dava-lhe o direito de intervir em estados e municípios e de planejar e executar ações para garantir a segurança nacional. A segunda medida foi a decretação da primeira Lei de Segurança Nacional do regime militar (Decreto-Lei nº 314/67), que incorporou os conceitos doutrinários da ESG e ampliou o conceito de crime político. (MATTOS, 2002, p. 16)
Após a promulgação da Constituição e edição da primeira Lei de Segurança Nacional do Regime Militar, inúmeras outras medidas legislativas foram tomadas, fortalecendo ainda mais a Doutrina da Segurança Nacional.
O Ato Institucional nº 05 conferiu ao Poder Executivo inúmeros poderes, dentre os quais, o de fechar o Congresso Nacional, assembléias e câmaras, cassar mandatos, legislar por meio de decretos, além de suspender a garantia de “habeas corpus” no que tange aos crimes contra a segurança nacional.
Aproveitando-se do fechamento do Congresso Nacional, foi decretada, em março de 1969, uma nova Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 510/69), ainda mais rigorosa que a de 1967, da qual se destacava a “autorização para que os encarregados de inquéritos mantivessem presas por até trinta dias pessoas suspeitas de atentarem contra a segurança nacional”, ressalte-se que poderiam esses presos permanecerem estado de incomunicabilidade por até dez dias (MATTOS, 2002, p. 20).
Não obstante, meses depois, foi decretada lei ainda mais grave, Decreto-Lei nº 898/69, que instituía as penas de prisão perpétua e de morte para determinados crimes. Foi ainda a Constituição emendada, aumentando ainda mais os poderes do Executivo quanto à Segurança Nacional, mesmo que representasse uma afronta ao próprio exército[13].
O problema do termo Segurança Nacional, como já sinalizado no presente trabalho e reforçado por Pieranti (2007, p. 35), diz respeito à flexibilidade desse. Por ser, de certa maneira, “vago”, permite diferentes interpretações, cabendo aos governantes a decisão de como agir diante dos perigos que eles próprios reconheciam, colocando a segurança nacional acima dos direitos individuais e comportamentos privados.
O que se percebe em toda a primeira década do regime militar é um conceito de segurança nacional amoldado no sentido de “vilanizar” os próprios brasileiros, colocando-os em um pólo oposto ao do governo e à ordem e, por isso, perseguindo-os duramente através de decretos-leis e atos institucionais bastante rígidos.
Somente em 1974, quando somada às duras represálias constantemente sofridas, tiveram as classes trabalhadoras e médias que enfrentar grave crise econômica decorrente da crise mundial de petróleo, aumentando-lhes o descontentamento e revolta, viu-se o governo obrigado a buscar um novo fator que lhe legitimasse que não fosse, como demonstrado no início desse tópico, o bom funcionamento do sistema econômico brasileiro.
Foram os militares, assim, forçados a ver os cidadãos brasileiros como um “mal necessário”, precisando adotar estratégia que lhe garantisse a manutenção no poder sem comprometer a sua soberania.
No entanto, não se pode dizer que Geisel abriu mão da repressão às oposições. A coerção política fazia-se necessária, na medida em que o regime não queria correr o risco de ser destituído do poder e precisava demarcar às oposições os limites da atuação política a ser tolerada.
No final de seu governo, Geisel procurou fornecer sustentação legal à política de distensão, revogando os dispositivos legais mais draconianos destinados à coerção política. (MATTOS, 2002, p. 27).
Nesse contexto, foram diversos atos institucionais revogados, bem como aprovada uma nova Lei de Segurança Nacional, a Lei nº 6.620/78, que diminuía o tempo de prisão de alguns crimes, bem como suprimia as penas de morte e de prisão perpétua.
Essa política de “distensão” iniciada no governo de Geisel foi reforçada durante a presidência de Figueiredo - havendo sido, inclusive, promulgada a “Lei de Anistia” - até que, finalmente, houvesse a reabertura democrática.
Percebe-se assim que, por mais que fosse o Regime Militar munido da doutrina específica de Golbery sobre Segurança Nacional e por mais que fosse essa amplamente difundida entre os militares oriundos da Escola Nacional de Guerra, tal como na Era Vargas, não possuía esse termo um conceito determinado, o que gerava, na realidade, uma insegurança à sociedade diante das interpretações arbitrárias dos governantes.
Enquanto legitimado pelo “milagre econômico”, o regime militar tratou grande parte do cidadão brasileira de forma leviana, rotulando-os de ameaças à ordem como uma maneira de manipulá-los e eliminá-los conforme os interesses da ditadura. Diante da recessão e falha do modelo econômico brasileiro, no entanto, os militares tiveram que buscar o apoio da população, diminuindo o tratamento degradante que lhes conferia.
Entre esses dois momentos, não houve uma carta de redenção assinada em nome da nação, nem tão pouco bandeiras brancas postas às ruas, mas pessoas trajando luto e um crescente sentimento de revolta que, não raro, se concretizava em ofensas ao regime. Não havia, assim, motivo que justificasse, se seguida a linha de pensamento em prol da Segurança Nacional, a mudança de tratamento entre os primeiros decretos e a última Lei de Segurança Nacional do regime militar. Houve, sim, uma alteração de cunho econômico-político, que forçou os militares a conquistarem um pouco da simpatia da população para manterem-se no poder.
Há, claramente, um manuseio da interpretação dos termos segurança nacional, crimes e ameaças conforme os interesses dos grupos dominantes, o que suscita dúvidas quanto à necessidade dessa “doutrina” e constitucionalidade dessa restrição de inúmeros direitos.
Passa-se, por fim, a análise da Lei de Segurança Nacional atual, coexistente à Constituição Federal, para que se “feche” todas as interpretações já conferidas ao termo, a fim de que se possa compreender que situações e definições são “abarcadas” pelo termo Segurança Nacional.
2.2.3. O ANACRONISMO ENTRE A ATUAL LEI DE SEGURANÇA NACIONAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Diferente das anteriores, não se pode dizer ter sido a atual Lei de Segurança Nacional, Lei nº 7.170/83, resultado dos acontecimentos que marcaram a época, nem tão pouco ser sua elaboração um indispensável meio de legitimação dos atos praticados pelo grupo político dominante, muito embora a ausência de tais fatores seja incapaz de torná-la fundamentalmente mais “correta”.
Ainda durante a vigência da Lei nº 6.620/78, já havia certa consciência nacional pela necessidade de reelaborarão da lei de segurança nacional, compatível com o regime de liberdade vivenciado pelo Brasil. Em texto publicado em abril de 1983 no “Jornal O Estado de São Paulo”, se referia Heleno (FRAGOSO, 1983, p. 34) à última lei do regime militar como “uma excrescência, um corpo morto e fétido no novo ambiente que a Nação respira”, sinalizando pela urgência de ser essa revista pelo Congresso Nacional.
A elaboração da Lei nº 7.170/83 meses depois, entretanto, não foi suficiente para promover efetiva mudança no ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei nº 7.170/83 perdeu-se em meio à história, tendo sido posta de lado diante dos burburinhos e confusões que marcaram o fim do período militar. Tamanha a “mornidão” desse instrumento normativo que nem mesmo a reabertura democrática foi suficiente para sua revogação ou, ao menos, para levá-lo ao centro do debate, mantendo-se como um corpo solto, incapaz de se encaixar em qualquer contexto que fosse.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, mostrou-se a referida lei ainda mais dissonante. Justamente por não ter promovido às modificações necessárias desde a sua promulgação, foi a Lei nº 7.170/83 ficando cada vez mais “descompassada” ao Estado Democrático de Direito que se consolidava:
A bem da verdade, a Lei de Segurança Nacional ainda em vigor (Lei nº 7.170/83) não avançou no plano das garantias do réu e da sua defesa. Houve apenas uma certa atenuação do seu rigor anterior, já referido linhas acima, visto que se permitia à autoridade que presidisse o inquérito, durante as investigações, manter o indiciado preso ou sob custódia, pelo prazo de 15 dias, comunicando imediatamente o fato ao juízo competente. Esse prazo, nos moldes semelhantes do que já rezava a legislação anterior, pode ser prorrogado por mais 15 dias, por decisão do juiz. Demais disso, a lei autoriza a incomunicabilidade do indiciado, no período inicial das investigações, pelo prazo improrrogável de cinco dias (art. 33, §§ 1º e 2º). Por fim, o indiciado, quando preso, deve ser mantido recolhido em estabelecimento diverso daquele dos presos comuns.
É claro que tais dispositivos perderam força com a promulgação da Constituição Federal de 1988, pois esta reza que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (art. 5º, LXI, CF/88). Por outro lado, é direito fundamental do preso ser informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada ainda a assistência da família e de advogado (art. 5º, LXIII, CF/88). (BARROS, pp. 5-6).
Por outro lado, pode-se dizer que, pela primeira vez, foi-se possível vislumbrar a vagueza do termo Segurança Nacional como um aliado à aplicação democrática desse.
Diante de uma nova lei que, em verdade, nada acrescia em termos de liberdade e direitos à aplicação do que viria a ser Segurança Nacional, agiu Constituição Federal de 1988 a preenchê-la dos mais altos valores democráticos, conferindo-lhe interpretação que a compatibilizasse com a conjectura nacional.
O advento da atual Constituição, entretanto, não foi suficiente para “livrar” o referido termo de interpretações autoritárias ou indiferentes aos princípios e regras do Estado Democrático de Direito.
Não raro, retoma-se ao antigo vício de lançar mão do termo “Segurança Nacional” para justificar condutas praticadas pelos governantes e manchar a imagem dos opositores. Diante da atual impossibilidade de atribuição de tal “encargo” ao esquerdista subversivo, o adversário, como ironiza Nogueira (JUNIOR, 2008), passa a ser “todo aquele que quiser simplesmente saber como foi gasto o dinheiro público”.
Cita Nogueira o gasto do dinheiro público por ser o uso indevido desse um dos maiores problemas enfrentado pela sociedade brasileira atual; entretanto, podia se tratar de qualquer conduta em que os administradores públicos, como meio de se escusar da obrigação justificar seus atos e omissões, alegassem comprometer a revelação de tais informações a segurança da Nação, não havendo qualquer tipo de controle de veracidade dessa escusa.
O autor toma como exemplo o Decreto Nº 5.482/2005, que dispõe sobre a divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da administração pública federal por meio da Rede Mundial de Computadores – Internet, vez que excepciona o referido Decreto, em seu art. 4º, sua aplicação quando a divulgação de tais dados e informações mostrar-se imprescindível à segurança da sociedade e do Estado sem especificar quais informações seriam essas ou como seriam limitadas, abrindo espaço para a classificação indevida de informações como essenciais à Segurança Nacional apenas como pretexto para sua não divulgação.
Repete a nova Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527/11, entendimento semelhante, estabelecendo, em seu art. 3º, I, a publicidade como regra e o sigilo como exceção, classificando, em seguida, a informação sigilosa como “aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado”. Repete ainda a referida lei, por diversas vezes, o binômio informação sigilosa/ segurança nacional, sem preocupar-se, entretanto, em fixar meios de legitimar a classificação dessas informações.
Conforme se foi visto, todos os instrumentos normativos que tratavam da Segurança Nacional foram elaborados como uma justificativa às arbitrariedades cometidas pelos grupos dominantes. A diferença dessas para a atual Lei de Segurança Nacional reside no fato de possuir essa última como “plano de fundo” uma Constituição extremamente preocupada em garantir a proteção e exercício dos direitos, o que, de certa informa, impõe limites às interpretações conferidas aos muitos conceitos jurídicos indeterminados que constam entre seus dispositivos.
Não é possível, assim, o atual Estado Democrático de Direito ser orientado pela mesma lógica que guiou a Era Vargas ou o Regime Militar. Rege-se o Estado atual pela necessidade de participação popular como fator de legitimação.
Esse “fator de legitimação” será tratado com mais profundidade no próximo tópico, antes disso, no entanto, faz-se mister expor o que se conclui em termos de materialidade do tema, ou seja, qual seria o conceito de segurança nacional.
O termo “Segurança Nacional” foi maculado logo em sua origem, no motivo pelo qual foi estabelecido, não obstante, foi sendo ainda empregado de maneira arbitrária ao longo de toda a história do Brasil. Sabendo-se disso, duas posturas podem ser tomadas: ou expurga-se tal termo do nosso ordenamento, pois é viciado e, por tanto, incompatível com o Estado Democrático de Direito que se é vivenciado ou usa-se a indeterminação de tal termo a favor da Constituição, conferindo-lhe interpretação conforme os preceitos trazidos pela Carta Magna.
Embora tenha sido criado com um falso pretexto, é indubitável ser a segurança da sociedade e do Estado fator importante no contexto atual, prova disso é que se encontra previsto no seio da Constituição Federal. Acrescente-se ainda que, por ter sido previsto pelo constituinte originário, não pode tal termo ser expurgado sem que se derrube toda a Constituição. Por tais motivos, não resta dúvida que o que pode ser feito é empregar o termo “Segurança Nacional” sob uma ótica “constitucional”, aproveitando-se da sua indeterminação para mantê-lo sempre a par das transformações sociais, devendo-se apenas cuidar para que seja legítimo esse processo interpretativo.
Já que se fez o termo “Segurança Nacional” propositalmente vago, é impossível “estatizá-lo”, fazendo-se necessário um esforço mental para conceituá-lo quando exigido.
No caso do art. 5º, XXXIII da Constituição Federal, tomando-se emprestado a técnica de Fragoso (1983) de analisar o conflito de interesses que a norma busca resolver como forma de entendê-la, percebe-se que, no dispositivo em comento, estão em confronto dois direitos, o direito à informação e o direito à segurança, atribuindo o autor, antes mesmo de ter sido promulgada a Constituição de 1988 e, por tanto, de passar esse dispositivo a existir, às “instituições estáveis e um regime democrático” o “segredo” para a promoção da segurança, estabelecendo, por fim, como única limitação lógica ao direito de liberdade o “seu emprego para suprimir o direito de liberdade”.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 reforça essa postura já sinalizada por Heleno Cláudio Fragoso tão logo se aproximava do final da Ditadura Militar.
Assim, diante da natureza “polissemântica” do termo “Segurança Nacional”, deve-se entender por segurança nacional a preservação da ordem estabelecida pelo Estado Democrático de Direito. Como já preceituava Heleno Cláudio Fragoso (1983), antes mesmo do advento da Constituição Federal, “o Estado cuja segurança se visa tutelar é o Estado democrático” e mais: “quando se fala em crime contra a segurança do Estado, no entanto, pretende-se punir somente as ações que se dirigem contra os interesses políticos da Nação”.
Nesse Estado Democrático de Direito, a regra é o amplo gozo dos direitos e das liberdades, aí inclusos os “direitos de liberdades”, como o direito à informação. Por ser a restrição exceção, esta deve ser limitada, cuidando-se para que não haja um estado de exceção permanente.
Nesse diapasão, passa-se a análise do “aspecto subjetivo” ou “formal” para que se possa discutir, justamente, a legitimidade para classificação de determinadas informações como indispensáveis à segurança nacional e, portanto, sigilosas.
2.3. ASPECTO SUBJETIVO OU FORMAL: OS LEGITIMADOS PARA CLASSIFICAÇÃO DO SIGILO DE INFORMAÇÕES EM FAVOR DA SEGURANÇA NACIONAL
Por ser o termo “Segurança Nacional” um conceito aberto, seu manuseio deve ser feito cautelosamente de modo a aproximá-lo, ao máximo, dos preceitos do Estado Democrático de Direito.
Conforme se foi visto, ao se permitir que apenas as “autoridades dominantes” definissem o que seria segurança nacional, bem como quais grupos, atos e informações deveriam ser considerados ofensivos à ordem, acabou-se abrindo brecha para a corrupção do uso de tal termo, tornando-o maleável como argila nas mãos dos poderosos.
Não obstante essa preciosa lição, a atual Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527/2011, restringiu à alta cúpula do poder a competência para classificar as informações como sigilosas, ou seja, informações que teriam seu acesso pelo público temporariamente restrito em virtude da sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado, conforme preceitua dispositivo da própria lei (art. 4º, III).
Nesse sentido, dispõe o art. 27 da referida lei:
Art. 27. A classificação do sigilo de informações no âmbito da administração pública federal é de competência:
I - no grau de ultrassecreto, das seguintes autoridades:
a) Presidente da República;
b) Vice-Presidente da República;
c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas;
d) Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; e
e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior;
II - no grau de secreto, das autoridades referidas no inciso I, dos titulares de autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades de economia mista; e
III - no grau de reservado, das autoridades referidas nos incisos I e II e das que exerçam funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade, observado o disposto nesta Lei.
Não há, como se percebe, a participação do Senado, representante dos estados, nem tão pouco dos Deputados Federais, representantes do povo, no processo classificatório. Não possuem esses, sequer, acesso à “decisão” que formaliza essa decisão, pois, nos termos do artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 12.527/2011: “a decisão referida no caput será mantida no mesmo grau de sigilo da informação classificada.”
Pouco importa, assim, a presença dos elementos listados pelo art. 28 da lei na decisão, vez que, como se conclui, não será essa passível de análise externa.
Ainda assim, no que diz respeito aos requisitos decisivos ou limitadores, são esses elementos bastante vagos. Excluindo-se o assunto de que trata a decisão e a autoridade que a emitiu, os outros dois elementos, quais sejam “fundamento da classificação” e “indicação do prazo de sigilo” estão vinculados ao disposto no art. 24 da referida lei que, tal como o termo “Segurança Nacional”, padece de um significado concreto, pouco acrescentando ao que se foi dito. Se não, veja-se:
Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.
Como se percebe, toda a Lei de Acesso à Informação corre em círculos, remetendo os dispositivos uns aos outros sem nada resolver ou detalhar as questões suscitadas.
A situação agrava-se ainda quando se têm conhecimento dos prazos que deverão ser cumpridos para que tenha a informação acesso público conforme o previsto pelo art. 24, parágrafo único, da referida lei.
São os prazos: 25 (vinte e cinco) anos para as informações ultrassecretas, 15 (quinze) anos para as informações secretas e 5 (cinco) anos para as informações reservadas – art. 24, Lei nº 12.527/11. Havendo ainda, no que diz respeito às informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as), a necessidade de mantê-las em sigilo até o término do mandato em exercício do presidente ou do último mandato, em caso de reeleição.
A presença de prazos tão definidos previamente faz ainda com que se questione a natureza de tais informações. Se são mesmo indispensáveis à segurança da sociedade e do Estado, não seria melhor se fazer uma análise periódica das “ameaças” a fim de se auferir não ser preciso um alargamento do prazo ou, talvez, um “achatamento”? Não seria tal prazo, na verdade, uma maneira cômoda de manter informações prejudiciais aos interesses particulares dos governantes fora do alcance do público até que tais informações percam sua funcionalidade?
Como se foi visto no capítulo reservado ao Direito à Informação, uma informação, para que seja considerada válida, deverá ser atual e clara.
Não estariam os longos prazos estabelecidos em lei comprometendo a validade de tais informações? E mais, até que ponto não estaria a Lei de Acesso à Informação “lubridiando” os brasileiros ao criar uma falsa expectativa de que se tem pleno acesso às informações quando, muitas vezes, essas informações, além de desatualizadas, são obscuras e ininteligíveis? Ou, mesmo que gozem de clareza técnica, padeçam de conceitos cognoscíveis ao cidadão comum? Poderá ainda haver o caso de informações “perdidas”, guardadas em gavetas, acobertando escândalos.
De fato, a nova lei de acesso à informação, bem como o “Portal da Transparência”, são elementos inovadores, em muito compatível com os preceitos do Estado Democrático de Direito. Entretanto, deverão passar por alguns reparos antes serem tão celebrados.
Um dos principais pontos a ser discutido é, justamente, a ampliação do rol dos competentes para classificarem as informações como sigilosas.
É certo que vários aspectos, e não apenas esse, foram questionados, entretanto, é indiscutível que a melhora desse tornaria todos os outros menores.
É justificável que se prefira limitar a poucos o acesso às informações de caráter sigiloso, do contrário, perderiam essas sua própria essência, entretanto, como se pode comprovar através da análise histórica do emprego do termo “segurança nacional” no Brasil, é a “monopolização” desse perigosa à Democracia e aos direitos fundamentais, ademais, não se pode afastar a tripartição dos poderes e o controle emanado dessa.
O ideal seria, assim, que se buscasse um meio termo de modo a resolver o conflito existente entre Direito à Informação e Segurança Nacional, conforme será tratado no próximo capítulo.
CONCLUSÃO
Não há dúvidas acerca da constitucionalidade da mitigação do Direito à Informação em face da máxima da Segurança Nacional. Pode-se dizer, inclusive, que tais “valores” não colidem propriamente, mas coexistem.
Entretanto, não raro, o termo Segurança Nacional foi – e continua sendo - aplicado de forma abusiva, exagerada, atingindo de forma agressiva o Direito fundamental à Informação.
Como conclui Edilson Farias (2008, pp. 108 – 109), lançando mão dos ensinamentos de Canotilho e Vital Moreira, havendo colisão de direitos, deve o intérprete-aplicador determinar o “Tatbestand” (âmbito de proteção) dos direitos envolvidos, visto que, em alguns casos, a norma constitucional não protege aquela forma de exercício de direitos[14], não havendo uma “colisão autêntica”.
Debruçando-se sobre os motivos que ensejaram na edição das várias normas em prol da Segurança Nacional existentes ao longo da história do nosso país, bem como do teor dessas leis, percebe-se, claramente, a forma deturpada pela qual foi aplicado esse valor.
Sobre o pretexto de Segurança Nacional, golpes de Estados foram dados, informações foram deturpadas, dados foram escondidos, obras foram censuradas e a sociedade, ironicamente, foi posta à margem, despida de qualquer forma de proteção.
Se antes já se questionava a legitimidade desse quadro, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, consagrando a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, ficou claro que tais formas de “proteção” da Segurança Nacional não foram abrangidas pelo legislador constituinte ao tratar da limitação do Direito à Informação em face da segurança da sociedade e do Estado.
Ademais, ao contrário do que se parece, embora não se tenha mais a mitigação violenta do Direito à Informação sob o pretexto da Segurança Nacional, como ocorreu em tristes episódios da história do Brasil, subsiste, ainda que de forma menos evidente, essa prática nos bastidores do poder. Agravando esse quadro, tem-se uma lei de Segurança Nacional defasada, anterior, inclusive, à Carta Magna de 1988 e uma nova Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527/2011, que nada traz a respeito da participação popular na classificação das informações relacionadas à Segurança Nacional.
Qual seria, então, o do “Tatbestand” (âmbito de proteção) do termo Segurança Nacional que justificaria as interferências do Estado no Direito Fundamental à Informação?
“Segurança Nacional” engloba a proteção à sociedade e ao Estado. Tal definição, apesar de continuar bastante imprecisa, “aponta” para o real objeto da discussão.
Não é possível listar, taxativamente, todas as situações relacionadas à Segurança Nacional, bem como se conhecer, previamente, as hipóteses de afronta a essa. Diante da necessidade de ocorrência de fatos para que se possa analisar a existência de ameaças à segurança da sociedade e do Estado, fica evidente que, em verdade, bem mais importante que a definição do “âmbito de proteção” do termo Segurança Nacional, é a competência para fazer tal “classificação”.
A Lei nº 12.527/2011 prever, expressamente, a existência de informações sigilosas, ou seja, informações que são “submetidas temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado”, atribuindo à alta cúpula a responsabilidade por fazer essa classificação.
Ocorre que, por todo o histórico de aplicação do termo “Segurança Nacional”, somado ao fato de vivenciarmos hoje o Estado Democrático de Direito, faz-se mister a participação popular nessa tarefa tão delicada e que diz respeito à toda a nação. É óbvio que a ampla divulgação de tais informações esvaziaria seu caráter sigiloso, comprometendo o fim almejado, entretanto, deve-se chegar a um “meio termo” para que haja a efetiva “legalização do segredo”.
Uma solução apresentada por Hott (2005, pp.26 - 28) – e prevista nas legislações francesa, britânica e portuguesa – seria a “implantação das comissões[15] de acesso/avaliação de documentos sigilosos como uma das formas de legitimar este acesso”.
Embora a Lei nº 12.527/11, em seu art. 35, §1º, institua Comissão Mista de Reavaliação de Informações a fim de “decidir, no âmbito da administração pública federal, sobre o tratamento e a classificação de informações sigilosas”, listando ainda a competência dessa[16], a composição dessa Comissão frustra qualquer esperança de participação popular.
A seguir, art. 46 do Decreto 7.724/12, que regula o art. 35, §1º, da Lei nº 12.527/11, detalhando quais seriam os membros da Comissão Mista de Reavaliação de Informação:
Art. 46. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações, instituída nos termos do § 1o do art. 35 da Lei no 12.527, de 2011, será integrada pelos titulares dos seguintes órgãos:
I - Casa Civil da Presidência da República, que a presidirá;
II - Ministério da Justiça;
III - Ministério das Relações Exteriores;
IV - Ministério da Defesa;
V - Ministério da Fazenda;
VI - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
VII - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
VIII - Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
IX - Advocacia-Geral da União; e
X - Controladoria Geral da União.
Parágrafo único. Cada integrante indicará suplente a ser designado por ato do Presidente da Comissão.
Pecou o legislador ordinário ao - tendo lhe sido oportunizado a regulamentação da Comissão Mista de Reavaliação de Informação, sendo essa a última chance de interferência popular na classificação das informações sigilosas – deixado de conferir ao Congresso Nacional poder de participação.
É incongruente[17] com o Estado Democrático de Direito em que vivemos a não participação popular no que diz respeito ao controle das limitações do acesso á informação. É, pois, esse controle social, essencial à “legitimação do segredo”.
Outro aspecto que permeia tal discussão é o conceito de controle. Reconhecendo as conotações negativas que a idéia de controle envolve, Martins (1989) ressalta que democracia e controle não são termos antiéticos, sobretudo quando nos referimos aos mecanismos de controle dos aparelhos de Estado sobre si mesmos e da sociedade civil sobre estes. “Como afirmava Montesquieu, todo aquele que detém poder tende a abusar dele e assim procederá enquanto não encontrar limites. As instituições características da vida republicana foram criadas justamente para estabelecer esses limites e “colocar à disposição do povo instrumentos adequados ao controle do poder político (1989, p. 83). Um dos instrumentos mais recentes são as políticas de transparência pública. (JARDIM, 1999, p. 55)
Faz-se imprescindível, assim, a participação do Poder Legislativo, esse sim, designado pelo legislador constituinte como representante do povo. Nesse sentido Nogueira Júnior (2003, p. 367 apud HOTT, 2005, p. 28):
A efetivação cada vez maior dos direitos humanos exige a diminuição do âmbito da liberdade absoluta da Administração Pública e dos Governos, reduzindo esta ao mínimo possível.
É a tendência evolutiva no sentido de democratização do Direito Público, através da participação dos cidadãos nos atos, procedimentos e decisões dos Governos e das Administrações Públicas, e da justificação por estes dos atos por eles praticados, internacionalmente verificada.
Lamentavelmente [no Brasil], este papel de controle poderia ser executado, em certa medida, pelo Poder Legislativo, [porém] nunca foi assumido por este, muito menos como função prioritária.
Além da legitimidade político-administrativa, Ferreira (1997, p. 137) atribui ainda à participação da população em processos decisórios como “imperativo de bem-estar individual e saúde coletiva”, pois faz com que o indivíduo se sinta satisfeito com aquela decisão, aprovando-a e sentindo-se mais integrado ao sistema[18].
Isso posto, concluí-se que, tal como as “zonas de sombra” são necessárias para a preservação da autonomia individual e proteção de interesses públicos maiores (CHEVALIER, 1988, p. 225 apud JARDIM, 1999, p. 65) - dentre esses, a própria noção de “Segurança da Sociedade e do Estado” – é a interferência de parcela da sociedade nessas “zonas” indispensável à proteção do Direito Fundamental à Informação e ao fortalecimento das instituições democráticas, visto que trata-se, sem ressalvas, do puro exercício da cidadania.
Enquanto não é essa participação popular concretizada, a solução seria a aplicação de uma espécie de “Teoria Interna de restrição aos direitos fundamentais[19]” ao Direito à Informação; ou seja, por ser o Direito fundamental à Informação consolidado, a esse cabe a fixação de seus próprios limites, independente de fatores externos e colisões com outros direitos/valores, dentre os quais, a própria Segurança Nacional.
Somente limitando ao máximo a aplicação inescrupulosa do termo Segurança Nacional haverá o triunfo do Direito à Informação e demais direitos fundamentais sob as artimanhas de um governo focado apenas nos interesses particulares daqueles que o compõe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FARRIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
FARIAS, Edilsom. Colisão de Direitos: A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 3ª edição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008.
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JARDIM, José Maria. Transparência e opacidade do Estado no Brasil: usos e desusos da informação governamental. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1999.
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REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS
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BRASIL, Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.
[1] Essa reflexão é feita por Georget Medleg Rodrigues e Daniela Francescutti Martins Hott em “Sigilo e segredo na administração pública brasileira: a divulgação do dossiê sobre o FHC ou desvelamento do oportunismo dos governos em relação ao acesso aos documentos públicos”, disponível em: http://www.aag.org.br/anaisxvcba/conteudo/resumos/comunicacoes_livres/daniellaegeorgete.pdf.
[2] Xifra-Heras (1974, pp. 283 a 286) explica, detalhadamente, como essa evolução foi sendo formalizada. Iniciando-se com a “Bill of Rights”, de Virgínia, em 1776, que consagrava a liberdade de imprensa como um dos grandes “baluartes” da liberdade; posteriormente, 1789, a primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos proibiu que o Congresso aprovasse qualquer lei “que cortasse a liberdade de palavras ou de imprensa”. No mesmo ano, a Declaração Francesa do Homem e do Cidadão, que preceitua ser a liberdade de idéias e opiniões um dos direitos mais preciosos do homem, devendo, no entanto, ser exercido com responsabilidade. Nos séculos XIX e XX, essa fórmula liberal converte-se no mais constitucionalizados dos direitos, até começar a haver certos abusos e excessos que, nos países totalitários, passou a ter um fim político: a defesa de certas ideologias ou interesses predeterminados, podendo haver censura prévia e um complexo de controles e autorizações, como ocorreu na Itália de Mussolini e na Alemanha nazista. No pós-guerra, ressurge o direito de informação em uma perspectiva institucional ou funcional. Não é esse mais uma liberdade individual e nem tão pouco instrumento à ideologia política, mas instrumento de desenvolvimento social. Aluízio Ferreira (1997, p. 114 a 146) também faz uma “volta histórica”, explicando o surgimento do Direito à Informação e seus atributos, sendo bastante interessante a sua leitura.
[3] No entanto, para o referido autor, são esses direitos fundamentais apenas partes da “Liberdade de Comunicação”, não integrando, assim o Direito à Informação em sentido amplo usado por Xifra-Heras, que compreende não apenas a “Liberdade de Comunicação” como também o “Direito à Informação” (XIFRA-HERAS, 1974, p.282).
[4] Por conta desses desdobramentos, não raro, há uma confusão de termos entre “Informação” e “Comunicação”, ao presente trabalho, não é interessante ser essa discussão aprofundada, bastando definir, simplificativamente, informação como a “ação de informar ou informar-se (atividade) ou como coisa/ objeto informado (resultado), e comunicação, como a ação de comunicar/comunicar-se (atividade) ou como coisa/objeto comunicado (resultado)” (FERREIRA, 1997, p.68). No presente trabalho, usa-se o termo “informação” por ser este o utilizado pela Constituição Federal de 1988 no sentido aqui empregado e defendido.
[5] De forma louvável, FARIAS (2004, p.87) prevê essa prestação estatal quando, aparentemente, seria apenas caso de não intervenção: “A explicação para esse plus é a constatação de que a simples imobilidade do Poder Público, acompanhada de ausência de imposição de censura, tem-se revelado insuficiente para garantir o pleno exercício do direito de informar, sobretudo nos dias atuais, apesar da subida importância da informação como direito fundamental de defesa conforme anteriormente ressaltado”. Complementa ainda o autor, especificando que essa prestação pode ser normativa (aprovação de leis sobre o direito de informar) ou prestações materiais (meios ou instrumentos para o exercício da liberdade de informar).
[6] Caso seja esse direito violado, poderá o indivíduo prejudicado impetrar mandado de segurança, vez que possui o direito líquido e certo de acesso à informação de interesse geral (art. 5º, XIV, CF). Em se tratando de informações pessoais, o instrumento adequado será o “Habeas Data” (art. 5º, LXXII, CF).
[7] Direito à comunicação pessoal consiste, basicamente, na comunicação realizada no contexto de comunicação face-a-face, ocorrendo em pequenos grupos e a realizada em uma organização, compreendendo a comunicação verbal e não verbal. Nessa hipótese, é resguardado o sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e telefônicas, dos dados e da fonte – este último quando necessário ao exercício profissional.
[8] Esse direito foi reforçado com a aprovação da Emenda Constitucional 19, de 04.06.1998, que acrescentou o §3º ao art. 37 da Lei Fundamental, prevendo, expressamente o direito do arquivo aberto e o princípio da administração aberta.
[9] Aluízio Ferreira (1997, p. 241) faz interessante jogo de palavras, concluindo que a postura adequada a ser adotada pelo Estado é de “Estado Comunicante” e não apenas “Estado Comunicador”.
[10] Não cabe ao presente trabalho “desenhar” o trâmite processual da Lei nº 38/35, entretanto, Casimiro Pedro da Silva Neto, em “Década de 1930 – Os anos de incertezas: A Origem da Primeira Lei de Segurança Nacional”, 2006, detalha todo o processo legislativo, trazendo, inclusive, em anexo (ANEXO 3), o Regimento Interno de 1935, sendo sua leitura interessante para uma compreensão mais aprofundada dos aspectos formais da elaboração da primeira Lei de Segurança Nacional.
[11] O termo “interminável” é usado em virtude das inúmeras prorrogações do Estado de Guerra, iniciado em 21 de março de 1936 e prorrogado por mais 4 (quatro) vezes, através dos decretos 915, de 21 de junho de 1936; 1.100, de 19 de setembro de 1936; 1.259, de 16 de dezembro de 1936; e 1.506, de 17 de março de 1937 (NETO, 2006).
[12] Como bem demonstra Octavio Penna Pieranti, Fábio dos Santos Cardoso e Luiz Henrique Rodrigues da Silva em “Reflexões acerca da política de segurança nacional: alternativas em face das mudanças no Estado”, p. 35, Golbery foi de grande importância ao cenário político brasileiro durante o Regime Militar. Golbery planejou, criou e assumiu o Serviço Nacional de Informação (SNI) durante o governo de Castello Branco, o primeiro do regime militar. Ademais, ocupou cargos das administração pública durante o governo de Médici, assumindo, inclusive, a chefia do Gabinete Civil, mantendo-se ainda no posto durante grande parte do governo de Figueiredo.
[13] Um dos ministros do Superior Tribunal Militar (STM), Peri Bevilacqua foi aposentado em 1969 por vir se pronunciando contra a discricionariedade das autoridades militares na perseguição aos adversários do regime. É o que diz o “Dicionário histórico-biográfico brasileiro: 1930-1983”, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, pp. 385-386, de Israel Beloch e Alzira Alves de Abreu, citado por Vannucchi Leme de Matos na p. 26 da obra “Em nome da segurança nacional: os processos da justiça militar contra a Ação Libertadora Nacional (ALN)”. Percebe-se, assim, que tamanhaas arb itrariedades cometidas fez com que alguns militares despertassem para a situação crítica que se instalava no Brasil, sendo inúmeros os atropelos acometidos para que fosse a Doutrina da Segurança Nacional respeitada.
[14] Andrade (1987 apud FARIAS, 2008) lista vários exemplos em que as “formas de exercício” de determinados direitos não estão “abarcadas” pela norma que os institui, como os sacrifícios humanos pela liberdade religiosa, a liberdade artística para legitimar o furto do material necessário à execução de uma obra de arte e o direito de propriedade para não pagar impostos.
[15] Em seu trabalho, Hott (2005, p.70) elabora quadro expositivo que demonstra a previsão das Comissões no quadro legislativo brasileiro. Entretanto,
[16] As competências estão dispostas nos incisos I, II, III, do referido dispositivo, e são: I - requisitar da autoridade que classificar informação como ultrassecreta e secreta esclarecimento ou conteúdo, parcial ou integral da informação; II - rever a classificação de informações ultrassecretas ou secretas, de ofício ou mediante provocação de pessoa interessada, observado o disposto no art. 7o e demais dispositivos desta Lei; e III - prorrogar o prazo de sigilo de informação classificada como ultrassecreta, sempre por prazo determinado, enquanto o seu acesso ou divulgação puder ocasionar ameaça externa à soberania nacional ou à integridade do território nacional ou grave risco às relações internacionais do País, observado o prazo previsto no § 1o do art. 24.
[17] JARDIM (1999, p. 49), sabiamente, atribui ao acesso à informação papel de elemento balizador do “grau de democratização do Estado”, concluindo: maior acesso à informação governamental, mais democráticas as relações entre Estado e sociedade civil.
[18] Essa conclusão de Aluízo Ferreira baseia-se nos ensinamentos de Everett Rogers (pp. 285-291 apud FERREIRA, 1997, p. 137), que apresenta três generalizações a respeito de participação em decisões coletivas: 1) satisfação e participação; 2) aprovação pessoal de decisões coletivas; 3) aprovação pessoal e coesão.
[19] Essa teoria, embora não seja acatada por Virgílio Afonso da Silva (2006, p. 37), é apresentada por esse em sua obra “O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais” e atribui a cada direito, como algo interno a esse, o processo de definição de seus limites.
Graduou-se em direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) em 11/2013, trabalhou como assistente de Controle Externo em gabinete de conselheiro substituto no TCE-PI no período de setembro de 2013 a outubro de 2013, atua como analista de contas em gabinete de procurador no MPC-MT. É coautora do artigo "Os Vilões dos Juizados Especiais", na Revista Jurídica Eletrônica da UFPI, v.1, n.1, jul/ dez 2011. Foi ainda colaboradora do Vade Mecum Piauiense, 1ª ed., São Paulo: Lawbook, 2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Camila Parente. A legitimação do segredo: direito à informação e segurança nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 fev 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45966/a-legitimacao-do-segredo-direito-a-informacao-e-seguranca-nacional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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