RESUMO: O presente artigo analisa as Ações Afirmativas como medidas compensatórias, as quais têm por objetivo combater as desigualdades resultantes de um passado social discriminatório, dotadas de caráter público, que visam garantir a igualdade de oportunidades. Sob esse aspecto, abordou-se a integração da pessoa com deficiência nos quadros da Administração Pública, ressaltando o respaldo jurídico que a discriminação positiva encontra em nosso ordenamento jurídico, seja através de medidas expressas em nossa Carta Magna, seja em nosso sistema principiológico. Constatou-se que a maior argumentação contrária à implementação dessas medidas compensatórias está justamente numa suposta ofensa ao princípio da igualdade. Todavia, observou-se que o posicionamento majoritário é no sentido de que as Ações Afirmativas não constituem afronta à isonomia, e sim uma forma de assegurar a esse grupo vulnerável o acesso ao mercado de trabalho. Considerando que a discussão sobre as Ações Afirmativas ganhou espaço nas discussões travadas no Judiciário, procedeu-se à análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Nessa parte da pesquisa, foi possível verificar que há um acolhimento da reserva de vagas em concursos públicos, conforme preceitua a nossa Constituição da República.
PALAVRAS-CHAVES: Ação afirmativa. Reserva de vaga. Concurso público. Pessoa com deficiência.
INTRODUÇÃO
Ações afirmativas são medidas temporárias e especiais, tomadas ou determinadas pelo Estado, de forma compulsória ou espontânea, com o propósito específico de eliminar as desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história da sociedade. [i]
Os problemas sociais decorrentes das mais variadas formas de discriminação estimularam a implementação de Ações Afirmativas, as quais têm como objetivo a concretização de princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e da igualdade material.
As limitações sofridas pelas pessoas com deficiência não impedem a sua integração no mercado de trabalho. Por essa razão é que o ordenamento jurídico brasileiro estabeleceu a reserva de vagas para a submissão desse grupo vulnerável a concursos públicos com o propósito de provimento de cargos junto à Administração Pública.
Assim, é possível observar a importância das ações afirmativas como instrumento compensatório de concretização dos direitos fundamentais, bem como da realização da democracia, aumentando a diversidade e a representatividade das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, a partir da reserva de vagas que lhes são destinadas no serviço público.
A vigente Constituição da República, ao proclamar e assegurar a reserva de vagas em concursos públicos para as pessoas com deficiência, consagrou a cláusula de proteção viabilizadora de ações afirmativas, o que veio a ser concretizado com a edição de atos legislativos como as Leis nº 7.853/89 e nº 8.112/90 (art. 5º, §2º), e com a celebração da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com Deficiência (2007), já formalmente incorporada, com força, hierarquia e eficácia constitucionais (art. 5º, §3º, da CR), ao plano do ordenamento positivo interno do Estado brasileiro. [ii]
Para as pessoas com deficiência há regra constitucional especial estabelecendo que lei disciplinará reserva de vagas em cargos e empregos públicos e disciplinará os critérios de admissão (art. 37, VIII). É mais uma forma de dar concretude ao ideal de igualdade de acesso ao mercado de trabalho (no serviço público), consistindo em efetiva inclusão da pessoa com deficiência no âmbito do serviço público.[iii]
Importante ressaltar que não há no art. 37, VIII, da Constituição da República, previsão que estabeleça o percentual mínimo de vagas destinadas às pessoas com deficiência, razão pela qual o legislador ordinário, por meio de leis infraconstitucionais, regulamentou o supracitado dispositivo constitucional.
De fato, a Lei nº 8.112/90 que disciplina o Regime Jurídico dos Servidores Públicos, estabelece em seu art. 5º, §2º, que “às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.” [iv]
Por outro lado, o Decreto nº 9.508/18, que disciplina especificamente sobre a reserva às pessoas com deficiência percentual de cargos e de empregos públicos ofertados em concursos públicos e em processos seletivos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, assim dispõe[v]:
Art. 1º Fica assegurado à pessoa com deficiência o direito de se inscrever, no âmbito da administração pública federal direta e indireta e em igualdade de oportunidade com os demais candidatos, nas seguintes seleções:
I - em concurso público para o provimento de cargos efetivos e de empregos públicos; e
II - em processos seletivos para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, de que trata a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993 .
§ 1º Ficam reservadas às pessoas com deficiência, no mínimo, cinco por cento das vagas oferecidas para o provimento de cargos efetivos e para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, no âmbito da administração pública federal direta e indireta. (Grifo nosso)
§ 2º Ficam reservadas às pessoas com deficiência os percentuais de cargos de que trata o art. 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 , às empresas públicas e às sociedades de economia mista.
§ 3º Na hipótese de o quantitativo a que se referem os § 1º e § 2º resultar em número fracionado, este será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente.
Assim, ainda que haja previsão legal de um percentual mínimo para preenchimento das vagas destinadas aos portadores de deficiência, tal fator não os exime da obrigatoriedade de se submeterem a concurso público, devendo haver previsão no edital da reserva de vagas para as pessoas com deficiência.
A participação das pessoas com deficiência nos concursos públicos em igualdade de condições com os demais candidatos é, portanto, uma garantia constitucional que não afronta o princípio da igualdade, haja vista a posição de desvantagem que essas pessoas estão em relação aos demais trabalhadores.
Nesse sentido, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça já manifestaram favoravelmente à interpretação que maior força concede à regra constitucional de isonomia, conforme a seguir exposto.
POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Inicialmente, cabe ressaltar que a posição do Supremo Tribunal Federal é favorável às postulações pertinentes às ações afirmativas como instrumento reparatório ou compensatório dos fatores de desigualdades sociais.
Dentre as decisões pesquisadas, a maioria reconheceu o direito das pessoas com deficiência concorrerem aos cargos e empregos públicos em igualdade de condição com os demais candidatos.
Contudo, versando sobre uma situação concreta, o STF se pronunciou no sentido de que a reserva de vagas para as pessoas com deficiência deve-se restringir ao percentual imposto pelas leis infraconstitucionais. Desse modo, o Decreto nº 9.508/18 versou a porcentagem mínima de cinco por cento e a Lei nº 8.112/90 veio a estabelecer o máximo de vinte por cento das vagas reservadas aos candidatos portadores de deficiência.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento da Corte Constitucional:
CONCURSO PÚBLICO - CANDIDATOS - TRATAMENTO IGUALITÁRIO. A regra é a participação dos candidatos, no concurso público, em igualdade de condições. CONCURSO PÚBLICO - RESERVA DE VAGAS - PORTADOR DE DEFICIÊNCIA - DISCIPLINA E VIABILIDADE. Por encerrar exceção, a reserva de vagas para portadores de deficiência faz-se nos limites da lei e na medida da viabilidade consideradas as existentes, afastada a possibilidade de, mediante arredondamento, majorarem-se as percentagens mínima e máxima previstas. (STF, MS nº 26.310-5/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Marco Aurélio, Data da Publicação: 31.10.2007). (Grifou-se)
Essa decisão ganha importância em virtude de precedentes contrários tanto do STF, quanto do STJ, os quais se manifestaram no sentido de que o percentual destinado à reserva de vagas para pessoas com deficiência, quando inferior a um, deve ser arredondado. Todavia, diante da peculiaridade do caso supracitado, tendo em vista a existência de apenas duas vagas, o Ministro Marco Aurélio, em voto que marca o seu posicionamento justifica:
Ora, considerado o total de vagas no caso – duas -, não se tem, aplicada a percentagem mínima de cinco ou a máxima de vinte por cento, como definir vaga reservada a teor do aludido inciso VIII. (...). Essa conclusão levaria os candidatos em geral a concorrerem a uma das vagas e os deficientes, à outra, majorando-se os percentuais mínimo, de cinco por cento, e máximo, de vinte por cento, para cinqüenta por cento. O enfoque não é harmônico com o princípio da razoabilidade. (STF, MS nº 26.310-5/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Marco Aurélio, Data da Publicação: 31.10.2007).
Em outra ação ajuizada em face da Câmara Municipal de Divinópolis, relatada pelo Ministro Ilmar Galvão, no Recurso Extraordinário n. 227.229-1, o STF, por unanimidade de votos, assegurou à pessoa com deficiência uma das oito vagas disputadas em concurso público para provimento do cargo de advogado da Câmara Municipal de Divinópolis.
Em seu voto, o relator invocou a aplicação do Decreto n. 3.298/99, que regulamenta a Lei n. 7.853/89, o qual impõe no art. 37, § 2º, que, no caso do percentual resultar em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.
Nesse sentido, colaciona-se a seguinte ementa:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. ARTIGO 37, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A exigência constitucional de reserva de vagas para portadores de deficiência em concurso público se impõe ainda que o percentual legalmente previsto seja inferior a um, hipótese em que a fração deve ser arredondada. Entendimento que garante a eficácia do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, que, caso contrário, restaria violado. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF, RE n. 227.299-1/MG, Primeira Turma, Relator Ministro Ilmar Galvão. Data da Publicação: 06.10.2000)
Nesse mesmo sentido, também manifestou-se, porteriormente, o Ministro Dias Toffoli:
Não se mostra justo, ou, no mínimo, razoável, que o candidato portador de deficiência física, na maioria das vezes limitado pela sua deficiência, esteja em aparente desvantagem em relação aos demais candidatos, devendo a ele ser garantida a observância do princípio da isonomia/igualdade. O STF, buscando garantir razoabilidade à aplicação do disposto no Decreto 3.298/1999, entendeu que o referido diploma legal deve ser interpretado em conjunto com a Lei 8.112/1990. Assim, as frações mencionadas no art. 37, § 2º, do Decreto 3.298/1999 deverão ser arredondadas para o primeiro número subsequente, desde que respeitado o limite máximo de 20% das vagas oferecidas no certame.
[RMS 27.710 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 28-5-2015, P, DJE de 1º-7-2015.]
Merece destaque também a decisão proferida no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 26.071-1/DF, a qual considerou que o candidato com visão monocular tem direito de concorrer, na condição de pessoa com deficiência, a uma das vagas de cargo de Técnico Judiciário no Tribunal Superior do Trabalho.
Registra-se que o acórdão reformado, proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, afirmou que o candidato com ambliopia tem plena capacidade visual no olho direito, razão pela qual deveria concorrer em pé de igualdade com os candidatos não portadores de deficiência. Assim, em sentido oposto considerou o Supremo Tribunal Federal:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL. AMBLIOPIA. RESERVA DE VAGA. INCISO VIII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. § 2º DO ART. 5º DA LEI Nº 8.112/90. LEI Nº 7.853/89. DECRETOS NºS 3.298/99 E 5.296/2004. 1. O candidato com visão monocular padece de deficiência que impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é o "melhor". 2. A visão univalente -- comprometedora das noções de profundidade e distância -- implica limitação superior à deficiência parcial que afete os dois olhos. 3. A reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. 4. Recurso ordinário provido. (STF, RSM 26071/DF, Primeira Turma, Relator Ministro Carlos Britto, Data da Publicação: 01.02.2008)
Ressalta-se, ainda, a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no RMS 32.732 AgR analisando a necessidade de compatibilidade entre a deficiência do candidato e as atribuições do cargo disputado, sendo inadmissível uma exigência adicional de que haja uma dificuldade específica para o desempenho das funções do cargo.
Nessa oportunidade, o STF se pronunciou no sentido de que o termo “dificuldades para o desempenho de funções”, contida no art. 4°, I, do Decreto 3.298/1999, diz respeito às funções orgânicas do indivíduo, não às funções do cargo:
Concurso público. Pessoa portadora de deficiência. Reserva percentual de cargos e empregos públicos (CF, art. 37, VIII). Ocorrência, na espécie, dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito vindicado pela recorrente. Atendimento, no caso, da exigência de compatibilidade entre o estado de deficiência e o conteúdo ocupacional ou funcional do cargo público disputado, independentemente de a deficiência produzir dificuldade para o exercício da atividade funcional. Inadmissibilidade da exigência adicional de a situação de deficiência também produzir "dificuldades para o desempenho das funções do cargo". A vigente Constituição da República, ao proclamar e assegurar a reserva de vagas em concursos públicos para os portadores de deficiência, consagrou cláusula de proteção viabilizadora de ações afirmativas em favor de tais pessoas, o que veio a ser concretizado com a edição de atos legislativos, como as Leis 7.853/1989 e 8.112/1990 (art. 5º, § 2º), e com a celebração da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), já formalmente incorporada, com força, hierarquia e eficácia constitucionais (CF, art. 5º, § 3º), ao plano do ordenamento positivo interno do Estado brasileiro. Essa Convenção das Nações Unidas, que atribui maior densidade normativa à cláusula fundada no inciso VIII do art. 37 da Constituição da República, legitima a instituição e a implementação, pelo poder público, de mecanismos compensatórios destinados a corrigir as profundas desvantagens sociais que afetam as pessoas vulneráveis, em ordem a propiciar-lhes maior grau de inclusão e a viabilizar a sua efetiva participação, em condições equânimes e mais justas, na vida econômica, social e cultural do País. [RMS 32.732 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 3-6-2014, 2ª T, DJE de 1º-8-2014.] (Grifou-se).
Feitas tais considerações, conclui-se que o entendimento da Corte Constitucional é no sentido de acolher as políticas de ações afirmativas visando dirimir as desigualdades sociais e, principalmente, incentivar a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, por meio da reserva de vaga em concursos públicos, nos termos do art. 37, VIII, da Constituição da República.
POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No que concerne ao Superior Tribunal de Justiça, patente é a concessão do tratamento relativamente diferenciado que se atribui às pessoas com deficiência, haja vista a caracterização de medida compensatória que encontrou o legislador constituinte como forma de minorar o tratamento discriminatório de que são acometidos.
Merece destaque o grande número de decisões[vi] proferidas envolvendo o direito das pessoas com visão monocular de concorrerem às vagas reservadas em concursos públicos. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça adotou idêntico posicionamento da Corte Constitucional, argumentando que a interpretação do Decreto nº 3.298/99 não exclui as pessoas com visão monocular do benefício da reserva de vagas para as pessoas com deficiência.
Visando consolidar esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 377 com o seguinte teor: o portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes.
Em relação à surdez unilateral, o candidato em concurso público que possui audição em apenas um dos ouvidos não tem direito a participar do certame na qualidade de pessoa com deficiência. Nesse sentido é o entendimento da súmula 552 do STJ:
Súmula 552 do STJ: o portador de surdez unilateral não se qualifica com pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos.
A justificativa para tal disparidade consiste na previsão do art.4º do Decreto n.º 3.298/99 que assim define a deficiência auditiva:
Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:
II- deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296/04)
Observa-se, assim, que, para o mencionado Decreto, a deficiência auditiva deve comprometer a perda bilateral da audição. No mesmo sentido há um precedente da 2ª Turma do STF no MS 29.910 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21.06.2011.
No Informativo nº 483 o Tribunal da Cidadania discutiu em que momento o candidato deveria ser avaliado a respeito de sua capacidade em desenvolver as tarefas inerentes ao cargo público para o qual foi aprovado. A conclusão dessa análise foi proferida no REsp 1.179.987-PR, ressaltando o STJ que é no estágio probatório que o candidato poderá demonstrar a sua adaptação ao exercício do cargo.
No RMS 31.861-PE o Superior Tribunal de Justiça decidiu que os candidatos que tenham “pé torto congênito bilateral” têm direito a concorrer às vagas em concurso público reservadas às pessoas com deficiência. De acordo com a decisão veiculada no informativo nº 522 do STJ, a mencionada deficiência física enquadra-se no disposto no art. 4º, I, do Dec. 3.298/99.
No que pertine à comprovação da condição de pessoa com deficiência, em recente decisão proferida no ano de 2022 no RMS n. 67.298/BA, o STJ destacou a necessidade de se conferir segurança jurídica a essa análise. Na oportunidade, ressaltou que “como bem pontuou o Ministério Público Federal em seu parecer, não se revela razoável, nem isonômico, que em um concurso público determinada necessidade especial seja considerada reconhecida à candidata e noutro certame tal condição seja ignorada. Assim, se em dois processos seletivos diferentes a recorrente foi considerada pessoa com deficiência, não se mostra sensato retirar-lhe essa condição em concurso público realizado pela mesma instituição e pela mesma Banca Examinadora".[vii]
Sendo assim, após detida análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, percebe-se que o entendimento majoritário é no sentido de que a reserva de vagas para as pessoas com deficiência respeita o sistema constitucional vigente, devendo ser adotada a ação afirmativa que visa conferir tratamento prioritário a esse grupo, trazendo para a Administração a responsabilidade de promover sua integração social.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, restou demonstrado que as Ações Afirmativas confundem-se com o respeito ao princípio da igualdade material, haja vista a pretensão do Poder Público, através de medidas positivas, eliminar as barreiras discriminatórias em face da promoção da igualdade de oportunidades. Na verdade, o que se quer é a busca plena da igualdade de condições às pessoas com deficiência, inserindo-as e adaptando-as no mercado de trabalho, seja no setor público ou privado.
Desse modo, mostrou-se que o posicionamento dos tribunais é favorável às Ações Afirmativas e, consequentemente à reserva de vagas em concursos públicos, acolhendo tais políticas como forma de dirimir as desigualdades sociais e incentivar a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, conforme preceitua a nossa Constituição da República.
Por fim, embora existam dispositivos legais capazes de possibilitar o ingresso dos portadores de deficiência no setor público e que confirmam o sistema de cotas para preenchimentos de vagas em concursos públicos, bem como a existência de programas sociais responsáveis pela integração dessas pessoas no mercado de trabalho, seja na esfera pública ou na esfera privada, o Estado deve estar atento à criação de novos mecanismos que possibilitem a eficácia da inclusão deste grupo, a fim de minimizar o fator da discriminação ainda presente nas relações sociais.
NOTAS E REFERÊNCIAS:
[i] VILAS-BOAS, Renata Malta. Ações afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 29.
[ii] STF, RMS 32.732 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 3-6-2014, 2ª T, DJE de 1º-8-2014.
[iii] ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber. Interesses Difusos e Coletivos, volume 2. 4ª edição. Rio de Janeiro: FORENSE; MÉTODO, 2021.
[iv] BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 03.09.2022.
[v] BRASIL. Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018. Dispõe sobre a Reserva às pessoas com deficiência percentual de cargos e de empregos públicos ofertados em concursos públicos e em processos seletivos no âmbito da administração pública federal direta e indireta. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9508.htm>. Acesso em: 03.09.2022.
[vi] Dentre os inúmeros julgados que tratavam sobre a matéria, colaciona-se os seguintes precedentes: MS 13.311/DF, AgRg no RMS 26.105/PE, RMS 22.489/DF, RMS 19.257/DF, RMS 19.291/PA.
[vii] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS n. 67.298/BA, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 27/6/2022. Disponível em: <www.stj.jus.br>.
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afirmativa e o princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. 48 p.
Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DINIZ, Ana Cristina Malta. Ações Afirmativas e as pessoas com deficiência em concursos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59128/aes-afirmativas-e-as-pessoas-com-deficincia-em-concursos-pblicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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