Resumo: Este texto traz uma visão geral sobre os sistemas de governo, em especial o sistema adotado no Brasil, o presidencialismo. Em seu bojo são analisados fatores capazes de contribuir para a ocorrência de impeachment presidencial. Ademais, é apresentada uma reflexão sobre a estabilidade do sistema presidencialista, tendo em vista que, para alguns, esse sistema deve ser repensado no Brasil, diante dos casos de impeachment ocorridos no País desde 1988.
Palavras-chave: Sistemas de Governo; Presidencialismo; Parlamentarismo; Impeachment.
Abstract: This text gives an overview on the systems of government, especially the system adopted in Brazil, presidentialism. In his bulge they are analyzed factors capable for contributing to the occurrence of presidential impeachment. In addition, it is presented a reflection on the stability of the presidential system, considering that, for someone, this system must be rethought in Brazil, taking into account the cases of impeachment that have occurred in the country since 1988.
Keywords: Government Systems; Presidentialism; Parliamentarism; Impeachment.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os sistemas de governo. 3. Fatores que contribuem para o impeachment: deve ser repensado o sistema presidencialista no Brasil? 4. Conclusão. Referências.
Desde a inauguração da nova ordem jurídica constitucional de 1988, dos 4 (quatro) presidentes eleitos no Brasil, 2 (dois) sofreram impeachment, tendo encerrado seus mandatos antes do prazo previsto constitucionalmente para tanto. O elevado índice de 50% justifica a indagação quanto à utilização do instrumento no Brasil, pois, sobretudo após a recente deposição da Presidente Dilma Rousseff, surgiram posições no sentido de que possa estar sendo desvirtuado para a solução de impasses políticos em vez de cumprir sua função constitucional de remover presidentes que praticaram atos considerados como crimes de responsabilidade. Nesse contexto, reacendeu-se a discussão quanto à conveniência da adoção do parlamentarismo no Brasil, visto tratar-se de modelo político no qual o impasse entre Executivo e Legislativo pode ser solucionado por técnicas inerentes ao próprio sistema de governo.
Neste estudo, são examinados os principais sistemas de governo atualmente existentes, com destaque para o sistema presidencialista, que é adotado no Brasil. É estudado um modelo que busca identificar o contexto no qual ocorre a interrupção do mandato presidencial antes do termo constitucional nos países da América Latina que adotam o sistema presidencialista. Após, é efetuada uma breve consideração acerca dos impeachments ocorridos no Brasil desde 1988, com vista a uma reflexão acerca da viabilidade de adoção do parlamentarismo no Brasil.
2. OS SISTEMAS DE GOVERNO
O sistema de governo é o meio pelo qual o Estado organiza sua estrutura de poder, determinando os responsáveis pelas funções estatais no âmbito interno, bem como no plano internacional. É através do sistema de governo que os poderes se relacionam, em especial o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Desse modo, “cada sociedade, na hora de constituir seu pacto fundamental, deve decidir o tipo de governo que deseja.” (PÉREZ, 2008, p. 36)
A tripartição dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário permite uma melhor distribuição das atribuições do Estado com o estabelecimento das funções típicas e atípicas a cargo de cada poder. Essa tripartição de poderes foi concebida por Montesquieu como uma solução para os problemas do absolutismo monárquico de sua época, passando anos mais tarde a ser o modelo seguido pelas atuais constituições das repúblicas e monarquias. (LEITE, 2016, p.1)
Nesse cenário, de acordo com o grau de separação desses poderes, haverá variação do sistema de governo adotado, por exemplo, “quanto maior a separação dos poderes, maior a proximidade com o sistema presidencialista ou até com os regimes autoritários.” (PÉREZ, 2008, p. 36) Uma separação mais estrita entre os Poderes Executivo e Legislativo se aproxima mais do presidencialismo, enquanto uma relação de dependência completa do governo junto ao Legislativo, se assemelha mais ao parlamentarismo, sistema no qual o chefe de governo e o chefe de Estado não se confundem, por não se concentrarem em uma só pessoa.
Os principais sistemas de governo são o presidencialismo, o parlamentarismo e o semi-presidencialismo. O primeiro modelo, o presidencialista, é o sistema no qual há uma clara separação dos poderes do Executivo e do Legislativo, sendo o Poder Executivo exercido independentemente do parlamento. Ademais, o Poder Executivo não é diretamente responsável perante o Legislativo, de modo que não pode ser destituído por esse último em circunstâncias normais. Nessa modalidade, o Presidente da República é responsável pela direção da política interna e externa. Na primeira situação, atuará como chefe de Estado; na segunda, como chefe de governo. “Para auxiliá-lo, foram criados os Ministros de Estado, pessoas de sua confiança, livremente nomeados e exonerados.” (LEITE, 2016, p.1)
O governo presidencial, geralmente, é marcado por características básicas como: a) identidade entre chefe de Estado e chefe de governo; b) unipessoalidade da chefia do Executivo; c) escolha popular do presidente; d) prazo determinado para o mandato presidencial; e, e) existência de poder de veto pelo chefe do Executivo. (DALLARI, 2005, p. 242-244) Trata-se de uma separação estrita entre os Poderes, sendo exemplo o caso brasileiro.
O segundo modelo, o parlamentarismo, se refere a um sistema de governo em que não há uma clara separação dos poderes entre Executivo e Legislativo. Isso porque, nesse tipo de sistema, o Poder Executivo de um Estado depende do apoio, seja direto ou indireto, do parlamento. (PINTO, 2008, p. 1) A doutrina tece importantes comentários sobre esse sistema:
O parlamentarismo é um sistema estruturado sobre a existência de um órgão legislativo, cujas cadeiras estão divididas entre partidos políticos. Pela lógica, o partido ou coalizão que detiver a maioria das cadeiras terá poder de aprovar as leis em concordância com o seu programa. Mas, também terá a prerrogativa de formar o governo para executá-las. Isso se dará porque as funções executivas serão desempenhadas por um primeiro-ministro, escolhido pelo partido que detiver a representação majoritária no Poder Legislativo. Em consequência desta configuração, a política traçada pelo governante terá no Parlamento o apoio necessário para ser aprovada. É o que vemos no cotidiano político de países que adotam este sistema, como a Alemanha, a Áustria, a Itália, a Finlândia, a Turquia, dentre outros. No Reino Unido, em 1979, com a vitória expressiva do partido Conservador, assumia o cargo de primeiro-ministro, Margareth Tatcher, apelidada de “the iron lady” (a dama de ferro), que conseguiu desenvolver seu agressivo programa de privatizações, enfraquecimento de sindicatos e não concessões de direitos trabalhistas. (LEITE, 2016, p. 1)
De modo resumido, as principais características do sistema parlamentarista são: a) a distinção entre chefe de Estado e chefe de governo; b) a chefia do governo com responsabilidade política; e, c) a possibilidade de dissolução do parlamento. (DALLARI, 2005, p. 235-237) No sistema parlamentarista, “o governo somente existe enquanto mantém apoio da maioria do Legislativo e o foco do poder está no gabinete.” (BATISTA, 2014, p. 127)
Uma breve comparação entre o presidencialismo e o parlamentarismo demonstra que no presidencialismo é adotado um sistema de “freios e contrapesos” para assegurar que um poder não irá interferir no outro, já no parlamentarismo não. (LEITE, 2016, p.1) Por outro lado, o sistema parlamentarista parece ser mais flexível do que o presidencialista, pois no presidencialismo, no caso de uma crise política, poderia ocorrer a ruptura institucional, enquanto no parlamentarismo a situação seria solucionada com a queda do governo e a dissolução regular do parlamento. (DALLARI, 2005, p. 236-237)
O terceiro principal sistema de governo é o semi-presidencialismo. Nessa modalidade, o chefe de Estado (que geralmente é o presidente) e o chefe de governo (que normalmente é o primeiro-ministro) dividem em certa medida o Poder Executivo, por isso a utilização da expressão “semi-presidencialismo” que pressupõe a participação de ambos os atores mencionados no cotidiano da administração de um Estado. Tal sistema, difere do presidencialismo, pois o chefe de governo tem alguma medida de responsabilidade perante o Poder Legislativo; e difere, também do parlamentarismo, uma vez que o chefe de Estado, que normalmente é eleito pelo voto direto, possui prerrogativas que o tornam mais do que uma figura simbólica, meramente protocolar. (LEITE, 2016, p. 1)
No caso brasileiro, a redação originária da Constituição Federal de 1988 (CF/88), pelo art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), previu um plebiscito, a ser realizado no dia 7 de setembro de 1993, para a definição forma e do sistema de governo a serem adotados no País, a saber, república ou monarquia e presidencialismo ou parlamentarismo. Por meio da Emenda Constitucional n.º 2, de 25 de agosto de 1992, antecipou-se a data do plebiscito para 21 de abril de 1993, data em que foi efetivamente realizada a votação, tendo a maioria do povo brasileiro decidido pela adoção da forma republicana e do sistema presidencialista. (BRASIL, 1988, p. 1)
No sistema presidencialista, o presidente atua, no plano internacional, como chefe de Estado, representando a nação nas suas relações internacionais. (TEMER, 1995, p. 149) São exemplos dessa modalidade, o art. 84, incisos VII, VIII e XIX da CF/88, a saber: a) manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; b) celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; e, c) declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional. (BRASIL, 1998, p. 1)
Já como chefe de governo, no sistema presidencialista, o presidente representa o Estado em suas negociações e tratos internos, seja de natureza política ou meramente administrativa. (TEMER, 1995, p. 149) São exemplos dessa modalidade o art. 84, incisos I, II, III, IV, V, VI e IX a XXVII da Lei Maior Brasileira, como: a) nomear e exonerar ministros; iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos na Constituição; b) vetar projetos de lei, total ou parcialmente; c) decretar e executar a intervenção federal; d) enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos na Constituição; dentre outras atribuições. (BRASIL, 1998, p. 1)
Como se pode observar, a Constituição do Brasil delineia com base no presidencialismo as atribuições do Presidente da República, sendo exigida uma atuação zelosa à altura da responsabilidade que cabe ao chefe do Poder Executivo Federal. No entanto, nos últimos anos, alguns passaram a questionar sobre a adoção do presidencialismo pelo Brasil, diante dos recorrentes casos de impeachment no País, em especial após a Constituição Brasileira de 1988. Em meio aos escândalos de corrupção envolvendo políticos brasileiros nos últimos anos, bem como levando em consideração a maior frequência da prática de crimes de responsabilidade por presidentes brasileiros, surgem importantes questionamentos: que fatores podem favorecer a interrupção prematura de um mandato presidencial? Deve o presidencialismo ser repensado?
3. FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O IMPEACHMENT: DEVE SER REPENSADO O SISTEMA PRESIDENCIALISTA NO BRASIL?
Os sistemas de governo latino-americanos consideram a figura do Presidente da República como de maior destaque e concentração de poder, uma vez que são centralizadas em uma mesma pessoa as funções de chefe de governo e chefe de Estado. Além disso, o presidente é “a cabeça da Administração Pública, detém largos poderes normativos e até pode ingerir na conformação do Poder Judiciário.” (PÉREZ, 2008, p.48) Apesar de intensos debates acadêmicos e esforços políticos na tentativa de mudar o sistema de governo vigente em algumas democracias latino-americanas, como o plebiscito realizado no Brasil em 1993, o presidencialismo segue forte na América. (AMORIM NETO, 2006, p. 17)
O sistema presidencialista é dominante na América do Sul e estudos demonstram que os presidentes sul-americanos têm deixado o mandato antes de seu fim. Para se ter uma ideia, “desde que os países sul-americanos retornaram ao governo civil nos anos 1970 e 1980, 23% de seus presidentes eleitos têm sido forçados a deixar o cargo antes do final de seus mandatos.” Ademais, de 40 presidentes, cujos mandatos se encerariam em meados de 2003, “16 deles (40%) enfrentaram contestações à sua permanência no cargo e 9 (23%), com seus mandatos “fixos” terminados prematuramente.” (HOCHSTETLER, 2007, p. 9-11)
Dados mais recentes, envolvendo pesquisas dos anos de 1985 a 2015 revelaram que ‘excluindo a recente cassação de mandato de Dilma Rousseff, 16 presidentes em países latino-americanos tiveram seus mandatos interrompidos’, seja por causa de impeachment, abandono de cargo ou renúncia. (KASAHARA; MARSTEINTREDET, 2018, p. 32) A chamada “queda presidencial” se refere à interrupção prematura do mandato de presidente em virtude de impeachment, bem como inclui as renúncias ou qualquer hipótese em que o eleito foi forçado a deixar o cargo antes do final do seu mandato. (HOCHSTETLER, 2007, p.11) Aqui trataremos dos casos de impeachment que ocorreram no Brasil após 1988.
O impeachment é um procedimento de responsabilização dos agentes políticos pela prática dos chamados crimes de responsabilidade, culminando no afastamento e remoção do agente do cargo para o qual foi legitimamente eleito. No Brasil, esse instituto foi adotado constitucionalmente a partir de 1891, “com a adoção do sistema presidencialista, evoluindo com variações pelas sucessivas constituições: a de 1934, a de 1937, a de 1946, a de 1967 a Emenda Constitucional de 1969 e 1988.” (NOGUEIRA, 2016, p. 245)
No caso do Brasil, dois impeachments marcaram a história do País de 1988 até os dias atuais: o primeiro caso foi o do presidente eleito após o retorno à democracia, Fernando Collor de Mello, foi afastado em 1992, por corrupção, tendo seu mandato sido cassado pelo Legislativo. Já em 2016, Dilma Rousseff foi condenada pela prática de crime de responsabilidade, principalmente, “em razão da prática reiterada das chamadas pedaladas fiscais.” (NOGUEIRA, 2016, p. 248)
Vários fatores influenciam na interrupção do mandato presidencial, o que faz alguns repensarem sobre a estabilidade do sistema presidencialista. Recentemente, a discussão voltou à tona no Brasil, justamente por conta do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, ocorrido em agosto de 2016. O debate em torno dos perigos do presidencialismo e sua questionável concentração de poder nas mãos de uma só figura, tem levado estudiosos a revisitar alguns argumentos existentes sobre a temática, como a visão de Juan J. Linz, que imputa ao presidencialismo a tendência do tipo “o vencedor leva tudo” (KASAHARA; MARSTEINTREDET; 2018, p. 30) J. Linz foi, sem dúvida, um dos autores que mais contribuiu em todo o mundo para as noções de democracia e presidencialismo. Seu ensaio intitulado “Democracy: presidential or parlamentary. Does it make a difference?”, do ano de 1985, afirmava que “o presidencialismo tem menor probabilidade de sustentar regimes democráticos estáveis do que o parlamentarismo.” (MAINWARING; SHUGART, 1993, p. 191)
Atualmente, as quedas presidenciais têm sido associadas a uma série de fatores, que, juntos, são capazes de determinar o fracasso de um mandato. Em um estudo mais amplo, considerando a América do Sul nos anos de 1978 a 2003, foi constatado que os “presidentes destituídos do poder tinham uma tendência maior a estarem pessoalmente implicados em escândalos, a seguirem políticas neoliberais e a não terem maioria no Congresso.” (HOCHSTETLER, 2007, p.10) Além desses fatores, a presença ou ausência de protestos populares nas ruas foram cruciais no sentido de determinar que presidentes realmente cairiam. As mobilizações sociais afetam a estabilidade presidencial, especialmente quando ligadas ao ativismo legislativo: elas apoiam umas às outras e juntas criam obstáculos intransponíveis para a sobrevivência presencial. Tais mobilizações sociais podem ser fortes o suficiente para derrubar os presidentes por conta própria. (MARTÍNEZ, 2017, p. 43)
Aplicando as características supracitadas ao caso brasileiro, Fernando Collor de Mello, cujo mandato se deu em 1990 a 1992, possuía a minoria parlamentar, estava envolvido em escândalos e possuía uma política mais neoliberal, tendo, no final do mandatado, sofrido impeachment. Alguns desses fatores que, segundo Hochstetler, levam à queda presidencial estiveram presentes em algumas situações, mas não culminaram em impeachment, gerando apenas contestação do mandato. Um exemplo foi Fernando Henrique Cardoso, que, durante seus mandatos de 1995 a 1998 e de 1999 a 2002, possuía a minoria parlamentar, tinha visão política mais neoliberal, mas não estava envolvido em escândalos. (HOCHSTETLER, 2007, p.12)
No caso de Dilma Rousseff, embora a presidente não estivesse diretamente envolvida em escândalos, seu partido estava no epicentro de várias acusações sobre corrupção, sendo alvo de várias investigações, inclusive por grandes operações, como a “Operação Lava-Jato”, da Polícia Federal. Ademais, apesar de integrar uma legenda que historicamente é alinhada a visões de esquerda, a presidente é relacionada como a chefe do Poder Executivo Federal que mais privatizou no Brasil, o que demonstra uma proximidade de seu perfil político com posturas neoliberais. (HERMES, 2016, p. 1) Além disso, Dilma não possuía um apoio maciço no Legislativo, de modo que teve dificuldades para conduzir seu governo e aprovar suas medidas.
Um impeachment e eventual cassação do mandato significa a utilização de prerrogativas institucionais, concedidas constitucionalmente, geralmente ao Poder Legislativo, para remoção de presidentes que atentem contra a ordem constitucional. Embora seja um procedimento legal, alguns casos recentes de impeachment mostram a utilização desse instrumento como meio de solucionar conflitos e problemas de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, havendo, portanto, uma desvirtuação do instituto. Alguns alegam que no caso do impeachment da presidente Dilma Rousseff, houve o desvio de finalidade do instituto. Formalmente, o afastamento se deu por conta da violação de leis fiscais e orçamentárias, mas, para alguns, na verdade, o impeachment foi utilizado devido à ausência de bom relacionamento com o Legislativo, que se intensificou após as eleições de 2014. Com o baixo apoio congressista, Dilma se viu “paralisada”, sem conseguir aprovação da maioria de suas medidas pelo Congresso Nacional. (KASAHARA; MARSTEINTREDET, 2018, p. 33)
Como se pode observar, de fato, alguns fatores influenciam significativamente no curso de um mandato presidencial. “As políticas neoliberais, aliadas à corrupção pessoal, bem como a falta de maioria no Congresso, representam fatores de risco aos presidentes sul-americanos que desejam completar seus mandatos no cargo.” (HOCHSTETLER, 2007, p.27-28) Além disso, a rejeição popular é determinante, na medida em que, conforme sustentado no estudo, manifestações de rua foram cruciais para as quedas presidenciais. Diante disso, os futuros presidentes precisam, a par da necessária honestidade no desempenho do cargo, buscar apoio parlamentar para a aprovação de seus projetos. Não se governa um país sozinho, sendo necessário apoio significativo do Legislativo, bem como aprovação da própria população.[1]
Diante de tamanha vulnerabilidade, inclusive com a possibilidade de utilização do impeachment como meio de solução de conflitos políticos entre Executivo e Legislativo, têm surgido questionamentos sobre a estabilidade do sistema presidencialista brasileiro, inclusive indagações se o mesmo deveria ser repensado, uma vez que essa postura seria semelhante ao chamado “voto de desconfiança” do sistema parlamentar. (KASAHARA; MARSTEINTREDET, 2018, p. 34) Some-se a isso o fato de que a democracia presidencialista só foi restabelecida na maioria dos países latino-americanos nos anos 80 e que o desempenho dos países governados por presidentes tem sido bastante ruim, sugerindo que a raiz do problema seria o sistema presidencialista em si. (SARTORI, 1993, p. 5)
Então, seria o parlamentarismo uma solução para o Brasil? Provavelmente, não. O parlamentarismo exige uma maior coesão partidária para a escolha do primeiro-ministro e sua manutenção na chefia do governo, requisito não satisfeito pelo quadro político brasileiro, no qual há um pluripartidarismo exacerbado, formado por legendas com divergências históricas. A cultura e a tradição da política brasileira no que diz respeito aos partidos políticos tornam inviável a adoção do parlamentarismo no País. Como afirma Sartori (1993, p. 11), o parlamentarismo “obrigaria os partidos a se solidificarem, uma vez que teriam de sustentar um governo originado no Parlamento”, o que, na opinião da autora, não ocorreria no Brasil.
Outrossim, é preciso destacar que o presidencialismo também possui características atraentes, como a dualidade da legitimidade democrática e a estabilidade do mandato pela fixação de prazo determinado. “Se os poderes forem cuidadosamente definidos e o método de eleição limitar a fragmentação do sistema partidário, pode ser benéfico ter dois — em vez de um — agentes do eleitorado.” (MAINWARING; SHUGART, 1993, p. 201)
4. CONCLUSÃO
O exame dos sistemas de governo presidencialista, parlamentarista e semipresidencialista revela qualidades e deficiências em todos os modelos. Nenhum sistema de governo pode ser considerado perfeito, cada um apresentando vantagens e desvantagens, cabendo a cada sociedade, com bom senso e responsabilidade, ao constituir sua Lei Maior, estabelecer o tipo de governo que deseja. Contudo, o que não se pode admitir é a desvirtuação de instrumentos constitucionais, como, por exemplo, o uso do impeachment, no sistema presidencialista, para a resolução de conflitos políticos.
Especificamente, no caso do presidencialismo, o grande desafio é construir uma forma que permita a governabilidade, sendo um dos meios de consolidar o sistema a busca por mecanismos que evitem a “paralisia” do chefe do Poder Executivo diante do Legislativo, impedindo o país de avançar. Uma possível alternativa, nesse sentido, seria a revisão da exclusividade do Presidente da República para a iniciativa de certos projetos de lei, na medida em que, outorgando-se aos integrantes do Congresso Nacional a legitimidade para iniciar certas discussões que integrem a pauta política no País, permite-se a elaboração legislativa de medidas contrárias ao interesse do Presidente da República nos casos em que este tenha minoria no Congresso, sem que seja necessário suspender-se a questão até o término de seu mandato.
REFERÊNCIAS
AMORIM NETO, Octavio. Presidencialismo e governabilidade nas américas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
BATISTA, Mariana. O poder no executivo: explicações no presidencialismo, parlamentarismo e presidencialismo de coalizão. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 24, n. 57, p. 127-155, 2016.
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DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp, 1999.
HERMES, Felippe. Dilma sairá do governo campeã num quesito: a presidente que mais privatizou na história. Disponível em: <https://spotniks.com/dilma-saira-do-governo-campea-num-quesito-a-presidente-que-mais-privatizou-na-historia/>. Acesso em: 04 out. 2018.
HOCHSTETLER, Kathryn. Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na américa do sul. Lua Nova, São Paulo, v. 72, p. 199-205, 2007.
KASAHARA, Yuri; MARSTEINTREDET, Leiv. Presidencialismo em crise ou parlamentarismo por outros meios? Impeachments presidenciais no Brasil e na América Latina. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 49, n. 1, p. 30-54, 2018.
LEITE, Antonio Teixeira. Os sistemas de governo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4587, 22 jan. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/45971>. Acesso em: 29 set. 2018.
MAINWARING, Scott; SHUGART, Matthew. Juan Linz, presidencialismo e democracia: uma avaliação crítica. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 37, p. 191-213, 1993.
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Acesso em out 2018.
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TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
[1] Para Downs (1999, p. 33-42), existe uma “política” por trás da política e todo governo procura “maximizar seu apoio político”, devendo para tanto, se comportar de modo racional ao tomar decisões em diversas circunstâncias que enfrentam regularmente em seus ambientes.
Advogada inscrita na OAB/PE. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE), Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Maceió/AL. Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva. Sistemas de governo: o presidencialismo no Brasil e os casos de impeachment Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53257/sistemas-de-governo-o-presidencialismo-no-brasil-e-os-casos-de-impeachment. Acesso em: 23 dez 2024.
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