RESUMO: O presente visa abordar introduzir a figura do amicus curiae, expondo a gênese do instituto -com as respectivas controvérsias sobre o tema – bem como o panorama legislativo e jurisprudencial, no controle de constitucionalidade brasileiro, sob a égide do Código Civil de 1973 e apenas legislativo após a entrada em vigor da lei 13.105/15 (Novo Código de Processo Civil), diante da carência de entendimentos jurisprudenciais decorrente da curta vigência do novo diploma processual.
Palavras-chave: Amicus curiae. Origem. Direito Estrangeiro. Incorporação. Direito Brasileiro. Controle de Constitucionalidade.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DESENVOLVIMENTO. 2.1 AMICUS CURIAE: A FIGURA NO DIREITO ESTRANGEIRO E NO DIREITO PÁTRIO. 2.1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DIREITO ESTRANGEIRO. 2.1.1.1 A Origem: Direito Romano ou Inglês?. 2.1.1.2 Amicus curiae e o Direito Inglês: Nascimento e desenvolvimento na common law. 2.1.1.3 O Ordenamento Norte Americano: Robustecimento do Amicus Curiae. 2.2 O AMICUS CURIAE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 2.2.1. O PANORAMA ANTERIOR À LEI 13.105/2015. 2.2.1.1. O AMICUS CURIAE NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PÁTRIO. 2.2.1.2. Os Requisitos Positivados na lei 9868/99. 2.2.1.2.1.Relevância da matéria. 2.2.1.2.2. Representatividade do postulante. 2.2.1.2.3 Momento da intervenção e Prazo para as manifestações dos Amici curiae. 2.2.1.2.4 Poderes do amicus curiae. 2.2.2. A PARTICIPAÇÃO DO AMICUS CURIAE NAS DEMAIS FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ABSTRATO E NO CONTROLE CONCRETO. 2.2.3. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ATUAL PANORAMA DOS AMICI CURIAE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA. 2.3. O TRATAMENTO DO AMICUS CURIAE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. 3 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O amicus curiae passou por grande evolução desde sua origem, no direito estrangeiro, até a incorporação no ordenamento jurídico pátrio. O referido instituto vem sendo utilizado como incorporação a sociedade civil ao debate que delineia os rumos do ordenamento jurídico pátrio, o que ganha especial relevo no controle de constitucionalidade.
O presente trabalho busca introduzir a figura do amicus curiae, demonstrando sua gênese e o seu desenvolvimento até a presente data, especificamente no que toca a jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal.
Neste contexto, será abordada sua origem – em que pese a divergência quanto ao direito romano ou inglês – o seu fortalecimento no direito norte americano e a incorporação ao sistema jurídico pátrio.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. AMICUS CURIAE: A FIGURA NO DIREITO ESTRANGEIRO E NO DIREITO PÁTRIO
É notório que o “amigo da corte” já se estabeleceu em nosso ordenamento jurídico, de forma que há evidente crescimento de produção científica sobre o tema e há, também, inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal neste sentido; entretanto, curial saber qual a origem do instituto, como se dá nos países responsáveis por sua gênese e, mais importante, como vem sendo entendido em nosso ordenamento.
Ab initio, cumpre identificar a raiz do amicus curiae; como era entendido na sua constituição, para que possamos passar ao seu desenvolvimento em dois dos modelos que mais nos interessam: O modelo Inglês e o Norte-Americano.
2.1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DIREITO ESTRANGEIRO
2.1.1.1 A Origem: Direito Romano ou Inglês?
A discussão acerca da origem do amicus curiae é um terreno pantanoso. Há quem atribua a “paternidade” deste instituto ao direito romano e há, também, quem a atribua ao direito inglês.
De toda sorte, temos no direito romano, notícia de um “auxiliar do juízo”, alguém cujas funções principais era a de esclarecer o magistrado nas questões que envolviam elementos extra-jurídicos, bem como a de interceder para que os magistrados não cometessem erros de julgamento[1].
Destarte, consoante o que já foi dito, há quem discorde desta assertiva e nesta posição encontramos Giovanni Criscuoli. De acordo com autor[2], havia a possibilidade de se admitir o amicus curiae como derivação do consilliarius romano, entretanto, apenas no ordenamento jurídico inglês que a figura, efetivamente foi incorporada e desenvolvida de forma a se expandir para outros sistemas.
Ainda de acordo com Cassio Scarpinella Bueno, no que cita Giovanni Criscuoli, o juiz romano podia complementar o seu conhecimento jurídico com a opinião de um técnico ou com a opinião do consilium romano, cuja finalidade consultiva contemplava temas políticos, financeiros, religiosos, administrativos, militares, legislativos e judiciários[3].
Neste sentido, prossegue a lecionar, explanando que a atuação do consilliarius, podendo ocorrer individualmente ou como componente do consilium, deveria obedecer necessariamente duas regras: A primeira no sentido de que sua participação não podia ser espontânea, o consilliarius só poderia atuar mediante provocação do magistrado e; a segunda, expondo que observando-se os princípios do direito e a lealdade ao juiz, tal auxílio era prestado de acordo com as suas próprias convicções [4].
É neste contexto que Giovanni Criscuolli, distingue ambas as figuras (consilliarius e amicus curiae). O raciocínio parte justamente da natureza de sua intervenção e de sua liberdade na atuação. De acordo com o autor, na gênese do instituto no ordenamento jurídico inglês, o amicus curiae poderia, espontaneamente, comparecer em juízo, ao contrário do consilliarius, onde sua participação era sempre requestada; de outra parte, o amicus curiae inglês, não era obrigado a ser completamente neutro na demanda, como a figura romana, mas podia oferecer manifestação que privilegiasse uma das partes da relação processual, de acordo com o seu convencimento [5].
Pelas razões expendidas, podemos entender, então, que o embrião que inspirou o amicus curiae, nasceu, de fato, no direito romano. Entretanto, não há como negar que o amicus curiae, em si, nasceu e se desenvolveu parcialmente na Inglaterra, onde passou a inspirar outros ordenamentos jurídicos, conforme será visto alhures.
2.1.1.2. Amicus curiae e o Direito Inglês: Nascimento e desenvolvimento na common law
Em que pesem as opiniões que sustentam ser o direito romano o berço do “amigo da corte”, temos, pelas razões acima expendidas, que, em verdade, o instituto em comento nasceu e se desenvolveu em terras anglo-saxãs. Ressalte-se, apenas a partir do ordenamento jurídico Inglês, é que se passou a sistematizar tal figura, de forma a se expandir para o resto do mundo, em especial, aos Estados Unidos da América.
Citando Elisabetta Silvestri, Cassio Scarpinella Bueno, informa que tal origem está, mais precisamente, no direito penal inglês medieval[6]. Continuando suas lições, informa que os amici curiae, compareciam nas cortes em causas que não envolviam interesses governamentais na qualidade de “attorney general”, ou, conforme explana o autor, de forma mais ampla, de counsels. Pois bem, a função da figura em comento, nestes casos, era a de apontar e sistematizar, atualizando, eventuais precedentes (cases) e leis (statutes) que se supunham, por qualquer razão, desconhecidos para juízes; dá-se o nome para a esta função de “shepardizing”, o que, para maiores esclarecimentos, significava a função de identificar não só os precedentes, mas sua ratio decidendi e sua evolução [7].
Giovanni Criscuolli traz precedentes desta figura que remontam um período que parte de 1353 e vai até 1866, de toda sorte, nos casos que narra, ressalta que sua função era a de esclarecer a “verdade” ao juízo, sem que houvesse qualquer interesse pessoal envolvido[8]. O que importava, neste caso, era apenas esclarecer o magistrado.
De toda sorte, Cassio Scarpinella Bueno cita um caso (Coxe VS. Phillips), em 1736, onde se admitiu que o Sr. Muilman, apesar de não ter interesse, propriamente dito, na demanda retro mencionada, enviasse um amicus curiae que representasse seus interesses, posto que, caso fosse admitida a tese da senhora Phillips, seu casamento poderia ser prejudicado[9].
Podemos ver, com os casos expostos e com base na doutrina[10], que os magistrados possuíam amplo grau de discricionariedade para admitir ou negar a participação dos “amigos da corte”, ou de delimitar os limites de sua participação.
Narra o autor Cassio Scarpinella Bueno que, apesar de improvável, o que fomentou ainda mais a participação do amicus curiae, foi o “adversary system” inglês, que dava ampla liberdade às partes de traçar suas estratégias e, inclusive, de ter uma demanda livre da ingerência de estranhos[11]. Todavia, a participação dos amici se tornava importante, pois estes, apesar de estranhos, mas não eram escolhidos aleatoriamente; eram sujeitos com condições de melhor elucidar a corte nas questões que fugiam de seu conhecimento.
Segundo Elisabetta Silvestri, atualmente no direito inglês, a atuação do amicus curiae é restrita aos casos em que o “Attorney General”, atua em prol de interesses públicos ou em favor dos interesses da Coroa Inglesa[12]. De toda sorte, há ainda a possibilidade de o juízo chamar algum amicus para o esclarecimento de questão que achar pertinente, mesmo que de direito, como uma entidade profissional que intervém no processo para esclarecer o juízo de determinado assunto que envolve interesses tutelados por ela[13].
2.1.1.3 O Ordenamento Norte Americano: Robustecimento do Amicus Curiae
A figura do Amicus Curiae, nos Estados Unidos da América, a princípio, era utilizada como forma da Administração Federal, ou outro membro da federação, apresentar-se em juízo para fazer prevalecer determinado interesse, sobre outro interesse particular, nas situações em que o embate privado poderia colocar em questão a aplicação do federalismo norte americano[14], ou, segundo Jorge Amaury Maia Nunes[15], “em princípio, a atuação do amicus curiae, nos Estados Unidos, fazia-se apenas na defesa do interesse público”.
De acordo com Elisabetta Silvestri[16], o interveniente se manifestava acerca de qual lei, estadual ou federal, deveria ser aplicada no caso concreto. Vemos, portanto, que, em que pese a demanda ser puramente privada, havia uma nítida conotação pública na participação do amicus curiae. O Interesse público legitimava esta intervenção, mesmo em demandas eminentemente particulares.
Ocorre que, a partir do início do século XX, a jurisprudência americana passou a admitir os “amicus curiae” particulares, desvirtuando, então, o caráter público do instituto. Eram “amici particulares”, defendendo interesses meramente particulares. Insta ressaltar que a admissão de um amicus particular não obstava a admissão do “attorney general”, na forma como exposta anteriormente, ou seja, para tutelar os interesses públicos.
Narra Cassio Scarpinella Bueno que:
[...] ao longo do início do século XX, passou-se a admitir a intervenção de amicus na forma de pequenas associações privadas. Na década de 1930, era mais comum falar em intervenções de “amici corporativos” do que, propriamente, em ‘amicus individuais’ representados por seus advogados. [17]
Neste sentido, para evitar, ou ao menos limitar a massificação desta modalidade de amicus curiae, fora editada a regra 27(9), trazendo a exigência de que houvesse consentimento das partes para que houvesse a intervenção pretendida[18]. Insta expor dois adendos acerca desta regulação; o primeiro consiste no fato de que isto não obstava o amicus curiae de requerer sua intervenção diretamente a corte, e; tal exigência, a de concordância das partes, era feita apenas aos “amici privados”, nunca aos governamentais, pois estes atuavam em razão do interesse público.
Aliás, é pertinente que se distinga os “amici privado”, dos “amici governamentais”. Em breves linhas, os primeiros buscam tutelar, direta ou indiretamente, interesses próprios, enquanto os segundos intervêm em função do interesse estatal, diretamente, mas indiretamente no interesse de toda a coletividade; em razão desta atuação, o amicus curiae privado tem um poder de atuação muito mais tênue[19], ele tem limitações que os governamentais não têm, conforme será analisado pela leitura da regra 37.
Ora, os amici governamentais pugnavam pelo fortalecimento do federalismo norte americano, pela proteção da coletividade como um todo, então sua colaboração não encontrava os mesmos limites de quem, assumidamente defendia um lado. Prestigiava-se a atuação mais próxima à neutralidade, similar à imparcialidade, do que a parcial participação do “amicus partidário”.
Cassio Scarpinella Bueno defende em seu livro que o amicus governamental podia colaborar com a decisão tomada pelo judiciário, “considerando que ele, como ente governamental que é, tem condições de oferecer maiores detalhamentos de políticas públicas e diretrizes governamentais”, minimizando qualquer interferência indevida de uma função Estatal na outra, ao mesmo tempo em que se consegue, uma imprescindível “cooperação” e “harmonização” das distintas funções governamentais[20].
Ocorre que, de uma forma ou de outra, os “litigant amici” passaram a ganhar cada vez mais força no ordenamento norte americano, pela ampla discricionariedade que a corte tinha em admiti-los. O doutrinador Cassio Scarpinella Bueno[21] traz à baila que este fortalecimento dos amicus curiae acabou se dando muito mais na quantidade, do que na qualidade de sua atuação processual.
Destarte, Elisabetta Silvestri, citada por Cassio Scarpinella Bueno[22], expõe que na adaptação do amicus curiae do direito inglês para o americano, acabou-se distorcendo sua qualidade de interveniente “neutro”, para alguém que mais equivalia um terceiro interessado na solução da causa.
Em razão do grande crescimento do instituto, em especial do litigant amici, tornou-se necessário a modificação do regramento que a própria Suprema Corte americana dava a figura em comento. Posto isto, veio ao ordenamento jurídico norte-americano, a retificada Regra 37 da Suprema Corte Americana e em momento posterior, a Regra 29 da “Federal Rules of appelate Procedure” [23].
Temos que a mudança de tais regramentos resultou em grande acréscimo ao instituto, como um todo, posto que se fortaleceu o entendimento de que a manifestação a ser aceita, seria aquela que traria argumentos e fundamentos relevantes ainda não levados ao julgamento pelas partes, conforme se infere da leitura da regra número 1 [24].
Cassio Scarpinella Bueno continua trazendo outros pontos importantes de tal regra. Apesar de longa a transcrição sintetiza de forma extremamente didática os pontos mais importantes da regra, vide infra:
[...]Também que a petição apresentada pelo amicus curiae, além de outras exigências formais (ela não deve ultrapassar 5 páginas, por exemplo), será aceita quando acompanhada do consentimento por escrito das partes quanto à intervenção ou quando for requerida pelo próprio tribunal. Este, de qualquer sorte, poderá apreciar também a possibilidade de atuação do amicus curiae mesmo sem o prévio consentimento dos litigantes, hipótese em que o amicus deverá declinar o interesse que justifica sua intervenção. Há um prazo para manifestações do amicus, que deve observar, de certa forma, o mesmo reservado para as partes se contraporem aos argumentos e manifestações da parte contrária. As pessoas públicas podem atuar como amici curiae independentemente de prévio consentimento das partes ou de determinação judicial. Por fim, os amici privados deverão indicar se o advogado de uma das partes ou outrem redigiu a petição e em que proporção, além de indicar toda pessoa ou entidade, que não o próprio amicus, seus membros ou o seu advogado, que, de alguma forma, contribuíram economicamente para a preparação de sua manifestação. Essas informações deverão ser inseridas na primeira nota de rodapé da primeira página da manifestação. [25]
Após as esclarecedoras lições de Cássio Scarpinella Bueno sobre a regra 37 da Suprema Corte americana, cumpre expor brevíssimas considerações sobre a regra 29 do “Federal Rules of appelate Procedure”[26], responsável, junto com a retro mencionada norma 37, por estabelecer normatização do amicus curiae no direito norte americano.
Além de alguns mandamentos similares a regra 37, e importantes requisitos formais, que apesar de relevantes, não serão abordados aqui em função da proposta principal do trabalho, temos como pontos a serem abordados, em especial, os dois primeiros da regra em comento.
O primeiro mandamento preleciona que o amicus curiae governamental não precisa da anuência de quaisquer das partes ou mesmo da corte; em contraposição a isto, o amicus curiae particular só pode ingressar em juízo com a anuência de ambas as partes, ou quando convocados pelo tribunal.
O tópico b, da regra em comento, acrescenta mais uma obrigação aos amici interessados. A petição que solicitar o ingresso deverá ser acompanhada dos motivos que levaram a tal manifestação e a razão pela qual a manifestação do amicus curiae é desejável para a decisão do caso sob judice.
Constatamos, que o que pretendeu a Suprema Corte Norte Americana e o ordenamento jurídico como um todo foi inibir a massificada participação dos amici curiae particulares, selecionando as manifestações relevantes. Buscou-se, em verdade, eleger de forma mais rigorosa quais participações efetivamente trariam algo de relevante para o julgamento.
Temos que o fim das medidas era o de inverter o fenômeno que já foi tratado acima, ampliando a qualidade das manifestações e, como consequência, diminuindo a quantidade. Em verdade, buscou-se selecionar as participações pela sua qualidade, não pelo seu interesse individual na causa. Pensamos que os litigant amici passaram a ser uma distorção do amicus curiae.
O fato é que apesar da teleologia das normas, Jorge Amaury Maia Nunes, afirma que, atualmente, no direito norte americano, “basta que haja um interesse, ainda que indireto, na solução da demanda, para que o terceiro emita sua opinião jurídica e seja ouvido pela Corte” [27].
Em igual sentido, Cassio Scarpinella Bueno faz um estudo onde mostra que em 1970, apenas 53,4%, de todos os casos comerciais pendentes de julgamento pela Suprema Corte americana, tinham manifestações de amici curiae, enquanto, em 1998, este percentual já alcançara 95%. Não nos restam dúvidas, portanto, que a figura do amicus curiae ganhou imensurável relevância no direito norte americano, onde, segundo o estudo aqui posto, 9.5 a cada 10 demandas contempla a participação de ao menos um deles [28].
Temos, por fim, que este foi o real valor do ordenamento jurídico norte americano. Concordando ou não com os rumos que tal instituto trilhou naquele ordenamento, é inegável que foi lá que o amicus curiae ganhou mais força, talvez pela sistematização do sistema, influenciando não só países da common law (da onde a figura é típica), mas países da civil law (incluindo o Brasil) e até cortes supranacionais.
Explanada a evolução histórica do instituto, é curial discorrer sobre o atual tratamento que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a doutrina pátria vem dando a tão importante figura. Disto nos ocuparemos no capítulo seguinte.
2.2. O AMICUS CURIAE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.2.1. O PANORAMA ANTERIOR À LEI 13.105/2015.
Ab initio, cumpre esclarecer que em que pese tal figura ser admitida pela doutrina e jurisprudência majoritária, senão pacífica em nosso país, não havia, antes do Novo Código de Processo Civil, dentre as normas constitucionais ou legais, sequer uma referência expressa aos amici curiae. Havia, entretanto, apenas uma resolução do Conselho da Justiça Federal, de número 390/2004, que em seu artigo 23, §1º, se dirige diretamente a esta figura, concedendo-lhe direito de apresentar memoriais e, até de fazer sustentação oral.
Tínhamos, contudo, referências admitidas pela esmagadora maioria dos juristas, como tal. Dentre elas, a que mais nos interessa aqui é o artigo 7º,§2º da lei 9868/99. Embora relevantes, as menções contidas nos artigos, 31 da lei 6.385/76; 89 da lei 8.884/94; 49 da lei 8.906/94 e; 57, 118 e 175 da lei n. 9279/96; referentes, respectivamente a discussão de admissão do amicus curiae em procedimentos relativos a CVM, CADE, OAB e INPI, não serão discutidas pois, apesar de marcarem o desenvolvimento histórico de tal figura, fogem ao foco deste trabalho, que se funda basicamente na relação entre os amici curiae e a jurisdição constitucional pátria, exercida pelo Supremo Tribunal Federal.
Por fim, notamos que apesar de uma crescente produção jurisprudencial e doutrinária, insistindo em reconhecer o instituto, ainda pisamos em um terreno pantanoso, que ganhou sua primeira referência expressa em lei com o Novo Código de Processo Civil.
Nesta toada, é necessário tratar o panorama do instituto anterior à lei 13.105/2015 com base, especialmente, na orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.
Imperioso ressaltar que não ignoramos a importância da evolução histórica do instituto, principalmente a partir da menção na lei da Comissão de Valores Mobiliários, contudo, escolhemos não abordá-las por foco a jurisdição constitucional e por receio de nos alongarmos demasiadamente em vários tópicos de forma a não analisá-los de forma satisfatória.
2.2.1.1. O AMICUS CURIAE NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PÁTRIO
Preleciona o artigo 7º, §2º da lei 9868/99 que o relator do processo em pauta, “considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades” [29].
Pois bem, temos aqui positivação, ainda que não expressa, do amicus curiae em nosso ordenamento jurídico. Antes de adentrarmos aos seus requisitos, cumpre fazer duas sucintas observações.
A primeira tem a ver com a própria teleologia do instituto. O Supremo Tribunal Federal já abordou este tema, por meio de decisão monocrática do Ministro Cezar Peluso, nos autos da ADI 4173, quando deferiu o ingresso do Estado de São Paulo, como amicus curiae no feito:
A admissão legal da figura do amicus curiae , tradicional no sistema da common law , constitui evidente manifestação do impacto que o julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade produz sobre a ordem jurídico-social. Com prevê-la, abre-se um canal valioso para a participação de membros do corpo social interessados no processo de tomada de decisão da Corte, em reforço da legitimidade e do caráter plural e democrático da atividade exercida pelo julgador. Como já bem se asseverou:
A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae , no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais (grifo nosso). [30]
Não nos restam dúvidas, então, que a finalidade da admissão do amicus curiae no controle de constitucionalidade, é justamente permitir a abertura da jurisdição constitucional, de forma a chamar as instituições representativas das camadas da sociedade a participar do embate jurídico político, resgatar o senso cívico da população, perdido em razão de anos de alijamento de tais debates.
O outro questionamento se dá em relação à própria natureza do instituto. Ora, que o amicus curiae é um “terceiro interveniente”, não há questionamentos, entretanto, ele poderia ser considerado como parte integrante das modalidades de “intervenção de terceiros” previstas nos artigos 50 e seguintes do código de processo civil/73? Sob a égide do antigo diploma processual, não.
A primeira premissa que temos para responder este questionamento é o próprio mandamento do caput do artigo 7º da lei 9868/99. O artigo é peremptório ao dispor que não se admitirá a intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.
Por um raciocínio sistemático, ao vedar esta possibilidade de intervenção no caput e, logo no parágrafo segundo do mesmo dispositivo, permitir a participação de outros órgãos e entidades, temos que o legislador quis afastar tal figura processualista.
Ocorre que tal mandamento não é descabido, há um fundamento jurídico para tal. O processo abstrato de fiscalização normativa tem caráter objetivo. Conforme explica Cassio Scarpinella Bueno:
[...] o Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle concentrado de constitucionalidade, não “julga” nenhum interesse ou direito subjetivado, isto é, concretizado em uma específica relação jurídica que dá ensejo, por definição, ao nascimento de pretensões concretas. [31]
O processualista continua suas lições, defendendo que:
A lógica da vedação da intervenção de terceiros, destarte, toma como base de raciocínio o mesmo contexto que o Código de Processo Civil e, mais amplamente, toda a doutrina processual civil sempre levaram em consideração ao longo dos tempos para moldar, sistematizar e aplicar as modalidades de intervenção de terceiros, qual seja, a existência de um específico ‘interesse’ ou ‘direito’ de um terceiro que deriva, direta ou indiretamente, da demanda pendente entre duas outras pessoas. Trata-se, pois, de um ‘interesse’ ou de um ‘direito’ concreto, que tem dono, que tem titular. [32]
Concluímos, então, que não podíamos tomar a participação do amicus curiae como mais uma forma de “intervenção de terceiros” sobre o prisma do código de processo civil/1973. A participação desta figura visa contribuir para a formação do convencimento dos membros do Supremo Tribunal Federal, no exercício da jurisdição constitucional, não para salvaguardar direitos próprios, concretos seus ou de seus membros, mas uma intervenção que busca tutelar os efeitos externos e difusos do que for decidido [33].
Por outro lado, Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, em relação a natureza jurídica deste instituto, adota outra posição. Para o mencionado autor, os amici curiae, ora funcionavam como auxiliares do juízo, ora funcionavam como terceiros intervenientes[34].
O autor dividia os amigos da corte em duas hipóteses, a primeira relativa à intervenção voluntária e a segunda tangente à iniciativa por requisição do juízo. Em relação aos últimos (cita o doutrinador como exemplos os artigos 9º, §1º , e 20, §1 da lei 9868/1999; e artigo 6º, §1º da lei 9882/99, referentes respectivamente à Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), o amicus curiae estaria agindo em função semelhante à do “auxiliar do juízo”[35].
Argumenta o autor que, nesta função, os amici curiae agiriam em razão da requisição do juiz da causa, pela necessidade que o mesmo tem de produzir uma decisão mais próxima possível da realidade. Este poder decorre da tendência de se atribuir ao ocupante da função jurisdicional, maiores poderes instrutórios na condução do processo. Em suma, o instituto em comento agiria “em benefício da corte”, para agregar “instrumento de ativa participação democrática” ao julgamento[36].
Em raciocínio paralelo, Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá esclarece que quando os amici curiae agissem por intervenção voluntária (citam-se como exemplos o artigo 7º,§2º da lei 9868/99, que regulamenta a Ação Direta de Inconstitucionalidade; artigo 482, §§1º a 3º do CPC/73, responsável por disciplinar o julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade; artigo 6º, §2º da lei 9882/99, contido na lei da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; artigos 14, §7º e 15 da lei 10.259/01, que disciplina o funcionamento dos Juizados Especiais Federais; artigo 89 da lei 8884/94, revogado pela lei 12.529/2011, mas que encontra neste mesmo diploma legal tratamento similar no artigo 118, ou seja, dispondo sobre a participação do CADE em processos judiciais em que a aplicação da referida lei estiver sendo discutida; artigo 31 da lei 6.385/76, que regulamenta a participação do CVM em processos cuja matéria seja de competência; e, por fim, artigos 57 e 175 da lei 9.279/96, que no mesmo sentido dos demais, regulamenta a atuação do INPI), estaríamos diante da natureza de terceiros intervenientes, apesar de diferentes das previstas no antigo código de processo civil[37].
Opina o autor no sentido de que as previsões legislativas retro mencionadas acabaram alterando a conformação e os limites da intervenção de terceiros no âmbito do processo civil, admitindo-se, então novas hipóteses neste sentido.
Leciona Carlos Gustavo Del Prá que tendemos a interpretar restritivamente os casos de ingresso de um terceiro em processo alheio por influência dos ordenamentos da família “romano-germânica”, que costumavam conferir um “caráter fechado” à relação processual, entretanto, segundo ele, não há mais motivos para tal regra prosperar entre nós.
Mister se faz ressaltar que o presente tópico tangencia o tratamento dos amici curiae antes da entrada em vigor da lei 13.105/2015 que disciplina a figura expressamente em seu artigo 138, e define que se trata de intervenção de terceiros.
Passados estes breves esclarecimentos, cumpre analisar, de forma concisa, alguns requisitos e aspectos importantes em geral da figura prevista no artigo 7º, §2º da lei 9868/99. Começaremos com os requisitos para a admissão, previstos no próprio texto legal, quais sejam, a “relevância da matéria” e a “representatividade do postulante”.
2.2.1.2. Os Requisitos Positivados na lei 9868/99 analisados pela ordem jurídica do Código de Processo Civil de 1973.
2.2.1.2.1.. Relevância da matéria
Quanto ao primeiro requisito, temos que a melhor solução para se aferir o preenchimento ou não deste, é dado por Cassio Scarpinella Bueno, vide infra:
Levando em conta os contornos da ação direta de inconstitucionalidade e o entendimento absolutamente pacífico de que seu julgamento transforma, inequivocamente, o órgão jurisdicional em verdadeiro órgão político, não parece errôneo o entendimento de que, pelo mero ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, a matéria nela veiculada é, ipso facto, relevante inclusive para fins de que se trata o §2º do artigo 7º da lei 9869/99. [38]
O autor prossegue suas lições com uma exceção a tal regra, conforme exposto abaixo:
Se se tratar, com efeito, de matéria exclusivamente jurídica, cuja aferição de inconstitucionalidade dependa, no máximo, do exame de documentos que podem ser levados aos autos com a petição inicial ou, no máximo, com a instrução de que tratam os arts. 6º, 8º e 9º da Lei n. 9868/99, acreditamos que deva ser descartada a presença desse requisito. [39]
Entendemos, então, com a guarida da brilhante doutrina do processualista retro exposto, que, ao tratarmos de controle abstrato de constitucionalidade, o mero ajuizamento da ação já autoriza o preenchimento deste primeiro requisito, posto que tratamos de verdadeira hipótese de modificação do ordenamento jurídico, pela retirada de uma norma, e, por consequência de averiguação de possível incompatibilidade com a Constituição Federal. Ante o exposto, concluímos que estão em jogo a incolumidade do sistema jurídico e a supremacia constitucional.
A exceção fica para quando tratarmos de matéria essencialmente jurídica, quando a participação do amicus curiae pode se tornar desnecessária. Importante frisar, e aqui fazemos segundo o nosso entendimento, que neste caso o requisito pode até ser cumprido, nos termos da supremacia da constituição e da incolumidade do ordenamento jurídico, mas se a participação não trouxer nada de relevante ao julgamento, não haverá de ser admitida. Esta exceção mais se assemelha ao que já foi mencionado na regra 29 da “Federal Rules of appelate Procedure” e na regra 37 da Suprema Corte Americana.
Em relação à jurisprudência da Suprema Corte Brasileira, são raras as decisões que inadmitem a participação de um amicus curiae sob o fundamento de não preenchimento do requisito da “relevância da matéria”. Costuma a egrégia Corte Constitucional focar-se, basicamente, na questão da representatividade adequada. De toda sorte, podemos verificar casos em que se vedou a participação de um “amigo da corte” em face da “baixa complexidade da matéria”. Vide infra:
[...] No caso, está em jogo diploma que versa sobre a criação de cargos em provimento em comissões e de funções gratificadas. Inexiste situação concreta a ensejar a participação do sindicato, por maior que seja a representatividade. Em síntese, não se mostra necessária, diante da envergadura do tema em discussão, a manifestação de órgãos ou entidades. 3. Indefiro o pleito. [40]
2.2.1.2.2. Representatividade do postulante
Tema de profunda relevância, a representatividade do postulante é o maior fundamento para admissão ou inadmissão da participação de amici curiae em julgamentos no Supremo Tribunal Federal. A Suprema Corte Brasileira enfrenta diariamente questionamentos sobre a figura, inclusive recentemente, por meio de decisão monocrática da Ministra Rosa Weber que se colaciona, vide infra:
[...] Os verdadeiros filtros à proliferação indevida de requerimentos de ingresso como amicus curiae decorrem do requisito da representatividade adequada, conjugado com os requisitos concernentes à utilidade e à conveniência da sua intervenção.
Por força do requisito da representatividade adequada, não se admite o ingresso no feito, na qualidade de amici curiae, de pessoas físicas ou jurídicas interessadas apenas - ou fundamentalmente - no desfecho do seu processo, como aquelas que têm recursos sobrestados na origem, aguardando o desfecho de processos com repercussão geral reconhecida por esta Corte (RE 590415, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática proferida em 29.9.2011).
Essa conclusão é corroborada pela expressa redação do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99, que se refere a “órgãos ou entidades”, e não, de modo geral, a pessoas físicas ou jurídicas.
A utilidade e a conveniência da intervenção do amicus curiae também deverão ser previamente examinadas pelo relator, ao decidir sobre o seu pleito de ingresso no processo. Por isso é que o art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 lhe confere um poder discricionário (“o relator [...] poderá, por despacho irrecorrível, admitir ...), e não vinculado.
Na dicção do Ministro Celso de Mello, “a intervenção do `amicus curiae´, para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional” (ADI 2.321 MC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 25.10.2000, excerto da ementa).
Tais requisitos dizem respeito à apreciação, que o relator deve fazer, acerca da necessidade de ingresso de amici curiae no processo e, ainda, da efetiva contribuição que a sua intervenção pode trazer para uma solução ótima da lide jurídico-constitucional. [41].
É importante frisar, que a Ministra relatora fez não só uma interpretação a contrario sensu de quem possui a representatividade adequada, expondo que não serão admitidas as participações de pessoas física e jurídicas que possuem interesses estritamente subjetivos no deslinde da demanda; como, também, discorreu acerca da utilidade que a intervenção deve ter para que se alcance a solução ótima almejada.
Destarte, discorre Cassio Scarpinella Bueno, em lições similares, que a representatividade adequada pertence a pessoas, grupo de pessoas, ou entidades de direito público ou privado que conseguirem demonstrar, basicamente dois requisitos: 1. Interesse institucional na causa, sendo este entendido como a condição de legítimo representante de um grupo de pessoas e de seus interesses, sem que, contudo, haja interesse subjetivo deste representante na lide. O que se deve tutelar na condição de amicus curiae é o interesse de uma categoria como um todo, este representante deve atuar dentro de suas finalidades institucionais, ou, em sentido contrário, “meros interesses corporativos, que dizem respeito apenas à própria entidade que reclama seu ingresso em juízo, não são suficientes para sua admissão na qualidade de amicus curiae”[42]; 2. Que, em decorrência desta representatividade, a participação dos amici curiae seja desejável no sentido de fornecer elementos úteis e necessários ao deslinde da causa [43].
Pois bem, explanados os requisitos básicos para o preenchimento da representatividade adequada, cumpre expor que mesmo os colegitimados a propor a ADIn, nos termos do artigo 103 da Constituição Federal, estão autorizados a intervir como amicus curiae, preenchidas as condições expostas. Há, entretanto, de se fazer duas observações acerca desta assertiva.
A primeira colocação, retomando os debates quanto à natureza jurídica da figura, tange a confusão dos institutos “amicus curiae” e “intervenção de terceiros”, nos termos do código de processo civil[44].
É notório, na doutrina processualista, que quem detiver a legitimidade para propor o feito, mas não o fizer, poderá interferir nele na qualidade de assistente litisconsorcial. A contradição é que o caput do artigo 7º da lei 9868/99, veda expressamente a intervenção de terceiros. Ocorre que, neste caso, os colegitimados não estarão defendendo interesses próprios seus, mas sim, estarão atuando como ajudantes da corte, no sentido do voto da ministra Rosa Weber:
Os “amigos da Corte” não atuam como assistentes litisconsorciais e não estão legitimados a atuar na defesa incondicional dos seus próprios interesses. Mesmo que os defendam, como usualmente ocorre, devem fazê-lo conscientes de que a sua intervenção é admitida apenas para enriquecer o debate jurídico e contribuir para a Suprema Corte chegar à decisão mais justa, em consonância com as peculiaridades das múltiplas relações interpessoais que diariamente são submetidas à sua apreciação. [45]
Em suma, é permitida a participação dos colegitimados, mas não na qualidade de assistentes litisconsorciais, e sim como amici curiae, nos termos do artigo 7º, §2º, da lei 9868/99.
A contrario sensu, Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá se posiciona quanto à intervenção dos colegitimados na qualidade de assistentes litisconsorciais, nos casos em que pretenderem auxiliar o assistido em sua vitória, ou quando pretenderem defender a inconstitucionalidade ou constitucionalidade de uma norma impugnada. Ressalte-se, que nestes casos, segundo o autor, terão sua participação vinculada a uma das teses, o que não aconteceria se intervissem como amici curiae, posto que a figura detém ampla liberdade para defender quaisquer dos “lados”.[46]
Ora, não vemos como esta tese possa prosperar. Não há “lado” a se defender, não há partes definidas em um processo objetivo de controle de constitucionalidade de normas. O que está em jogo é a Supremacia da Constituição e o princípio da estabilidade das relações jurídicas. Posto isto, não há como um colegitimado interferir como assistente litisconsorcial, pois a figura em si é incompatível com este tipo de controle de constitucionalidade. Destarte, como já exposto, há decisão do Supremo Tribunal Federal neste sentido.
De qualquer forma, cumpre expor que esta discussão é relevante porque, segundo Carlos Gustavo Del Prá, os colegitimados não são obrigados a comprovar o requisito da legitimação adequada, ou a pertinência da matéria para requerer sua intervenção. Ressaltamos a discordância neste sentido pelos motivos já aduzidos [47].
Por fim, ainda em relação à representação adequada, é mister expor um aspecto, uma vedação que a própria lei 9868/99 impõe; o artigo 7º, §2º do referido diploma legal se refere a “órgãos e entidades”. Desta leitura, se infere que não poderão intervir pessoas físicas, por mais relevantes que possam ser suas colocações.
Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá traz lições semelhantes, entretanto, diferenciando os “amici voluntários” e os “amici requisitados”. De acordo com o autor, os amici que forem requisitados pelo juízo não se sujeitam a esta vedação, portanto, podem ser sim grupos de pessoas, cientistas e afins, remanescendo a exclusão apenas para os amigos da corte que almejarem adentrar a lide voluntariamente [48].
De toda sorte, não raro encontrávamos menções em decisões do Supremo Tribunal Federal excluindo as pessoas físicas da qualidade de amici curiae. Com fim ilustrativo segue abaixo trecho de recente decisão proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski:
[...] Dessa forma, por ser regra de exceção, sua interpretação deve ser restrita, não sendo possível o deferimento do pedido de ingresso de pessoa física, ainda que deputado estadual, na qualidade de amicus curiae. [49]
Imperioso ressaltar que com a vigência do Novo Código de Processo Civil, passou-se a admitir expressamente pessoas naturais como amici curiae. Não vemos motivos para que este mandamento não seja aplicado ao controle de constitucionalidade, uma vez que não há como sustentar que ao se referir a órgãos e entidades, a legislação especial silenciou de forma intencional (silêncio eloquente) ao tema.
2.2.1.2.3 Momento da intervenção e Prazo para as manifestações dos Amici curiae.
Em relação ao momento da intervenção, por bastante tempo se desenvolveu uma celeuma no ordenamento jurídico. O dispositivo legal que disciplina este quesito da admissão do amicus curiae, preleciona que o relator poderá admiti-los “observado o prazo fixado no parágrafo anterior”. Ocorre que o parágrafo referido foi vetado, surgindo uma lacuna legal. Trata-se do artigo 7º, §1º da lei 9868/99.
Com o fito de suprir a referida lacuna legal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a se manifestar sobre o assunto. Segundo Cassio Scarpinella Bueno[50] e Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá[51], o mais célebre caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal que veio tentar responder este questionamento, foi a ADIN 2.937/DF, proposta pelo Partido Progressista, para impugnar determinados dispositivos do Estatuto do Torcedor.
Neste caso, diversos clubes de futebol tentaram adentrar a lide na qualidade de amici curiae, entretanto, esta participação foi negada sob o argumento de preclusão. Entendeu o egrégio Supremo Tribunal Federal que, em razão do veto do parágrafo primeiro do artigo 7º da lei 9868/99, a aplicação do artigo 6º, parágrafo único do mesmo diploma normativo era o meio idôneo a responder o instante procedimental da intervenção do amicus curiae.
Em suma, entendeu a Suprema Corte Brasileira que os amici curiae deveriam observar o prazo de trinta dias, a contar da solicitação de informações do relator remetida às pessoas jurídicas responsáveis pelo ato impugnado. Como bem resume Carlos Del Prá entendeu-se que, “uma vez solicitadas as informações do art. 6º, o prazo para manifestação correria não só para as pessoas jurídicas responsáveis pelo ato impugnado, mas também para os amici curiae” [52].
Ainda de acordo com o raciocínio da Corte Constitucional pátria, haveria de se observar a “preclusão consumativa”. A possibilidade de intervenção dos “amigos da corte” se esgotaria assim que as autoridades do artigo 6º apresentassem suas informações; no momento em que este ato processual fosse praticado pelas pessoas jurídicas responsáveis pelo ato impugnado, haveria preclusão consumativa para o ingresso dos amici curiae na lide. Ressalta Cassio Scarpinella Bueno que estas linhas de raciocínio foram trabalhadas visando “evitar o absurdo da admissibilidade ilimitada de intervenções com graves transtornos ao procedimento” [53].
Curial apontar quão nocivos ambos os entendimentos do Supremo Tribunal Federal foram para o desenvolvimento da figura em comento. Em relação ao primeiro entendimento, qual seja, a do dies a quo e prazo para manifestação dos “amigos da corte”, entendemos que estaria se esvaziando de sobremaneira a utilidade da figura.
Como bem critica Carlos Gustavo Del Prá, se requisitaria formalmente as informações para as autoridades responsáveis pelo ato impugnado, de forma que apenas a partir do recebimento deste pedido e do notório conhecimento da existência do mesmo por elas, é que se daria o início da contagem do prazo preclusivo [54].
A contrario sensu, para os amici curiae a ação sequer existiria, a rigor. Empiricamente estes “terceiros intervenientes” teriam sua participação dificultada por ainda, possivelmente, desconhecerem a ação proposta. Ora, ainda que se considerasse que grande parte dos potenciais intervenientes viessem a conhecer a demanda em prazo hábil, ainda necessitariam estudá-la para cumprir sua efetiva função de democratização do processo.
Destarte, o segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, pareceu-nos ainda mais temerário. Ainda no caso supracitado, onde consideramos que grande parte dos amici curiae conhecessem a existência da ação em tempo hábil, ou, a título ilustrativo, no décimo dia do prazo previsto no artigo 6º, parágrafo único da lei 9868/99; caso as pessoas jurídicas responsáveis pelo ato impugnado oferecessem as informações que lhes cabiam prestar no décimo segundo dia, os “amigos da corte” só teriam dois dias para requerer sua intervenção.
Conclui-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal era extremamente retrógrado e prejudicial ao desenvolvimento de uma jurisdição constitucional efetivamente democrática. Por bem, este paradigma foi quebrado.
O mais recente entendimento da Corte Constitucional brasileira demonstra uma evolução extremamente desejável em relação ao que foi exposto. O próprio Ministro Cezar Peluso, relator da ADIN 2.937/DF, passou a admitir o ingresso do amicus curiae, mesmo quando ultrapassado o prazo das informações[55].
Citamos, entretanto, dois precedentes mais recentes e fundamentais para a construção de como o Supremo Tribunal Federal vem entendendo este aspecto processual dos amici curiae no controle abstrato de constitucionalidade.
O primeiro teve vez por meio da ADPF 33/PA, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. Neste julgamento, admitiu-se o ingresso dos amigos da corte mesmo após terem sido prestadas as informações das pessoas jurídicas responsáveis pela norma impugnada[56]. Neste caso, refutou-se a antiquada posição do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a preclusão consumativa.
Posteriormente, na ADI 4071 AgR/DF,sob relatoria do Ministro Menezes Direito, fixou-se como prazo final para a intervenção dos amici curiae, o término da instrução. Após liberado o processo pelo relator para inclusão na pauta de julgamento, seria vedada o ingresso de novos amici curiae no processo[57]. Decisão corroborada, a posteriori, pelo Ministro Joaquim Barbosa, no bojo do Agravo Regimental na ADI 4067/DF[58]. Esta decisão veio afastar a tese da preclusão temporal acima abordada.
Concluímos, com a guarida da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e com a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno que o prazo final para a intervenção do amicus curiae é “a indicação para o julgamento, com a sua inserção em pauta, dado objetivo que revela que o relator apresenta-se em condições de decidi-lo”[59].
Ora, se a função do amici curiae é democratizar a jurisdição, pluralizando os debates, levando ao conhecimento dos julgadores fatos novos e relevantes, o momento idôneo a isso é a fase instrutória. Neste sentido, pensamos que age corretamente o Supremo Tribunal Federal.
Neste contexto, cumpre aproveitarmos-nos, novamente, das lições de Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá. O doutrinador, como de costume, divide o “momento de intervenção” quanto aos amici voluntários e os que agem por requisição do juiz. Por suas lições, temos que o que já foi exposto aplica-se exclusivamente aos amigos da corte que desejarem ingressar voluntariamente nos debates [60].
Nas lições do autor, o amicus curiae que agir por requisição do juízo deve ser instado, por óbvio, antes do encerramento da fase instrutória, mas sua manifestação pode ser fornecida “no prazo de 30 dias, contados da solicitação do relator (art. 9º, §3º, e art. 20, §3º)” [61].
2.2.1.2.4. Poderes do Amicus Curiae: Jurisprudência sob a égide do CPC/73.
Além do poder de peticionar, derivado da própria lógica do instituto, afinal, é a forma mais ordinária de se levar uma manifestação ao tribunal, também é dado aos amici curiae o poder de sustentar oralmente o seu ponto de vista.
A sustentação oral foi uma grande vitória deste instituto, alcançada em 2004, por meio da emenda regimental n. 15. A referida emenda acrescentou ao regimento interno da Suprema Corte brasileira, o §3º do artigo 131, concedendo, assim, aos “amigos da corte”, tal poder, de forma a fortalecer ainda mais a figura, aproximando-a da formação de convencimento dos julgadores.
Além do exposto, discute-se a possibilidade do amicus curiae interpor recursos em face do despacho que o inadmitiu, ou de apresentar embargos de declaração contra a decisão do Supremo Tribunal Federal que feriu seus interesses.
Quanto à primeira possibilidade de recurso, do despacho que não admitiu a participação do amicus curiae, prevalecia, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 que o amicus curiae poderia recorrer sobre a decisão que o inadmitiu, uma vez que só seriam irrecorríveis as decisões que o admitia. A interpretação era feita a contrario sensu do artigo 7º, §2º da lei 9868/99.
Quanto à segunda possibilidade de recurso, qual seja, a de apresentar embargos de declaração em face de decisão que contrariou seus interesses, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também vem se manifestando contra esta possibilidade, conforme retrata decisão monocrática do Ministro Eros Grau[62].
Em sentido contrário, temos a posição de Cassio Scarpinella Bueno que sustenta: “[...] a legitimidade do amicus para recorrer das decisões proferidas em desfavor de sua intervenção ou em desfavor dos interesses que justificam sua intervenção”[63]
Cumpre também expor a opinião de Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá. Ab initio vale ressaltar que o autor, novamente, divide os amici curiae em terceiros intervenientes, quando intervém voluntariamente na demanda; e auxiliares do juízo, quando sua manifestação é instada pelo detentor do poder jurisdicional.
Em relação aos primeiros, o autor preleciona que não poderão: “(i) recorrer quanto às questões diretamente relacionadas ao objeto da ação; (ii) formular ou alterar pedido; (iii) praticar qualquer ato de disposição de direito; (iv) apresentar exceções, etc”.[64]
Em contrapartida, o autor se manifesta no sentido de que os amici curiae voluntários poderão apresentar memoriais ou qualquer outra forma de esclarecimento por escrito, juntar documentos, fazer sustentação oral, nos termos do que já foi aduzido, mas afirma que poderão “recorrer da decisão que indeferiu sua intervenção, bem como das decisões referentes a forma, conteúdo e extensão da sua participação; (...) requerer ao relator sejam determinadas medidas para esclarecer matéria insuficientemente nos autos”, solicitar perícias e até audiências públicas[65].
Em relação aos amici curiae “auxiliares do juízo”, segundo sua classificação, são concedidos apenas os poderes de informar matéria de fato, apresentar manifestações sobre questões jurídicas ou, ainda, juntar documentos. O autor se manifesta também no sentido que o amicus curiae também pode requerer, ao relatar, as medidas de esclarecimento previstas nos artigos 9º e 20º da lei 9868/99 [66].
2.2.2 A PARTICIPAÇÃO DO AMICUS CURIAE NAS DEMAIS FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ABSTRATO E NO CONTROLE CONCRETO.
Para encerrarmos este tópico, cumpre abordar outro tema relevante, qual seja, possibilidade de participação do amicus curiae nos demais processos de controle de constitucionalidade abstrato, em razão da omissão legislativa a respeito. O dispositivo legal que fundamentou nosso estudo, até agora, estava contido nas regras da Ação Direta de Inconstitucionalidade, não havendo previsão idêntica para a Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Além do próprio controle incidental de constitucionalidade, que possui um dispositivo similar, contido no artigo 482, §3º do Código de Processo Civil, incluído pela própria lei 9868/99.
De qualquer forma, o Supremo vem entendendo ser admissível a participação do amicus curiae, nas demais formas de controle abstrato de constitucionalidade e, no recurso extraordinário quando admitida a sua repercussão geral. Neste sentido, é o voto da ministra Rosa Weber:
Essas razões, ligadas ao seu papel na formação da convicção da Corte em processos de caráter objetivo, impedem o seu ingresso em ações e incidentes de caráter meramente subjetivo, como a ação de mandado de segurança (MS 26552-AgR-AgR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22.11.2007) e, ainda, limitam, em princípio, a possibilidade de ingresso no processo objetivo à data de liberação da ação direta para julgamento (ADI 4067 AgR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa,julgado em 10.3.2010).
Por outro lado, tais razões impeliram o Supremo Tribunal Federal a conferir interpretação extensiva ao art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99, admitindo a intervenção de amicus curiae nas ações declaratórias de constitucionalidade e inclusive nos recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, pelo caráter objetivo que assumem após tal fase processual. [67]
Pois bem, no atinente à Ação Declaratória de Constitucionalidade, seria fugir de qualquer lógica, inadmitir o amicus curiae por mero formalismo. Como defende o Ministro Gilmar Mendes[68], ADIn e ADC são ações de mesma natureza jurídica, mas com os sinais trocados. O critério aqui é a aplicação do instituto por uma interpretação lógico-sistemática e teleológica. Inadmitir a participação do amicus curiae no processo da Ação de Declaratória de Constitucionalidade, considerando a sua similitude com a Ação Direta de Inconstitucionalidade, seria como quebrar a homogeneidade que demanda o sistema constitucional brasileiro.
No que se refere à ADPF, o Supremo Tribunal Federal também vem aplicando analogicamente o artigo 7º, §2º da lei 9868/99. Este foi o entendimento da Suprema corte nas seguintes arguições de descumprimento de preceito fundamental: 1. ADPF 33/PA; 2. ADPF 46/DF; 3. ADPF 73/DF; 4. ADPF 97/PA. Temos que a finalidade é a mesma, qual seja, de possibilitar a abertura da jurisdição constitucional por meio de sua democratização, legitimando, assim, as decisões obtidas em tais procedimentos.
Em relação à participação do amicus curiae no controle concreto de constitucionalidade, apesar do trecho de decisão posto acima, que denota a indubitável admissibilidade desta figura no controle de constitucionalidade incidental, cumpre expor uma observação, lembrando que o foco deste trabalho está no Supremo Tribunal Federal, não nos tribunais inferiores.
Ao contrário do que ocorre com a ADC ou a ADPF, quando tratamos de controle difuso de constitucionalidade, regido pelo Código de Processo Civil, há uma dispositivo no mesmo sentido do que foi abordado na ADIn, permitindo que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
Posto isto, é inadmissível que se sustente, caso cumpridos os requisitos já expostos anteriormente, a não participação do amicus curiae. Em que pese o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que tal permissão venha de um juízo estritamente discricionário do magistrado (vide ADPF 54), defendemos a posição de Cassio Scarpinella Bueno, de que a decisão que admitir ou inadmitir a participação do amicus curiae, deve ser fundada em considerações objetivas, as quais entendemos ser o preenchimento dos requisitos expostos: 1. Relevância da matéria; 2. Representatividade adequada.
2.2.3. Breves considerações sobre o atual panorama dos amici curiae na jurisprudência Brasileira ANTERIOR AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
É certo que os “amigos da corte” vêm ganhando atenção especial no que tange ao aperfeiçoamento de suas funções, junto ao Supremo Tribunal Federal. Muito se evoluiu desde os primeiros passos da “importação” brasileira desta figura. Citamos, a título exemplificativo, a mudança normativa contida na emenda regimental número 15, responsável por acrescentar o §3º no artigo 131 do Regimento Interno do STF.
Graças a esta verdadeira transição paradigmática nos poderes dos amici curiae, estes puderem se aproximar ainda mais do seu mister, qual seja, de levar o interesse institucional que defendem ao processo de formação de convencimento dos Ministros do STF.
Outra alteração de vital importância para a otimização do amicus curiae, mas desta vez jurisprudencial, foi a relativização da preclusão consumativa e temporal, outrora adotadas por esta egrégia Corte Constitucional (vide tópico 3.1.1.3 deste capítulo).
É certo, entretanto, que há muito a se evoluir para que, enfim, sejam concedidos os poderes necessários ao ideal cumprimento das funções desempenhadas pelos amici curiae. É imperioso que sejam concedidos poderes-meios para que o amicus curiae garanta o contraditório substancial na Suprema Corte Brasileira.
2.3. O TRATAMENTO DO AMICUS CURIAE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
Atendendo aos anseios da doutrina, o legislador trouxe tratamento específico aos amici curiae no artigo 138 do Código de Processo Civil de 2015. Além disso, inaugurou novos poderes aos amici, e fortaleceu a figura, com o fito de suprir o que alguns autores denominavam como déficit democrático do judiciário.
A primeira grande mudança do Código de Processo Civil de 2015 é acrescentar expressamente o instituto no rol de intervenção de terceiros, sanando parte das dúvidas sobre a sua natureza jurídica.
Fortalecendo os amici curiae, o novo Código de Processo Civil inovou prevendo de forma cristalina a possibilidade da participação de pessoas naturais, inclusive com possibilidade de oposição de embargos de declaração (o que anteriormente não era admitido) e de recorrer no novo incidente de resolução de demandas repetitivas.
Por outro lado, restou dúvida quanto a possibilidade de recurso quanto a decisão do relator que o inadmitiu na lide. Resta saber a posição que o Supremo Tribunal Federal adotará no caso concreto, mas se espera que a jurisprudência firmada sob a égide do Novo Código de Processo Civil de 2015 seja ampliativa em relação aos poderes dos amici curiae.
3. CONCLUSÃO
Após as breves considerações expostas nesse artigo, conclui-se que o amicus curiae sofreu grande evolução histórica, desde sua gênese no direito inglês (ou romano, segundo a divergência exposta), sendo fortalecido de forma robusta no direito norte americano e incorporado no brasil.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ganhou relevo sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, diante da ausência de previsão legislativa expressa sobre o tema. De toda sorte, as decisões do Pretório Excelso, se demonstraram insuficientes e criticáveis – até certo ponto – no tratamento do instituto, tendo em vista sua enorme relevância para a democratização da jurisdição constitucional.
O novo Código de Processo Civil (2015) veio inaugurar o tratamento expresso da matéria, impondo vitórias ao instituto, nos termos do que foi exposto anteriormente, e deixando em dúvida o futuro do instituto quanto a pontos nevrálgicos, como a possibilidade de recurso da decisão que o inadmite.
Neste contexto, é necessário que o Supremo Tribunal Federal se manifeste sobre o tema, diante – especificamente – da relevância que a força dos precedentes adquiriu no novo Código de Processo Civil, e conceda interpretação sempre ampliativa aos poderes dos “amigos da corte”.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 20 de dez. 2012.
BRASIL. Lei n. 9868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm>. Acesso em: 06 de setembro de 2012.
DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Amicus Curiae: Instrumento de participação democrática e de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. 1ª ed. 1ª reimpressão. Curitiba: Juruá, 2011. p. 124.
BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 88.
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MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva: 2009.
NUNES, Jorge Amaury Maia. A participação do amicus curiae no procedimento de argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF. Direito Público, São Paulo, v. 5, n. 20, mar./abr. 2008.p. 54.
NOTAS:
[1] BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 88.
[2] CRISCUOLI, Giovanni. “Amicus curiae”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile ano XXVII, n. 1. Milano: Griuffrè, 1973, p. 198, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 89.
[3] CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit. p. 197, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 88.
[4] CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit. p. 198, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 89.
[5] CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit. p. 198, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 89.
[6] SILVESTRI, Elisabetta. “L’amicus curiae: uno strumento per la tutela degli interessi non rappresentati”. p. 679-80 e nota 1, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 88.
[7] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 90 e nota 13.
[8] CRISCUOLI, Giovanni. “Amicus curiae”. Op. cit. p. 195-6, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 91
[9] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 91
[10] Idem, Ibidem. p. 91.
[11] Idem, Ibidem, p. 92.
[12] SILVESTRI, Elisabetta. Op. cit. p. 680, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella.Op. cit. p. 92.
[13] SILVESTRI, Elisabetta. Op. cit. p. 680-81, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 92.
[14] SILVESTRI, Elisabetta.Op. cit. p. 681-82, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 93.
[15] NUNES, Jorge Amaury Maia. A participação do amicus curiae no procedimento de argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF. Direito Público, São Paulo, v. 5, n. 20, mar./abr. 2008.p. 54.
[16] SILVESTRI, Elisabetta Op. Cit. p. 681-82, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 93/94
[17]BUENO, Cassio Scarpinella. Op cit. p. 94
[18] Nancy Bage Sorenson, “The ethical implications of amicus briefs: a proposal for reforming rule 11 of the Texas Rules of Appellate Procedure”, p. 1228, citado por, BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 94.
[19] Curial ressaltar que há exceção para esta regra, em determinados julgamentos, como Wyatt VS Stickney, de 1972, e o EEOC VS Boeing Co. de 1985, onde foram conferidos aos amici curiae privados amplos poderes, mas, ressalte-se, foram exceções.
[20]BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 97.
[21] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 99.
[22] Idem, Ibidem, p. 99/100;
[23] Idem, Ibidem, p. 100.
[24] ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. SUPREME COURT. Rule 37. Brief for an amicus curiae. Disponível em: ttp://www.law.cornell.edu/rules/supct/rule_37>. Acesso em 2 de setembro de 2012.
[25] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 101.
[26]ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. FEDERAL RULES OF APPELLATE PROCEDURE. Rule 29. Brief for an amicus curiae. Disponível em <: http://www.law.cornell.edu/rules/frap/rule_29>. Acesso em: 2 de setembro de 2012.
[27] NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit. p. 54.
[28] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 107.
[29] BRASIL. Lei n. 9868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm>. Acesso em: 06 de setembro de 2012.
[30] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4173/DF. Decisão Monocrática. Relator Ministro Cezar Peluso. Publicado no DJE n. 106, em 31/05/2012.
[31] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 135.
[32] Idem, Ibidem. p. 136.
[33] Idem, Ibidem, p. 139.
[34] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Amicus Curiae: Instrumento de participação democrática e de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. 1ª ed. 1ª reimpressão.Curitiba: Juruá, 2011. p. 124.
[35] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 124.
[36] Idem, Ibidem. p. 125.
[37] Idem, Ibidem. p.125.
[38] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 140.
[39] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 140
[40] BRASIL. Supremo Tribunal Federal ADI 3185/DF. Decisão Monocrática. Relator: Ministro Marco Aurélio Melo. Julgamento: 13/02/2007. Publicação: DJ 23/02/2007
[41] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 592891/SP. Decisão Monocrática. Relatora: Ministra Rosa Weber. Publicado no DJE n. 099, em 22/05/2012.
[42] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 147.
[43] Idem, Ibidem. p. 146/147.
[44] Importante ressaltar que a presente análise está relacionada com o Código de Processo Civil de 1973.
[45] BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 592891/SP. Decisão Monocrática. Relatora: Ministra Rosa Weber. Publicada no DJE- 099, em 22/05/2012.
[46] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 89.
[47] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 136.
[48] Idem, Ibidem. p. 135.
[49] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4264/PE. Decisão Monocrática. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Publicação no DJE-165, em: 01/09/2011.
[50] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 159;
[51] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 137.
[52] Idem, Ibidem. p. 137.
[53] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 160
[54] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 138.
[55] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 161.
[56] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 33/PA. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Publicação no DJ em 27/10/2006.
[57] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4071/DF. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Menezes Direito. Publicado no DJE-195, em 16-10-2009.
[58] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade. 4067/DF. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Publicado no DJe, em 23/04/2010.
[59] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 161
[60] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 140.
[61] Idem, Ibidem. p. 141.
[62] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591/DF. Decisão monocrática. Relator: Ministro Eros Grau, Publicado no DJ em 13/04/07. Trecho da Ementa:
Embargos de declaração. Legitimidade recursal limitada às partes. Não cabimento de recurso interposto por amici curiae. Embargos de declaração opostos pelo Procurador-Geral da República conhecidos. Alegação de contradição. Alteração da ementa do julgado. Restrição. Embargos providos. Embargos de declaração opostos pelo Procurador-Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido
[63] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit. p. 174.
[64] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 89.
[64] Idem, Ibidem. p. 141-142.
[65] DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit. p. 142.
[66] Idem, Ibidem. p. 142-3.
[67] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 592891 / SP. Decisão Monocrática. Relatora: Ministra Rosa Weber. Publicado no DJE- 099, em 22/05/2012.
[68]MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. p.1178.
Servidor Público no Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, João Gabriel Moreira Cavalleiro de Macêdo. Uma introdução ao amicus curiae: origem histórica e panorama no controle de constitucionalidade brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47094/uma-introducao-ao-amicus-curiae-origem-historica-e-panorama-no-controle-de-constitucionalidade-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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