RESUMO: O controle de constitucionalidade repressivo realizado pelos Chefes do Poder Executivo na vigência da atual Constituição Federal brasileira não é aceito de forma unânime pela doutrina. É certo que, antes da atual constituição, apesar de existir há época algumas vozes divergentes, o controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo Chefe do Poder Executivo era aceito sem maiores celeumas. Com a ampliação do rol de legitimados para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade pela atual Constituição (art. 103 da CF/88), incluindo o Presidente da República e os Governadores como legitimados ativos, restou instaurada divergência quanto à possibilidade de exercício do controle repressivo de constitucionalidade pelos Chefes do Poder Executivo. Todavia, tem prevalecido em sede doutrinária a tese de que é possível os Chefes do Poder Executivo realizar o controle de constitucionalidade repressivo, afinal, todos os poderes da república se encontram submetidos ao império da Constituição, devendo-lhe obediência. Por sua vez, o STJ e o STF já proferiram decisões favoráveis ao referido controle de constitucionalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Controle Repressivo de Constitucionalidade. Chefes do Poder Executivo.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONTROLE POSTERIOR/REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE. 3 CONTROLE REPRESSIVO EXERCIDO PELO PODER EXECUTIVO. 4 CONCLUSÃO. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo científico trata da análise do controle de constitucionalidade repressivo realizado pelo Chefe do Poder Executivo na vigência da atual Constituição Federal brasileira.
No período que precedeu a Constituição Federal de 1988, o controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo chefe do Poder Executivo era aceito sem maiores celeumas.
Ocorre que, com a ampliação do rol de legitimados para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade pela atual Constituição Federal (art. 103 da CF/88), incluindo o Presidente da República e os Governadores como legitimados ativos, restou instaurada divergência quanto à possibilidade de exercício do controle repressivo de constitucionalidade pelos Chefes do Poder Executivo.
É sobre esse tema que se passa a analisar no presente artigo científico, com enfoque prioritariamente doutrinário e jurisprudencial.
2 CONTROLE POSTERIOR/REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE
Diferentemente do que ocorre no Controle Preventivo, onde a fiscalização se efetiva sobre um projeto de lei, no controle repressivo, o objeto de análise constitucional recai sobre a lei.
Assim, leciona Nathalia Masson:
“(...), depois que o processo legislativo já está finalizado, temos o controle repressivo, que alcança as espécies normativas já prontas e acabadas, que estejam produzindo (ou ao menos aptas a produzir) seus efeitos. Também adotado no direito brasileiro, seu intuito é o de higienizar o ordenamento, cuja harmonia é afetada pelo ato inconstitucional.” (NATHALIA MASSON. 2015. p. 1063).
Observa-se no Brasil uma predominância do Poder Judiciário no exercício do controle repressivo, de forma concentrada ou difusamente.
No entanto, é certo dizer que o Poder Judiciário não exerce com exclusividade o controle repressivo de constitucionalidade. A essa regra, surgem exceções, a partir das quais se verifica a possibilidade de controle posterior ou repressivo pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo.
Assim, entende-se que o Poder Legislativo exerce tal espécie de controle nas seguintes hipóteses: quando o Congresso Nacional susta os atos normativos do Poder Executivo que exorbitam do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (art. 49, V, da CF/88); e quando o Congresso Nacional analisa a constitucionalidade das Medidas Provisórias editadas pelo Presidente da República (art. 62 e parágrafos da CF/88).
Nos dois casos mencionados, observa-se que o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Legislativo ocorre posteriormente à entrada em vigor da lei.
3 CONTROLE REPRESSIVO EXERCIDO PELO PODER EXECUTIVO
No tocante à possibilidade de que o Poder Executivo, por meio de seu chefe, exerça o controle posterior ou repressivo de constitucionalidade, não temos o mesmo ambiente pacífico exposto acima.
Antes da CF/88, que ampliou a legitimação ativa para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade, os Chefes do Executivo não tinham competência para ajuizar a referida ação, a fim de discutir a constitucionalidade da lei. Incumbia com exclusividade ao Procurador Geral da República o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Em razão disso, doutrina e jurisprudência consolidaram o entendimento de que seria possível o Chefe do Executivo deixar de aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional.
Assim, leciona Nathalia Masson:
Anteriormente à edição da atual carta constitucional, a faculdade era pacífica, não ensejando qualquer discussão, afinal era vista como um corolário da supremacia da Constituição e da nulidade da lei inconstitucional. (NATHALIA MASSON. ob. cit. p. 1067).
Ocorre que, com o advento da Constituição Federal de 1988, houve uma ampliação no rol de legitimados ativos para propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103 da CF/88). Norma semelhante é encontrada no art. 2º da Lei n. 9.868/99. Nesse rol, foram incluídas as figuras do Presidente da República e dos Governadores.
Assim, aparentemente, não seria possível o Chefe do Poder Executivo deixar de aplicar uma lei por reputá-la inconstitucional, afinal, teria a seu dispor um instrumento processual previsto constitucionalmente para tal finalidade, qual seja, a Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Insta observar que o referido argumento não se aplicaria aos Prefeitos, haja vista que esses não constam no rol do art. 103 da CF/88. Portanto, afigurar-se-ia possível o Chefe do Poder Executivo municipal deixar de aplicar, no âmbito administrativo, determinada lei flagrantemente inconstitucional, haja vista que não teria a seu dispor um instrumento processual apto a impugnar abstratamente a norma viciada, nos moldes da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Nesse momento, surge uma questão crucial: se o prefeito poderia negar cumprimento à lei flagrantemente inconstitucional, já que não disporia de um instrumento processual como a ADI, determinando a sua não aplicação para os subordinados hierárquicos, não estaríamos conferindo ao Chefe do Poder Executivo municipal maior atribuição de poderes do que aqueles conferidos aos Governadores e ao Presidente da República?
A partir dessa premissa e tendo como pano de fundo a supremacia constitucional, tem predominado no campo doutrinário a tese de que é possível a negativa de aplicação de lei flagrantemente inconstitucional pelos Chefes do Poder Executivo.
Afinal, todos os poderes republicanos têm o poder/dever de defender a Constituição Federal e, em via de conseqüência, de afastar a incidência de uma lei flagrantemente inconstitucional.
Sobre o tema, colacionam-se as palavras de Pedro Lenza:
Entendemos que a tese a ser adotada é a da possibilidade de descumprimento da Lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo. Isso porque entre os efeitos do controle concentrado está a vinculação dos demais órgãos do Poder Judiciário e do Executivo (art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99 e art. 102, § 2º, da CF/88 – EC n. 45/2004). Outro argumento a fortalecer a ideia da possibilidade de descumprimento da lei flagrantemente inconstitucional pelo Executivo decorre dos efeitos da súmula vinculante (Reforma do Judiciário), que, uma vez editada, vinculará a Administração Pública, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal (art. 64-B da Lei n. 9.784/99, introduzido pela Lei n. 11.417/2006). Antes, porém, a contrario sensu e desde que não exista qualquer medida judicial em sentido contrário, tecnicamente, poderá o Chefe do Executivo determinar a não aplicação de lei flagrantemente inconstitucional. (PEDRO LENZA. 2015. p. 313 e 314)
Vejamos o que diz Nathalia Masson:
Em contrapartida, e tendo o princípio da supremacia constitucional como norte, a tese que prevaleceu ao embate foi aquela que legitima o descumprimento da norma inconstitucional por parte dos chefes do Executivo, devendo tal postura ser justificada e tornada pública, para evitar qualquer responsabilização. Os argumentos centrais foram os seguintes: (A) se até mesmo um particular pode se recusar a cumprir uma lei por entendê-la inconstitucional, com mais razão poderá fazê-lo o chefe de um dos Poderes da República; (B) como os Prefeitos Municipais não foram agraciados pelo texto constitucional de 1988 com a legitimidade para a deflagração do controle de constitucionalidade, ter-se-ia que enfrentar o paradoxo de os chefes do Executivo municipal estarem em posição mais vantajosa que os chefes do Executivo das demais esferas federativas, haja vista somente eles poderem, de imediato, descumprir uma lei que entendam inconstitucional. A evidente inadequação de se conceder poderes superiores ao chefe do Executivo municipal em detrimento do Presidente da República e dos Governadores desautoriza a tese. (NATHALIA MASSON. ob. cit. p. 1067)
Eis ainda o seguinte trecho extraído da obra de Marcelo Novelino:
Tendo em conta que todos os poderes estão igualmente subordinados à Constituição, não se pode impedir o Chefe do Executivo (municipal, estadual ou federal) de negar cumprimento a uma lei ou ato normativo que entenda ser inconstitucional, independentemente de ter sido elaborado pela União, pelo Estado-membro ou pelo Município. Neste caso, deve justificar o motivo da recusa por escrito e dar publicidade ao ato. Por uma questão de coerência, o Presidente da República ou o Governador de Estado deve ajuizar, simultaneamente à negativa de cumprimento, uma ADI impugnando o ato combatido. (MARCELO NOVELINO. 2013. p. 309)
Como visto, prevalece na doutrina que, em situações de explícita inconstitucionalidade, podem e devem os Chefes do Poder Executivo afastar a aplicação de normas viciadas no âmbito administrativo.
E o que diz a respeito o STJ e o STF?
No âmbito do STF existe um precedente de 1993 que trata superficialmente do assunto. Senão vejamos:
“... O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Executivo e Legislativo, por sua chefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade -, podem tão só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais” (ADI 221-MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves; DJ de 22.10.1993, p. 22251, Ement. V. 01722-01, p. 28).”
Por sua vez, vejamos uma decisão da lavra da 1ª Turma do STJ, onde restou debatido o tema de forma mais contundente:
“Lei inconstitucional – Poder Executivo – Negativa de eficácia. O poder executivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional” (REsp. 23121/GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; 1ª Turma, j. 06.10.1993, DJ de 08.11.1993, p. 23521, LEXSTJ 55/152).
Observa-se, portanto, dos referidos excertos jurisprudenciais, que o STJ e o STF já decidiram favoravelmente a possibilidade de exercício do controle repressivo de constitucionalidade pelos Chefes do Poder Executivo.
4 CONCLUSÃO
De todo o exposto, vislumbra-se prevalecer na doutrina a tese de que é possível o Chefe do Poder Executivo, seja na esfera federal, seja nas esferas estaduais, distrital e municipais, deixar de aplicar norma que repute flagrantemente inconstitucional, cabendo-lhe, ainda, baixar determinação, na condição de superior hierárquico, para que os seus subordinados também não cumpram a lei.
Por seu turno, apesar de não ter havido um enfretamento recente do tema, observa-se que existem decisões antigas, tanto do STF quanto do STJ, admitindo a possibilidade de controle repressivo a ser exercida pelos Chefes do Poder Executivo.
Afinal, o princípio da supremacia da Constituição produz efeitos irradiantes em todos os Poderes da República, os quais, por sua vez, devem guardar cumprimento as normas jurídicas que se compatibilizem com a Lei Maior.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em 10 abr. 2016.
LENZA, Pedro. (2015), Direito Constitucional Esquematizado. 19 ed. rev. at. e amp., São Paulo, Saraiva.
MASSON, Nathalia. (2015). Manual de Direito Constitucional. 3 ed. rev. at. e amp., Salvador, Juspodivm.
MORAES, Alexandre de. (2007), Direito Constitucional. 21 ed. at. até EC 53/06, São Paulo, Atlas.
NOVELINO, Marcelo. (2013), Manual de Direito Constitucional. 8 ed. rev. e at., São Paulo, Método.
Pós-graduado latu sensu em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - Centro de Ciências Jurídicas - Faculdade de Direito de Campina Grande. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Lisandro Suassuna de. Controle repressivo de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46448/controle-repressivo-de-constitucionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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