FABÍOLA CASSEL FERRI
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade analisar os questionamentos que envolvem os aspectos positivos e negativos do ativismo judicial na efetivação do Estado Democrático de Direito, bem como se os seus reflexos propiciam mais benefícios ou malefícios à democracia, apontando a visão doutrinária, legislativa e jurisprudencial do ordenamento jurídico brasileiro. Visa apresentar conceitos e explanações sobre Neoconstitucionalismo, Estado Democrático de Direito, Princípio da separação dos Poderes, Poder estatal e limites à atuação jurisdicional, dentre outros. Tal discussão se faz necessária, haja vista as grandes controvérsias acerca da aceitação ou não de posturas ativistas do Poder Judiciário frente a omissões do Poder Legislativo e Executivo, assim como se tal conduta representaria uma afronta ao princípio da separação dos Poderes. Pretende ainda fazer uma análise de caso de algumas situações práticas de ativismo judicial no Brasil. Após diversas pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais, conclui-se que, de modo geral, o ativismo judicial apresenta mais benefícios do que malefícios ao Estado Democrático de Direito, não representando risco à democracia, devendo as intervenções judiciais, no entanto, serem feitas de modo moderado apenas com o objetivo de concretizar preceitos constitucionais.
Palavras-chave: Ativismo Judicial; Estado Democrático de Direito; Democracia.
ABSTRACT: The purpose of this study is to analyze the questions that involve the positive and negative aspects of judicial activism in the implementation of the Democratic State of Law, as well as whether its reflexes provide more benefits or harm to democracy, pointing to the doctrinal, legislative and jurisprudential Brazilian legal system. It aims to present concepts and explanations about Neo-constitutionalism, Democratic State of Law, Principle of separation of Powers, State power and limits to the jurisdictional action, among others. Such a discussion is necessary in view of the great controversies about whether or not the activist positions of the Judiciary are opposed to the omissions of the Legislative and Executive Power, as well as whether such conduct would represent an affront to the principle of separation of Powers. It also intends to make a case analysis of some practical situations of judicial activism in Brazil. After several bibliographical and jurisprudential researches, it is concluded that, in general, judicial activism presents more benefits than harm to the Democratic State of Law, and does not represent a risk to democracy, and judicial interventions, however, must be done in a moderate way only with the purpose of concretizing constitutional precepts.
Keywords: Judicial Activism; Democratic State of Law; Democracy.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 CONCEITUAÇÕES E EXPLANAÇÕES INICIAIS RELEVANTES. 1.1 Neoconstitucionalismo. 1.2 Estado Democrático de Direito. 1.3 Princípio da separação dos poderes. 1.4 Poder estatal e limites à atuação jurisdicional. 2 INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL. 2.1 Supremacia da Constituição. 2.2 Métodos de interpretação constitucional. 2.2.1 Método jurídico ou hermenêutico clássico. 2.2.2 Método tópico-problemático. 2.2.3 Método hermenêutico-concretizador. 2.2.4 Método científico-espiritual. 2.2.5 Método da comparação constitucional. 2.2.6 Método normativo-estruturante. 2.3 Princípios da interpretação constitucional. 2.3.1 Princípio da unidade da Constituição. 2.3.2 Princípio da concordância prática ou da harmonização. 2.3.3 Princípio do efeito integrador. 2.3.4 Princípio da justeza ou da conformidade funcional. 2.3.5 Princípio da máxima efetividade. 2.3.6 Princípio da força normativa da constituição. 2.3.7 Princípio da proporcionalidade/razoabilidade. 2.3.8 Princípio da interpretação conforme a Constituição. 2.4 Mutação Constitucional. 3 ATIVISMO JUDICIAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 3.1 Origem e definição. 3.2 Características do Ativismo Judicial. 3.3 Diferença entre Ativismo Judicial e Judicialização da Política. 3.4 Aspectos positivos e negativos do Ativismo Judicial. 3.4.1 Pontos negativos. 3.4.2 Pontos positivos. 3.5 Casos práticos de ativismo judicial no Brasil. 3.5.1 A intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas. 3.5.2 Execução provisória da pena após condenação em segunda instância. 3.5.3 Descriminalização do aborto realizado até o terceiro trimestre de gestação. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O ativismo judicial é um tema que sempre gera discussões na seara jurídica, tendo em vista que há aqueles que consideram que o Poder Judiciário pode agir mesmo fora de suas competências precípuas, diante da inércia dos outros poderes, enquanto há outros que defendem que o princípio da separação dos poderes reza pela atuação independente e harmônica de cada poder, sendo vedada sobreposição de um poder sobre o outro.
O conceito de tripartição dos poderes remonta à Grécia Antiga, com Aristóteles, em “A Política”, tempos depois passa por Locke, que retoma a ideia da tripartição dos poderes no “Segundo Tratado Sobre o Governo Civil”, sendo mais contemporaneamente aceito o modelo proposto por Montesquieu, segundo o qual, em linhas gerais, não caberia a poder algum concentrar os atos de legislar, administrar e julgar, haja vista a tendência humana de abuso de poder quando este não contém limites.
A separação dos poderes é parte essencial de uma Constituição democrática, nesse sentido, o neoconstitucionalismo, enquanto elemento fortalecedor do poder judiciário, desfaz sobremaneira o entendimento tradicional do princípio da separação de poderes, flexibilizando os até então limites rígidos à atuação do Poder Judiciário, cedendo espaço a outras posturas mais tendentes ao ativismo judicial frente a sociedade.
A sociedade é a destinatária direta da atuação de cada um dos poderes. No caso deste trabalho, em que se trata da atuação ativista do judiciário, vê-se a relevância do estudo dos prós e contras do ativismo judicial. Não há indevida pretensão alguma de esgotar o tema em apreço, mas apenas de dar continuidade ao estudo, dadas, dentre outras razões, as mudanças pelas quais sempre passa o modelo atual de separação de poderes, bem como a assunção, cada vez mais consistente, de um papel mais ativista por parte do Poder Judiciário.
Dividido em quatro partes subsequentes, do presente trabalho, uma obrigatoriedade da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional da Faculdade Damásio, constará (com as necessárias subdivisões), além desta “Introdução”: “Conceituações e explanações iniciais relevantes”, “Interpretação e aplicação da norma constitucional”, “Ativismo Judicial e o Estado Democrático de Direito” e as “Considerações Finais”.
A pesquisa feita para a elaboração e execução deste trabalho se orientou para a tentativa de resposta ao problema lançado, “O ativismo judicial traz mais benefícios ou malefícios à efetivação do Estado Democrático de Direito?”.
A busca acima referida está ligada também ao objetivo trazido pelo pré-projeto deste trabalho, qual seja: analisar os prós e contras do ativismo judicial na efetivação do Estado Democrático de Direito. Para tal fim, seguiu-se na pesquisa pela base teórica, através de uma análise textual de autores do Direito brasileiro.
Tanto na primeira parte do trabalho, em que se tratou do Neoconstitucionalismo, do Estado Democrático de Direito, do Princípio da Separação dos Poderes e do Poder estatal e Limites à atuação jurisdicional, quanto nas partes seguintes, em que foram trazidas informações pertinentes aos métodos de interpretação e aplicação da norma constitucional, passando-se ao tema do ativismo judicial e o Estado Democrático de Direito, foi feita revisão de literatura por meio da qual se apresentaram os temas relacionados aos conceitos políticos e jurídicos afins.
É importante lembrar que, após a breve apresentação dos pressupostos teóricos que embasam a pesquisa bibliográfica, os resultados alcançados vêm conforme a confirmação (ou não confirmação) da hipótese levantada.
Toda a cadeia teórica estudada à época do pré-projeto que ensejou o presente trabalho encaminhava para a hipótese de que a postura mais proativa do Poder Judiciário pode influenciar no exercício das funções dos demais Poderes e representar um certo risco ao Estado Democrático de Direito e a separação de poderes.
Quanto à confirmação (ou não) da hipótese citada anteriormente, pede-se ao leitor que acompanhe o texto. Mais à frente constará a resposta à questão.
1 CONCEITUAÇÕES E EXPLANAÇÕES INICIAIS RELEVANTES
Não é possível falar de ativismo judicial sem antes discorrer sobre elementos, termos e princípios que contribuíram sobremaneira para o surgimento e propagação do ativismo judicial, dentre eles, destacam-se o neoconstitucionalismo, o Estado Democrático de Direito, o princípio da separação de poderes e as limitações do Poder Judiciário.
Para entender o que é neoconstitucionalismo, faz-se necessário saber o que seria o constitucionalismo propriamente dito. A doutrina o relaciona aos movimentos históricos, políticos e sociais que contribuíram para que os Estados instituíssem normas de organização do Estado e limitação do poder estatal, a partir da previsão de direitos e garantias fundamentais.[1]
Já o neoconstitucionalismo, também conhecido como constitucionalismo pós-moderno, constitucionalismo contemporâneo, constitucionalismo principialista, novo Direito Constitucional, constitucionalismo do pós-guerra ou pós-positivismo, está ligado a eficácia e efetividade das normas constitucionais, em que se busca a aplicação da Constituição à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.
O neoconstitucionalismo, portanto, - a partir (1) da compreensão da Constituição como norma jurídica fundamental, dotada de supremacia, (2) da incorporação nos textos associados à promoção da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais e do bem-estar social, assim como de diversos temas do direito infraconstitucional e (3) da eficácia expansiva dos valores constitucionais que se irradiam por todo o sistema jurídico, condicionando a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional à realização e concretização dos programas constitucionais necessários a garantir as condições de existência mínima e digna das pessoas [...][2]
Esse movimento surgiu como uma nova forma de pensar o direito constitucional a partir da Segunda Guerra Mundial, no qual se priorizou a tutela dos direitos fundamentais, assim como bem explanado por Sarmento citado por Raupp
Depois da Segunda Guerra, na Alemanha e na Itália, e algumas décadas mais tarde, após o fim de ditaduras de direita, na Espanha e em Portugal, assistiu-se a uma mudança significativa deste quadro. A percepção de que as maiorias políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera no nazismo alemão, levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador.[3]
Importante destacar os ensinamentos do Ministro Gilmar Mendes sobre o tema
O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A Constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por ser representantes. A esse conjunto de fatores vários autores, sobretudo na Espanha e na América Latina, dão o nome de neoconstitucionalismo.[4]
Esse período também foi marcado pela transição do Estado Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, no qual a Constituição passa a ser a principal norma do ordenamento jurídico, servindo como instrumento de validação das demais leis e atos normativos, que devem ser compatíveis com a constituição formal e materialmente, como bem ressaltado por Cunha Júnior
O neoconstitucionalismo destaca-se, nesse contexto, como uma nova teoria jurídica a justificar a mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito, para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem da Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema, em face do reconhecimento da força normativa da Constituição, com eficácia jurídica vinculante e obrigatória, dotada de supremacia material e intensa carga valorativa. [5]
No mesmo sentido, Tassinari ainda destaca que
O período posterior à Segunda Guerra Mundial foi considerado um marco para o Direito no mundo todo. Isso porque, para que fossem superadas as atrocidades cometidas durante a existência dos regimes totalitários, era necessário que se rompesse com toda a estrutura legislativa que lhes atribuía legitimidade através do argumento de obediência a um formalismo rigoroso, de mera observação do procedimento adequado para a criação das leis. Deste modo, o fim desta Guerra impulsionou um rearranjo institucional que visava à garantia de direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, configurando-se, assim, a transição do que se conhecia por Estado Legislativo para Estado Constitucional de Direito. [6]
Cabe ressaltar algumas das principais características do neoconstitucionalismo apresentadas por Sarmento citado por Raupp, dentre as quais,
(a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou ‘estilos’ mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.; (c) constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; (d) reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos; (e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário. [7]
O nobre Ministro Luís Roberto Barroso, ressalta ainda os principais marcos histórico, filosófico e teórico do movimento
Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico. o pós-positivismo, com a central idade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito. [8]
Outro ponto a ser observado relacionado ao neoconstitucionalismo é a mudança de paradigma das normas constitucionais, que deixam de ter um cunho meramente formal de organização e limitação do poder estatal e passam a priorizar a carga valorativa e o sentido axiológico das normas, como bem destacado por Cunha Júnior, “o discurso jurídico, antes associado a uma concepção formal e procedimentalista, evolui para alcançar uma vertente substancialista preocupada com a realização dos valores constitucionais”[9].
1.2 Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º, caput[10], da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, surgiu como meio de fornecer proteção jurídica aos direitos e garantias fundamentais, que foram suprimidos pelo sistema autoritarista que se instalou no Brasil de 1964 a 1985 (Ditadura Militar), além de possibilitar a ampliação e efetivação desses direitos.
O Ministro Alexandre de Moraes ressalta a importância dada por Canotilho ao Estado Constitucional (Estado com qualidades), destacando que o Estado de direito e Estado democrático são as duas grandes qualidades do Estado Constitucional.[11]
Mais à frente o autor destaca as principais características do Estado de Direito, que possui como objeto central a supremacia da lei
(1) primazia da lei; (2) sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e que se concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade; (3) observância obrigatória da legalidade pela administração pública; (4) separação de poderes como garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos; (5) reconhecimento da personalidade jurídica do Estado, que mantém relações jurídicas com os cidadãos; (6) reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem constitucional; (7) em alguns casos, a existência de controle de constitucionalidade das leis como garantia ante o despotismo do Legislativo.[12]
Quanto ao Estado Democrático, o nobre Ministro afirma que este visa “afastar a tendência humana ao autoritarismo e à concentração de poder” exigindo-se a “integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular”[13].
O constitucionalista José Afonso da Silva acrescenta que os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito devem ser analisados como termos complementares e não como conceitos isolados.
A configuração do Estado democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supere na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando.[14]
O mesmo autor aduz ainda que a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito “consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social”[15], de modo a resguardar os direitos e garantias fundamentais que foram ignorados durante o período de Ditadura Militar.
O doutrinador Bernardo Gonçalves Fernandes analisa o Estado Democrático de Direito como um novo paradigma, diferente dos paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social
Na realidade, o Estado Democrático de Direito é muito mais que um princípio, configurando-se em verdadeiro paradigma – isto é, pano de fundo de silêncio – que compõe e dota de sentido as práticas jurídicas contemporâneas. Vem representando, principalmente, uma vertente distinta dos paradigmas anteriores do Estado Liberal e do Estado Social. Aqui a concepção de direito não se limita a um mero formalismo como no primeiro paradigma, nem descamba para uma materialização totalizante como no segundo. A perspectiva assumida pelo direito caminha para a procedimentalização e, por isso mesmo, a ideia de democracia não é ideal, mas configura-se pela existência de procedimentos ao longo de todo o processo decisório estatal, permitindo e sendo poroso à participação dos atingidos, ou seja, da sociedade.[16]
O Ministro Luís Roberto Barroso enfatiza o relevante papel da Constituição de 1988 na transição do Estado brasileiro de um sistema autoritário para um Estado Democrático de Direito
No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente, no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem-sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito.[17]
Observa-se que a Constituição da República de 1988 contribuiu sobremaneira para a instituição do Estado Democrático de Direito e consequentemente pela garantia da participação popular na vida política do país, tutela jurídica dos direitos e garantias fundamentais, além da primazia das leis e da Constituição.
1.3 Princípio da separação dos poderes
O princípio da separação dos poderes surgiu com a intenção de evitar a concentração excessiva de poder nas mãos de uma só pessoa ou órgão, objetivando atribuir a diferentes órgãos (Executivo, Legislativo e Judiciário) funções estatais distintas, de modo a garantir que a direção do Estado ocorra de maneira equilibrada e que cada poder estatal possa exercer controle sobre os demais, evitando-se o autoritarismo.
Nesse sentido, Sousa
Locke e Montesquieu podem ser considerados os principais representantes do liberalismo clássico cujas teorias estão voltadas para a defesa de direitos negativos por um Estado mínimo, que apenas deveria intervir para assegurar o exercício dos direitos liberais individuais com o consentimento dos governos. Seu objetivo era o de limitar o poder estatal subdividindo-o em funções para tutelar as liberdades negativas.[18]
Na teoria das separações dos poderes, ganhou destaque, inicialmente, a teoria bipartite desenvolvida “sob o pano de fundo da teoria contratualista de Locke formulada em 1688-89, estava em pauta a formação da monarquia constitucional ou parlamentarista que estatui a divisão dos poderes estatais e a limitação da monarquia pelo Parlamento”[19].
Seguindo essa linha, Bobbio citado por Sousa, explica que
A monarquia constitucional é um sistema política baseado, ao mesmo tempo, na dupla distinção entre as duas partes do poder, o parlamento e o rei, e entre duas funções do Estado, a legislativa e a executiva, bem como na correspondência quase perfeita entre essas duas distinções – o poder legislativo emana do povo representado no parlamento; o poder executivo é delegado ao rei pelo parlamento.[20]
Observa-se que a teoria bipartite não atribuía independência funcional ao Poder Judiciário em relação aos outros poderes, sendo que a função típica de aplicar a lei ao caso concreto era exercida pelo Poder Executivo ou Legislativo.
Ademais, Bobbio ressalta que Locke não propõe “separação e equilíbrio entre os poderes, mas sim, separação e subordinação entre eles”[21], estando ausente o que posteriormente ficou conhecido como sistema de freios e contrapesos.
Na teoria tripartite, de Montesquieu, além do Poder Executivo e Legislativo, já previsto na teoria bipartite de John Locke, acrescentou-se função típica ao Poder Judiciário, além de prever o controle de um poder sobre o outro no sistema chamado de freios e contrapesos ou check in balance.
Todo homem que tem Poder é levado a abusar dele; vai até encontrar os limites. Por isso é necessário a divisão dos poderes, para que cada poder impeça ou freie o outro; impeça o abuso de poder por parte deste. [...] Para formar um Governo Moderado, precisa combinar os poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um Poder, por assim dizer, um lastro para pô-lo em condições de resistir a um outro.[22]
Apesar da inclusão do Poder Judiciário na teoria tripartite, este não tinha autonomia para exercer qualquer influência nas decisões políticas, estando restrito a garantir o fiel cumprimento das leis sem autonomia para questioná-las ou determinar a suspensão de sua execução.
Esta foi a fórmula encontrada por Montesquieu para garantir a separação entre o Direito e a Política já que o Poder Judiciário deveria ser um órgão politicamente neutro, que primasse, sobretudo, pela segurança jurídica, a partir da aplicação retroativa da lei ao caso concreto. Assim, não se poderia atribuir ao julgador uma função interpretativo-criativa já que lhe era vedada a criação de direito novo de forma prospectiva, o que colidiria diretamente com o exercício da função típica do legislador político, corrompendo-se a teoria defendida por Montesquieu que não confere ao poder judicial qualquer tipo de autonomia decisória nesse sentido.[23]
Observa-se que a atuação do Judiciário, nesse contexto, era um tanto quanto limitada, além de não lhe ser conferida a possibilidade de exercer o controle sobre os demais poderes, pois este deveria assumir o papel de órgão neutro.
No Brasil, tamanha foi a relevância que a Constituição de 1988 deu a tal princípio que, além de prevê-lo de forma expressa em seu art. 2º[24], o incluiu no rol de cláusulas pétreas[25], vedando qualquer alteração constitucional tendente a suprimir ou abolir a separação dos poderes.
1.4 Poder estatal e limites à atuação jurisdicional
A palavra “poder” é originada do latim possum, que significa “ser capaz de”, possuindo diversas definições, dentre elas, “Poder é o direito de deliberar, agir, mandar e, dependendo do contexto, exercer sua autoridade, soberania, a posse de um domínio, da influência ou da força”[26].
Ao falarmos de “poder”, impossível não vir a mente a frase clássica de Maquiavel “Dê o poder ao homem, e descobrirá quem ele realmente é”. Assim, observa-se que o poder está relacionado à capacidade que alguém tem de influenciar/persuadir o outro, e a forma como essa influência/persuasão é exercida diz muito sobre o caráter e personalidade do detentor de poder.
No que se refere ao Poder do Estado, vale destacar os preceitos de Dalmo de Abreu Dallari
[...] o poder é um elemento essencial ou uma nota características do Estado. Sendo o Estado uma sociedade, não pode existir sem um poder, tendo este na sociedade estatal certas peculiaridades que o qualificam, das quais a mais importante é a soberania. Não há, também, uma distinção muito nítida entre poder de império e soberania no âmbito interno, enquanto que outros entendem como poder de império o que se exerce sobre pessoas.[27]
Mas a frente o autor, fazendo uma leitura dos ensinamentos de Jellinek, esclarece que há dois tipos de poder: o poder dominante e o poder não-dominante, sendo que este não dispõe de força para obrigar com seus próprios meios à execução de suas ordens. Já o poder dominante, pertencente ao Estado, é classificado como originário e irresistível, originário porque o Estado detém um poder próprio, do qual derivam os demais, e irresistível pois permite exercer coação para que se cumpram as ordens dadas.[28]
Dallari, de outro lado, chama a atenção para uma discussão no que se refere a classificação do Poder estatal como poder político ou poder jurídico
Enquanto que uma corrente doutrinária pretende caracterizar o poder do Estado como poder político, incondicionado e preocupado em assegurar sua eficácia, sem qualquer limitação, uma diretriz oposta qualifica-o como poder jurídico, nascido do direito e exercido exclusivamente para a consecução de fins jurídicos. A mais alta expressão desta corrente doutrinária é, sem dúvida alguma, Hans Kelsen. Embora em sua concepção o Estado seja uma realidade normativa, observa ele que, não raro, o ‘ordenado’ desloca a ordenação, e o objeto desta se torna autônomo perante a própria ordem. Foi por esse caminho que o Estado deixou de ser concebido como uma ordem da conduta humana, uma ordenação de homens, para ser visto como os próprios homens que coexistem, submetidos a certa regulação. Dessa forma o Estado foi deslocado do reino do normativo para o do natural e causal, surgindo uma conceituação que permite falar-se em elementos constitutivos. Embora contrário a esta orientação, Kelsen reconhece que ela é absolutamente predominante, procurando, então, através dela, demonstrar a permanente presença do jurídico nos três elementos constitutivos geralmente enumerados, que são: o território, o povo e o poder (autoridade). [29]
Extrai-se que o poder político do Estado se sobressai ao seu poder jurídico, já que o primeiro revela o sentido de que o Estado é o próprio povo que coexiste, no entanto, o poder jurídico revela-se, na medida em que o Estado se submete a certas normas e regulações.
Seguindo a discussão sobre os Poderes do Estado, tem-se que o Judiciário é um desdobramento do Poder estatal, possuindo dentre as suas funções típicas a capacidade de dizer o direito diante do caso concreto, também conhecida como jurisdição.
Nessa linha, a função jurisdicional está intimamente ligada com a definitividade das decisões e com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, conforme destacado pelo doutrinador e atual Presidente da República, Michel Temer
A definitividade é traço marcante da jurisdição. Deriva do preceito insculpido no art. 5º, XXXV, da CF, segundo o qual ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Por força dele é que a solução de litígios, pela Administração, por mais capazes que sejam os seus tribunais, não é definitiva. Qualquer do povo, qualquer órgão público, qualquer tribunal administrativo poderá ‘dizer o direito’ que deve ser aplicado à dirimência de uma controvérsia.[30]
Mais à frente o autor ainda ressalta que “A definitividade das suas decisões e a possibilidade de utilizar toda a força institucional do Estado tipificam o exercício da função primordial do Poder Judiciário: a jurisdição”, ponderando que tal particularidade é atribuída em especial ao Poder Judiciário.
Dessa forma, observa-se que o poder é necessário para que não se instale um sistema de anarquismo e desordem social, no entanto, para que aquele que detém o poder não venha a abusar dele, são necessários mecanismos de controle do poder. Por isso, mostra-se extremamente relevante que haja limites a atuação de todos os poderes, inclusive o Poder Judiciário.
2 INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL
As normas constitucionais não podem ser interpretadas com base na letra fria da lei, é necessário que o intérprete tenha uma visão da Constituição como um todo e considere todos os princípios, implícitos ou explícitos, nela contidos para que, dessa forma, possa extrair o verdadeiro sentido axiológico da norma.
2.1 Supremacia da Constituição
O princípio da supremacia da Constituição faz referência à posição de superioridade que a esta constituição, assim considerada como norma fundamental do Estado, assume sobre as demais leis, servindo como instrumento de validação de todas as normas e atos normativos expedidos.
Nathalia Masson leciona que “em virtude de a Constituição ocupar o ápice da estrutura normativa em nosso ordenamento, todas as demais normas e atos do Poder Público somente serão considerados válidos quando em conformidade com ela”[31].
Outro fator preponderante para que a constituição seja superior às demais normas é que ela é o documento inaugural do ordenamento jurídico, decorrente do poder constituinte originário, como destacado por Gilmar Mendes
O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta, justamente por ser a Carta Magna produto do poder constituinte originário, ela própria elevando-se à condição de obra suprema, que inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por isso mesmo, o ato contrário à Constituição sofre de nulidade absoluta.[32]
Tal princípio guarda relação com a concepção jurídica de constituição, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino assim preceituam
Em sentido jurídico, a Constituição é compreendida de uma perspectiva estritamente formal, apresentando-se como pura norma jurídica, como norma fundamental do Estado e da vida jurídica de um país, paradigma de validade de todo o ordenamento jurídico e instituidora da estrutura primacial desse Estado. A Constituição consiste, pois num sistema de normas jurídicas.
O pensador mais associado à visão jurídica de Constituição é o austríaco Hans Kelsen, que desenvolveu a denominada Teoria Pura do Direito. [33]
Hans Kelsen chama a atenção ainda para o sentido jurídico-positivo da Constituição, segundo o qual a “constituição corresponde à norma positiva suprema, conjunto de normas que regulam a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau”[34].
Já no sentido lógico-jurídico, o conceito de Constituição, por sua vez, possui o seu “fundamento de validade na norma hipotética fundamental, situada no plano lógico, e não no jurídico, caracterizando-se como fundamento de validade de todo o sistema, determinando-se a obediência a tudo o que for posto pelo Poder Constituinte Originário”[35].
Observa-se que por vezes a Constituição é chamada de norma fundamental, sendo relevante fazer menção aos ensinamentos do Ministro Gilmar Mendes, sobre o assunto
[...] Lei Fundamental não se limita às disposições singulares do direito constitucional escrito. De um lado, essa ideia abrange todos os princípios constantes do texto constitucional. Por outro, esse conceito abarca, igualmente, todos os princípios derivados da Constituição enquanto unidade, tais como o princípio da democracia, o princípio federativo, o princípio da fidelidade federativa, o princípio do Estado de Direito, o princípio da ordem democrática e liberal e o princípio do estado social. [36]
Ademais, a supremacia da constituição é decorrente da sua forma rígida, definida pelo Ministro Alexandre de Moraes[37] como “as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas”.
Dessa forma, o princípio da supremacia da constituição enseja a posição hierarquicamente superior da Carta Magna em relação às demais normas e aos atos normativos do ordenamento jurídico que devem ser compatíveis com aquela formal e materialmente, além de servir de fundamento de validade da legislação constitucional – decorrente do poder constituinte derivado reformador – ou infraconstitucional.
2.2 Métodos de interpretação constitucional
A doutrina e jurisprudência desenvolveram um conjunto de métodos utilizados para auxiliar no processo de interpretação das normas constitucionais, dos quais, segundo a visão de Canotilho citado por Lenza, destacam-se: o método jurídico, o método tópico-problemático, o método hermenêutico-concretizador, o método científico-espiritual, o método normativo-estruturante e o método da comparação constitucional[38].
2.2.1 Método jurídico ou hermenêutico clássico
Para o método jurídico, a Constituição é considerada como uma lei, desse modo, devem ser aplicados os métodos tradicionais de hermenêutica utilizados nas demais normas jurídicas, dentre os quais, o doutrinador Pedro Lenza destaca
Elemento genético: busca investigar as origens dos conceitos utilizados pelo legislador; elemento gramatical ou filológico: também chamado de literal ou semântico, a análise se realiza de modo textual e literal; elemento lógico: procura a harmonia lógica das normas constitucionais; elemento sistemático: busca a análise do todo; elemento histórico: analisa o projeto de lei, a sua justificativa, exposição de motivos, pareceres, discussões, as condições culturais e psicológicas que resultaram na elaboração da norma; elemento teleológico ou sociológico: busca a finalidade da norma; elemento popular: a análise se implementa partindo da participação da massa, dos “corpos intermediários”, dos partidos políticos, sindicatos, valendo-se de instrumentos como o plebiscito, referendo, recall, veto popular etc; elemento doutrinário: parte da interpretação feita pela doutrina; elemento evolutivo: segue a linha da mutação constitucional.[39]
Esse método prioriza o texto constitucional, atribuindo ao intérprete a função de desvendar o verdadeiro significado e sentido na norma constitucional.
2.2.2 Método tópico-problemático
O método tópico-problemático objetiva solucionar determinado caso concreto por meio da aplicação da norma constitucional. A interpretação da Constituição é realizada de forma mais aberta, diante do caráter prático do método.
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino elucidam algumas premissas do referido método
(1) a interpretação constitucional deve ter um caráter prático, buscando resolver problemas concretos; (2) as normas constitucionais têm caráter fragmentário (não abrangem todas as situações passíveis de ocorrer na realidade social, mas só as mais relevantes) e indeterminado (possuem elevado grau de abstração e generalidade); (3) as normas constitucionais são abertas, por isso, não podem ser aplicadas mediante simples operações de subsunção (enquadramento direto de casos concretos nas hipóteses nelas descritas), o que implica deva ser dada preferência à discussão do problema.[40]
2.2.3 Método hermenêutico-concretizador
Em sentido oposto ao método explicado anteriormente, o método hermenêutico-concretizador parte da norma para o caso concreto, possuindo uma carga de subjetivismo que permite que o intérprete utilize das suas pré-compreensões sobre o assunto na análise da norma constitucional.
Pedro Lenza faz alusão a três pressupostos interpretativos desse método: pressupostos subjetivos (utilização das pré-compreensões sobre o tema); pressupostos objetivos (atuação como mediador entre a norma e a situação concreta) e círculo hermenêutico (“movimento de ir e vir” do subjetivo para o objetivo).[41]
2.2.4 Método científico-espiritual
Segundo o método científico-espiritual a interpretação da Constituição deve considerar a realidade social, mostrando-se como um processo dinâmico, tendo em vista que acompanha as diversas mudanças vividas pela sociedade.
O Ministro Gilmar Mendes[42], acrescenta que no método científico-espiritual “Enxerga-se a Constituição como um sistema cultural e de valores de um povo, cabendo à interpretação aproximar-se desses valores subjacentes à Constituição”, ressalta, no entanto, que esses valores “estão sujeitos a flutuações, tornando a interpretação da Constituição fundamentalmente elástica e flexível, submetendo a força de decisões fundamentais às vicissitudes da realidade cambiante”.
2.2.5 Método da comparação constitucional
Esse método de interpretação permite a comparação entre diversas constituições de outros ordenamentos jurídicos, de modo a abstrair novas formas de solução de problemas aplicadas ao caso concreto.
Nesse sentido, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino
A interpretação comparativa pretende captar a evolução de institutos jurídicos, normas e conceitos nos vários ordenamentos jurídicos, identificando suas semelhanças e diferenças, com o intuito de esclarecer o significado que deve ser atribuído a determinados enunciados linguísticos utilizados na formulação de normas constitucionais.[43]
2.2.6 Método normativo-estruturante
Para o método normativo-estruturante, a norma constitucional reflete apenas uma parte da realidade social, que para ser concretizada depende da atuação jurisdicional e administrativa, além da legislativa.
Lenza esclarece que “o teor literal da norma (elemento literal da doutrina clássica), que será considerado pelo intérprete, deve ser analisado à luz da concretização da norma em sua realidade social”.[44]
2.3 Princípios da interpretação constitucional
Além dos métodos de interpretação constitucional, no processo de interpretação do texto constitucional, faz-se necessário estudar os princípios de interpretação constitucional, desenvolvidos por Konrad Hesse, Canotilho e, posteriormente, por outros autores brasileiros.
Dentre os princípios de interpretação constitucional, destacam-se: unidade da constituição, concordância prática, justeza, efeito integrador, máxima efetividade, força normativa da Constituição, interpretação conforme a Constituição e proporcionalidade/razoabilidade.
2.3.1 Princípio da unidade da Constituição
O princípio da unidade preceitua que as normas constitucionais devem ser analisadas como um sistema unitário de regras e princípios, interpretando a Constituição como um todo e não de forma isolada.
Desse modo, a constituição “visa conferir um caráter ordenado e sistematizado para as disposições constitucionais”, além de ser “um agrupamento de preceitos integrados, alinhavados pelo ideal de unidade”, evitando-se que o texto constitucional se torne em “um conjunto caótico de normas desconectadas e esparsas”[45].
2.3.2 Princípio da concordância prática ou da harmonização
Esse princípio preconiza que diante de conflitos entre princípios, estes devem ser tratados de forma igualitária e harmônica, impedindo que um se coloque em posição hierarquicamente superior aos demais e reafirmando a ideia de que não existe princípio absoluto.
Pedro Lenza aduz que “os bens jurídicos constitucionalizados deverão coexistir de forma harmônica na hipótese de eventual conflito ou concorrência entre eles, buscando, assim, evitar o sacrifício (total) de um princípio em relação a outro em choque”[46].
2.3.3 Princípio do efeito integrador
Com relação ao princípio do efeito integrador, o Ministro Alexandre de Moraes leciona que “na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem como ao reforço da unidade política”[47].
2.3.4 Princípio da justeza ou da conformidade funcional
Também conhecido como correção, conformidade ou exatidão funcional, esse princípio apregoa que o STF, assim considerado como intérprete máximo da Constituição, não deve atuar como legislador positivo, em observância ao princípio da separação dos poderes e respeito às funções constitucionais estabelecidas pela Magna Carta.
A doutrinadora Natalia Masson ainda acrescenta que
[…] a origem deste princípio na Alemanha é, justamente, o combate ao ativismo judicial, numa clara tentativa de conter a participação mais intensa do Tribunal Constitucional nos debates político-jurídicos, ao argumento de que o campo político deve se manter reservado ao legislador.[48]
2.3.5 Princípio da máxima efetividade
Também conhecido como princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade visa atribuir à norma o sentido que tenha maior efetividade social para esta norma e, por conseguinte, maior eficácia.
Desse modo, Gilmar Mendes esclarece que
A eficácia da norma deve ser compreendida como a sua aptidão para produzir os efeitos que lhes são próprios. Esse princípio, na realidade, vem sancionado, entre nós, no §1º do art. 5º da Constituição, que proclama a aplicação imediata das normas definidoras programáticas podem levar à inconstitucionalidade de leis que lhes sejam opostas é, igualmente, expressão desse princípio.[49]
Observa-se que o referido princípio possui maior aplicabilidade nas normas constitucionais programáticas e na concretização dos direitos fundamentais.
2.3.6 Princípio da força normativa da constituição
O princípio da força normativa da constituição, idealizado por Konrad Hesse, enuncia que o intérprete deve tentar extrair a máxima aplicabilidade da norma constitucional.
Canotilho, citado por Pedro Lenza, ensina que
[...] na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da Constituição (normativa), contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a ‘actualização’ normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência.[50]
2.3.7 Princípio da proporcionalidade/razoabilidade
O princípio da proporcionalidade e razoabilidade está relacionado ao controle de legalidade dos atos administrativos discricionários, que possibilita a análise do mérito dos atos administrativos ficando restrito, nesses casos, à aferição dos princípios da razoabilidade, da moralidade e da eficiência.
Para aplicação desse princípio é necessária a implementação de três elementos, conforme explanado por Pedro Lenza
Necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder substituí-la por outra menos gravosa; adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição.[51]
O princípio em questão ganha maior destaque diante da aparente colisão entre princípios e valores constitucionalizados.
2.3.8 Princípio da interpretação conforme a Constituição
Esse princípio ensina que diante de normas polissêmicas ou plurissignificativas, assim entendidas como aquelas para as quais pode se atribuir mais de um significado, deve-se priorizar a interpretação do modo mais compatível com a Constituição e seus preceitos, ou seja, conforme a Constituição.
Nesse sentido, leciona o Ministro Alexandre de Moraes
A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico. [52]
Observa-se, dessa forma, que o princípio da interpretação conforme a constituição guarda relação com os conceitos de controle de constitucionalidade, já que as interpretações que forem incompatíveis com as normas constitucionais poderão ser declaradas inconstitucionais.
Ademais, importante frisar que, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há certos limites impostos ao princípio em questão, para evitar que o intérprete atue como legislador positivo
É que até mesmo a técnica de interpretação conforme tem limites. Ela significa, sim, a recusa de incidência a um determinado sentido desse ou daquele preceito da lei interpretada, por incompatibilidade com a Constituição Federal, mas sob a condição de que semelhante operação não acarrete indeterminabilidade de sentido da parte remanescente da lei em causa. É dizer, a técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. (p. 62)[53]
Seguindo a mesma linha, além dos limites impostos ao princípio da interpretação conforme a constituição, nos termos dos ensinamentos de Nathalia Masson, há certas regras que devem ser respeitadas quando de sua aplicação, quais sejam
(i) primeiro, se o texto do dispositivo é unívoco, isto é, não tolera interpretação múltiplas, não há que se falar em interpretação conforme. [...]
(ii) segundo, não são aceitáveis violações à literalidade do texto, afinal o intérprete encontra seu limite de atuação no perímetro que envolve as possibilidades hermenêuticas do texto, não podendo, jamais, atuar como legislador positivo, criando norma nova a partir da tarefa interpretativa. Tampouco está o intérprete autorizado a ferir a finalidade inequivocamente pretendida e desejada pelo legislador, haja vista os objetivos da lei terem de ser considerados. Em outras palavras: a vontade do juiz-intérprete não pode simplesmente substituir a do legislador, de forma que a interpretação funcione como um princípio de autolimitação judiciária[54].
A doutrina pátria subdivide o princípio da interpretação conforme três tipos: interpretação conforme com redução do texto, interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade e interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade[55]
a) Interpretação conforme com redução do texto: nessa hipótese ocorrerá a declaração de inconstitucionalidade de parte do texto ou expressão, que, a partir dessa exclusão, permitirá uma interpretação compatível com o texto constitucional;
b) Interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade: nessa situação a norma só será considerada constitucional se interpretada de uma determinada forma, ou seja, o Supremo Tribunal Federal especifica qual a interpretação está em conformidade com a Constituição Federal;
c) Interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade: aplica-se aos casos em que o STF limita o alcance da norma, excluindo as interpretações que não possuem compatibilidade com a Carta Magna.
Nota-se que a interpretação conforme a Constituição prioriza sempre a compatibilidade da norma analisada com o texto constitucional, excluindo-se ou incluindo-se interpretações que garantam a constitucionalidade da norma, seja com ou sem redução de texto.
A mutação constitucional é mais um auxílio que o intérprete possui no processo de interpretação das normas, pelo qual, considerando que vivemos em uma sociedade dinâmica, que sofre interferências da atual situação econômica, política, histórica e ideológica do Estado e que a norma fundamental deve refletir a realidade da sociedade, o intérprete deverá interpretar a Constituição como um todo, de forma sistêmica, visando extrair o real sentido do texto constitucional, sem contrariar a intenção do legislador constituinte.
Sobre a mutação constitucional, importante destacar os preceitos elencados pelo Ministro Gilmar Mendes
O estudo do poder constituinte de reforma instrui sobre o modo como o Texto Constitucional pode ser formalmente alterado. Ocorre que, por vezes, em virtude de uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. Como a norma não se confunde com o texto, repara-se aí, uma mudança da norma, mantido o texto. Quando isso ocorre no âmbito constitucional, fala-se em mutação constitucional[56].
Assim, de regra, a Constituição Federal, classificada como uma constituição rígida, exige que para ser alterada seja observado um processo de alteração mais dificultoso do que o processo de alteração das demais normas infraconstitucionais, conforme disposto no art. 60[57] da Constituição. No entanto, para que a Constituição não seja uma simples “folha de papel”, como expressado Pedro Lenza[58] ao referenciar Ferdinand Lassale, mas reflita a efetiva realidade social de um Estado, é necessário que a norma constitucional acompanhe o processo de transformação da sociedade e admita interpretações que representem o real sentido da norma, sem contrair o objetivo do legislador constituinte e as demais normas e princípios constitucionais.
Extrai-se, dessa forma, que, no processo de interpretação constitucional, há diversos métodos e princípios que devem ser observados, com o intuito de garantir a supremacia da Constituição, dar máxima efetividade às normas constitucionais, bem como limitar a atuação dos intérpretes de modo a garantir o equilíbrio e harmonia entre os Poderes da República.
3 ATIVISMO JUDICIAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O ativismo judicial remonta em uma mudança de paradigma, pelo qual o Poder Judiciário deixa de ser um mero coadjuvante ou apenas aplicador das leis, exercendo um papel secundário, como idealizado pela teoria da tripartição dos Poderes, de Montesquieu, e passa a atuar como verdadeiro guardião e defensor das normas constitucionais, agindo de forma mais proativa em relação aos demais Poderes, na busca pela efetivação dos direitos e garantias fundamentais.
O ativismo judicial possui uma relação muito forte com o controle de constitucionalidade e o princípio da supremacia da constituição, fazendo crer que tais institutos desempenharam um papel fundamental no surgimento do ativismo judicial, como ressaltado a seguir
No período do pós-guerra, o surgimento de várias constituições, a constitucionalização dos direitos e garantias fundamentais, a criação de Tribunais Constitucionais e o desenvolvimento de modelos de controle de constitucionalidade contribuíram para que se disseminasse a superioridade normativa da Constituição, que teve origem no judicial review.[59]
Os autores explicam que o judicial review ocorre quando se atribui ao Poder Judiciário “o exercício do controle de constitucionalidade concreto com fito de rever os atos legislativos do Congresso que estivessem em desconformidade com a Constituição, assumindo uma função nitidamente contramajoritária”[60].
Vale salientar que o judicial review está relacionado ao controle difuso de constitucionalidade que possui como origem histórica o caso Marbory v. Madison, no qual a corte norte-americana decidiu que, diante de um conflito entre uma lei em um caso concreto e a Constituição, esta deve prevalecer por ser hierarquicamente superior.
A doutrinadora Tassinari ressalta três pontos que demonstram como a atuação do Poder Judiciário nos Estados Unidos são relevantes para os estudos do ativismo judicial, a saber
Primeiro, porque foi no seio da tradição jurídica estadunidense que surgiram as discussões sobre ativismo judicial; segundo, porque, em face da insurgência do constitucionalismo democrático no Brasil e a consequente mudança produzida no que diz respeito ao papel assumido pela jurisdição, a doutrina brasileira passou a incorporar a expressão ativismo judicial, algumas vezes acompanhada (senão fundamentada) pelos aportes teóricos norte-americanos; terceiro [...], porque, diante de tudo isso, importa analisar quais as possibilidades de realizar esta transposição de teorias ao Direito Brasileiro.[61]
Assim sendo, pode-se inferir que os Estados Unidos exerceram forte influência no surgimento da postura mais proativa do Poder Judiciário, sendo, inclusive, o primeiro país a utilizar a expressão “ativismo judicial”[62].
No entanto, o termo ativismo judicial, ao contrário do que se possa imagina, não foi utilizado pela primeira vez em um contexto jurídico, mas a partir da publicação de uma matéria do historiador Arthur Schlesinger na revista Fortune, cujo objetivo era fazer uma análise do perfil dos juízes da corte norte-americana de 1947
A própria nomenclatura judicial activism surgiu num contexto não-técnico, objeto de um magro artigo numa revista leiga de atualidades, a Fortune, ‘entre propagandas de Whisky e Aqua Velva’. O autor, Arthur Schlesinger Jr, respeitável jurista, dedica-se a descrever as profundas divisões ideológicas entre os noves membros da Suprema Corte americana em 1947. Não estava motivado por nenhum propósito de declinar alguma teoria do papel do Judiciário; ao contrário, a matéria se concentrava em revelar as antipatias que os juízes nutriam uns pelos outros e as suas divergências pessoas [...]. Tratava-se, pois, de um relato de mexericos com o evidente intuito de cativas um público leigo [...][63]
O autor Keenan D. Kmiec[64], citado por Tassinari, ressalta que ativistas judiciais eram “aqueles juízes cuja atuação revelava-se comprometida com a realização de políticas de bem-estar (Hugo Black, William O. Douglas, Frank Murphy e Wiley Rutlege)”, lado outro, os “campeões do auto-comedimento” ou autocontenção, eram àqueles juízes que “entendiam que os objetivos sociais não deveriam apenas ser alcançados pelo Judiciário, mas também pelos outros Poderes”, incluindo-se, nessa classificação, os juízes Felix Frankfurter, Harold Burton e Robert. H. Jackson.
No Brasil, pode-se destacar o relevante papel que a Constituição Federal de 1988 teve no processo de afirmação do ativismo judicial. A Carta Magna auxiliou na redemocratização da República, marcando o êxodo de um período de Ditadura Militar e autoritarismo, apresentando como missão precípua assegurar direitos e garantias fundamentais, trazendo mecanismo que buscassem efetivar tais direitos.
Além disso, a atribuição de garantias aos membros do Poder Judiciário, bem como a previsão de uma atuação mais presente do Ministério Público e da Defensoria Pública, contribuíram muito sobremaneira para que a atividade jurisdicional passasse a ter uma postura mais proativa com relação aos demais Poderes, na tentativa de concretizar os princípios e direitos constitucionais.
3.2 Características do Ativismo Judicial
Preceitua-se que o ativismo judicial objetiva extrair o máximo das potencialidades da norma constitucional, sem invadir, todavia, a competência legiferante do Poder Legislativo.
No entanto, para se classificar uma decisão como ativista, não há critérios objetivos e unânimes predefinidos, tratando-se na verdade de uma construção jurisprudencial, conforme demonstrado pelo Ministro Luís Barroso
No Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do STF, manifestada por diferentes linhas de decisão. Dentre elas se incluem: a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, como se passou em casos como o da imposição de fidelidade partidária e o da vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição, de que são exemplos as decisões referentes à verticalização das coligações partidárias e à cláusula de barreira; c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, tanto em caso de inércia do legislador – como no precedente sobre greve no serviço público ou sobre criação de município – como no de políticas públicas insuficientes, de que têm sido exemplo as decisões sobre direito à saúde. Todas essas hipóteses distanciam juízes e tribunais de sua função típica de aplicação do direito vigente e os aproximam de uma função que mais se assemelha à de criação do próprio direito.[65]
Observa-se que, segundo esse entendimento, uma decisão poderá ser considerada como ativista: se ocorrer a aplicação direta da Constituição a situações que não estejam expressamente contempladas em seu texto; diante da declaração de inconstitucionalidade de normas emanadas do Poder Legislativo, utilizando-se de critérios menos rígidos do que o de costume ou ainda no caso de imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, quando for verificada inércia do legislador ou políticas públicas insuficientes.
Lado outro, não há como se falar em ativismo judicial sem fazer referência à autocontenção judicial, que seria o oposto do ativismo judicial, assim considerada como a postura na qual o Poder Judiciário busca reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes.
O Ministro Barroso traz como característica da autocontenção a possibilidade de “abrir mais espaço à atuação dos Poderes políticos, tendo por nota fundamental a forte deferência em relação às ações e omissões desses últimos”.[66]
A autocontenção judicial preponderou até a promulgação da Constituição de 1988, revelando-se como uma forma de restringir o alcance da Constituição, em detrimento das instâncias tipicamente políticas.
Importante ressaltar ainda que os conceitos de ativismo judicial e autocontenção não se confundem com termos liberalismo e conservadorismo, ou seja, juízes liberais podem adotar posturas ativistas ou autorrestritivas e vice-versa, levando em consideração o tipo de demanda que estão julgando[67].
Fazendo um paralelo com o contexto histórico brasileiro, percebe-se que a postura de autocontenção predominou até a entrada em vigor da chamada Constituição Cidadã, momento pelo qual, sob influência do novo paradigma de garantia dos direitos fundamentais, se passasse a observar uma ação mais proativa do Poder Judiciário.
3.3 Diferença entre Ativismo Judicial e Judicialização da Política
A judicialização da política e o ativismo judicial apesar de referirem-se a conceitos distintos, possuem uma linha de diferenciação muito tênue, sendo comum a utilização de um conceito em lugar do outro, mesmo porque os referidos termos são contemporâneos entre si. Nesse sentindo, vale registrar os ensinamentos trazidos por Isabella Saldanha e Magno Federici
O enorme desprestígio do Poder Legislativo, como órgão eficaz para canalizar e expressar a vontade dos cidadãos diante do déficit da democracia representativa implicou a modificação das regras do jogo democrático, de forma que o diálogo travado na arena política se estendeu para a arena judicial. Na verdade, a crise que assola a democracia representativa – tanto pela retratação do espaço de tomada de decisões políticas, em razão da dificuldade de obtenção de consenso para a formação de uma maioria parlamentar em temas complexos quanto pela falta de interesse da maioria dos parlamentares em deliberar sobre eles – representou um incentivo para o protagonismo assumido pela jurisdição constitucional brasileira.[68]
Depreende-se que o protagonismo do Poder Judiciário está associado a uma maior retração do Poder Legislativo, de modo a revelar uma crise na democracia representativa que apresenta dificuldade em expressar a vontade popular. Além disso, a omissão dos parlamentares em enfrentar temas complexos faz com que os cidadãos busquem a tutela jurisdicional do Estado para resolver tais demandas.
Quanto ao fenômeno da judicialização da política, importante destacar o posicionamento de Clarissa Tassinari
[...] a judicialização é muito mais uma constatação sobre aquilo que vem ocorrendo na contemporaneidade por conta da maior consagração de direitos e regulamentações constitucionais, que acabam por possibilitar um maior número de demandas, que, em maior ou menor medida, desaguarão no Judiciário; do que uma postura a ser identificada (como positiva ou negativa). Isto é, esta questão está ligada a uma análise contextual da composição do cenário jurídico, não fazendo referência à necessidade de se criar (ou defender) um modelo de jurisdição fortalecido. [69]
Desse modo, a judicialização da política há de ser considerada como um reflexo da sociedade contemporânea, que espera que o Poder Judiciário solucione as suas demandas, relacionadas, nesse caso, à inércia dos Poderes Legislativo e Executivo.
O ativismo judicial, por sua vez, faz alusão à postura mais proativa do Poder Judiciário na interpretação das normas constitucionais, que, na tentativa de efetivar direitos fundamentais emite ordens que exigem uma conduta ativa ou omissiva dos demais poderes.
Tassinari ressalta dificuldades em estabelecer um conceito definido e fechado para o termo ativismo judicial, mas assevera que há algumas perspectivas de abordagens que devem ser destacadas
a) como decorrência do exercício do poder de revisar (leia-se, controlar a constitucionalidade) atos dos demais poderes; b) como sinônimo de maior interferência do Judiciário (ou maior volume de demandas judiciais, o que, neste caso configuraria muito mais judicialização); c) como abertura à discricionariedade do ato decisório; d) como aumento da capacidade de gerenciamento processual do julgador, dentre outros. [70]
O Ministro Luís Roberto Barroso, por outro lado, traz a seguinte diferenciação entre o ativismo judicial e a judicialização da política
A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política [...] Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. [71]
Assim sendo, assevera-se que a judicialização da política é uma consequência lógica do ordenamento jurídico adotado atualmente, em que a Constituição se revela em posição de superioridade às demais normas. Já o ativismo judicial permite que demandas antes a cargo apenas dos Poderes Legislativo e Executivo, hoje sejam discutidas em sede do Poder Judiciário, com o objetivo de efetivar direitos fundamentais.
3.4 Aspectos positivos e negativos do Ativismo Judicial
Conforme explanado em momento anterior, a ideia de ativismo judicial está associada a atuação mais proativa do Poder Judiciário na tutela de preceitos constitucionais e efetivação de direitos fundamentais, diante da omissão dos demais Poderes da República em executar aquilo que a doutrina chama de funções típicas, como por exemplo, a função administrativa do Poder Executivo e a função legiferante do Poder Legislativo.
Nesse interim, formam-se duas correntes: aqueles que defendem a postura ativista do Poder Judiciário e, de outro lado, os que consideram que tal comportamento mostra-se incompatível com o ordenamento jurídico vigente.
A ilegitimidade é o primeiro argumento utilizado pelos doutrinadores e juristas que são contrários ao ativismo judicial exercido por membros do Poder Judiciário, já que estes não foram escolhidos pelo povo e, por tanto, não poderiam agir em seu nome.
Compactuando desse posicionamento, o Ministro da Suprema Corte Americana, Antonin Scalia, conhecido por adotar uma conduta extremamente conservadora, em uma entrevista oferecida à Revista Justiça & Cidadania, ao ser questionado sobre o papel do juiz na interpretação do texto constitucional foi categórico em afirmar que
Eu não acredito nisso. Você não pode ter uma democracia sem a palavra escrita. O único jeito da sociedade ter sua vontade reconhecida é através da palavra escrita, que ela adotou em estatutos ou na Constituição, através de seus representantes no Legislativo. Se você quer manter a democracia, o trabalho do juiz é dar à lei uma justa interpretação, ser fiel ao que o povo escolheu, e não ao que o magistrado pensa ser a “melhor ideia” para um caso específico. Esse não é o papel do juiz! Muitas vezes eu chego a conclusões, que considero, sinceramente, idiotas, mas não é meu trabalho julgar se essas decisões são inteligentes ou não, esse trabalho é do Congresso. Meu trabalho é dar uma justa e honesta interpretação à Constituição dos EUA.[72]
Seguindo esse raciocínio, a função do juiz está limita a interpretar e executar fielmente os preceitos legais, em respeito ao Estado Democrático de Direito, tendo em vista que os integrantes do Poder Legislativo são imbuídos de Poder constituído pela Carta Magna para representar o povo e, por conseguinte, as leis são reflexos da vontade da popular, criadas por meio de seus representantes.
Na mesma entrevista, ao ser indagado se o ativismo judicial contribuía para a democracia, o Ministro foi ainda mais radical, arguindo que
Os juízes sabem o que é melhor para a sociedade? Os juízes são o segmento mais aristocrata da sociedade! Eles não são os homens do povo. Se você quer saber o que o povo quer e pensa, vá para o Legislativo e não para um Tribunal! A única coisa que os juízes sabem é o que eles acham que é melhor para o povo.[73]
A possível ofensa ao princípio constitucional da separação dos Poderes é outra justificativa para manifestar-se contrariamente ao ativismo judicial. Segundo essa tese, o Poder Judiciário não pode interferir na esfera de atuação dos demais Poderes e vice-versa, pois isso representaria um risco a própria República.
Dessa forma, deve-se respeitar a independência dos Poderes de modo a garantir o equilíbrio e harmonia entre eles. Não sendo possível que o Poder Judiciário, por exemplo, intervenha nas atribuições destinadas ao Poder Executivo e Legislativo, como nos casos de implementação de políticas públicas ou interpretação de leis infraconstitucionais conforme a constituição, que mudam o sentido na norma sem alterar a literalidade do texto.
Nesse diapasão, Lênio Streck pondera que as convicções pessoais dos magistrados não podem interferir em suas decisões jurídicas
O cidadão tem sempre o direito fundamental de obter uma resposta adequada à Constituição, que não é a única e nem a melhor, mas simplesmente trata-se da resposta adequada à Constituição. Cada juiz tem convicções pessoais e ideologia própria, mas isso não significa que a decisão possa refletir esse subjetivismo. O juiz precisa usar uma fundamentação que demonstre que a decisão se deu por argumentos de princípio, e não de política, de moral ou convicções pessoais. A moral ou a política não corrigem o Direito. Juiz nenhum pode pensar assim. Haverá coerência se os mesmos princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos. Aí sim estará assegurada a integridade do Direito.[74]
Depreende-se que a intenção, nesse caso, é de conferir às decisões judiciais o máximo de objetivismo, no qual a lei seja aplicada de forma igualitária a todos, sem possibilidade de interpretações subjetivas do aplicador do direito, visando evitar um cenário de insegurança jurídica.
Aqueles que são contrários ao ativismo judicial alegam ainda que aceitar que o Poder Judiciário vá além de suas atribuições precípuas previamente constituídas, acaba por contribuir para a morosidade da justiça e atolamento de processos, já que se torna mais cômodo buscar a tutela jurisdicional e esperar que o juiz decida a sua lide, do que tentar solucionar o problema por outros meios.
Há também aqueles que consideram o ativismo judicial benéfico para a sociedade, pois esta seria uma forma de efetivar os preceitos constitucionais e direitos fundamentais, diante da omissão Executiva e Legislativa.
Ademais, não se pode admitir a ofensa a preceitos constitucionais com o simples argumento de que os membros do Poder Judiciário não foram eleitos pelo povo, e por isso estar-se-ia desrespeitando a vontade popular e, consequentemente, a democracia.
Sobre isso, insta consignar que dentre as funções do Poder Judiciário está zelar pelos direitos humanos e direitos das minorias, haja vista que uma democracia não deve representar apenas a vontade da maioria, mas o respeito a todas as classes.
Dessa forma, para os defensores desse posicionamento, o ativismo judicial contribui, na verdade, para reafirmar o Estado Democrático de Direito, na medida em que combate a inércia e omissão estatal, por meio da concretização de direitos fundamentais.
Outrossim, não se trata de ofensa ao princípio da separação dos Poderes, isto porque, a teoria desenvolvida por Montesquieu também previu o sistema checks and balances, mais conhecido como freios e contrapesos. Admitir que os Poderes da República exerçam controle entre sim, objetiva garantir que nenhum dos Poderes abuse de suas funções, observando o que a Constituição no art. 2º chama poderes independentes e harmônicos entre si.
Além disso, essa função de fiscalização não é exclusividade do Poder Judiciário, cabe ao Poder Legislativo, por exemplo, exercer o controle político-administrativo e o financeiro-orçamentário do Estado, podendo para tanto questionar atos do Poder Executivo ou mesmo reprovar suas contas, se eivadas de ilegalidade. O Executivo, por sua vez, pode exercer o poder de veto de leis ou ainda editar medidas provisórias, nos casos de relevância e urgência.
Importante ressaltar que, quando provocado, o Poder Judiciário não pode eximir-se de julgar, sendo obrigado a conferir tutela a lesão ou ameaça a direito, em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição.
Outro ponto relevante está no fato de que o magistrado não pode ser visto, exclusivamente, como aplicador do direito, isto seria uma forma de engessar a Justiça, além de inviabilizar que a Constituição acompanhe as transformações sociais. Nesse sentido, deve-se levar em consideração que a nossa Lei Maior é chamada de Constituição Cidadã, já que foi promulgada em um período pós ditadura, cuja principal preocupação era resguardar o máximo de direitos possíveis, tendo em vista os longos anos de supressão de direitos vividos pelo povo brasileiro.
A própria Carta Magna[75] permite uma elasticidade quando o assunto é a tutela dos direitos e garantias constitucionais, admitindo-se a proteção de outros direitos fundamentais, ainda que não expressos, decorrentes do regime e princípios adotados pela Constituição, além dos previstos em tratados internacionais que o Brasil seja parte.
Ressalte-se que possibilitar aos magistrados uma maior flexibilidade na interpretação da Constituição e aplicação da lei ao caso concreto, não dá ensejo a manifestações meramente subjetivas, já que subsiste a obrigatoriamente de observar o princípio da motivação das decisões judicias, devendo estas serem pautadas nas leis ou princípios constitucionais, expressos ou implícitos.
O Ministro Luís Roberto Barroso aduz sobre algumas objeções ao ativismo judicial
Três objeções podem ser opostas à judicialização e, sobretudo, ao ativismo judicial no Brasil. Nenhuma delas infirma a importância de tal atuação, mas todas merecem consideração séria. As críticas se concentram nos riscos para a legitimidade democrática, na politização indevida da justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário.[76]
O autor ainda destaca que, quando bem exercida, a jurisdição constitucional, assim entendida como uma postura ativista, representa mais uma garantia do que um risco a legitimidade democrática, ponderando, no entanto, que “A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo”[77].
No que se refere a politização indevida da justiça o Ministro evidencia alguns pontos que devem ser observados pelo magistrado quando no exercício da atividade jurisdicional
(i) só deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (ii) deve ser deferente para com as decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis; (iii) não deve perder de vista que, embora não eleito, o poder que exerce é representativo (i.e, emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão pela qual sua atuação deve estar em sintonia com o sentimento social, na medida do possível. Aqui, porém, há uma sutileza: juízes não podem ser populistas e, em certos casos, terão de atuar de modo contramajoritário. A conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do Judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia.[78]
Observa-se que o magistrado deve priorizar por manter a sua imparcialidade, evitando que manifestações meramente políticas interfiram no julgamento das lides, sem, contudo, perder a sensibilidade de adequar as suas decisões às necessidades sociais, não agindo apenas como coadjuvante e aplicador da norma, mas como verdadeiro protagonista na tutela dos preceitos constitucionais.
Quanto aos limites de atuação do Poder Judiciário o Ministro faz referência ao controle recíproco que os Poderes exercem entre si, em observância ao princípio da separação de Poderes, bem como ao sistema de freios e contrapesos, discorrido em momento anterior do presente trabalho.
3.5 Casos práticos de ativismo judicial no Brasil
Muitos são os exemplos de ativismo judicial na jurisprudência brasileira, todavia selecionou-se três temas para serem abordados com mais detalhes. O primeiro deles, a intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas, foi escolhido considerando ser um dos principais pontos de questionamento e controvérsia no que se refere a conduta ativista no Poder Judiciário.
Os outros dois assuntos, Execução provisória da pena após condenação em segundo instância e a Descriminalização do aborto realizado até o terceiro trimestre de gestação, foram selecionados em razão de se tratar de temas recentes, que ainda levantam discussões acaloradas e divide opiniões.
3.5.1 A intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas
Apesar de ser um tema complexo e abrangente, que demandaria um trabalho científico exclusivamente para abordar tal assunto, não é possível falar em ativismo judicial sem fazer referência a implementação de políticas públicas realizadas pelo Poder Judiciário.
Como políticas públicas podemos entender um conjunto de ações positivas desenvolvidas pelo Estado, que objetivam atender as necessidades da população. De regra, a implementação de políticas públicas, é uma ordem constitucional direcionada aos Poderes Legislativo e Executivo, de modo que, ao primeiro cabe definir sobre a destinação e aplicação dos recursos, e ao segundo a execução e implementação de projetos tendentes a concretizar os preceitos constitucionais, como direitos fundamentais, sociais, dentre outros.
Observa-se então que a função típica de executar e elaborar as políticas públicas foi atribuída ao Poder Executivo e Legislativo, no entanto, não raramente nos deparamos com posturas omissivas da administração pública em atender os anseios sociais, colocando em risco a vida das pessoas. Nesse contexto, subsidiariamente, permite-se que o Poder Judiciário, atue na implementação de políticas públicas, visando salvaguardar os direitos fundamentais estabelecidos pela Carta Magna.
Nesse sentido, no bojo da ADPF nº 45/2004 o tema sobre a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas foi enfrentado com maestria
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).[79]
Em seu voto, o Ministro Celso de Mello, relator da ação de descumprimento de preceito fundamental, destaca que, em regra, são competentes para formular e executar políticas públicas os detentores de mandato eletivo, todavia, tal assertiva não pode ser vista de modo absoluto, de modo que, diante da falibilidade estatal em efetivar os direitos fundamentais, torna-se plenamente possível a intervenção do Poder Judiciário
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.[80]
Em outra situação, o STF admitiu, mais uma vez, que o Poder Judiciário adentrasse na órbita de atuação da Administração Pública, impondo a esta obrigação de fazer, no sentido de realizar obras e reformas emergenciais em presídios, diante da comprovada ineficiência administrativa em garantir direitos fundamentais mínimos aos detentos, como a sua integridade física e moral, evidenciando que este é um entendimento pacífico adotado pela Suprema Corte do país
REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DO MPE CONTRA ACÓRDÃO DO TJRS. REFORMA DE SENTENÇA QUE DETERMINAVA A EXECUÇÃO DE OBRAS NA CASA DO ALBERGADO DE URUGUAIANA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DESBORDAMENTO DOS LIMITES DA RESERVA DO POSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE CONSIDEROU DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE PRESOS MERAS NORMAS PROGRAMÁTICAS. INADMISSIBILIDADE. PRECEITOS QUE TÊM EFICÁCIA PLENA E APLICABIILIDADE IMEDIATA. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA E ADEQUADA PARA PRESERVAR O VALOR FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO POSTULADO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA MANTER A SENTENÇA CASSADA PELO TRIBUNAL. I - É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais. II - Supremacia da dignidade da pessoa humana que legitima a intervenção judicial. III - Sentença reformada que, de forma correta, buscava assegurar o respeito à integridade física e moral dos detentos, em observância ao art. 5º, XLIX, da Constituição Federal. IV - Impossibilidade de opor-se à sentença de primeiro grau o argumento da reserva do possível ou princípio da separação dos poderes. V - Recurso conhecido e provido. [81] (grifo nosso)
Depreende-se que os direitos fundamentais possuem aplicação imediata, sendo de implementação obrigatória, não cabendo a alegação de insuficiência orçamentária ou financeira, como forma de eximir-se da responsabilidade de salvaguardar os direitos da pessoa humana.
Vale ressaltar, que não se trata de ofensa ao princípio da separação de poderes, já que a própria constituição preceitua que os Poderes da República são independentes e harmônicos entre si, o que permite a fiscalização mútua, bem como a adoção de medidas necessárias, na iminência de condutas que coloquem em risco o Estado Democrático de Direito, a exemplo, da afronta aos direitos fundamentais.
Ademais, a reserva do possível é um dos principais argumentos utilizados pela Administração Pública, como justificava para não concretizar os direitos sociais e implementar as políticas públicas. Todavia, o Estado não pode se esquivar de atender as pretensões e necessidades sociais, arguindo, puramente, a incapacidade econômico-financeira, caso isso fosse possível, estar-se-ia contribuindo para a aplicação irresponsável de recurso públicos, sem a necessária priorização dos gastos na efetivação dos direitos fundamentais e garantia das condições mínimas de existência.
Nesse sentido, a doutrinadora Ana Paula de Barcellos, assevera que
(...) a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.[82]
Nota-se que deve, o cerne da questão não é o gasto imoderado de recursos públicos para a implementação de políticas públicas, na verdade, deve haver um sopesamento de princípios, no qual a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial, irá prevalecer em detrimento da reserva do possível, ou seja, o argumento de contenção dos recursos públicos só poderá ser alegado, depois de garantido o mínimo existencial.
Seguindo o mesmo raciocínio, no voto da ADI nº 3768, a Ministra Carmem Lúcia, disserta acerca do mínimo existencial como sendo
[...] o conjunto das condições primárias sócio-políticas, materiais e psicológicas sem as quais não se dotam de conteúdo próprio os direitos assegurados constitucionalmente, em especial aqueles que se referem aos fundamentais individuais e sociais [...] que garantem que o princípio da dignidade humana dota-se de conteúdo determinável (conquanto não determinado abstratamente na norma constitucional que o expressa), de vinculabilidade em relação aos poderes públicos, que não podem atuar no sentido de lhe negar a existência ou de não lhe assegurar a efetivação, de densidade que lhe concede conteúdo específico sem o qual não se pode afastar o Estado.[83]
Assim, embora, com regra, o Estado possa agir com certa discricionariedade na alocação e destinação dos recursos, excepcionadas as imposições constitucionais de destinação específica de algumas verbas, o mínimo existencial também é uma limitação estatal que necessariamente deve ser observada, antes da alegação de reserva do possível.
É importante ponderar que a intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas deve ser vista como uma exceção à regra, devendo ser levada a efeito apenas nos casos de latente afronta aos preceitos constitucionais, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana e a garantia do mínimo existencial.
Dessa forma, nas situações de omissões injustificadas da Administração Pública, nasce para o Poder Judiciário o poder-dever de intervir na esfera de atuação dos demais poderes, com o fito de concretizar os direitos fundamentais, mesmo que para isso seja necessário efetivar a implementação de políticas públicas. Tal disposição guarda relação com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que preceitua que a lei não excluirá de sua apreciação lesão ou ameaça de direito. Isto porque, as pessoas que buscam a tutela jurisdicional, nesse contexto, tiveram algum direito fundamental social como, saúde, educação, trabalho, dentre outros, ameaçados ou até mesmo lesionados.
3.5.2 Execução provisória da pena após condenação em segunda instância
A possibilidade de prisão pena antes do trânsito em julgado, trata-se de posicionamento adotado pela jurisprudência pátria desde a promulgação da Constituição de 1988 até o ano de 2009, quando o Supremo Tribunal Federal passou a fazer uma leitura mais literal do art. 5º, LVII[84], da Carta Magna, considerando tal dispositivo uma regra de caráter absoluto que impedia a execução da pena antes da apreciação dos Recursos Especiais e Recursos Extraordinários.
A partir de fevereiro de 2016 no julgamento do HC 126292, a Suprema Corte voltou a posicionar-se no sentido de que a execução provisória da pena na esfera penal após a condenação em segunda instância, não ofende o princípio da presunção de inocência, conforme ementa a seguir
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.[85] (grifo nosso)
No que se refere a essa mudança de jurisprudência do STF, relacionada à admissão da execução da pena após a condenação em segunda instância, o Ministro Barroso, em seu voto, faz uma explanação a respeito do assunto, ressaltando que ocorreu o processo de mutação constitucional, assim entendido como
[...] mudança de sentido da norma, em contraste com entendimento pré-existente. Como só existe norma interpretada, a mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante da alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da interpretação judicial, haverá mutação constitucional quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a determinada norma constitucional sentido diverso do que fixara anteriormente. (...) A mutação constitucional em razão de uma nova percepção do Direito ocorrerá quando se alterarem os valores de uma determinada sociedade. A ideia do bem, do justo, do ético varia com o tempo. Um exemplo: a discriminação em razão da idade, que antes era tolerada, deixou de ser. (...) A mutação constitucional se dará, também, em razão do impacto de alterações da realidade sobre o sentido, o alcance ou a validade de uma norma. O que antes era legítimo pode deixar de ser. E vice-versa. Um exemplo: a ação afirmativa em favor de determinado grupo social poderá justificar-se em um determinado momento histórico e perder o seu fundamento de validade em outro.[86]
Observa-se, desse modo, que a possibilidade da prisão pena após a condenação em segundo grau passou por dois processos de mutação constitucional, alteração da interpretação sem modificação formal da norma. O primeiro no ano de 2009, quando a execução provisória do acordão penal antes do trânsito em julgado passou a ser inadmissível, e o segundo quando o STF tornou a considerar tal hipótese plenamente possível.
Frise-se, que embora este seja o atual entendimento do STF, a admissão da execução da pena após condenação em segunda instância ainda é um tema controvertido, que divide opiniões entre doutrinadores e juristas do país, além de reacender a discussão acerca das práticas ativistas realizadas pelo Poder Judiciário.
Aqueles que se posicionam contrariamente à aceitação da prisão pena antes do trânsito em julgado, justificam que se trata de uma questão de inconstitucionalidade, haja vista que ofende o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, também conhecido como presunção de inocência.
Outro argumento de tal corrente é que fere o direito fundamental de defesa, já que ao admitir o início da execução da pena antes de esgotar todas as possibilidades de recursos previstas pelo sistema processual brasileiro, estar-se-ia dificultando o exercício do direito de defesa pela parte.
Ademais, segundo os defensores desse posicionamento, seria uma situação de cumprimento ilegal de penal, considerando que a pena ainda pode ser reduzida ou extinta pelos tribunais superiores.
Outrossim, pontuam que a antecipação dessas prisões causaria um aumento considerável na população carcerária, o que geraria um problema de ordem social e o agravamento da crise do sistema penitenciário decorrentes da superlotação.
Lado outro, aqueles que defendem o início da execução da pena após a condenação em segunda instância, rebatem que não há violação ao direito fundamental de defesa e tão pouco ao princípio do duplo grau de jurisdição, já que a decisão judicial continuará sendo obrigatoriamente revista por uma instância superior.
Sobre esse assunto, o nobre Ministro Luís Roberto Barroso, destaca em seu voto, no julgamento do HC que deu ensejo a mudança de entendimento, que a prisão pena antes do trânsito em julgado, fundamenta-se pela conjunção de três fundamentos jurídicos, a saber
[...] (i) a Constituição brasileira não condiciona a prisão – mas sim a culpabilidade – ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O pressuposto para a privação de liberdade é a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, e não sua irrecorribilidade. Leitura sistemática dos incisos LVII e LXI do art. 5º da Carta de 1988; (ii) a presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes. No caso específico da condenação em segundo grau de jurisdição, na medida em que já houve demonstração segura da responsabilidade penal do réu e finalizou-se a apreciação de fatos e provas, o princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal (CF/1988, arts. 5º, caput e LXXVIII e 144); (iii) com o acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação esgotam-se as instâncias ordinárias e a execução da pena passa a constituir, em regra, exigência de ordem pública, necessária para assegurar a credibilidade do Poder Judiciário e do sistema penal. A mesma lógica se aplica ao julgamento por órgão colegiado, nos casos de foro por prerrogativa.[87]
Segundo o Ministro, não haveria ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, já que a ordem emanada pela Carta Magna é a garantia da não culpabilidade anterior ao trânsito em julgado, e não a vedação da prisão antes de esgotados todos os recursos. Ademais, o pressuposto de validade para a decretação da prisão é a existência de ordem escrita e fundamentada por autoridade judiciária competente, não se exigindo, necessariamente, o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Além disso, pela natureza de princípio e diante da inexistência de princípio absoluto, este pode ser relativizado no caso de aparente colisão de princípios, sendo possível que a efetividade da lei penal, também prevista na constituição, prevaleça sobre aquele.
Outro argumento utilizado é que o sistema processual vigente é defasado e admite uma infinidade de recursos meramente protelatórios, o que contribui para a morosidade da justiça e, consequentemente, diversos casos de impunidade.
Isso se dá, já que a grande quantidade de recursos disponíveis faz com que as sentenças se tornem sem efeito, diante do risco da prescrição da pena ou cumprimento tardio desta, a exemplo, do que aconteceu com o ex-senador Luís Estevão condenado em 1992 por desviar R$ 169 milhões de uma obra, sendo preso apenas em 2016, após o trânsito em julgado. E depois de apresentar mais de 30 recursos aos tribunais superiores, tendo o seu processo perdurado por vinte e quatro anos.
Outro caso é o do ex-jogador Edmundo que, apesar de condenado por atropelar e matar três pessoas dirigindo em alta velocidade na Lagoa Rodrigo de Freitas, saiu totalmente impune, já que após a interposição de 21 recursos, ao longo de doze anos depois da condenação, o crime prescreveu.
Nesse sentido, o Ministro Barroso ressalta ainda a existência de três fundamentos pragmáticos acerca da possibilidade de execução da pena após a condenação em segunda instância, quais sejam
[...] (i) permite tornar o sistema de justiça criminal mais funcional e equilibrado, na medida em que coíbe a infindável interposição de recursos protelatórios e favorece a valorização da jurisdição criminal ordinária; (ii) diminui o grau de seletividade do sistema punitivo brasileiro, tornando-o mais republicano e igualitário, bem como reduz os incentivos à criminalidade de colarinho branco, decorrente do mínimo risco de cumprimento efetivo da pena; e (iii) promove a quebra do paradigma da impunidade do sistema criminal, ao evitar que a necessidade de aguardar o trânsito em julgado do recurso extraordinário e do recurso especial impeça a aplicação da pena (pela prescrição) ou cause enorme distanciamento temporal entre a prática do delito e a punição, sendo certo que tais recursos têm ínfimo índice de acolhimento. 4. Denegação da ordem. Fixação da seguinte tese: “A execução de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade”.[88] (grifo nosso)
Frise-se ainda que, os Tribunais Superiores não reveem provas e questões de fato, atendo-se apenas às questões de direito. Outrossim, conforme pesquisa realizada pela assessoria de gestão estratégica do STF, referentes ao período de 01.01.2009 até 19.04.2016, “(...) o percentual de recursos extraordinários providos em favor do réu é irrisório, inferior a 1,5%. (...) em 25.707 decisões de mérito proferidas em recursos criminais pelo STF (REs e agravos), as decisões absolutórias não chegam a representar 0,1% do total de decisões”.
3.5.3 Descriminalização do aborto realizado até o terceiro trimestre de gestação
A descriminalização do aborto efetivado até o terceiro trimestre de gestação, também é um tema sensível que provocou uma grande reação no mundo jurídico e político, bem como, o questionamento mais uma vez, se o Poder Judiciário não estaria legislando.
Ressalte-se que a referida decisão foi tomada pela Primeira Turma do STF, em sede de controle de constitucionalidade difuso, portanto, não possui efeito vinculante e erga omnes. Todavia, gerou um precedente na Suprema Corte sobre o assunto, senão vejamos
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA DECRETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia, é o caso de concessão da ordem de ofício, para o fim de desconstituir a prisão preventiva, com base em duas ordens de fundamentos. 2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação. 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. 5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. 6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios. 7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália. 8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-se a decisão aos corréus.[89] (grifo nosso)
Os argumentos utilizados pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber, para fazer interpretação conforme à constituição, de modo a não mais considerar como figura típica o aborto quando realizado no primeiro trimestre de gestação foram possíveis violações aos seguintes direitos: a) direitos sexuais e reprodutivos da mulher, já que esta não pode ser coagida pelo Estado a manter uma gestação indesejada; b) a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; c) a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; d) a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria.
Além disso, os defensores dessa corrente alegam que o aborto clandestino continua a matar inúmeras mulheres, principalmente as de baixa renda, que se submetem a procedimentos mais baratos, realizados por pessoas sem quaisquer preparos e em lugares inapropriados, que colocam em risco a vida gestante.
Outrossim, sustentam que fere o princípio da proporcionalidade, já que a penalização do aborto não inibe a prática da conduta, mas tão somente impede que este seja praticado de forma segura, bem como, consideram que há meios mais eficazes e menos lesivos para se evitar gestações indesejadas, como por exemplo, educação sexual, distribuição de contraceptivos, dentre outros, além de, ponderar que é um medida desproporcional em sentido estrito, pois gera custos sociais, tais como, problemas de saúde pública e mortes, superiores aos benefícios que produz.
Contrariamente, aqueles que são desfavoráveis à prática do aborto, mesmo quando realizada até o terceiro trimestre de gestação, apresentam como principal argumento o fato de que tal conduta fere o direito à vida do nascituro.
O Direito a vida está previsto no caput[90] do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, assim como no artigo 6º do Decreto nº 592[91] de 1992, que incorporou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e no artigo 4º do Pacto de San José da Costa Rica[92], de 1969, que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 678 de 1992.
Senão bastasse isso, o Superior Tribunal de Justiça adota a teoria concepcionista, ressaltando que a leitura do art. 2º[93] do Código Civil de 2002, não tem um caráter meramente patrimonial, sendo resguardado ao nascituro a titularidade de direitos da personalidade, dentre os quais o principal deles é o direito à vida
DIREITO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ABORTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. EXEGESE SISTEMÁTICA. ORDENAMENTO JURÍDICO QUE ACENTUA A CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO. VIDA INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. INCIDÊNCIA. 1. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil - que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei. 2. Entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro - embora não nascida - é afirmada sem a menor cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida" - tutela da vida humana em formação, a chamada vida intrauterina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 658). 3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro - natalista e da personalidade condicional - fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa - como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros. 4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. 5. Portanto, é procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT, com base no que dispõe o art. 3º da Lei n. 6.194/1974. Se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina. 6. Recurso especial provido. [94] (grifo nosso)
Outro ponto abordado pelos nobres ministros é que na esfera penal o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) encontra-se disposto no título referente a “crimes contra a pessoa”, que está inserido no capítulo de “crimes contra a pessoa”, o que demonstra a clara intenção do legislador infraconstitucional em conceder a devida proteção a vida humana ainda em formação.
Vale destacar que, a prática do aborto, ainda que realizado de forma legalizada oferece riscos a saúde da mulher, “procedimentos clínicos para interrupção da gravidez contêm riscos tanto em situações ilegais quanto legais”, além disso, “As consequências de uma curetagem, por exemplo, vão desde infecções, até perfurações uterinas, infertilidade em gravidezes posteriores e morte”, conforme relatado pela ginecologista-obstetra e coordenadora de assuntos bioéticos e científicos do Movimento Brasil sem Aborto, Luciana Lopes Lemos[95].
A depressão e ansiedade também são consequências sofridas por mulheres que se submetem a interrupção de uma gravidez, sendo tais sintomas mais frequentes em mulheres que provocaram o aborto do que naquelas que sofreram aborto espontâneo.
Insta salientar que, aqueles que são contra a descriminalização do aborto no primeiro trimestre sustentam ainda uma latente afronta ao principal eixo axiológico da Constituição da República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que se trata de uma vida humana em formação, sujeito de direitos, que não pode ser considerada apenas como uma parte do corpo da mulher, que poderia dispor livremente sobre a vida do nascituro em favor dos seus desejos e vontades.
Há ainda diversos outros exemplos de ativismo judicial na jurisprudência brasileira, nos quais o Poder Judiciário agirá de forma mais proativa intervindo em questões que, de regra, seriam da competência do Poder Executivo e Legislativo. Todavia, diante da omissão desses Poderes e objetivando concretizar os direitos fundamentais, o Poder Judiciário passa a atuar e opinar em demandas que estariam fora de suas atribuições precípuas.
Por todo o exposto, observa-se que a admissibilidade ou não de uma postura mais proativa do Poder Judiciário com relação aos demais Poderes da República é um tema cercado de bastante controvérsia jurídica e doutrinária, havendo aqueles que apoiam tal conduta, e outros que se manifestam contrariamente ao ativismo judicial.
Durante o desenvolvimento do presente trabalho científico, buscou-se resposta para a seguinte problemática, “O ativismo judicial traz mais benefícios ou malefícios à efetivação do Estado Democrático de Direito?”.
O referencial teórico levantado, inicialmente, em fase de pré-projeto apontava para a hipótese de que a postura mais proativa do Poder Judiciário poderia influenciar no exercício das funções dos demais Poderes e representar um certo risco ao Estado Democrático de Direito e a separação de poderes.
Todavia, no decorrer da pesquisa e aprofundamento dos estudos, a partir da análise dos aspectos positivos e negativos do ativismo judicial, bem como do estudo de caso de algumas situações práticas de aplicabilidade de condutas ativistas na jurisprudência pátria, percebeu-se que, na verdade, o ativismo judicial pode ser benéfico à República, sem representar risco à democracia ou ao Estado Democrático de Direito.
Dentre os principais pontos positivos do ativismo judicial, destaca-se que este visa concretizar direitos fundamentais, em especial aqueles relacionados aos direitos sociais, quando são alvos de omissão ou inércia por parte do Poder Legislativo ou Executivo.
Além disso, o Poder Judiciário possui entre suas atribuições o poder/dever de defender e salvaguardar a Constituição da República, dando efetividade não só as suas disposições normativas, mas também a todos os preceitos principiológicos dela decorrentes, previstos de forma expressa ou implícita.
Nesse sentido, importante ressaltar que o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição preceitua que a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, confirmando a responsabilidade do Judiciário na tutela dos direitos fundamentais.
Outro ponto relevante é que o magistrado não pode ser visto apenas como aplicador do Direito, sem possibilidade de dar a Constituição interpretação que reflita a realidade da sociedade contemporânea, pois se isso fosse possível estar-se-ia engessando o sistema judiciário e dificultando a concretização de direitos.
Entretanto, essa questão deve ser vista com reservas, de modo a não dar margem ao subjetivismo imoderado, como exemplo, pode-se citar a decisão da primeira turma do STF que se manifestou a favor da descriminalização do aborto quando realizado no primeiro trimestre de gestação.
Embora seja uma decisão em sede de controle difuso de constitucionalidade e não produza efeitos erga omnes e vinculantes, trata-se de um importante precedente que pode influenciar decisões posteriores. No caso em comento observa-se que o Judiciário excede um pouco de suas atribuições ao exercer a postura de legislador positivo, função esta típica do Poder Legislativo.
No entanto, esse tipo de posicionamento não é a regra, no geral, ao assumir uma postura mais proativa o Poder Judiciário combate omissões dos demais Poderes da República e concretiza direitos e preceitos constitucionais como, por exemplo, na implementação de políticas públicas.
Portanto, o ativismo judicial, quando bem utilizado, não ameaça a democracia, pelo contrário, reafirma a instituição do Estado Democrático de Direito, no entanto, a aplicação das práticas ativistas, como tudo na vida, deve ser realizada de forma moderada, sempre com o intuito precípuo de concretizar os direitos fundamentais, evitando-se abusos.
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[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 56.
[2] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 36.
[3] SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo (Orgs.). As novas faces do ativismo judicial. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 77 apud RAUPP, Maurício Santos. Ativismo Judicial: Características e singularidades. Do voluntarismo à concretização de direitos. 1. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 71/72.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional – 11. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 53.
[5] CUNHA JÚNIOR, op. cit., p. 35.
[6] TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do judiciário – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 40.
[7] SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo (Orgs.). As novas faces do ativismo judicial. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 73-74 apud RAUPP, Maurício Santos. Ativismo Judicial: Características e singularidades. Do voluntarismo à concretização de direitos. 1. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 75/76.
[8] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, abr./jun. 2005, p. 11/12.
[9] CUNHA JÚNIOR, op. cit., p. 36.
[10] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”
[11] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2008, p. 4/5.
[12] Ibid., p. 5.
[13] Ibid., p. 6.
[14] SILVA, José Afonso. “O Estado Democrático de Direito”. in Revista de direito administrativo, 173: 15-34, Rio de Janeiro: Jul./Set. 1988, pg. 21.
[15] Ibid., p. 24.
[16] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional – 9. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 296.
[17] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 3, abr./jun. 2005.
[18] SOUSA, Isabella Saldanha de; GOMES, Magno Federici. Ativismo judicial, democracia e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 17.
[19] SOUSA, op. cit., p. 19.
[20] BOBBIO, Norberto. A Teoria das formas de Governo. 2. ed. Tradução Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília, 1980, p. 105 apud SOUSA, Isabella Saldanha de; GOMES, Magno Federici. Ativismo judicial, democracia e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 19.
[21] BOBBIO, Norberto. Locke e direito natural. 2. ed. Tradução Sérgio Bath. Universidade de Brasília: Brasília 1997, p. 223 apud SOUSA, Isabella Saldanha de; GOMES, Magno Federici. Ativismo judicial, democracia e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 27
[22] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. Trad, MOTA, Pedro Vieira. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 24-25 apud SOUSA, Isabella Saldanha de; GOMES, Magno Federici. Ativismo judicial, democracia e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 30.
[23] SOUSA, op. cit,, p. 31-32.
[24] “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
[25] “Art. 60. §4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
III – a separação dos Poderes;”
[26] Significados <https://www.significados.com.br/poder/>
[27] DALLARI, Dalmo de Abreu, 1931 – Elementos de teoria geral do Estado – 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 111.
[28] Ibid., p. 111.
[29] DALLARI, op. cit., p. 112.
[30] TEMER, MICHEL. Elementos de direito constitucional. 22. ed. – São Paulo: Malheiros, 2007, p. 172.
[31] MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional – 4. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 60.
[32] MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit., p. 106.
[33] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado – 3. ed., rev. e atualizada – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008, p. 7.
[34] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. op. cit., p. 8.
[35] LENZA, Pedro. op. cit., p. 75.
[36]MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 125.
[37] MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 10.
[38] CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da Constituição, 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 212-213 apud LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 153.
[39] LENZA, Pedro. op. cit., p. 153-154.
[40] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. op. cit., p. 67.
[41] LENZA, Pedro. op. cit., p. 154.
[42] MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit., p. 90.
[43] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. op. cit., p. 69.
[44] LENZA, Pedro. op. cit., p. 155.
[45] MASSON, Nathalia. op. cit., p. 62.
[46] LENZA, Pedro. op. cit., p. 157.
[47] MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 15.
[48] MASSON, Nathalia. op. cit., p. 65.
[49] MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit., p. 94.
[50] CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da Constituição, 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 229 apud LENZA, Pedro. op. cit. p. 158.
[51] LENZA, Pedro. op. cit., p. 159.
[52] MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 16.
[53] ADPF 130 / DF, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJe nº 208, Divulgação 05-11-2009, Publicação 06-11-2009, Ementário nº 2381-1.
[54] MASSON, Nathalia. op. cit., p. 61.
[55] MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 17/18.
[56] MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit., p. 132.
[57] “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
[...]”
[58] LENZA, Pedro. op. cit., p. 73.
[59] SOUSA, Isabella Saldanha de; GOMES, Magno Federici. op. cit., p. 43.
[60] Ibid., p. 37.
[61] TASSINARI, Clarissa. op.cit., p. 65/66.
[62] Ibid., p. 65.
[63] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Em busca de um conceito fugidio – o ativismo judicial. In: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo (Orgs.). As novas faces do ativismo judicial. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 389 apud RAUPP, Maurício Santos. Ativismo Judicial: Características e singularidades. Do voluntarismo à concretização de direitos. 1. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 49/50.
[64] KMIEC, Keenan D. The origin and the current meaning of “judicial activism”. California Law Review, vol. 92., n. 5, p. 1441-1477.2004 apud TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: limites da atuação do judiciário – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 66.
[65] BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. p. 10/11.
[66] Ibid., p. 11.
[67] RAMOS, Paulo Roberto Barbosa; OLIVEIRA JUNIOR; Jorge Ferraz de. Características do ativismo judicial nos Estados Unidos e no Brasil. p. 28. in Revista de informação legislativa, v. 51, n. 204, p. 25-42, out./dez. 2014.
[68] SOUSA, Isabella Saldanha de; GOMES, Magno Federici. Ativismo judicial, democracia e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 52.
[69] TASSINARI, Clarissa. op.cit., p. 32.
[70] Ibid., p. 33.
[71] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. p. 6.
[72] O Executivo não pode interferir no judiciário – entrevista exclusiva: Antonin Scalia, Ministro da Suprema Corte Americana. Revista Justiça & Cidadania, Rio de Janeiro, 16 de fev. 2016.
[73] Ibid.
[74] PINHEIRO, Aline. Justiça lotérica - Ativismo judicial não é bom para a democracia. – entrevistado: Lênio Luiz Streck, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Revista Consultor Jurídico, 15 de mar. 2009.
[75] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
[76] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. p. 10.
[77] Ibid., p. 12.
[78] Ibid., p. 14/15.
[79] ADPF 45 MC/DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO.
[80] ADPF 45 MC/DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO.
[81] RE 592581, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016.
[82] BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 245-246.
[83] ADI 3768, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 19/09/2007, DJe-131 DIVULG 25-10-2007 PUBLIC 26-10-2007 DJ 26-10-2007 PP-00028 EMENT VOL-02295-04 PP-00597 RTJ VOL-00202-03 PP-01096
[84] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”
[85] HC 126292, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016.
[86] HC 126292, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016. (Inteiro teor do acórdão – p. 32)
[87] HC 126292, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016. (Inteiro teor do acórdão – p. 27/28)
[88] HC 126292, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016. (Inteiro teor do acórdão – p. 28)
[89] HC 124306, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 16-03-2017 PUBLIC 17-03-2017
[90] “ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
[91] “Art. 6
1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.
[92] “Art. 4 Direito a vida
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse decreto deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.
[93] “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
[94] REsp 1415727/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 29/09/2014.
[95] http://www.generonumero.media/debate-sobre-aborto-mobiliza-opinioes-pro-e-contra/
Pós-Graduada em Direito Constitucional
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MESSIAS, Dálethe Borges. Prós e contras do ativismo judicial na efetivação do estado democrático de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59507/prs-e-contras-do-ativismo-judicial-na-efetivao-do-estado-democrtico-de-direito. Acesso em: 27 dez 2024.
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